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Roteiro

versão On-line ISSN 2177-6059

Roteiro vol.46  Joaçaba jan./dez 2021  Epub 11-Jun-2021

https://doi.org/10.18593/r.v46.27248 

Seção temática: Casos de Ensino na pesquisa e na formação de professores

As pesquisas sobre casos de ensino: uma revisão integrativa

Research on teaching cases: an integrative review

Investigación sobre los casos de enseñanza: una revisión integrativa

Ana Maria Calil1I  , coordenadora interina
http://orcid.org/0000-0002-4578-0894

Patrícia Albieri Almeida2II  , Professora
http://orcid.org/0000-0002-4081-4573

Douglas Tinti3III  , Professor
http://orcid.org/0000-0001-8332-5414

IUniversidade de Taubaté, Mestrado Profissional em Educação, Professora e coordenadora interina.

IIFundação Carlos Chagas, Pesquisadora plena. Centro Universitário Adventista, Mestrado Profissional em Educação, Professora.

IIIUniversidade Federal de Ouro Preto, Departamento de Educação Matemática, Professor.


Resumo:

O presente texto apresenta um balanço das tendências e características das produções sobre casos de ensino a partir de pesquisas realizadas no Brasil, no período de 2000 a 2020. Foram utilizados como corpus de análise os trabalhos apresentados nas reuniões anuais da Anped, as dissertações e teses disponíveis na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações e, ainda, os artigos disponíveis no website do SciELO e do Educ@. Destacam-se nos achados da revisão o baixo número de produções em duas décadas. Os casos de ensino são utilizados nas pesquisas como dispositivo de formação, como instrumento de investigação ou para ambos os fins, o que representa a maioria. Observou-se uma concentração de estudos com professores da educação infantil, dos anos iniciais, da área de matemática e, também, aqueles que trabalham com alunos com deficiência. Nos demais segmentos, modalidades e áreas de conhecimento os estudos ainda são incipientes. As principais contribuições do uso de casos de ensino dizem respeito aos conhecimentos mobilizados pela sua utilização e ao papel da reflexão na análise das narrativas. O estudo evidencia a importância de uma agenda de pesquisa sobre casos de ensino na formação de professores que possa oferecer aos programas de formação inicial e continuada de professores não só os elementos da pedagogia baseada em casos, mas, sobretudo, um entendimento mais profundo do processo de aprender a ensinar.

Palavras-chave: casos de ensino; formação de professores; revisão integrativa.

Abstract:

This text presents a balance of the trends and characteristics of the productions on teaching cases based on research conducted in Brazil in the period ranging from 2000 to 2020. Work presented at Anped's annual meetings, the dissertations and theses available on the Digital Theses and Dissertations Library, and the articles available on the SciELO and Educ@ websites were used as the corpus-based analysis. The small number of productions in two decades stands out in review findings. Teaching cases are used in research as a training device, as a research tool, or for both purposes, which represents the majority. There was a concentration of studies with teachers of early childhood education, of the early years, of the area of mathematics, and of those working with students with disabilities. Studies are still incipient in other segments, modalities, and areas of knowledge. The main contributions made by using teaching cases concern the knowledge set into motion by their use and the role of reflection in the analysis of the narratives. The study highlights the importance of a research agenda on teaching cases in teacher education that can offer initial and continuing teacher education programs, not only the elements of case-based pedagogy, but, above all, a deeper understanding of the process of learning to teach.

Keywords: teaching cases; teacher training; integrative review.

Resumen:

Este texto presenta un balance de las tendencias y características de las producciones sobre casos de enseñanza a partir de investigaciones realizadas en Brasil en el período 2000 a 2020. Se utilizaron como corpus de análisis los trabajos presentados en las reuniones anuales de Anped, las disertaciones y tesis disponibles en la Biblioteca Digital de Tesis y Disertaciones y los artículos disponibles en el sitio web de las bases de datos SciELO y Educ@. El bajo número de producciones en dos décadas destaca en los hallazgos de la revisión. Los casos de enseñanza se utilizan en la investigación como dispositivo de formación, como herramienta de investigación o para ambos fines, lo que representa la mayoría. Se observó una concentración de estudios con profesores de educación infantil, de matemáticas y también con los que trabajan con alumnos con discapacidad. En los demás segmentos, modalidades y áreas de conocimiento los estudios son aún incipientes. Las principales aportaciones del uso de casos de enseñanza se refieren al conocimiento movilizado por su uso y al papel de la reflexión en el análisis de las narraciones. El estudio pone de relieve la importancia de un programa de investigación sobre casos de enseñanza en la formación del profesorado, que ofrezca a los programas de formación inicial y continua del profesorado no solo los elementos de la pedagogía basada en casos, sino también y sobre todo una comprensión más profunda del proceso de aprender a enseñar.

Palabras clave: casos de enseñanza; formación del profesorado; revisión integradora.

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, especialmente nas últimas décadas, observa-se um gradativo aumento de pesquisas que investigam o desenvolvimento de práticas formativas com potencial para promover a aprendizagem da docência e, consequentemente, o desenvolvimento dos conhecimentos profissionais tanto na formação inicial como na continuada.

Para Gatti et al. (2019, p. 195) essa produção foi potencializada “com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) que contribuiu para fortalecer e revitalizar as licenciaturas provocando novas práticas e novas culturas no contexto dos cursos e das escolas da educação básica.” E, no contexto da formação continuada, as autoras destacam que tem sido cada vez mais comum as ações que ocorrem no lócus da escola com “ênfase ao trabalho colaborativo, tentando superar o isolamento dos professores e as ações de cunho marcadamente individualista.” (GATTI et al., 2019, p. 195).

Gatti et al. (2019, p. 186) explicam que foi no processo de “redefinição do papel e da prática do professor, em que se passou a reconhecer o espaço profissional como lócus de produção de conhecimento, e o educador, como sujeito histórico capaz de produzir novos conhecimentos”, ocorrido nas últimas décadas, que “alguns consensos, subjacentes a aprendizagem da docência, passaram a ter forte inserção na literatura brasileira, influenciando, sobretudo, as pesquisas e práticas de formação inicial de professores.” As autoras apresentam sete consensos, a saber: (i) a reflexão na articulação teoria e prática; (ii) a valorização da postura investigativa; (iii) a aproximação entre as instituições de formação e a escola; (iv) a valorização da construção de comunidades de aprendizagem; (v) o ensino concebido como uma atividade profissional que se apoia num sólido repertório de conhecimentos; (vi) a importância de formar professores para a justiça social; (vii) a importância de, nas formações, considerar as crenças e conhecimentos que os professores possuem sobre o ensino e a aprendizagem.

Esses consensos, segundo Gatti et al. (2019, p. 194), “se interseccionam e permitem uma aproximação com a herança formadora que contribui para a construção de alternativas possíveis no âmbito da formação docente.” E mesmo considerando que esses consensos não esgotam a multiplicidade de abordagens na formação de professores que orientam as pesquisas e práticas no campo da formação docente, traduzem, de algum modo, as principais tendências adotadas nas políticas e práticas de formação. E, para as autoras, é nesse movimento que novas culturas formadoras geram novos processos, novas práticas, novas perspectivas e metodologias.

Gatti et al. (2019, p. 186) identificaram que, no Brasil, no contexto dos espaços formativos, têm sido cada vez mais comum a valorização do uso de narrativas “tomadas como estratégia de formação, de práticas de pesquisa e de intervenção e reconhecidas mediante as potencialidades no desenvolvimento pessoal e profissional dos professores.” (GATTI et al., 2019, p. 195).

O uso da narrativa como recurso formativo se dá por meio de diferentes tipos de registro como, por exemplo, casos de ensino, portfólio, memorial de formação e diários e, como bem destaca Oliveira (2011, p. 291), envolvem “uma carga emotiva intensa, trazem à memória as emoções positivas ou negativas para o sujeito que as vivenciou e representam algumas vezes momentos decisivos para mudanças, transformações etc.” A autora explica que esses instrumentos, que também são chamados de dispositivos de formação, exercem “um forte papel de mediador na formação e no desenvolvimento profissional do professor” (OLIVEIRA, 2011, p. 291), uma vez que a narrativa “potencializa um processo de reflexão pedagógica que permite aos seus autores compreender causas e consequências de suas ações ou de acontecimentos, circunstâncias etc.” (OLIVEIRA, 2011, p. 290). Nesse direcionamento, Passeggi (2016, p. 76) afirma que “essa potencialidade formadora de fazer experiências, refletir sobre elas para aprender sobre nós mesmos e o mundo, torna inseparável o sujeito e o objeto de conhecimento.”

Por outro lado, o emprego de recursos audiovisuais, como vídeo-gravação, e de observação das práticas de ensino ainda são pouco presentes na formação inicial e continuada de professores no país, apesar de ter um importante potencial. Seja como for, essas práticas são utilizadas com um mesmo objetivo: o de tomar a prática objeto de análise e saber em todas as suas dimensões e complexidades.

Desse modo, tendo em vista o potencial desses dispositivos de formação, considerou-se pertinente um olhar mais detido sobre os casos de ensino que são reconhecidos na literatura como instrumento capaz de evidenciar e interferir nos conhecimentos profissionais, pois colocam em relevo o papel basilar do aprendizado a partir da experiência. Como bem ressalta Mizukami (2002), as experiências de ensino e aprendizagem retratadas em casos de ensino e utilizadas em processos formativos agregam valor não só formativo, mas também investigativo dos processos de desenvolvimento profissional docente, especialmente no que diz respeito ao aprendizado da docência.

No Brasil, o uso de casos de ensino na formação docente e na pesquisa teve início nos anos 2000, sobretudo por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob a influência dos estudos desenvolvidos por Lee Shulman, Judith Shulman, e Katherine Merseth.

Assim, passados vinte anos, considerou-se pertinente realizar um balanço das pesquisas publicadas no Brasil que têm se apropriado dos casos de ensino não só como instrumento de formação, mas também de pesquisa. Buscou-se, por meio de tal levantamento, identificar as tendências e características dessas produções, bem como suas contribuições em relação ao uso dos casos de ensino para a formação docente e para a pesquisa.

Em termos de organização, o artigo foi estruturado em quatro partes: na primeira, faz-se uma contextualização dos usos, significados e potencialidades dos casos de ensino segundo autores de referência como Lee Shulman, Judith Shulman, Katherine Merseth, Mizukami e outros; na segunda, explicita-se o percurso metodológico utilizado no processo de levantamento e análise das produções; posteriormente, estão a apresentação e discussão dos principais achados; e, por fim, tecem-se as considerações finais.

2 USOS, SIGNIFICADOS E POTENCIALIDADES DOS CASOS DE ENSINO

Nono e Mizukami (2002) relatam que a utilização dos casos de ensino como metodologia de ensino e pesquisa dos processos de formação de professores, teve início na década de 1980, ocasião em que os processos formativos vividos pelos professores e a definição dos tipos e da natureza dos conhecimentos, que estão na base de sua atuação, foram evidenciados como temas centrais de estudo e pesquisa.

As autoras recorrerem a Merseth (1996) para destacar alguns dos fatores que impulsionaram o interesse pelos casos de ensino tanto no contexto da formação, como no da pesquisa. São eles: (i) o interesse pela discussão sobre a natureza do conhecimento docente; (ii) o fato de os casos serem usados como metodologia bem sucedida em outras áreas profissionais, e; (iii) as reformas educacionais estadunidenses que provocaram debates e pesquisas sobre metodologias alternativas para serem usadas na formação docente.

Antes, porém, de avançar na discussão sobre os casos de ensino, torna-se imprescindível esclarecer algumas confusões que eventualmente acontecem em decorrência da tradução do inglês para o português e, também, sobre a utilização e objetivos do uso de casos de ensino tanto na formação quanto na pesquisa. Recorreu-se a uma entrevista com a Mizukami (CALIL, 2020) para diferenciar casos de ensino de estudo de caso que denota outro sentido, posto que é um tipo de pesquisa. A autora esclarece:

São duas coisas completamente diferentes. Casos de ensino são estratégias de aprendizagem e desenvolvimento profissional da docência que também, podem ser considerados como narrativas que têm o potencial de auxiliar e compor um campo que poderia ser denominado de docência e ensino. Estudo de caso é um tipo de pesquisa. Há muita confusão - o método de casos consiste numa série de instruções/recomendações/sugestões de como usar casos em situações específicas. O que está em foco é a confusão que as pessoas fazem entre ensino e pesquisa ou mesmo sobre pesquisa em ensino. (CALIL, 2020).

Também se faz necessário diferenciar casos de ensino de método de instrução de casos. De acordo com Merseth (2018, p. 14), “o método de instrução de casos refere-se, com frequência, à maneira como os casos são utilizados [...] é importante ressaltar que ‘casos’ e ‘método de instrução de casos’ estão intimamente ligados.” Merseth (1990, 1996), em suas produções, ressalta a importância do papel do profissional que conduz a análise e elaboração de casos de ensino. Não é por acaso que a maioria dos casos de ensino são constituídos por perguntas que possam servir como guias para os debates. Entretanto, a forma de apresentar o caso e os tipos de intervenção interferem diretamente no potencial formativo do caso em análise.

Isso posto, parece ser consenso que o repertório que os casos de ensino propiciam aos professores favorece o aprendizado a partir da própria prática e da prática de outros professores que já trilharam os seus primeiros passos e que estão, ou já estiveram, em pleno exercício profissional.

Para Lee Shulman (1986) e Judith Shulman (2002) o aprendizado a partir da prática é a melhor descrição do que se poderia denominar de aprendizado para ensinar, pois é por meio dele que se tem a oportunidade de aprender a lidar com a surpresa, a incerteza e a complexidade intrínsecas ao microcosmo do cotidiano da sala de aula. E para que um aprendizado do tipo learning from experience possa ser validado como tal, em instâncias de formação docente, é necessário que seja construído um repertório de experiências (artifact of scholarship) que engloba a descrição/relato de vivências, casos, erros e acertos. O argumento de Shulman, em 1987, de que os profissionais da educação precisavam avançar no processo de construção e legitimação dos saberes específicos da docência, enquanto a imensa maioria das profissões já possui seus artifacts of scholarship, definidos de longa data, continua sendo uma realidade. O autor propôs na época a aprendizagem baseada em casos na formação de professores, com o argumento de que a utilização deles permitiria uma unidade de análise reflexiva que contribuiria para a organização do processo de reflexão pelo professor.

Evidenciar a prática pedagógica como tema de discussão e reflexão tornou possível compreender e analisar que o conhecimento do conteúdo, o fazer, o falar, a interação com o aluno, a gestão do conhecimento pedagógico e a interação com os demais pares professores e administradores são alguns aspectos que podem favorecer não só o desenvolvimento profissional, mas, sobretudo, a qualidade do trabalho docente.

Assim, colocar no centro os problemas pelos quais passam os professores, não importa em que nível atuem, e sua prática de sala de aula, aponta para um avanço tanto na valorização do fazer pedagógico quanto na sua profissionalização e no seu desenvolvimento profissional. O fato de estarem imersos nos compromissos diários da sala de aula, faz com que os professores atuem sem ter consciência de tudo o que produzem durante a sua jornada de trabalho. Marcelo (2010, p. 15) aponta que “trata-se de um conhecimento específico do contexto, difícil de codificar - já que se expressa de forma eminentemente ligada à ação.” O autor segue afirmando que a profissão também atende aos aspectos “moral e emocional, privado ou interpessoal, e comunicado por via oral.” Para o autor, torna-se importante considerar que “é um conhecimento prático, orientado para soluções, que se traduz de forma metafórica, narrativa, através de histórias, e que, via de regra, possui um baixo status e prestígio.” (MARCELO, 2010, p. 15).

O conhecimento na prática suscita experiências que merecem extrapolar o isolamento da sala de aula e serem compartilhadas com outrem. Nesse sentido torna-se premente considerar que para haver colaboração é necessário haver um grupo que se comunica, que troca ideias, que reflete sobre a experiência vivida por si e pelo outro. É importante que o conhecimento e as agruras vividos na sala de aula sejam expostos, relatados e possam não só promover momentos de reflexão, mas, também, servir de exemplo e inspiração.

A reflexão dos professores ocorre quando esses expõem suas experiências numa narrativa, num grupo, numa reunião. Poder falar de si e perceber que sua experiência coincide com a de outros profissionais, ouvir outros profissionais e ser ouvido e considerado possibilita a reflexão tanto no momento da narrativa quanto depois dela quando outros comentam, perguntam ou colaboram com sugestões e ideias.

Merseth (1996) explica que os casos são criados explicitamente para discussão e procuram incluir detalhes e informações suficientes para obter análises e interpretações ativas por parte dos professores ou futuros professores com perspectivas diferentes. Essa compreensão reafirma três elementos essenciais dos casos, segundo a autora: são reais; contam com pesquisa e estudo cuidadosos; fomentam o desenvolvimento de múltiplas perspectivas por aqueles que analisam o caso.

A ênfase em casos baseados na realidade, para Merseth (1996), é importante para a formação de professores porque permite que eles explorem, analisem e examinem representações de salas de aula reais. Destaca, ainda, que casos de ensino bem elaborados colocam em destaque o conhecimento proposicional podendo favorecer o conhecimento de uma teoria em particular ou a construção de novas teorias. A análise de casos estimula a reflexão, o pensamento analítico, a introspecção e o desenvolvimento do conhecimento profissional.

Domingues, Sarmento e Mizukami (2012, p. 2) se apoiam em um estudo desenvolvido por Sarmento (2009, p. 396), para defender as narrativas como possibilidade de entendimento da complexidade que compõem as histórias em seus tempos e lugares configurados por interpretações singulares, “construídas nas múltiplas interações entre o passado, o presente e o futuro, o herdado e o projectado, as continuidades e as rupturas, as ligações e os confrontos do sujeito consigo próprio e com os atores que povoam os contextos em que se move.” As histórias ou acontecimentos narrados despertam a curiosidade e a aproximação do outro, quer por narrativas orais ou escritas. Ainda segundo as autoras

[...] há quem só narra o fato do outro; há quem aprenda com a narrativa do outro, há quem aprenda ou (re)aprenda com a narrativa da sua própria história de vida, há quem escreva e reconte a narrativa do outro para que outros aprendam, há o que reconta a narrativa do outro a partir dos efeitos que provocaram em si mesmo e, ainda, há quem seja impulsionado ou provocado a escrever sua narrativa a partir da narrativa do outro etc. (DOMINGUES; SARMENTO; MIZUKAMI, 2012, p. 2).

Percebe-se a importância da socialização das experiências profissionais por meio das narrativas. Falar, organizar as ideias e os fatos ocorridos na sala de aula, poder repensar enquanto narra e refletir mais ainda quando a narrativa é analisada por outras pessoas é uma possibilidade que se abre para a desnaturalização do conhecimento profissional docente e a consciência do que sabe sobre o que sabe o próprio professor. É no contexto da prática do professor que se desenvolve a sua principal função - ensinar.

Nono e Mizukami (2002, 2004, 2005) explicam que a metodologia de casos de ensino possibilita ao professor que narra a situação vivida refletir sobre seu ensino e, sobretudo, favorece que “os conhecimentos mobilizados por ele diante de uma situação escolar específica e contextualizada sejam registrados, podendo ser, posteriormente, acessados, examinados, discutidos, utilizados, repensados, modificados por outros colegas.” (NONO; MIZUKAMI, 2002, p. 119).

Como possibilidades formativas, os casos de ensino se constituem importantes instrumentos de ensino que possibilitam, dentre outros aspectos:

o estudo de variadas temáticas relacionadas com diversas áreas de conhecimento;

a revisão de várias concepções e de teorias pessoais, construídas durante toda a trajetória de escolarização do professor ou futuro professor, que têm orientado seus pensamentos e atitudes, em relação aos processos de aprender e de ensinar;

o exercício de processos de análise, resolução de problemas e tomadas de decisões, que fazem parte da atividade profissional docente;

a familiarização com a análise e a ação em situações complexas que ocorrem em sala de aula;

o desenvolvimento de estruturas de conhecimento que capacitem os professores a reconhecer eventos novos, a compreendê-los e a delinear formas sensíveis e educativas de ação;

o desenvolvimento do processo de raciocínio pedagógico, entendido como a forma de pensamento que permite ao professor a transformação de conteúdos em ensino (NONO; MIZUKAMI, 2002, 2004, 2005).

Mizukami (2000), fundamentada em Shulman (1992), destaca que os casos de ensino favorecem o desenvolvimento do processo de raciocínio pedagógico e de construção do conhecimento pedagógico do conteúdo pelo professor. Esclarece, ainda, que o seu uso como uma unidade de análise reflexiva, visando à aprendizagem da docência, é uma resposta a dois problemas centrais no âmbito da formação docente: aprendizagem pela experiência e a construção de pontes entre teoria e prática. Assim, tendo em vista que a formação docente é muito genérica, os casos de ensino podem se constituir em um material de experiência que contempla um ato de teoria, pois como bem ressalta Shulman (1986, p. 11), “os casos, por si só, são relatos de eventos ou de sequência de eventos, ao passo que o conhecimento que eles representam é o que faz deles casos.”

Tanto nas situações de elaboração de um caso como naquelas em que se analisa narrativas, os professores em formação e em exercício, têm a oportunidade de reconsiderar as teorias pessoais, orientando pensamentos e atitudes relativas aos processos de aprender e de ensinar. Logo, exercitar processos de análise, resolução de problemas e tomadas de decisões intrínsecas a atividade profissional docente é uma forma de favorecer processos de desenvolvimento profissional (NONO; MIZUKAMI, 2002, 2004, 2005).

Cabe aqui destacar que, como afirma Almeida (2020, p. 16), na introdução do livro Ensinando futuros professores: experiências formativas inspiradoras,

[...] faltam estudos que identifiquem experiências baseadas nas práticas formativas, extraindo delas informações que iluminem o contexto que as originaram, as abordagens teóricas que as embasaram, os métodos e procedimentos adotados, as dificuldades enfrentadas durante sua implementação e, em especial, os resultados alcançados. (ALMEIDA, 2020, p. 17).

Logo, são muito importantes as pesquisas que tomam as práticas formativas como objeto de estudo para que experiências ricas e com potencial formativo não sejam perdidas, o que configuraria um prejuízo para o campo da formação de professores. Neste estudo o foco recaiu sobre os casos de ensino, entretanto, outros dispositivos de formação também precisam ser mais bem compreendidos para que os formadores contem com um rol de possibilidades formativas sem perder de vista, é claro, as concepções que subsidiam as escolhas. E não se trata de optar por um ou outro dispositivo de formação, todos tem possibilidades e limites que precisam ser analisados e considerados sendo, inclusive, desejável o seu uso de forma conjugada.

Os elementos conceituais até aqui explicitados objetivaram elucidar a perspectiva sob a qual os casos de ensino são utilizados nos processos de formação de professores, bem como evidenciar a relevância e contribuição do levantamento acerca de sua tematização nas produções acadêmicas nacionais.

4 O CAMINHO DE CONSTRUÇÃO DA REVISÃO INTEGRATIVA

Foi realizada uma revisão da literatura, na modalidade definida como revisão integrativa, em que procedimentos metodológicos explícitos são empregados para obter uma compreensão mais abrangente de um fenômeno particular que permite não só a síntese de estudos já publicados, como, também, a produção de novos conhecimentos embasados nos resultados das pesquisas realizadas anteriormente (BOTELHO; CUNHA; MACEDO, 2011). Logo, a proposta de uma revisão integrativa é responder, de modo planejado, a perguntas específicas. Nesse tipo de revisão Botelho, Cunha e Macedo (2011) sugerem o emprego de procedimentos metodológicos para identificar, selecionar e avaliar criticamente os estudos já realizados e o conhecimento já construído (BOTELHO; CUNHA; MACEDO, 2011). Os autores propõem uma sucessão de etapas definidas que foram empregadas na revisão que deu origem ao presente artigo.

A primeira etapa diz respeito a “identificação do tema e seleção do problema de pesquisa”, momento que exige o estudo teórico sobre o tema e a definição dos objetivos do estudo o que, por sua vez, norteou a especificação dos descritores da estratégia de busca e a escolha dos bancos de dados a serem consultados. O levantamento foi realizado no período de 2000 a 2020 e tomou-se, como corpus de análise: (i) os trabalhos apresentados nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) nos GT 04 - Didática e GT 08 - Formação de Professores, nas modalidades Comunicação Oral e Pôster; (ii) as dissertações e teses disponíveis no catálogo de Teses e Dissertações da Capes e; (iii) os artigos disponíveis no website do SciELO4 e do Educ@.5 O termo utilizado para a busca nos campos título e palavras-chave foi casos de ensino.

Na segunda etapa, foi necessário ‘estabelecer critérios de inclusão e exclusão de dados’. Assim, empregou-se, como principal critério de seleção, o uso de casos de ensino como instrumento de formação e/ou de pesquisa.

No processo de “identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados” - terceira etapa - foi necessária a leitura criteriosa dos títulos, resumos e palavras-chave, para verificar a adequação do critério adotado o que resultou na organização de uma tabela com os estudos pré-selecionados para a revisão integrativa. A quarta etapa - a de “categorização dos estudos selecionados”, teve por objetivo estabelecer uma matriz de análise para extrair as informações das produções selecionadas. Cabe esclarecer que a análise resultou da leitura tanto dos resumos como, quando necessário, dos trabalhos na íntegra.

Na quinta etapa, ‘análise e interpretação dos resultados’, procedeu-se à interpretação e discussão das categorias de análise e, por fim, a sexta e última etapa ‘Apresentação da revisão/síntese do conhecimento’ que diz respeito à descrição de todas as fases percorridas pelo pesquisador e a apresentação dos principais resultados obtidos e aqui compartilhados.

5 PRINCIPAIS ACHADOS

Os achados da revisão da literatura foram organizados em oito categorias que serão detalhadas no texto que segue, sendo que algumas delas serão apresentadas conjuntamente. São elas: (i) a forma de divulgação do estudo; (ii) o ano de publicação do estudo; (iii) referenciais teóricos utilizados nas produções; (iv) o tipo de pesquisa; (v) os participantes dos estudos em relação ao segmento de atuação; (vi) os participantes dos estudos em relação à área de conhecimento; (vii) os participantes do estudo em relação à fase do seu desenvolvimento profissional docente; (viii) as temáticas abordadas nas pesquisas, e; (ix) as principais contribuições das produções em relação ao uso de casos de ensino para a formação docente e para a pesquisa.

5.1 FORMAS DE DIVULGAÇÃO DOS ESTUDOS, ANO DE PUBLICAÇÃO E REFERENCIAIS TEÓRICOS UTILIZADOS NAS PRODUÇÕES

Foram localizadas apenas 51 produções em duas décadas, das quais 19 artigos científicos, três trabalhos apresentados na Anped, 14 dissertações e 15 teses. Essas formas de divulgação foram publicadas, em maior número, principalmente a partir de 2011 (Gráfico 1), com maior concentração nos anos de 2017 e 2018 que totalizam 14 produções. Esses dados indicam que a disseminação dos casos de ensino ainda é incipiente como objeto de estudo.

A maioria das dissertações e teses, defendidas, desde 2000, foi produzida em programas de universidades da região sudeste, totalizando 16, seguida da região nordeste com cinco e das regiões centro-oeste e sul com quatro cada uma. Não foram localizadas produções da região norte.

O Programa de Pós-Graduação em Educação que se destaca pelo número de pesquisas é o da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com oito dissertações e teses. O programa da Universidade Federal de Mato Grosso e os Programas de Pós-Graduação6 da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) contam com quatro e três produções, respectivamente.

Fonte: os autores.

Gráfico 1 Quantidade de produções sobre casos de ensino publicadas entre os anos de 2000 a 2020 

A autoria dos artigos e dos trabalhos apresentados na Anped e em quatorze artigos é coletiva, com a participação, em sua maioria, de pesquisadores de diferentes instituições, o que retrata um esforço investigativo associativo que propicia não só o fortalecimento interinstitucional, mas, sobretudo, a produção de conhecimentos no campo. Os outros oito artigos e trabalhos foram escritos individualmente. Em onze das produções (artigos e trabalhos da Anped), a pesquisadora Maria das Graças Nicoletti Mizukami é autora ou coautora.

Os dados evidenciaram que, além de autora, a pesquisadora Mizukami se destaca como a mais citada (N=33) nos quadros teóricos das produções analisadas. Além disso, a produção conjunta com a pesquisadora Maévi Anabel Nono, foi utilizada em 11 pesquisas. Outra autora brasileira bastante citada foi a pesquisadora Nono, sobretudo sua tese de Doutorado, que foi referenciada em 19 pesquisas. Tal cenário confirma a importância das pesquisadoras Mizukami e Nono nos estudos sobre casos de ensino.

Em relação à utilização de referenciais internacionais, os dados evidenciaram que a autora mais utilizada foi a Katherine Merseth (N=11), seguida por Judith Shulman (N=7) e por Lee Shulman (N=6).

5.2 O TIPO DE PESQUISA

Para o descritor tipo de pesquisa, foram adotados três indicadores: pesquisa empírica, pesquisa teórica e estudos de revisão da literatura. Das 51 produções analisadas, duas são de natureza teórica, e as demais, 49, são pesquisas empíricas de natureza qualitativa. Cabe ressaltar que não foram localizados estudos de revisão da literatura sobre casos de ensino.

Dentre as 49 pesquisas empíricas, 20 qualificam o tipo de pesquisa qualitativa com especial destaque a pesquisa-intervenção (N=8), a pesquisa construtivo-colaborativo (N=7) e a pesquisa-ação (N=5). Guardadas as especificidades de cada uma, todas implicam algum tipo de intervenção que, de modo geral, requer uma relação de parceria entre pesquisador e professores favorecendo aprendizagens mútuas.

No conjunto das 49 pesquisas empíricas, 34 utilizam os casos de ensino como instrumento de pesquisa e de formação, 12 recorrem aos casos de ensino como instrumento de pesquisa e três exclusivamente como dispositivo de formação.

Fonte: os autores

Gráfico 2 Quantidade de produções que utilizam os casos de ensino como instrumento de pesquisa, como dispositivo de formação ou ambos 

Observou-se que, de modo geral, as 34 produções que utilizam os casos de ensino como instrumento de pesquisa e de formação buscam garantir, ao mesmo tempo, a promoção e a investigação de conhecimentos profissionais docentes. Os casos de ensino têm se revelado como instrumento de intervenção, permitindo que os docentes que colaboram com a pesquisa também analisem conhecimentos profissionais explicitados por si mesmo e pelos pares. Rodrigues et al. (2013) explicam o processo que articula pesquisa e formação tem provocado “a (re)significação das práticas dos professores, a partir de suas reflexões sobre os casos, que funcionam como espelhos d’água.” (RODRIGUES et al., 2013, p. 151).

Na maioria dos estudos, a utilização dos casos de ensino se deu sob duas perspectivas: análise individual e/ou coletiva de casos existentes na literatura e a elaboração de casos de ensino a partir de situações escolares vividas pelos professores.

Nas 12 produções em que os casos de ensino foram utilizados como instrumento de pesquisa observou-se que a análise de casos permitiu ao pesquisador apreender, dentre outros aspectos, os conhecimentos relativos ao ensino e à aprendizagem, bem como dúvidas, certezas, equívocos e contradições que orientam e caracterizam as práticas docentes.

As três produções que utilizaram os casos de ensino como dispositivo de formação o fizeram para colocar em evidência as contribuições e potencialidades do estudo de caso tomados como instrumento pedagógico para a formação de professores.

5.3 OS PARTICIPANTES DOS ESTUDOS EM RELAÇÃO AO SEGMENTO DE ATUAÇÃO E A ÁREA DE CONHECIMENTO

No conjunto das produções, o interesse das pesquisas em relação ao segmento de atuação dos participantes dos estudos, como ilustrado no Gráfico 3, incide, principalmente, nos docentes que atuam na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental (N=22), no Ensino Fundamental abrangendo professores dos anos iniciais e finais (n=9) e sobre o futuro professor matriculado em cursos de licenciatura (N=7).

Nota-se que há poucos estudos envolvendo professores especificamente dos anos finais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e de cursos de bacharelado. E raros foram os estudos sobre o professor da Educação Profissional e Tecnológica, da Educação de Jovens e Adultos e da Pós-Graduação.

Fonte: os autores

Gráfico 3 O participante de pesquisa do estudo em relação ao segmento de atuação 

Tendo em vista que a formação do professor no Brasil é basicamente disciplinar7, as produções foram organizadas tomando como referência os componentes curriculares de atuação dos professores participantes das pesquisas.

É importante esclarecer que a maioria dos trabalhos que tem como participante do estudo professores da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental nem sempre estabelece uma área específica do conhecimento, pois, normalmente, esses docentes trabalham com todas as áreas e/ou componentes curriculares, o que justifica a denominação polivalente no Gráfico 4. Observa-se que esse docente polivalente é o de maior interesse das produções.

No conjunto das áreas do conhecimento, a Matemática é a que reúne o maior número de pesquisas. Também chama a atenção o número de produções que tem como objeto de estudo o campo da educação especial. Esses estudos analisam as contribuições e limites que a análise e elaboração de casos de ensino propiciam à aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores que trabalham com alunos com deficiência na sala de aula inclusiva ou no atendimento educacional especializado.

Fonte: os autores

Gráfico 4 Distribuição das produções pelo componente curricular de atuação 

5.4 OS PARTICIPANTES DO ESTUDO EM RELAÇÃO À FASE DO SEU DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE

Buscou-se identificar, nas produções, quais os professores têm sido alvo de investigação de acordo com a fase do seu desenvolvimento profissional, como mostra o Gráfico 5. Observou-se que a maioria dos estudos (N=33) não menciona qual é esse momento. Dentre esses, 11 explicitam que o estudo foi desenvolvido em contextos de formação continuada, sem identificar a fase do desenvolvimento profissional dos participantes da pesquisa.

Fonte: os autores.

Gráfico 5 Os participantes do estudo em relação à fase do seu desenvolvimento profissional docente 

As fases do desenvolvimento profissional dos professores mais especificadas nas produções localizadas são aquelas relativas ao início da carreira (N=11) e à formação inicial (N=7). O primeiro engloba pesquisas que se debruçaram sobre os professores iniciantes, com menos de cinco anos de experiência, buscando investigar, dentre outros aspectos, o processo de aprendizagem da docência. E o segundo, abarca estudos sobre o processo formativo em cursos de licenciatura em diferentes áreas do conhecimento com foco nos conhecimentos que estão base da profissão.

5.5 AS TEMÁTICAS ABORDADAS NAS PESQUISAS

As produções analisadas contemplaram diferentes contextos e áreas como retratado nos Gráficos 3 e 4 (Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação Superior, Pós-graduação), bem como congregaram professores em diferentes momentos da carreira docente. Tal cenário possibilitou emergir diferentes focos de investigação envolvendo a utilização de casos de ensino.

No contexto da formação inicial, por exemplo, foi possível identificar o uso de casos de ensino em ações do Pibid e dos Estágios Curriculares Supervisionados. Na formação continuada evidencia-se uma latente preocupação com a formação dos professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental e, também, com a formação de professores, que não possuem Licenciatura, e atuam no Ensino Superior. Há de se destacar, ainda, um movimento de utilização dos casos de ensino com vistas a mobilizar a formação de gestores e formadores de professores.

De modo geral, a análise das produções que refletem sobre as demandas e contextos formativos possibilitou identificar diferentes motivações para o uso de casos de ensino. Há pesquisas que sinalizam que tal uso contribui para o desenvolvimento profissional docente. Algumas delas indicam que os casos de ensino foram elegidos por favorecer, simultaneamente, os processos formativos e investigativos. Outras, ainda, sinalizam que a utilização de casos de ensino corrobora com a melhoria das aprendizagens dos alunos. Contudo, observa-se, ainda, a motivação de um processo formativo centrado na escola e que pode mobilizar uma cultura de colaboração no ambiente profissional.

Verificou-se, no conjunto das produções, que algumas trabalharam temáticas conjugadas, podendo ter, portanto, múltiplas classificações. Procurou-se, então, por meio da leitura dos títulos, objetivos e resumos e, quando necessário, do trabalho na íntegra, agrupá-las de acordo com o interesse central do estudo e semelhança temática. Dessa forma, considerando as 51 produções analisadas, foram identificadas três temáticas mais recorrentes.

A primeira, diz respeito às possibilidades formativas dos casos de ensino que foi objeto de estudo de 25 produções. No geral, esses estudos buscaram investigar as contribuições, potencialidades e limitações que a análise e elaboração de casos de ensino propiciam à aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores que atuam em diferentes áreas e segmentos de ensino, bem como na formação inicial e/ou continuada. Alguns desses estudos também destacam o potencial dos casos de ensino como instrumento de pesquisa capaz de mobilizar reflexões, situações de ensino vividas tanto na trajetória escolar quanto nos processos de ensino e aprendizagem.

A segunda temática, que totalizou dez produções, abrange trabalhos que têm como eixo investigativo os conhecimentos profissionais e o aprendizado da docência. Esses estudos buscaram investigar, por meio do uso de casos de ensino, os conhecimentos profissionais que fundamentam a prática pedagógica docente e como o seu uso se relaciona com o aprendizado da docência.

A terceira temática, também com dez produções, diz respeito às práticas docentes. Nesses estudos buscou-se promover reflexões sobre a prática a partir da análise e construção de casos de ensino que trazem à tona a discussão e a análise da prática pedagógica, levando os docentes e/ou futuros professores à indagação e a processos de metacognição.

Além dessas três temáticas, há três estudos que analisaram trajetórias pessoais e profissionais para compreender o desenvolvimento profissional de professores em exercício docente; dois que estudaram concepções e crenças de futuros professores sobre o ensino de uma determinada área do conhecimento, e; um que investigou as necessidades formativas de professores que atuam na perspectiva da educação inclusiva.

5.6 AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES EM RELAÇÃO AO USO DE CASOS DE ENSINO PARA A FORMAÇÃO DOCENTE E PARA A PESQUISA

Ao focalizarmos nas principais contribuições indicadas pelas produções analisadas, foi possível realizar um agrupamento considerando duas dimensões acerca da utilização de casos de ensino: (a) conhecimentos profissionais mobilizados pela utilização dos casos de ensino e o (b) papel da reflexão.

Tais dimensões não podem ser entendidas como estanques, mas complementares e integradas. Haja vista que, uma única produção pode ter revelado contribuições nas duas dimensões pontuadas. Além disso, tal agrupamento foi realizado não com a intenção de quantificar os resultados, mas de apresentar um possível panorama qualitativo das principais contribuições reveladas pelas produções que compõe o corpus analítico do presente artigo.

a) Conhecimentos profissionais mobilizados pela utilização dos casos de ensino

Uma dimensão importante revelada nas produções refere-se à mobilização dos conhecimentos que estão na base da docência por meio dos casos de ensino. No tocante aos conhecimentos, identificamos, em alguns deles, a presença das discussões sobre os saberes docentes propostas por Maurice Tardif. Nesse sentido, os estudos sinalizam que os casos de ensino contribuem para a mobilização dos saberes da formação profissional pedagógica, os saberes disciplinares, os saberes curriculares e os saberes experienciais, bem como para potencializá-los num processo de reflexão sobre a prática docente.

Outros estudos indicaram que o uso de casos de ensino mobiliza e dão suporte à construção de conhecimentos específicos da profissão docente, tal como defendido por Lee Shulman. Nesse sentido, observou-se que os processos formativos e investigativos que lançaram mão dos casos de ensino mobilizaram diferentes conhecimentos pedagógicos gerais, tais como: reflexões sobre as aprendizagens dos alunos, investigações de práticas inclusivas, processos de gestão da sala de aula e reflexões críticas sobre os diferentes materiais curriculares utilizados na prática escolar. Além disso, alguns estudos indicaram que o uso de casos de ensino possibilitou a mobilização de conhecimento do conteúdo específico, como de conteúdos matemáticos, por exemplo.

Há de se considerar, também, que a utilização de casos de ensino possibilita um processo de investigação e reflexão sobre a (própria) prática docente, muitas vezes pautado por práticas de escritas narrativas. Nesse sentido, os estudos indicaram que a mobilização de diferentes saberes e conhecimentos contribuiu para o processo de desenvolvimento do raciocínio pedagógico dos participantes dos processos investigados uma vez que a metodologia, de casos de ensino são uma “[...] instância da prática e não um modelo a ser imitado; exemplifica não só como a aula foi conduzida, mas também qual era a problemática do desempenho; possibilita reinterpretações e múltiplas representações” (MIZUKAMI, 2000, p. 153), o que faz com o docente mobilize diferentes conhecimentos. Trata-se, portanto, de um “instrumento pedagógico que pode ser usado para ajudar os professores na prática de processos de análise, resolução de problemas e tomadas de decisões, entre outros processos profissionais básicos.” (MIZUKAMI, 2000, p. 153).

É consenso nesses estudos de que os casos sobre o ensino são importantes para o desenvolvimento de estruturas de conhecimento que possibilitem aos professores reconhecer eventos novos, a compreendê-los e a delinear formas sensíveis e educativas de ação. Provocar reflexões, análises e desconstruir crenças, possibilita, individualmente ou em grupo, ter de posicionar-se para a análise do caso, o que implica que docentes ou futuros professores testem seu conhecimento teórico, exigindo, em alguns momentos, que seus princípios sejam adaptados e que diferentes saberes sejam mobilizados para que possam compreender as complexidades da atividade docente.

É nessa perspectiva que os resultados dos estudos refletem sobre as contribuições dos casos de ensino para o processo de aprendizagem da docência, para a construção da identidade do professor pesquisador e para um processo formativo que preze pelas necessidades e anseios dos docentes participantes.

b) O papel da reflexão na utilização dos casos de ensino

Considerando que os casos de ensino, muitas vezes, partem de textos narrativos escritos pelos professores participantes dos processos formativos e/ou investigativos, percebe-se uma valorização e um respeito às trajetórias profissionais bem como um movimento de escuta das necessidades formativas dos envolvidos. Além disso, os resultados analisados convergem para a defesa de um processo de formação contínua centrada na escola e tendo a reflexão como premissa.

Observou-se que os estudos se pautaram em diferentes perspectivas de uso dos casos de ensino. Alguns deles contemplaram estratégias de análise e reflexão de casos de ensino já produzidos enquanto outros investiram em processos de escrita e reflexão de casos de ensino. Há estudos, ainda, que assumiram uma perspectiva que congrega as duas anteriormente descritas. No entanto, nas três perspectivas observamos a preocupação de lançar um (novo/outro) olhar para as práticas pedagógicas.

Nesses estudos fica evidenciado que os casos de ensino têm o potencial de promover uma prática reflexiva e deliberativa, pois o enredo de cada caso requerer análise, atribuição de significados e respostas aos problemas. Com bem destaca Shulman (1986), nós não aprendemos a partir da experiência, simplesmente - aprendemos pensando sobre a experiência. Cada caso, ao requerer conhecimento teórico sobre o ensino, oferece um exame crítico de princípios teóricos e abordagens alternativas que retratam a complexidade da prática docente e oportunizam um exercício de articulação entre a teoria e a prática.

Há de se destacar, também, que esses processos formativos são marcados por um investimento pessoal dos docentes no desenvolvimento profissional, sinalizando a necessidade de ampliarmos o debate sobre as potencialidades do uso de casos de ensino para, então, indicar ações e Políticas Públicas que favoreçam e ampliem movimentos de auto e heteroformação.

Por fim, constatou-se que alguns dos estudos analisados indicaram que as reflexões provocadas pelo uso de casos possibilitaram o rompimento de diferentes dicotomias estabelecidas pelo paradigma tradicional de Educação, como por exemplo, a da teoria e prática.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício analítico das 51 produções revelou que a disseminação dos casos de ensino ainda é incipiente como objeto de estudo. Desse corpus de análise, que envolvia dissertações, teses, artigos e trabalhos apresentados na Anped, observou-se que a maioria das dissertações e teses, defendidas desde 2000, foi produzida em programas de universidades da região sudeste. Além disso, evidenciou-se que, em onze das produções (artigos e trabalhos da Anped), a pesquisadora Maria das Graças Nicoletti Mizukami é autora ou coautora, revelando ser a mesma a principal pesquisadora a disseminar estudos sobre os casos de ensino no cenário da pesquisa nacional.

Os dados analisados revelaram uma concentração de pesquisas empíricas de natureza qualitativa, bem como uma diversificação na utilização de casos de ensino, ou seja, pesquisas que os utilizaram como dispositivo de formação, como instrumento de investigação ou para ambos os fins, o que representa a maioria. Nesse sentido, observamos um movimento de análise e reflexão tanto de casos de ensino já produzidos quanto um movimento de valorização da escrita de casos de ensino pelos participantes dos espaços de formação e de pesquisa.

Outro aspecto importante a ser destacado refere-se aos participantes das pesquisas analisadas. Observou-se uma concentração considerável de professores polivalentes (Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental).

Além disso, quando se focaliza as diferentes áreas de conhecimento, nota-se um movimento de utilização dos casos de ensino na formação de professores de Matemática. Raros foram os estudos envolvendo professores de outros segmentos ou níveis de ensino, como por exemplo, professores da Educação Profissional e Tecnológica, da Educação de Jovens e Adultos ou mesmo da Pós-Graduação, sinalizando como uma lacuna a ausência de diversificação dos participantes de outros segmentos e áreas de conhecimento. Nesse contexto, ressalta-se, ainda, que uma abordagem interdisciplinar dos casos de ensino revelou-se como outra lacuna investigativa.

Os resultados das pesquisas a que se teve acesso evidenciou as contribuições dos casos de ensino como instrumentos de pesquisa e de formação, capazes de mobilizar reflexões, situações de ensino vividas tanto na trajetória escolar quanto nos processos de ensino e aprendizagem. No entanto, ainda é tímido o uso de casos de ensino como dispositivo de formação e de pesquisa. Vislumbra-se, portanto, a necessidade e a importância de se utilizar e pesquisar, nas diferentes áreas e segmentos, as possibilidades e limitações dos casos de ensino, inclusive quando conjugados com os outros tipos de práticas formativas baseadas em narrativas ou não.

Há que se considerar que os profissionais que atuam na formação inicial e continuada de professores, como mencionado no início deste artigo, têm produzido novas culturas formadoras gerando novos processos, novas práticas, novas perspectivas e metodologias (GATTI et al., 2019) que tomam “a prática como objeto de análise e saber, em sua globalidade, sua complexidade, suas múltiplas referências, sua ambuiguidade, sua opacidade, compreendidos seus aspectos não-refletidos, não-racionais, não-ditos.” (PERRENOUD, 2003, p. 216). Assim sendo, é preciso que essas práticas sejam mais bem compreendidas, estudadas e compartilhadas.

Uma lacuna observada nas produções analisadas é a ausência de pesquisas sobre o método de instrução de casos, ou seja, a como os casos são utilizados e suas implicações para a formação dos professores. Como bem destacou Merseth, em 1996, é importante avaliar mais amplamente o uso de casos e desenvolver uma compreensão dos efeitos das variações de seu uso na formação inicial e continuada de professores. No entanto, a autora ressalta que compreender as potencialidades e limites dos vários usos de casos requer uma articulação clara de propósito. Explica que os pesquisadores devem ter clareza sobre os resultados pretendidos, o que significa precisar, por exemplo, se estão procurando compreender os efeitos desse tipo de narrativa na cognição do professor ou nas crenças e sentimentos pessoais dos docentes ou futuros professores, por exemplo. Acrescenta, ainda, que é importante desenvolver pesquisas que analisem a influência da formação docente baseada em casos no desempenho dos alunos nas salas de aula.

Parece ser oportuno a existência de uma agenda de pesquisa sobre casos de ensino na formação de professores que possa oferecer aos programas de formação inicial e continuada de professores não só os elementos da pedagogia baseada em casos, mas, sobretudo, um entendimento mais profundo do processo de aprender a ensinar favorecendo a (re)significação dos conhecimentos profissionais e, consequentemente, contribuindo com o desenvolvimento profissional dos professores.

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4Scielo - A Scientific Electronic Library Online. Website http://www.scielo.br é uma biblioteca eletrônica que agrupa um acervo selecionado de periódicos científicos brasileiros.

5Educ@ - É uma biblioteca virtual que objetiva proporcionar um vasto acesso a coleções de periódicos qualificados na área educacional.

6São eles: Psicologia da Educação e Formação de Formadores e Educação Matemática.

7Há uma forte tradição disciplinar no país que marca a identidade docente e orienta os futuros professores em sua formação. A formação inicial de professores para a Educação Básica tem sido realizada, em sua maioria, em cursos de licenciatura organizados a partir dos campos disciplinares.

1Doutora e Mestre em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

2Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas.

3Doutor em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com período sanduíche na Universidade de Sevilha, Espanha; Mestre em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Recebido: 02 de Fevereiro de 2021; Aceito: 26 de Abril de 2021

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