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Roteiro

versão On-line ISSN 2177-6059

Roteiro vol.46  Joaçaba jan./dez 2021  Epub 08-Jul-2021

https://doi.org/10.18593/r.v46.26473 

Seção temática: Epistemologias Negras e Processos Educativos

Experiência museal no distrito de Mazagão Velho-AP: visitação em movimento

Museum experience in the district of Mazagão Velho-Amapá: visitation on movement

Experiencia museal en el distrito de Mazagão Velho-Amapá: visitación en movimiento

Piedade Lino Videira1I  , Professora
http://orcid.org/0000-0001-5325-9073

José Gerardo Vasconcelos2II  , Professor
http://orcid.org/0000-0003-0559-2642

IUniversidade Federal do Amapá, Departamento de Educação, Curso de Pedagogia, Professora.

IIUniversidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Professor.


Resumo:

Neste artigo, deu-se enfoque ao território distrital de Mazagão Velho, localizado no município de Mazagão, estado do Amapá, como espaço museal afro-amapaense, ante a sua relevância histórica e cultural, como reduto de negras e negros que protegem do apagamento e esquecimento suas heranças culturais/religiosas, as quais resistem ao tempo e conformam a geografia social da comunidade. A metodologia utilizada pautou-se em estudo teórico-bibliográfico e com base em entrevistas semiestruturadas, endereçado a oito guardiões culturais, sendo quatro mulheres e quatro homens atuantes na comunidade. Concluiu-se que a cultura, a memória e a territorialidade, numa perspectiva educativa e patrimonial, sinalizam ser uma ação comunitária e recurso didático-pedagógico estratégico para salvaguardar patrimônio cultural na/da comunidade.

Palavras-chave: Distrito de Mazagão Velho; memória individual/coletiva; territorialidade museal; patrimônio cultural; educação para as relações étnico-raciais.

ABSTRACT

Abstract: In this article, the focus was on the district territory of Mazagão Velho, located in the municipality of Mazagão, state of Amapá, as an Afroamapaense museum space, in view of its historical and cultural relevance, as a stronghold of black men and black women who protect their cultural/religious heritage from erasure and oblivion, which resist time and conform the social geography of the community. The methodology used was guided by a theoretical-bibliographic study and based on semi-structured interviews, addressed to eight cultural guardians, four women and four men. One concluded that culture, memory and territoriality, in an educational and heritage perspective, signalize to be a community action and didactic-pedagogical strategic resource to safeguard the cultural heritage in/of the community.

Keywords: Mazagão Velho District; individual/collective memory; museum territoriality; cultural heritage; education for ethnic-racial relations.

Resumen:

Este artículo se centra en el territorio distrital de Mazagão Velho, ubicado en el municipio de Mazagão, estado de Amapá, Brasil, como espacio museal afro del referido estado, ante su relevancia histórica y cultural, como reducto de negras y negros que protegen del apagamiento y olvido sus herencias culturales/religiosas, las cuales resisten al tiempo y conforman la geografía social de la comunidad. Se utilizó la metodología fue guiado por un estudio teórico-bibliográfico y basado en entrevistas semiestructuradas, mediante aplicación de encuesta con preguntas semiestructuradas, dirigida a ocho guardianes culturales, siendo cuatro mujeres y cuatro hombres. Se concluyó que la cultura, la memoria y la territorialidad, bajo una perspectiva educativa y patrimonial, apuntan ser una acción comunitaria y recurso didáctico-pedagógico estratégico para salvaguardar el patrimonio cultural en/de la comunidad.

Palabras clave: Distrito de Mazagão Velho; memoria individual/colectiva; territorialidad museal; patrimonio cultural; educación para las relaciones étnico-raciales.

1 INTRODUÇÃO

No movimento da perspectiva existencial, simbólica, cultural e do trabalho técnico-científico e criativo do africano e de seus descendentes nas Américas, o corpo e a memória são instrumentos vivos e espécies de guardiões da história de seus ancestrais, que servem para reunir duas margens e dois mundos separados pela violência da escravização de milhões de africanas e africanos durante quase quatro séculos.

Nessa perspectiva de ampliarmos o olhar sobre a influência e a presença do modo de vida africano em nosso país, o antropólogo Lody (2005, p. 17) evidencia que:

[...] as feiras, os mercados, as comidas, os rituais religiosos, os rituais mais sinceros das conversas, das trocas de informações sobre os orixás, os voduns, as festas, as roupas, como o corpo é espaço tão preservado e valorizado nas falas simbólicas com a natureza, com o mundo dos homens e o mundo dos deuses. Assim o corpo e objeto têm um princípio unificador, sentimental, funcional e de representação pública, para então comunicar, dizer quem é, o que significa para si, para seu grupo, para a ancestralidade e para a contemporaneidade.

Na tessitura epistemológica afrocentrada apresentada pelo sobredito autor, vimos uma “brecha” para entender de maneira mais ampliada o conceito de patrimônio cultural brasileiro e, através dessa modulação conceitual, afirmarmos, portanto, que o distrito mazaganense, localizado no município de Mazagão, no estado do Amapá, é um espaço museal de reconhecido valor histórico para a comunidade.

Desta feita, Mazagão Velho resiste ao tempo e se reconfigura por meio de práticas socioculturais, festas santorais, edificações e ruínas históricas, dança do Batuque e Marabaixo, medicina tradicional, benzeção, entre outros exemplos de reconhecido valor histórico e patrimonial que podem ser vistos ainda hoje na constituição geográfica e social da comunidade.

Desde 1960, como asseverou a arte-educadora Albuquerque (2013, p. 49), a museologia vem se reconfigurando, especialmente no tocante ao reconhecimento das diversidades, ao respeito às diferenças, às discussões sobre cidadania e às ações afirmativas, que têm “[...] permitido práticas museológicas diversificadas, com a participação da sociedade de um determinado território, na construção e reconstrução dos processos museais”, que contemporaneamente se convencionou nomear Movimento da Nova Museologia. Tal conceito, na visão de Lody (2005, p. 18):

[...] ampliou o conceito espacial de museu e mesmo seu histórico papel legitimador de povos, culturas e civilizações. Com isso, em contextos globalizados, a compreensão patrimonial fundamentalmente unida à função preservacionista do museu é trazida para discussões mais democráticas, e, hoje, o patrimônio cultural assume o mesmo sentido de testemunho de um grupo social, de um Estado, de um segmento étnico, de um indivíduo.

E é nessa perspectiva e (numa) compreensão mais ampla acerca do espaço museal que nos ancoramos e lançamos um olhar especial sobre o patrimônio cultural afro-brasileiro, que se encontra nos territórios negros, afro-religiosos, quilombolas, nas festas santorais, nas práticas de cura e cuidados com a saúde do corpo e do espírito, entre outros exemplos, uma gama de sentidos existenciais, filosóficos e morais, bem como de cosmovisões e cosmogonias, distribuídos abundantemente em todo o território brasileiro como fonte histórica viva e dinâmica de nossos ancestrais africanos e de seus descendentes.

Somente a partir da ampliação conceitual dos espaços museais, para além de edificações, é que o conceito estendido de museu, como: ecomuseus, museus a céu aberto, museus comunitários, entre outros, tem ganhado relevância no mundo e no Brasil. Nesse caso, o Estado brasileiro, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), vê-se compelido a considerar que “[...] outros espaços públicos, de caráter museológico, dão o viço necessário a esta ampla memória e registro da cultura material africana no Brasil e manifestações afrodescendentes” (LODY, 2005, p. 18), como é o caso de Mazagão Velho, território museológico a céu aberto e em movimento, portanto, vivo e reconhecido pela comunidade como importante para si, o Amapá, o país e o mundo em face de sua constituição histórica, que remonta ao século XVII, envolvendo portugueses cristãos advindos de(a) Mazagão Africana, hoje Marrocos, africanos escravizados em nosso país e povos indígenas que habitavam a região.

Mesmo que alguns dos monumentos históricos mazaganenses não estejam visíveis aos olhos de todas as pessoas na ocupação espacial comunitária da atualidade, as narrativas orais de nossos(as) colaboradores(as) revelaram que seu lugar de existência continua registrado na memória dos(as) guardiões(ães) mais velhos(as),3 que, instigados(as) a revisitar, repensar, reconfigurar e ressignificar a territorialidade da comunidade, em resposta aos procedimentos do estudo teórico-bibliográfico, com visita in loco e aplicação de questionário, revelaram-nos informações fundamentais para que pudéssemos nos lançar ao desafio de imaginar uma trilha de visitação e acesso aos espaços de reconhecido valor histórico-social-cultural indicados pela comunidade no afã de transformá-la em um Museu a Céu Aberto.

A trilha teórica e argumentativa que criamos para discorrer sobre a potencialidade museal do Distrito de Mazagão Velho será sustentada pelos conceitos-chave: da territorialidade museal afro-brasileira à luz do antropólogo e museólogo Lody (2005); da memória individual/coletiva na perspectiva teórica de Halbwachs (1968); da museologia ativa na concepção de Movimentos da Nova Museologia sustentada por Horta (1995); do patrimônio cultural afro-amapaense na visão de Videira (2009); e da educação patrimonial, segundo o Iphan (BRASIL, 2016), apresentada em três seções. Na primeira, o enfoque será dado ao processo histórico de fundação da vila de Mazagão Velho; na segunda, a ênfase será dada ao espaço museal, que é a própria comunidade; e, na terceira e última, o destaque será dado à estreita relação entre cultura, memória e territorialidade, numa perspectiva educativa e patrimonial, surgida nas narrativas orais dos (as) sujeitos de pesquisa que reivindicam que a educação escolar local sirva de recurso didático-pedagógico - estratégico para a salvaguarda do patrimônio cultural na/da comunidade.

Fonte: os autores

Fotografia 1  José Batista da Silva  

Fonte: os autores

Fotografia 2  Manoel Raimundo dos Santos Reis 

Fonte: os autores

Fotografia 3  Faustina Silva da Fonseca  

Fonte: os autores

Fotografia 4  Raimundo Pereira do Livramento  

Fonte: os autores

Fotografia 5 Maria Carmo de Lima 

Fonte: os autores

Fotografia 6  Maria Ferreira da Cruz  

Fonte: os autores

Fotografia 7  Maria Joaquina dos Santos da Silva  

Fonte: os autores

Fotografia 8  José Jacarandá de Brito  

2 PROCESSO HISTÓRICO DE FUNDAÇÃO DA VILA DE MAZAGÃO VELHO

Em concordância com a máxima de Cunha Júnior (2001a, 2001b), Hampatê Bâ (2010), Henry e Figueiredo (1990), Lody (2005), Salles (2005), Videira (2009, 2013, 2014), entre outros, de que uma comunidade que não conhece seu passado não poderá ter perspectiva de futuro, nesta seção, de modo sucinto, descreveremos como ocorreu o processo histórico de idealização, construção e instalação dos primeiros habitantes na vila de Mazagão no século XVIII.

Segundo o antropólogo Salles (2005), existe uma carência de fontes oficiais que sejam capazes de explicar com exatidão a procedência dos negros africanos introduzidos no Pará. Ainda nas palavras do autor, “[...] esta é uma indagação de resposta imprecisa, cuja documentação a respeito deste assunto só aparece no século passado, abundante nos anúncios de jornais de Belém e de São Luís.” (SALLES, 2005, p. 81).

Destarte, diante das incertezas quanto à procedência do conjunto dos negros africanos migrados e transmigrados para a província do Grão Pará, entre os séculos XVI e XIX, não restam dúvidas de que só a realização de um levantamento minucioso, com base em fontes históricas/documentais, permitirá identificar a quais grupos étnicos eles pertenciam. Muito embora a documentação produzida à época revele que muitos vieram de Angola, Costa da Guiné, de Bissau, capital da Guiné portuguesa, negros da nação Moxicongo, dos portos das ilhas de Cabo Verde e Cachêu, de Benguela, entre outros (FERREIRA, 1786; PEREIRA, 1949; SPIX; MARTIUS, 1962; TAUNAY, 1941).

Por sua vez, os autores da obra intitulada A presença africana na Amazônia colonial: uma notícia histórica, na sua “garimpagem investigativa” sobre o processo histórico4 de inclusão do negro na Amazônia, revelaram que, “[...] apesar da precariedade dos dados conhecidos, tudo nos leva a crer que pelo menos 53.000 escravos entraram na Amazônia no período colonial” (HENRY; FIGUEIREDO, 1990, p. 65), sendo importados diretamente da África, advindos do tráfico negreiro interno ocorrido no Brasil, bem como das Guianas Francesa e Holandesa, esta última atual República do Suriname. Ainda segundo os respectivos pesquisadores do continente africano, os escravizados vieram da:

Guiné Portuguesa (atual República da Guiné-Bissau), através dos portos de Bissau e Cacheu, das ilhas de Cabo Verde (atual República do Cabo Verde); dos reinos de Angola, Luanda e Benguela (antiga Angola, atual República Popular de Angola); bem como da Costa Oriental da África, pelos portos de Mombaça (antiga África Oriental Britânica, atual República do Quênia) e pelos do norte e sul do rio Rovuna (antiga Tanganica e atuais República de Tanzânia e República Popular de Moçambique); indiretamente [os/as negros/as africanos/as traficados internamente no Brasil chegaram ao Pará] através dos portos do Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e outros portos brasileiros. [Tem-se ainda uma particularidade histórica sobre a presença negra na Amazônia] uma reduzida população também penetrou na Amazônia, representada por grupos fugitivos de escravos procedentes das Guianas (Francesa e Holandesa, esta a atual República do Suriname) que se instalaram em território brasileiro. (HENRY; FIGUEIREDO, 1990, p. 64-65).

Inclusive o trabalho de pesquisa realizado por Ramos (1995), de título Povoamento do Gram-Pará: famílias de Mazagão, disposto nos Anais do Arquivo Público do Pará, é relevante para estabelecer o nexo histórico fundamental para se compreender como ocorreu o processo de idealização, construção e ocupação do atual distrito de Mazagão Velho por famílias de cristãos portugueses transmigrados do forte da Mauritânia, África, para as terras do Grão Pará, no século XVIII, conforme alude a citação a seguir:

[...] O maior contingente de imigrantes que se tem notícia na época colonial, famílias de cristãos portugueses que ocuparam, durante décadas, parte da Mauritânia, África. Expulsos pelos mouros, em 1769, retornaram a Portugal e de lá vêm para o Pará. Em 15 de setembro do mesmo ano, embarcam na charrua S. José e nos navios N. S. da Conceição, N. S. das Mercês, N. S. da Purificação da Companhia Geral e do Governo Português, em oito viagens, transportando de vinte a quarenta e até sessenta grupos e civis e militares, num total de 371; 46 agregados e cinco presos. Relacionados nominalmente, estado civil, sexo, idade, os valores em moeda corrente e a indenização que receberam em escravos em terras pagas, em Belém, pelos administradores da mesma empresa em nome de Sua Majestade. Em 4 de abril de 1770, seguem as primeiras 114 famílias para a Nova Vila de Mazagão, no Amapá, construída pelo capitão general e governador do Gram-Pará, Athayde Teive, especialmente para receber os imigrantes. Posteriormente, mais três viagens levam 77 famílias, cinco avulsos: 280 brancos, 87 escravos. Para a Vila Vistosa, foram mais cinco famílias, no total de 26 pessoas. (BELÉM, 1995, p. 13-14, grifo nosso).

Depreende-se da narrativa histórica da respectiva autora que a vila de Mazagão foi uma cidade planejada e edificada às margens do rio Mutuacá, “[...] discretamente reclusa no coração da Amazônia amapaense” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 146), na qual as:

[...] famílias mazaganistas e seus escravos foram responsáveis pela introdução de numerosos elementos culturais na Amazônia. Em 1773, por exemplo, realizaram magníficas comemorações na Nova Mazagão durante as quais houve representação de cavalhada de Mouros e Cristãos5 [...]. Até hoje os negros daquela região promovem torneios de cavalhadas, mantendo ainda a tradição do Marabaxo [sic]. (SALLES, 2005, p. 82, grifo nosso).

Sobre a constituição histórica e sociocultural da comunidade de Mazagão Velho, o pesquisador e responsável pelo laboratório de arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Albuquerque (2006, p. 146), que conduziu os trabalhos de prospecção arqueológica em Mazagão Velho, mencionou que:

[...] apesar da vila encontrar-se escondida nas profundezas da Amazônia, encerra em sua singeleza um bojo da historicidade que a insere em um contexto internacional. A sua história, desde sua mais tenra idade, relaciona-se à expansão do sistema colonial europeu. Relação não apenas ao que viria a ser chamado de Novo Mundo, mas a outros dias, a outras crenças, que não somente ao cristianismo predominante na Europa.

Reitera-se, com isso, que, no século XVI, o Mediterrâneo continuava a desempenhar um papel preponderante nas rotas de comércio. Vindo a garantir bons portos na rota do comércio no Norte da África, representava garantia de comércio.

À época, Portugal, que já fincara raízes em diferentes terras de além-mar, empenhou-se em estabelecer pontos de comércio, colônias, no Norte da África, na América e mesmo no Oriente. As investidas contra os mouros levaram a ocupação de diferentes cidades da área meridional de Marrocos. Aos poucos, no entanto, os mouros começaram a recuperar suas cidades. Em março de 1541, Santa Cruz de Cabo de Gué caiu em poder dos mouros. A perda desse baluarte compeliu o rei Dom João III a determinar, já em outubro daquele ano, o abandono e a evacuação de Zafim e Azamor. Alguns anos mais tarde, em 1550, Alcácer-Ceguer e Arzila foram abandonadas pelos portugueses, restando a Portugal, de suas conquistas em Marrocos, apenas Ceuta, Tânger e Mazagão. (ALBUQUERQUE, 2006, p. 21).

Mazagão portuguesa, em terras marroquinas, resistiu a inúmeros ataques de tribos árabes que ameaçavam invadir a cidade. Com a mudança do foco da economia e da política da Metrópole à época, a vida dos moradores da fortificação de 256 anos passou a ser ameaçada e limitada a uma possível saída em fuga por via marítima. Concomitantemente, Dom João, em seu reinado, intencionava expandir o domínio territorial da coroa portuguesa às colônias americanas, no intuito de garantir a exploração de ouro.

Para a concretização desse intento, entre 1755 e 1759, no governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador do Grão Pará, entre 1751 e 1758 foram fundados cerca de 60 vilas e povoados no Grão Pará, porém um grave problema eclodiu, a dificuldade de arregimentar colonos voluntários para imigrarem à América.

Diante de ameaça e invasão à fortificação de Mazagão no Marrocos e da necessidade de colonos voluntários para povoar as terras invadidas pelos portugueses no Novo Mundo, a solução encontrada foi evacuar e transplantar de Marrocos - Mazagão africana - 1.022 mazaganenses, primeiramente para Lisboa, posteriormente, em 1769,6 a leva de 217 famílias de lusitanos7 imigraram de Lisboa para a Amazônia, numa saga intercontinental, aportando no Grão Pará em 1770. Dessas famílias, apenas 191 foram deslocadas para a sede da Nova Mazagão8, hoje distrito de Mazagão Velho (ALBUQUERQUE, 2006).

Na vila planejada da Nova Mazagão, a força de trabalho responsável por garantir a subsistência da comunidade era provavelmente de escravizados negros - africanos destinados a labutar na lavoura e na feitura de roçados. Segundo Henry e Figueiredo (1990, p. 52): “No Amapá, no período de 1775 a 1779, a lavoura mais expressiva era a do arroz, como mostram os documentos em que os moradores esperavam ansiosamente os ‘navios de pretos’ que seriam destinados à colheita e a ‘trabalhar maiores lavras de arroz’ [...]”

O apogeu econômico da vila planejada, próspera e tracejada por quadras, abertas para a circulação de pessoas, perdurou por anos consecutivos, até que:

Com a morte de D. José, assumiu o trono português D. Maria, seguindo a queda do Ministro de Pombal e a rigidez com que Portugal encarara o povoamento do Norte. Do mesmo modo que aconteceu a muitas vilas de então, no século XVIII, Nova Mazagão foi assolada por epidemias. Desgostosos com a situação, e provavelmente atribuindo as moléstias aos ‘maus ares’, a maior parte da população voltou a apelar, agora à Rainha D. Maria, por licença para deixar a Vila. Atendidos que foram, a maioria migrou, dispersando-se. O foro da vila exauriu-se com a saída da maior parte da população; a antiga Vila praticamente desapareceu. Uns poucos moradores permaneceram, conta-se que na maioria negros. (ALBUQUERQUE, 2006, p. 25-26, grifo nosso).

Assim sendo, nos dizeres da historiadora Ramos (1995, p. 14), “[...] a Vila de Mazagão conheceu o apogeu e a decadência, como a maioria das povoações fundadas pelos portugueses, na consolidação do domínio lusitano na região”, motivo pelo qual muitos dos mazaganistas à época foram impelidos a imprimir fuga da terra arrasada pela epidemia de malária e febre amarela.

Mazagão Velho, renascido da união entre portugueses, negros e indígenas, que juntos edificaram seu “novo território”, (hoje) preserva uma vasta singularidade histórica, cultural e identitária no estado do Amapá, infelizmente ainda pouco conhecida de grande parte da população amapaense. O referido distrito é constituído por edificações, espaços de memória, saberes ancestrais referentes ao manuseio e ao uso de plantas medicinais, benzeção, partos, técnicas de cura e tratamentos do corpo físico e espiritual, celebrações culturais/religiosas - envolvendo as rezas cantadas de folias e ladainhas proferidas em língua portuguesa e latim popular, as quais são encenadas e dramatizadas no decurso do ano, nas diversas festas santorais realizadas pela comunidade, como práticas ritualísticas de fé e devoção à espiritualidade cristã/católica.9

Diante de tais evidências, constatamos que a comunidade de Mazagão Velho guarda características e simbolismos das comunidades quilombolas ante o seu processo histórico e social. Não obstante, não houve consenso entre os membros da comunidade para reivindicarem ao Estado brasileiro o título de quilombo, mocambo, terra de pretos ou qualquer outra autodenominação de livre escolha comunitária, que conforma uma identidade racial e política comum. Por outro lado, no que tange às riquezas culturais e patrimoniais e ao conjunto de artefatos e práticas cotidianas ancestrais e contemporâneas vigentes na comunidade, mostram-se suficientes para que a antiga vila, atualmente Distrito de Mazagão Velho, seja reconhecida e valorizada no estado do Amapá como “Museu Histórico a Céu Aberto”.

3 ESPAÇO MUSEAL COMUNITÁRIO: À COMUNIDADE DE MAZAGÃO VELHO

“A cultura é o nosso coração. Se ela morrer, a gente morre junto.” (Jozué Videira de Mazagão Velho, em 13/09/2019) (informação verbal).

No Amapá, no transcurso de sua história social e política dos idos da década de 1940, protagonizada pelo capitão Janary Gentil Nunes, sob o slogan “sanear, educar e povoar”, até os dias atuais, é latente uma ausência de iniciativas eficazes de valorização, preservação, proteção e promoção dos tesouros patrimoniais.

Diante da ausência de tais iniciativas, os(as) filhos(as) do Amapá são impedidos(as) de acessar e conviver com os registros históricos de seus povos originários, via culturas, práticas sociais e comunitárias, documentos, símbolos, edificações, artefatos de arte/cultura, lugares de memória, e, desta feita, reconhecer-se do ponto de vista identitário como povo, possuidor de uma identidade social que seja capaz de congregar referências comuns de nossa “amapalidade”.10

Constata-se a inexistência de uma política cultural e museal, vívida e eficaz, protagonizada pelo estado, que intencione construir e promover uma prática comunitária de reconhecimento e valorização voltada a manter vivos na cena pública e, por conseguinte, acessíveis ao olhar e contato da população os fragmentos da história de ocupação, bem como dos povos e de suas culturas, fundamentais para o desenvolvimento do estado, quer sejam em museus edificados ou a céu aberto, ou de memória, ou de outro(s) tipo(s) de identificação dos marcos históricos e identitários presentes, porém de maneira invisibilizada, na geografia social do estado e de seus municípios, mas que se mantêm vivos na memória dos(as) velhos(as) guardiões(ãs) da cultura e do legado de seus ancestrais no Amapá.

A despeito da constituição de uma identidade coletiva e da assunção da “amapalidade”, ou seja, de um comportamento comum de valorização, cuidado e orgulho em relação ao patrimônio cultural de seus antepassados, o sociólogo Canto (2016, p. 72) assevera que o termo “amapalidade” deve ser entendido num sentido amplo, pois:

[...] não se trata de meramente expor o pitoresco, o curioso, o heroico, o ‘folclórico’ e o senso comum, mas dotar essas identidades de referências culturais inclusivas e peculiares aos amapaenses, sem a conotação ideológica que muitas vezes leva ao conflito, a partir da observação da vivência diária com os elementos constitutivos dessa memória que fornece elementos à construção da identidade local. A Amapalidade carece também de reflexão sobre uma memória que liberta potencialmente, e que se exponha, para que subsista na atualidade a fim de reconstruir no presente e no futuro suas representações imanentes à identidade, pois sem a memória coletiva nada subsiste e os sujeitos são aniquilados, sobretudo pelo deslembramento e pelo silenciamento.

Na linha de reflexão aludida pelo referido sociólogo, em torno do conceito de “amapalidade”, é oportuno reiterar que outras identidades emergem no território amapaense e afirmam sua singularidade histórica e cultural, como é o caso da comunidade mazaganense, dotada de ambiência museológica que povoa a geografia social da comunidade como símbolo da história, cultura e patrimônio amapaense como asseveram nossos (as) colaboradores (as) de pesquisa.

[Mazagão Velho] é considerado um patrimônio cultural. Aqui tem muita gengibirra, é uma cultura daqui, né; os festejos dos santos, as coisas, os eventos que tem aqui, eu acho muito bonitos e importantes que foram deixados, e nós herdamos de nossos antepassados que vieram da África. (Faustina Silva da Fonseca, 66 anos, 30/07/2020).

O que eu entendo é que todas as coisas que nós temos aqui é patrimônio cultural: a igreja, os nossos santos (nós temos muitos santos antigos dentro da nossa igreja), as promessas que faziam, né; candelabro, tudo a gente tem dentro da igreja. E afora as outras coisas também: temos a igreja velha, os nossos cemitérios, também é nosso. E todas essas coisas são de muito valor pra nós, né. E o Mazagão todo é patrimônio nosso. (Maria Joaquina dos Santos da Silva, 68 anos, 31/07/2020).

Primeiramente são nossas imagens, elas que são nosso patrimônio histórico que eu conheço. Eu não sei ler, sei mal assinar o meu nome, mas, pra mim, são nossas imagens e aquela casa, dos Aires, aquilo é um patrimônio histórico do princípio de Mazagão que até hoje tem as paredes de barro. As paredes caíram; eles levantaram de novo. Não souberam fazer como os antigos sabiam, aí caiu de novo, mas é um patrimônio histórico, a começar pelo telhado, que era do tempo dos escravos ainda. Aqui tinham muitas casas antigas. (Manoel Raimundo dos Santos Reis, 85 anos, 29/07/2020) (informações verbais).

Entretanto, a relevância da comunidade para a população do nosso estado restringe-se à dramatização bicentenária, protagonizada entre mouros e cristãos, a qual é encenada a céu aberto e ocorre no mês de julho, de 16 a 28, sob o nome festa de São Tiago.11 Mesmo que os(as) mazaganenses realizem um conjunto de outras festas santorais ao longo do ano, igualmente centenárias, e que mantenham inúmeras práticas sociais, hábitos, costumes, tradições e crenças culturais/religiosas como repertório de tais festas preservados, o estudo revelou que o legado cultural e patrimonial da respectiva comunidade é praticamente desconhecido da sociedade amapaense, talvez por isso, seja negligenciado em sua relevância histórica e cultural e em seu potencial educativo, tendo em vista que tais conhecimentos ainda não foram incorporados ao currículo oficial das duas escolas públicas em funcionamento na comunidade, como reivindicam seus (as)moradores (as), por reconhecerem-nas como espaços estratégicos para a preservação da história, das culturas e conhecimentos locais, bem como para promover o reconhecimento de crianças e jovens acerca da relevância da comunidade como território museal a céu aberto, no qual a população local e os visitantes poderão aprender, por exemplo, que o distrito de Mazagão Velho, em sendo uma cidade histórica, está repleto de memórias, lembranças, imagens, orgulho, sofrimento, conquista e competência dessa população que formou a comunidade mazaganense, bem ali no extremo Norte do Brasil, na Amazônia amapaense, às margens do rio Mutuacá como ressaltaram-nos as nossas fontes orais:

Olha, é tudo o que a gente herdou dos nossos antepassados e que eles deixaram pra nós, né. Até o tipo de nossa dança do Marabaixo, o próprio Vominê da festa de São Tiago, o batuque de Nossa Senhora da Piedade que a gente dança; as bebidas feitas por nós mesmos, a gengibirra, os materiais que nós temos também, os tambores, pra mim é isso. (José Jacarandá de Brito, 64 anos, 01/08/2020).

São as nossas coisas que a gente tem aqui, patrimônio de coisas antigas. Na minha visão, é isso, são as igrejas, o rio Mutuacá, as ruínas da igreja, tudo é o patrimônio cultural (Faustina Silva da Fonseca, 66 anos, 30/07/2020) (informações verbais).

Acerca da relevância histórica da vila de Mazagão Velho, bem como de todas as expressões e materialidades que formam seu relevante e vasto patrimônio cultural, Pereira (1989, p. 111) salienta que:

Visitando a Igreja de Mazagão Velho, cuja padroeira é Nossa Senhora da Assunção, tivemos a oportunidade de conhecer um número regular de imagens, vasos sagrados e outros objetos que constituem o seu precioso patrimônio. Verificamos, desde logo, que algumas daquelas imagens, além de seculares, foram levadas da Europa para aquela localidade. As proporções, a delicadeza, o colorido e o planejamento das referidas imagens denunciam essa procedência. Vimos imagens que têm articulações dos membros superiores e dos inferiores, para o efeito das atitudes, enquanto outras, embora inteiriças, traduzem, perfeitamente as expressões e os gestos que lhes são característicos, dentro da simbologia cristã. As principais imagens da velha igreja são: S. Tiago, S. Jorge, Nossa Senhora da Assunção, Nossa Senhora da Piedade e Senhor Morto. Devem datar de dois séculos antes da fundação de Mazagão Velho, que foi em 1770.

No decurso do tempo de edificação, instalação, apogeu econômico, abandono e refundação da vila de Mazagão Velho - pelos relegados negros escravizados, que, devido à falta de opção, foram impelidos a permanecer no local -, parte significativa do acervo cultural/religioso da comunidade foi furtado, como mencionaram os(as) nossos(as) sujeitos/colaboradores(as) de pesquisa. Mencionaram ainda que vários lugares “antigos”, relativos à fundação da comunidade, sequer são conhecidos e de conhecimento dos mais jovens, por isso revelaram temer que o legado patrimonial que herdaram de seus antepassados, se não for repassado aos mais jovens pelos anciãos e pelas escolas da comunidade, venha a ser esquecido e apagado da memória dos mazaganenses.

4 FUNÇÃO EDUCATIVA DO MUSEU

“[...] Museu é uma coisa que traz as coisas da antiguidade, né? As relíquias do princípio da comunidade, da antiguidade, das coisas daqui de Mazagão.” (Manoel Raimundo dos Santos Reis, 85 anos, 29/07/2020) (informação verbal).

Nesta seção, abordaremos sucintamente a função educativa do museu, levando em consideração a importância do patrimônio cultural de Mazagão Velho à luz das narrativas dos(as) sujeitos/colaboradores(as) e mantenedores(as) do patrimônio cultural da comunidade mazaganense que reivindicam que todo esse cabedal de conhecimento, de reconhecido valor histórico-cultural-existencial, seja inserido no currículo oficial e nas práticas pedagógicas desenvolvidas pelas escolas.

Albuquerque (2013, p. 194), na pesquisa de mestrado que realizou pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), chegou à constatação de que:

[...] apesar dos poucos estudos sobre patrimônio cultural, memória e museus em comunidades quilombolas, observa-se que esses grupos precisam de maior atenção de pesquisadores/as e dessas áreas do conhecimento [...] principalmente no que diz respeito à preservação de suas tradições culturais e memórias.

A concepção de patrimônio, de uma forma abrangente, incorpora necessariamente a ação educativa. Conforme a museóloga Santos (2008), o patrimônio cultural deve ser considerado um suporte fundamental para que a ação educativa seja aplicada, levando em consideração a herança cultural dos indivíduos em um determinado tempo e espaço e que as diversas áreas do conhecimento funcionem como parte de uma grande diversidade, resultado de uma teia de relações na qual cultura, ciência, tecnologia e processos educativos são construídos e reconstruídos, em cada momento histórico, pela ação do ser humano produtor de cultura e conhecimento. A autora ressalta que:

Cada vez mais torna-se necessária uma ação educativa que tenha como referência o patrimônio cultural, considerando o seu rico processo de construção e reconstrução. Sendo assim, as atividades pedagógicas deverão buscar, por meio de uma ação integrada com a comunidade, a qualificação do fazer cultural local, buscando inseri-lo nos contextos nacional e internacional. (SANTOS, 2008, p. 23).

É evidente a importância das ações educativas e do compromisso que as escolas precisam ter com o patrimônio cultural, incluindo atividades pedagógicas que promovam o conhecimento e a identidade dos povos. O ensino-aprendizagem escolar sobre patrimônio cultural, especialmente aquele ministrado em escolas localizadas em comunidades tradicionais quilombolas, de negros, indígenas, ribeirinhas, extrativistas, entre outras, deve fazer parte do currículo oficial das escolas. Sobre esse assunto, perguntamos à colaboradora Faustina Silva da Fonseca (66 anos, 30/07/2020), na sua percepção como as escolas da comunidade contribuem para a preservação da cultura? ao que ela nos respondeu:

“Olha, não tem contribuído. Eu não vejo nenhuma criança como é em Macapá; na escola das minhas netinhas, elas fazem apresentações culturais, danças, e participam de tudo. Aqui eu não vejo isso, só vejo mesmo nas apresentações do Marabaixo, que as crianças são envolvidas, mas, tirando isso, na escola, não.” (informação verbal).

Na fala da entrevistada, é possível perceber a existência de um descompasso entre o conteúdo curricular ministrado nas escolas e o currículo de vida e comunitário que viceja nas práticas culturais/religiosas; um marco de sua presença no território mazaganense. A ausência de conexão entre comunidade e escola é sentida e ressaltada pelo conjunto dos(as) nossos(as) colaboradores(as). Quanto a essa temática, o documento do Iphan (BRASIL, 2016, p. 8) afirma que: “O patrimônio cultural faz parte da vida das pessoas de maneira profunda”, por isso os sentimentos de nossos(as) colaboradores(as) deixaram evidente que eles(as) nutrem pela cultura de Mazagão um profundo respeito, valorizam-na e cuidam dela para que não seja apagada pela ação do tempo.

Todavia, partindo da compreensão de que a escola deve considerar a educação patrimonial como um processo de construção e reconstrução das identidades histórico-culturais dos povos e ainda que deve atuar como um processo indutor de desenvolvimento humano, notadamente ela é crucial para a proteção e repasse intergeracional do patrimônio cultural mazaganense. A esse respeito a autora Videira (2009, p. 228) afirma que:

A proposta pedagógica para a educação brasileira [...] dá oportunidade aos educadores e educandos de conhecerem outra lógica de produção de conhecimento que não se reduza à forma linear de transmissão de conteúdos preestabelecidos e a padrões étnicos eurocêntricos, como ainda é predominante na realidade educacional brasileira [...]

Assim sendo, as ações educativas em museus podem contribuir com o processo de desenvolvimento pessoal e coletivo da comunidade como um todo. Sobre esse assunto, questionamos Maria Joaquina dos Santos da Silva (68 anos, 31/07/2020) se, na opinião dela, a vila de Mazagão poderia ser transformada em um museu, ao que ela nos respondeu:

Sim. Porque eles [turistas] podem vir nos visitar, né; porque nós temos a nossa cultura daqui e quem quiser vir conhecer pode vir conhecer nossa comunidade; porque um museu mesmo próprio nós não temos, mas nós temos as nossas casas, temos a igreja; as outras ruínas que temos aqui podem ser visitadas. (informação verbal).

Segundo Albuquerque (2013, p. 200), “[...] comunidades quilombolas e movimento negro lutam não só para salvarem a si mesmos, mas principalmente para reconhecerem-se e preservarem-se” como testemunhas para gerações vindouras, tornando-se incansáveis arquivadores do legado de seus ancestrais, como pode ser depreendido da fala da senhora Maria Joaquina, que se posicionou de maneira favorável ao considerar que a territorialidade da vila de Mazagão, com relação às suas características históricas e culturais, pode vir a ser transformada em um Museu a Céu Aberto, já que não existe na comunidade um espaço museológico edificado. Destarte, ela mesma manifestou sua disposição em abrir as portas de sua residência para receber os turistas, os quais poderão visitar as ruínas e os demais locais sagrados para a comunidade.

Quanto ao papel da escola nesse processo, consideramos haver uma complementaridade que deve ser reconhecida entre educação escolar, museologia, museu e comunidade. Nesse diapasão, perguntamos à colaboradora Faustina Silva da Fonseca (66 anos, 30/07/2020) qual era a opinião/avaliação dela sobre as escolas da comunidade, ao que ela nos respondeu: “Elas estão caminhando bem, mas tá faltando algo, né, sobre a cultura para que os alunos aprendam sobre a cultura daqui, porque eles vão ser os donos da cultura mais tarde.” (informação verbal). Observa-se que, para ela, as escolas da comunidade são importantes para a formação escolar e cultural das crianças, entretanto, tais instituições não têm contemplado a valorização da cultura mazaganista no currículo e cotidiano escolar, como tem sido feito nas atividades desenvolvidas na escola do Jozué,12 em que crianças e jovens aprendem sobre história e cultura, a confeccionar e tocar caixas de Marabaixo e tambores de batuque, a cantar, a entender os sentidos e a compor suas próprias cantigas de maneira interativa, criativa e lúdica (VIDEIRA, 2009, 2013, 2014).

Seguindo esse mesmo pensamento, José Jacarandá de Brito (64 anos, 01/08/2020) assim se expressou: “Olha! Eu acho que nossas escolas, a direção das escolas, têm que chamar mais os estudantes a participarem da nossa cultura [...]” Em suas colocações, ficou o registro de preocupação acerca dos bens culturais locais: se não houver por parte das escolas a inclusão em seus currículos de conteúdos que favoreçam a preservação do patrimônio cultural da vila de Mazagão Velho, “[...] depois que os velhos se forem, como vai ser?” (informações verbais). Antes que somente a lamentação da perda repouse sobre nossas mentes, corporeidades e narrativas, Masullo e Petit (2016, p. 14) apontam um caminho na perspectiva de se considerar a educação uma condição e meio estratégico, desde que se perceba que “[...] a cultura negra pode suscitar transformações societárias para além da redução da violência, transformações que alterem significativamente a compreensão de nossas raízes e pertencimento etnicorracial [sic] negro.”

A esse respeito as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, no que diz respeito às políticas públicas de reconhecimento e valorização de ações afirmativas, reiteram precipuamente que:

As políticas afirmativas voltadas para a educação dos negros devem oferecer garantias a essa população de ingresso, permanência e sucesso na educação escolar, de valorização do patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro, de aquisição das competências e dos conhecimentos tidos como indispensáveis para continuidade nos estudos, de condições para alcançar todos os requisitos tendo em vista a conclusão de cada um dos níveis de ensino, bem como para atuar como cidadãos responsáveis e participantes, além de desempenharem com qualificação uma profissão. (BRASIL, 2004, p. 11).

Ainda de acordo com as DCNs, é imperativo resguardar o direito que o estudante tem de conhecer a história e as contribuições de seus ancestrais à construção do nosso país e dentro da comunidade de Mazagão Velho. Para tanto, é dever das instituições educacionais em funcionamento na comunidade, garantir-lhes esse direito a partir de seu fazer pedagógico e do conteúdo curricular, que carece ser revisto, para que venha a contemplar o patrimônio cultural e as singularidades históricas, sociais e identitárias da comunidade.

A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à população negra, ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática. (BRASIL, 2004, p. 17).

Não obstante, ao perguntar aos(às) guardiões(ãs) da cultura de Mazagão quais são suas opiniões sobre a criação de um itinerário de visitação na comunidade, que proporcione aos turistas conhecer a história local por intermédio do patrimônio cultural de Mazagão, o entrevistado Manoel Raimundo dos Santos Reis (85 anos, 29/07/2020) enfatizou a relevância da escola: “Era bom, sim, nas escolas, pois as escolas deveriam ensinar a história desses lugares, para poder ter as pessoas para explicar aos turistas. Os lugares de visitação são a igreja, as ruínas da igreja e lá no local onde existiu a olaria.” (informação verbal).

Consideramos que o ensinamento acerca do legado sociocultural de Mazagão deva ser feito tanto no núcleo familiar quanto no escolar, em conformidade com a Constituição Federal, com a Base Nacional Comum Curricular e com o Referencial Curricular Amapaense, nos quais se estabelece que as escolas reorganizem seus currículos, que discutam junto à equipe técnico-pedagógica, professores, pais e/ou responsáveis, membros e lideranças comunitárias as estratégias de ensino que contemplem as dez competências gerais para a educação básica, dentre as quais destacamos: “[...] valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural” (BRASIL, 2019, p. 10), que, no caso da comunidade de Mazagão Velho, para que o objetivo seja plenamente alcançado, requer que haja uma escuta sensível às vozes dos(as) anciões(ãs) e a valorização de suas narrativas orais como reconstrutora da historicidade local.

No intuito de disseminar o conhecimento concernente ao patrimônio cultural na sociedade brasileira e, no caso específico deste estudo e em resposta à reivindicação de nossos (as) entrevistados que requisitam tal procedimento às escolas, no intuito de darem relevo às riquezas culturais presentes na vila histórica de Mazagão Velho de modo oficial no currículo escolar, recorremos a iniciativas criativas, como a cunhada pelo Iphan, nomeada de instrumento pedagógico voltado à promoção da Educação patrimonial: inventários participativos, a fim de nos referenciarmos, em termos metodológicos, à perspectiva de disseminar a ideia de reconhecimento da territorialidade da vila de Mazagão como espaço museal a céu aberto, repleto de tesouros culturais, inventariados a seguir.

Antes de apresentar imagens, narrativas e breve descrição acerca das referências patrimoniais e culturais de Mazagão Velho citadas pelos(as) moradores(as) que exercem a função de zeladores-guardiães do legado cultural local, é importante enfatizar que:

O patrimônio cultural forma-se a partir de referências culturais que estão muito presentes na história de um grupo e que foram transmitidas entre várias gerações. Ou seja, são referências que ligam as pessoas aos seus pais, aos seus avós e àqueles que viveram muito tempo antes delas. São as referências que se quer transmitir às próximas gerações. (BRASIL, 2016, p. 5).

4.1 IGREJA CATÓLICA DE MAZAGÃO VELHO - NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

A igreja Nossa Senhora da Assunção está localizada na rua Senador Flecha, em frente ao rio Mutuacá. Segundo o senhor Raimundo Pereira do Livramento (76 anos, 31/07/2020), nesse lugar antigamente funcionou a intendência (a prefeitura): “[...] ali onde tá a igreja era a intendência de Mazagão Velho, administrada pelo Senador Flecha, superintendente que foi escolhido, convidado, nomeado e empossado pelo governador do Pará.” (informação verbal).

Fonte: Delcirene Videira (15/08/2020)

Fotografia 9  Igreja de Mazagão Velho - Nossa Senhora da Assunção 

4.2 IGARAPÉ DO COMÉRCIO

O igarapé do comércio está localizado ao lado esquerdo das ruínas do forno da olaria e faz limite com o rio Mutuacá e o igarapé da praça. O respectivo igarapé no inverno transborda e lava a plantação, composta ao seu redor por açaizeiros, pupunheiras, bananeiras, mangueiras, entre outras plantações de frutas nativas da região pertencentes à família Videira.

Fonte: Delcirene Videira (09/08/2020)

Fotografia 10  Igarapé do comércio 

4.3 RUÍNAS DO FORNO DO TORRÃO DA OLARIA

As ruínas do forno do torrão da olaria localizam-se à margem esquerda do igarapé do comércio, na vila de Mazagão Velho. Ao perguntarmos ao senhor Raimundo Pereira do Livramento (76 anos, 31/07/2020) se seria possível criar uma rota de visitação aos monumentos históricos da comunidade, ele nos respondeu prontamente que sim: “Com certeza. Mostrar o que tem aqui às pessoas que vêm de fora. Mostrar o torrão, o forno, que é uma coisa muito importante. Dá para [os turistas] saberem que teve e tem aqui coisas importantes em Mazagão.” (informação verbal).

Raimundo Pereira do Livramento (76 anos), Maria Ferreira da Cruz (77 anos) e Manoel Raimundo dos Santos Reis (85 anos) relataram ainda que nesse lugar havia existido uma olaria, deixada pelos primeiros habitantes da comunidade, mas que muita gente sequer sabe de sua existência. Então, resolvemos ir até o local para conhecer e registrar algumas imagens e testemunharmos sua existência.

Fonte: Delcirene Videira (09/08/2020)

Fotografia 11  Ruínas do forno do torrão da olaria 

4.4 IGARAPÉ DA PRAÇA

Com o transcurso do tempo, segundo o senhor Manoel Raimundo dos Santos Reis (85 anos, 29/07/2020), o igarapé da praça caiu em desuso, porém no passado era nesse igarapé que aportavam as embarcações na comunidade para a prática de comercialização de produtos na região e de exportação da produção local para Belém do Pará e suas ilhas. Foi possível observar que o igarapé está mais estreito, que só enche no inverno e deságua em um lago por detrás de algumas casas na comunidade.

Fonte: Delcirene Videira (09/08/2020)

Fotografia 12  Igarapé da praça 

4.5 RUÍNAS DA PRIMEIRA IGREJA DE MAZAGÃO VELHO

As ruínas da primeira igreja de Mazagão estão localizadas ao lado do cemitério São Francisco, do lado esquerdo de quem chega à comunidade. Trata-se de relevante e reconhecida ruína histórica, datada do início da vila, a qual foi citada pelo conjunto dos entrevistados. O senhor Raimundo Pereira do Livramento (76 anos, 31/07/2020, entrevista) fez indicação das ruínas da igreja velha e nos disse mais: “Olha, posso indicar a igreja, a antiga, que não foi inaugurada essa igreja, que fica bem aqui ao lado do cemitério São Francisco, tá [a igreja antiga], que não foi inaugurada. Foi lá onde acharam 43 ossadas humanas,13 que hoje estão em um mausoléu abandonado, e tão lá.” E ainda ressaltou: “É a coisa mais visível, poderia até servir de turismo se alguém se interessasse para levar os turistas lá pra ver, mas se fosse alguém que cuidasse mesmo, né.” (informações verbais). A queixa de abandono pelo poder público e, na nossa percepção também pela própria comunidade em relação à limpeza e à falta de infraestrutura e preservação da vila apareceu em todas as narrativas. Quando inquiridos(as) sobre a responsabilização de quem deveria cuidar do ambiente patrimonial-comunitário, as opiniões se dividiram: as mulheres disseram ser dos moradores, já que eles são os herdeiros das riquezas; os homens disseram ser do poder público estadual e municipal. Entendemos que a gestão do espaço museal da comunidade deve ser feita via modelo híbrido, conferindo a ambos, ente público e comunidade, um rol de responsabilidades para que haja a exitosa gestão, preservação, promoção e rentabilidade do referido espaço; rentabilidade esta que deve ser gerida pelos moradores para reinvestir na preservação e cuidados com o local.

Fonte: Delcirene Videira (23/01/2018)

Fotografia 13  Ruínas da primeira igreja de Mazagão Velho 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerarmos o museu como o templo do patrimônio, reconhecemos que a vila de Mazagão é um lugar de memória de negras e negros que lutam para lembrar e se comprometem, com isso, a não esquecer de si e dos antepassados, bem como de toda a riqueza cultural que se inscreve na história cultural do estado do Amapá e do município de Mazagão.

Mazagão é um dos berços do patrimônio histórico-cultural do Amapá, que narra em símbolos e tesouros materiais e imateriais a saga histórica vivida por seus primeiros moradores, indígenas, cristãos portugueses e negros escravizados, a qual ainda viceja no território da comunidade mazaganense e o povoa.

A história da comunidade notadamente indica que as concepções de museus de que se tem notícia no Brasil, voltadas a salvaguardar apenas as heranças culturais de povos europeus, devem ser substituídas do imaginário coletivo por deixarem de fora e invisíveis um conjunto de artefatos simbólicos originários de outros povos não hegemônicos, que se posicionam, interagem e se impõem histórica e culturalmente na historiografia contemporânea, mediados por outras cosmovisões, cosmogonias e culturas, como é o caso dos afro-brasileiros quilombolas, povos das religiões de matriz africana, indígenas e membros da comunidade do distrito de Mazagão Velho, em Macapá.

Tal definição corrobora com a problemática evocada neste texto, à luz da qual compreendemos o museu como templo do patrimônio; e no caso do lócus de estudo, o patrimônio está vivo, é dinâmico, pode ser visto a céu aberto e transborda sobre a geografia social da comunidade, confirmando sua singularidade como um ambiente museológico na perspectiva da Nova Museologia e da educação escolar voltada à valorização da história, legado cultural-artístico e estético dos povos afro-brasileiros.

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3O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comité de Ética da Universidade Federal do Amapá e está registrado com o número 3.621.933. Informo ainda que este artigo faz parte do processo de orientação acadêmica iniciado com Delcirene Videira, ainda no Curso Pedagogia-PARFOR Unifap, no ano 2018, e se estende até os dias atuais. Também considero relevante informar que a coautora do artigo é moradora da comunidade loco de pesquisa e atua profissionalmente no Centro Educacional Vó Olga de Educação Infantil.

4“O tráfico de escravos para a região amazônica foi realizado sob vários regimes: o assento ou alistamento compulsório de negros cativos na África, geralmente negociados com contratos da Fazenda Real com particulares e realizado nos séculos XVII e XVIII; o estaque ou estanco, monopólio atribuído às Companhias de Comércio, à iniciativa privada, realizado irregularmente durante todo o tráfico; o contrabando e, finalmente, o comércio interno, também de iniciativa particular, que deslocava escravos de outras praças do Brasil para o Pará.” (HENRY; FIGUEIREDO, 1990, p. 64).

5Em 2020, a festa santoral realizada no distrito de Mazagão, de 16 a 28 de julho, que reifica a batalha epopeica entre mouros e cristãos, completou 247 anos, se considerarmos a data da primeira encenação, ocorrida em 1773.

6Vide Códice n. 197 - Lista das Famílias da Praça de Mazagão, vindas para o Pará em 1769 - Livros 1 e 2; Códice n. 208 - Famílias de Mazagão que vão para a Vila deste nome, tendo princípio em 4 de abril de 1770 (BELÉM, 1995, p. 13-14).

7“Os portugueses transmigrados pela coroa portuguesa para a Amazônia eram desprovidos de posses e riquezas materiais e foram qualificados como ‘miseráveis gentes’ pela coroa.” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 26).

8Vide Códice n. 197 - Lista das Famílias da Praça de Mazagão, vindas para o Pará em 1769 - Livros 1 e 2; Códice n. 208 - Famílias de Mazagão que vão para a Vila deste nome tendo princípio em 4 de abril de 1770; Códice n. 290 - Correspondência dos Governadores com diversos, 1775 e 1776 (relação anexas aos documentos 59, 143 e 152), transcrita fielmente a ordenação das famílias transportadas em cada navio saído de Lisboa (BELÉM, 1995, p. 13-14).

9No distrito de Mazagão Velho, acontece um fenômeno complexo e interessante, atinente às dimensões racial e cultural/religiosa dos filhos-negros, especialmente no que tange às religiões e religiosidade negra, praticamente abandonadas, as quais continuam sendo negadas por parte significativa dos membros da comunidade.

10O referido termo surgiu ainda no território federal do Amapá e ressurgiu através do governo estadual de 2003, com o intuito de criar e/ou sustentar uma identidade coletiva que despertasse na população nativa do Amapá o sentimento de reconhecimento, valorização, orgulho, proteção e promoção das singularidades culturais, humanas e identitárias herdadas de nossos antepassados, vide Canto (2016, p. 64).

11A festa do Divino Espírito Santo é realizada/custeada integralmente pela coordenação e festeiros(as) devotos do referido santo, na qual é vedada o aporte financeiro e a interferência de órgãos e instituições ligados aos governos estadual e municipal, para que estes não tentem futuramente sequestrar o protagonismo do corpo de foliãs e foliões responsáveis pela preservação do referido artefato cultural, como foi feito com a festa de São Tiago, que, na atualidade, serve de palco de promoção e visibilidade pessoal dos políticos, como ressaltaram-nos os(as) filhos(as) do lugar.

12Jozué Videira é uma liderança comunitária e guardião da cultura de seus ancestrais, quem dedica sua vida à vivência entre os seus ao ensino-aprendizagem de crianças e jovens acerca da cultura local e à proteção do patrimônio cultural mazaganense. Ao lado de sua residência, funciona a sede da Associação Cultural Raízes do Marabaixo, que funciona como “Escola de Cultura Comunitária”, idealizada no intuito de promover o aprendizado e o repasse intergeracional das heranças culturais/religiosas do povo de Mazagão Velho.

13São restos mortais dos primeiros moradores da vila, provavelmente de cristãos portugueses e párocos.

1Pós-doutoranda pela Faculdade de Educação, na linha de pesquisa: História e Memória da Educação; Mestre e Doutora em Educação Brasileira pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará.

2Pós-doutor em História da Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pela Universidade Federal da Paraíba; Pós-doutor em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia.

Recebido: 27 de Setembro de 2020; Aceito: 08 de Junho de 2021

Endereço para correspondência: Rua Rodovia Juscelino Kubitschek, 3.200, Bloco F, apto. 108, condomínio Parque Felicitá, bairro Universidade, 68.903-419, Macapá, Amapá, Brasil; piedadevideira08@gmail.com

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