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Roteiro

versión On-line ISSN 2177-6059

Roteiro vol.46  Joaçaba ene./dic 2021  Epub 17-Jun-2021

https://doi.org/10.18593/r.v46.27194 

Seção temática: Casos de Ensino na pesquisa e na formação de professores

Casos de ensino e aprendizagens da docência em/para processos formativos de futuros professores

Teaching cases and teaching learning in/for future teacher training processes

Casos y lecciones de enseñanza en/para futuros procesos de formación de profesores

Filomena Maria de Arruda Monteiro1I  , Professora Titular
http://orcid.org/0000-0002-2991-7416

IUniversidade Federal de Mato Grosso, Professora Titular


Resumo:

Neste texto, aborda-se uma experiência de formação-investigação com um grupo de alunas de Pedagogia, com o propósito de compreender os processos de desenvolvimento profissional da docência construídos após o estágio supervisionado e os sentidos destes em suas trajetórias formativas. Busca-se problematizar estas práticas mediante estudo das narrativas, envolvendo situações problemas ou de casos episódicos, a fim de indagarem o que veem, o que pensam e o que fazem, percebendo os limites de suas decisões e ações e compreendendo o processo formativo como um princípio mais amplo e a profissão do professor, bem como as práticas sociais a elas relacionadas. As aprendizagens e os saberes narrados possibilitam-nos ver as singularidades e potencialidades para a formação docente, entrelaçadas ao movimento de ressignificações em um contexto específico do trabalho docente, dando outros significados aos saberes profissionais.

Palavras-chave: Formação docente; Pedagogia; Aprendizagem da docência; Casos de ensino.

Abstract:

In this text, we approach an experience of formation-research with a group of students of Pedagogy, with the purpose of understanding the processes of professional development of teaching built after the supervised internship and their senses in their formative trajectories. The aim is to problematize these practices through the study of narratives, involving problem situations or episodic cases, in order to investigate what they see, what they think and what they do, perceiving the limits of their decisions and actions and understanding the formative process as a broader principle and the teacher's profession, as well as the social practices related to them. The learning and narrated knowledge allow us to see the singularities and potentialities for the teacher training, intertwined with the movement of resignifications in a specific context of the teaching work, giving other meanings to the professional knowledge.

Keywords: Teacher training; Pedagogy; Teaching learning; Teaching cases.

Resumen:

Este texto trata de una experiencia de formación-investigación con un grupo de estudiantes de Pedagogía, con el propósito de comprender los procesos de desarrollo profesional de la enseñanza construidos después de la pasantía supervisada y sus sentidos en sus trayectorias formativas. El objetivo es problematizar estas prácticas mediante el estudio de las narraciones, que implican situaciones problemáticas o casos episódicos, a fin de investigar lo que ven, lo que piensan y lo que hacen, percibiendo los límites de sus decisiones y acciones y comprendiendo el proceso formativo como un principio más amplio y la profesión del profesor, así como las prácticas sociales relacionadas con ellas. El aprendizaje y el conocimiento narrado nos permiten ver las singularidades y potencialidades para la formación del profesorado, entrelazadas con el movimiento de resignificación en un contexto específico de la labor docente, dando otros significados al conocimiento profesional.

Palabras clave: Formación docente; Pedagogía; Enseñanza aprendizaje; Casos de enseñanza.

1 INTRODUÇÃO

Este estudo refere-se a uma investigação-formação sobre as experiências vividas com um grupo de alunas do último ano do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no componente curricular de Linguagem e Metodologia IV que, no período de 2019, ocorreu após o estágio supervisionado. Meu interesse acadêmico pelo estudo das narrativas enquanto método e fenômeno de investigação e de estratégias de formação (MARIANI; MONTEIRO, 2016; MONTEIRO, 2014; 2020, MONTEIRO; FONTOURA, 2017), envolvendo relatos de experiências e situações problema e/ou de casos episódicos, vem norteando alguns trabalhos desenvolvidos sob minha coordenação no Grupo de Estudos e Pesquisas em Política e Formação Docente-CNPq, tanto na Graduação como na Pós-graduação.

Cabe destacar que a utilização das narrativas de formação surge no Brasil a partir dos anos de 1990, seja como prática de formação, como investigação ou investigação-formação, principalmente nas pesquisas desenvolvidas na Pós-graduação em educação. E, mais especificamente, em relação aos relatos de casos de ensino, passo a ter contato com essa literatura e outras que constituem o campo da formação de professores e que tomam a experiência do sujeito adulto como fonte de conhecimento e de formação, no período do doutorado realizado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 2003, sob a orientação de Maria da Graça Mizukami.

Em julho de 2016, no VII CIPA - Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica, cujo tema foi “Narrativas (Auto) Biográficas: conhecimentos, experiências e sentidos”, realizado na cidade de Cuiabá-MT sob minha coordenação na UFMT, contei com a presença marcante da renomada pesquisadora Jean Clandinin que, ao discorrer sobre o trabalho com investigadores narrativos, retoma alguns princípios da pesquisa narrativa, como conhecimento prático pessoal, paisagens do conhecimento profissional, experiência, histórias que nos constituem, possibilitando-me problematizar outras possibilidades de vivenciar experiências narrativas. Em nossos percursos, vivemos experiências que vão nos constituindo como formadora/investigadora.

Desde então, continuo aprofundando meus estudos e/ou estratégias formativas, na busca de entender “vidas narrativamente”, considerando as histórias culturais, sociais, institucionais e políticas, com as quais criamos e recriamos o cotidiano do trabalho relativo à docência nos diversos níveis de ensino, com o propósito de compreender o desenvolvimento profissional docente, bem como as aprendizagens da docência. Por esse caminho, vou por meio da indagação narrativa refletindo, a partir da sistematização das experiências vividas e apreendidas na investigação e formação docente, tecendo registros das práticas como paisagem e desafios da docência universitária. Desse modo, habito nesse entrelugar de fronteiras interconectadas que resultam em tensões ao considerar que as experiências educacionais são fenômenos que devem ser estudados narrativamente (CLANDININ; CONNELLY, 2011; CONNELLY; CLANDININ, 1995). Para os autores, é nesse movimento de contar, recontar e reviver as experiências vividas que podemos compreender o conhecimento prático pessoal e o conhecimento prático profissional construídos e vividos no fazer docente. Aprendemos recontando, ou seja, compondo sentidos das experiências já contadas e, ao revivê-las, refletimos as possibilidades outras sobre essas experiências vividas.

A intenção com a investigação-formação proposta era refletir sobre o que chamamos de histórias vividas nas escolas: para aprender a ensinar, para entender mais sobre as escolas em contexto e nossas próprias ações como formadoras. Buscava uma compreensão mais profunda sobre as experiências vividas no estágio a partir do olhar distinto dos envolvidos, resgatando subjetividades sem perder o objetivo do estudo acadêmico e isso só poderia ser feito aprendendo a indagar essa experiência, resgatando o sujeito ator para, posteriormente, ressignificar essa produção de conhecimentos e reconstruí-la. Essas histórias das experiências vividas/narradas/construídas foram denominadas “casos de ensino” (MIZUKAMI, 2000; NONO, 2001; SHULMAN, 1986). Shulman, ao dar ênfase ao saber episódico, aponta os casos de ensino como narrativas de um conjunto de eventos com referência de contexto, tempo e espaço, utilizados tanto como estratégia pedagógica quanto como instrumento investigativo, considerando tais narrativas constitutivas de um tipo de pensamento expresso sob a forma de saber.

Vinha ainda me valendo de minhas reflexões mais amadurecidas com a pesquisa narrativa como estudo da experiência narrativamente, decorrentes dos resultados obtidos com a pesquisa do projeto financiado pelo CNPq, intitulado “Desenvolvimento Profissional da Docência nos anos iniciais: ressignificando as aprendizagens”. Sempre esteve presente em meus argumentos a necessidade de considerar o tempo para aprender a estudar a experiência narrativamente e, igualmente, para compreender a pesquisa narrativa como método e como fenômeno estudado, vivida em compromisso relacional. A pesquisa narrativa, por ser relacional, requer que o pesquisador reconheça que ele não está sozinho nesse espaço, o qual envolve a todos com quem ele trabalha, uma vez que somos parte da atividade que desenvolvemos. Portanto,

[...] trabalhar nesse espaço significa que nos tornamos visíveis com nossas próprias histórias vividas e contadas, às vezes isso significa que nossas histórias sem nome e talvez secretas vêm a luz, assim como aquelas dos nossos participantes. [...] somos cúmplices do mundo que estudamos; para estar nesse mundo precisamos nos refazer, assim como oferecer a pesquisa compreensões que podem levar a um mundo melhor. (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 97-98).

Assim, em se tratando de um componente curricular da formação inicial, buscava imbricar os objetivos da pesquisa e da formação como processos de indagação e reflexão para reconstrução de pensamento e ação, mediante problematização e construção de interpretações e estratégias de enfrentamento na compreensão das situações vivenciadas nas unidades escolares. Importante salientar que esse processo de construir conhecimento e propor processos formativos outros busca romper com fronteiras teórico-metodológicas reducionistas que permeiam o contexto educacional, considerando que há indiscutivelmente um enriquecimento de perspectiva no paradigma sobre o papel da experiência de campo na formação de professores. São experiências outras na epistemologia da formação docente.

O entendimento alicerçava-se na ideia de que os processos de formação de professores precisam ser compreendidos no movimento que caracteriza o desenvolvimento profissional docente, entendendo “[...] que a formação tenha como eixo de referência o desenvolvimento profissional de professores na dupla perspectiva do professor individual e do coletivo docente.” (NÓVOA, 1995, p. 24). Com isso, poder-se-ia desvelar um dos momentos de desenvolvimento profissional em formação inicial e as compreensões das relações dos contextos mais amplos que envolvem os conhecimentos, as crenças, os valores que vão sendo construídos/reconstruídos, mobilizando os percursos pessoais e profissionais das alunas, de modo a lhes propiciar pensar sobre os processos de identificação na trajetória formativa.

Em razão do caráter processual que demarca a construção das identidades profissionais, “é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor.” (NÓVOA, 2007, p. 16). E acrescenta o referido autor ser necessário promover aos professores, seja em formação inicial ou em exercício profissional, “momentos que permitam a construção de narrativas sobre suas próprias histórias de vida pessoal e profissional.” (NOVOA, 2009, p. 39). Nessa mesma direção, pode-se dizer que, no processo identitário das alunas, estarão às marcas das experiências vividas, das opções tomadas, das práticas desenvolvidas, das continuidades e descontinuidades.

Apoiando-me em um grupo de autores que discutem processos de identificação (HALL, 2019; BAUMAN, 2005; entre outros), venho compreendendo ser impossível a fixação de uma identidade única, passando a vê-la como um processo em constante ressignificação, corroborando o entendimento de “processo de identificação como um evento dinâmico, sujeito a transformações constantes, destacando a identidade como uma construção social mutável” (MENEZES, 2014, p. 70). Tal entendimento possibilitou romper também com a concepção de fixação de sentidos da docência, com superação das binaridades.

Os cursos de formação inicial de professores, compreendidos como um dos momentos do desenvolvimento profissional, são responsáveis pela aquisição de conhecimentos sobre o ato de ensinar, tornando-se um dos contextos específicos de aprendizagem profissional. Mizukami et al. (2005), tomando como referência diversos estudos sobre aprendizagens da docência, destacam alguns pontos importantes que caracterizam os processos de aprendizagem ao longo das trajetórias dos professores, que envolvem a natureza individual e coletiva das aprendizagens, o contexto de influência da escola, os conhecimentos necessários para a docência, os aspectos relacionados às práticas e aos conhecimentos “da” e “para” a prática, assim como aspectos relacionados à reflexividade dos professores. Reafirmam que as aprendizagens profissionais da docência precisam ser compreendidas a partir de múltiplos contextos e diversas experiências vivenciadas ao longo dos percursos pessoais profissionais e contextuais.

Outros estudos que focalizam a aprendizagem da docência indicam que pesquisadores, Cochran Smith e Lytle sugerem que, para favorecer a aprendizagem docente, é preciso oportunizar aos professores explorarem e questionarem ideologias e práticas suas e de outros professores. Nessa perspectiva, as autoras citadas mencionam uma concepção que denominam de conhecimento-da-prática, ou seja, o conhecimento que considera suas próprias práticas como objeto de investigação intencional em que, tomando como referência as teorias, passam a problematizar, interpretar e compreender o processo de ensinar. Fiorentini e Crecci (2016, p. 516), ao realizarem entrevista com a professora Marylin Cochran-Smith, revelam o que ela esclarece:

[...] quando professores olham para suas próprias práticas, questionando seus próprios pressupostos e interrogando os arranjos escolares, eles habilitam-se a produzir, aumentar e alterar os conhecimentos que são úteis para sua comunidade local, e também para além dela. Como costumamos dizer: “Esse tipo de trabalho vai alterar, não apenas aumentar a base de conhecimento”. Acredito que precisamos dessa perspectiva mais privilegiada da prática.

Esse processo de indagação, problematização, para Mezirow (1990 apud VAILLANT; GARCIA, 2012, p. 41), apresenta-se como “o processo de interpretar ou reinterpretar o significado de uma experiência.”

Zeichner (2008) salienta ser preciso assegurar que os professores saibam como tomar decisão no dia a dia, sem que com isso limitem “as chances de vida de seus alunos; que eles tomem decisões com uma consciência maior das possíveis consequências políticas que as diferentes escolhas podem ter.” Chama a atenção o autor para a natureza e o impacto de componentes diversos que integram a formação docente, assim como os diferentes contextos programático, institucional e político.

Diante das reflexões apresentadas indaga-se, no contexto do problema de investigação: as alunas, ao analisarem casos episódicos, que relação fazem com suas experiências vividas no estágio? E que outras perspectivas são apresentadas acerca da experiência vivida coletivamente com as discussões dos casos de ensino?

2 CASO DE ENSINO COMO ESTRATÉGIA PARA APRENDIZAGEM DOCENTE

Marcelo Garcia destaca que toda atividade de formação de professores deve incluir estratégias formativas que facilitem a aquisição do conhecimento considerado adequado e necessário ao processo formativo. E acrescenta:

[...] o objetivo de qualquer estratégia que pretenda proporcionar a reflexão consiste em desenvolver nos professores competências metacognitivas que lhes permitam conhecer, analisar, avaliar e questionar a sua própria prática docente, assim como os substratos éticos e de valor a ela subjacentes. Por isso, algumas das estratégias pretendem ser como espelhos que permitam que os professores se possam ver reflectidos, e que através desse reflexo - que nunca é igual ao complexo mundo representacional do conhecimento do professor - o professor adquira uma maior autoconsciência pessoal e profissional. (GARCIA, 1999, p. 153-154).

Assim, o autor associa as estratégias formativas ao “como se adquire esse conhecimento” e situa a reflexão como estratégia de desenvolvimento profissional, identificando dois grupos de estratégias utilizadas para proporcionar a reflexão na formação de professores. As estratégias que requerem a observação e a análise do ensino, que incluem estratégias de “apoio profissional mútuo (coaching) e o diálogo profissional” e a “supervisão clínica”, aquelas que utilizam a análise da linguagem, dos construtos pessoais e conhecimento do professor. Nestas últimas, inserem-se as estratégias de “redação e análise de casos”, “análise de biografias profissionais”, “análise dos construtos pessoais e teorias implícitas”, “análise do pensamento através de metáforas”, “análise do conhecimento didático do conteúdo através de árvores ordenadas”. Esses dois grupos de estratégias enfatizam a importância da interação/socialidade no pedagógico.

Para Alarcão (1996, p. 19), no processo de formação, cabe ao formador: “[...] abordar os problemas que a tarefa coloca, escolher na sua atuação as estratégias formativas que melhor correspondem à personalidade e aos conhecimentos dos formandos com quem trabalha e tentar estabelecer com eles uma relação propícia à aprendizagem.”

Estudos de casos enquanto estratégias na formação de professores voltadas para a reflexão sobressaíram-se na literatura (GARCIA, 1999; NONO; MIZUKAMI, 2002). Entre as potencialidades dessa estratégia, elencam desenvolvimento do pensamento estratégico, da análise crítica e da resolução de problemas; possibilidade de analisar situações e estudar diferentes alternativas e planos de ação; familiarização com a análise e ação em situações complexas, que podem favorecer o desenvolvimento de uma consciência mais sensível ao contexto e às diferenças individuais; implicação dos futuros professores com sua própria aprendizagem; criação de um contexto de trabalho em grupo e de colaboração entre futuros professores, que favorece o desenvolvimento do hábito da partilha de conhecimentos e de estratégias de análise conjunta; possibilitar a explicitação de crenças e conhecimentos que servem de base para a prática do professor e desenvolvimento do raciocínio pedagógico.

Mizukami (2004, p. 208), ancorando-se nas ideias de Shulman (1986), ressalta que as aprendizagens que tomam como base Caso de Ensino na formação de professores devem considerar “aprendizagem pela experiência e a construção de pontes entre teoria e prática”. Acrescenta, “os casos são inerentemente reflexivos, transformando experiências vividas em narrativas partilhadas” e “essencialmente intrapessoais” em um movimento da reflexão individual para uma reflexão mediada socialmente, sendo que é o conhecimento que os casos representam que fazem deles casos. E destaca que “um caso é uma versão relembrada, recontada, reexperienciada e refletida de uma experiência direta. O processo de relembrar, recontar, reviver e refletir é o processo de aprender pela experiência.”

Vale ressaltar que a reflexão mencionada não é concebida como uma atividade de análise técnica ou prática, mas uma perspectiva que incorpora compromisso ético e social no exercício das práticas educativas. Apoiando no pensamento de Dewey (2010), entende-se que pensar reflexivamente é um processo de construção de sentido que possibilita uma compreensão mais profunda das relações e conexões entre as experiências e ideias. Nessa perspectiva, a reflexão implica interação e continuidade. Pela reflexão vão-se construindo as relações e os nexos entre uma experiência e a que vem depois, tomando como base os significados atribuídos (por nós mesmos e por outrem). Nesse sentido, o processo reflexivo constitui “componente intrínseco ao processo de ensinar, de aprender, de formar-se e, consequentemente, desenvolver-se profissionalmente em direção à autonomia docente.” (ISAIA; BOLZAN, 2011, p. 197). E como enfatizam Mizukami et al. (2010) a ideia de processo contínuo quando se trata da formação, implica no entendimento de um fio condutor que produz e explicita os sentidos e os significados ao longo de toda a vida do professor, garantindo ao mesmo tempo, os nexos entre formação inicial, continuada e experiências vividas. A reflexão é compreendida aqui como o elemento capaz de promover esses nexos.

Entender a complexidade do processo de constituição da docência significa ter que pensar sempre em estratégias alternativas que colaborem no entendimento da realidade educacional e profissional das experiências vividas. Tais estratégias formativas visam construir interconexões entre as muitas compreensões como formador e aquelas que se deseja que os alunos construam, o que Shulman (2014) vai chamar de transformação, ou seja, um dos momentos dos processos de ação e raciocínio pedagógico resultante de um planejamento elaborado com um conjunto de outros subprocessos visando intervenção pedagógica, em função de uma concepção de como ensinar de forma mais reflexiva e crítica. Para o referido autor tal processo que envolve a compreensão pessoal à preparação da compreensão por outrem “são a essência do ato de raciocinar pedagogicamente, do ensinar como pensamento e do planejar - implícita ou explicitamente - o exercício da docência” (p. 218). Desse modo, por meio da análise de casos, pode-se desenvolver o raciocínio pedagógico e construir conhecimento pedagógico do conteúdo.

Buscando problematizar a formação inicial “como espaço curricular especialmente desenhado para se aprender a construir o pensamento prático do professor em todas as suas dimensões” (GARCIA, 1999), partindo de uma perspectiva que inclui as consequências morais e éticas dessa prática no contexto social (ZEICHNER, 2008), entendemos que o trabalho do professor formador é de grande relevância na constituição da aprendizagem docente de futuros professores. Como reafirma Zeichner (2010, p. 485), os formadores “têm tentado uma variedade de abordagens para fortalecer as conexões entre formação de professores no campo e no âmbito acadêmico.” Isso implica salientar que os formadores de professores necessitam perceber a importância, tanto da necessidade de reconstruírem seus conhecimentos, quanto da reflexão das práticas cotidianas.

Assim, as estratégias formativas devem ter como referência as dimensões coletivas e possibilitar a preparação de professores reflexivos para que possam assumir a responsabilidade de seu próprio desenvolvimento profissional, atuando como protagonistas na implementação de políticas educativas. Nesse sentido, a reflexão crítica sobre outras formas de realização do trabalho pedagógico precisa se fazer presente, visto que contribui para a emancipação e a autonomia profissional ao ser compreendido a partir de contextos múltiplos de experiências teóricas e variedades de repertórios práticos acumulados ao longo dos percursos formativos.

3 POTENCIALIDADES VIVENCIADAS COM A EXPERIÊNCIA: ENTRELAÇANDO SENTIDOS E SIGNIFICADOS

Como já mencionado, as experiências aqui relatadas foram vividas com um grupo de alunas do último ano do curso de Pedagogia que, em função do calendário diferenciado proposto pela coordenação do curso para aquele período letivo, realizaram primeiramente o estágio supervisionado e, posteriormente, retornaram à universidade para cumprir os demais componentes curriculares daquele ano, dentre estes, o de Linguagem e Metodologia IV sob minha responsabilidade. Vale ressaltar que a Linguagem e Metodologia IV articulava três unidades temáticas: a) conceitos, concepções e práticas de linguagens; b) Análise de situações experienciadas no estágio curricular supervisionado e os casos de ensino; c) Reflexões sobre formação de professores e os percursos formativos no curso de Pedagogia. A turma era composta por 32 alunos ao todo, sendo que retornaram após o estágio 21 alunas para cursar o referido componente curricular.

A proposta apresentada à turma de utilização de casos de ensino visava instigar as alunas a ampliarem e aprofundarem o olhar sobre a escola e o fenômeno educativo, indo além dos relatos dos fatos, na busca da compreensão das situações experienciadas no estágio, bem como da articulação com as demais unidades do componente curricular. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que se negociava contextos colaborativos e propósitos, definia-se que os casos seriam utilizados em dois momentos, análise individual e coletiva de casos de ensino existentes na literatura e elaboração de casos a partir das situações experienciadas no estágio, a fim de registrarem os conhecimentos mobilizados por elas em situações escolares específicas e contextualizadas, permitindo que fossem “acessados, examinados, discutidos, utilizados, repensados, modificados por outros” (NONO; MIZUKAMI, 2002, p. 74), ou seja, as experiências seriam significadas e ressignificadas.

Atendendo aos princípios éticos em pesquisa que venho assumindo em minha prática, a ética relacional é muito mais que um termo de consentimento assinado para utilização dos nomes pessoais de cada participante, pois ao construir os sentidos das experiências juntos, assume-se a autoria das histórias narradas, o protagonismo da prática e o compartilhamento das experiências. Corroborando com Clandinin e Connelly (2011) entendo que o estudo das experiências está comprometido com uma ontologia relacional, uma vez que assuntos éticos precisam ser narrados ao longo de todo processo de pesquisa narrativa. Para os autores não existe uma padronização a ser seguida, no entanto, assumir a ética relacional envolve refletir e decidir sobre a melhor forma de proteger aqueles que participam nos estudos. Assim, as questões éticas permearam todo percurso da prática investigativo/formativa, contemplando as negociações com as alunas na cocomposição dos textos finais. Ou seja, as histórias vividas e contadas vão dando forma à natureza dos textos. E escrever sobre a própria prática é também um momento para refletir sobre ela e produzir conhecimentos em movimento que potencializa a experiência vivida.

Para este texto, serão apresentados os dois casos de ensino2 analisados individualmente e socializados coletivamente, sendo que os casos elaborados3 pelas alunas serão apenas mencionados, com o propósito de revelar por meio das temáticas a potencialidade para os processos formativos. Os casos analisados traziam ao fim indagações relacionadas aos temas tratados por estes que, ao serem analisados, eram sempre relacionados às experiências vividas, considerando que as indagações possibilitavam reflexões sobre a complexidade da prática docente.

O diálogo sobre as situações experienciadas no estágio foi iniciado após a leitura do caso “Meu Batismo de Fogo”, que relata a primeira experiência de uma normalista no último ano do curso, convocada por um decreto da época para dar aula em uma escola de periferia, assumindo uma turma de 45 alunos que ainda produziam escritas fora do convencional. O caso revela várias situações de conflitos experienciadas pela normalista naquele período, o que a levou a se afastar por onze anos da educação.

A surpresa e estranhamento por parte das alunas de Pedagogia após a leitura do caso fora grande, tendo em vista algumas identificações com o caso analisado e considerando que este havia se passado em um contexto, tempo e lugar de outra década. Dentre as identificações, as alunas vão narrando sobre os impactos que viveram na situação de estágio. Algumas caracterizavam a situação vivida por meio de palavras que expressam as reações experimentadas: medo, estado de choque, apreensão, e para outras, a ansiedade elevada diante de algo que era novo, gerando um estado emocional permeado pela insegurança. Mas também acrescentavam que, para aquelas que tinham pouca vivência, naquela situação, o apoio foi um elemento importante tanto na aprendizagem de conteúdo específico como da docência, e que o professor regente da escola lócus do estágio teve um papel importante na mediação dessas aprendizagens. Destacam:

[...] o desenvolvimento das aulas não se deu de maneira tranquila para mim, ainda estou insegura quanto a alfabetizar dessa maneira [...]

[...] a incerteza e a insegurança estiveram presentes na hora de colocar em prática, como por exemplo deixar que a criança elaborasse suas hipóteses até ela própria chegar às descobertas.

Quando surgiam dúvidas, eu procurava saná-las com as demais colegas e com a professora regente. (informações verbais).

Revelam que os fortes sentimentos relatados foram em decorrência dos desafios vivenciados.

Ao refletirem mais especificamente sobre o processo de constituição como professoras, começam a narrar que perceberam o ensino-aprendizagem como intencional, contextualizado e interacional, construído em resposta às particularidades das escolas e das turmas em cada situação vivida. Reconheceram a importância do planejamento, mas que nem tudo pode ser antecipado, controlado pela professora. Algumas ressaltaram que devem estar atentas a tudo que acontece, pois precisaram tomar decisões enquanto ensinavam. Narram:

[...] os registros foram fundamentais tanto na nossa formação docente quanto no acompanhamento e nas intervenções propostas aos nossos alunos.

[...] passei a registrar, contextualizando a aula e o que cada aluno tinha conquistado e o que precisava ser retomado quando percebi que isso ajudava nas minhas incertezas.

No momento do planejamento tínhamos que pensar a melhor maneira de trabalhar o que estávamos propondo aos nossos alunos, além disso, pensar em como nós professoras iríamos atuar em sala de aula [...]

[...] então eu sabia que se eu chegasse lá sem alguma coisa pensada, seria complicado...a sala de aula é uma caixinha de surpresa, por mais que você planeja outras questões sempre surgem [...] (informações verbais).

Na sequência, veio à tona a questão das concepções que estavam sustentando suas práticas. Apontaram o conflito entre as concepções com as quais foram alfabetizadas (as experiências anteriores com a leitura e a escrita) e aquelas dos estudos que estavam realizando na formação inicial (na perspectiva da alfabetização como construção de conhecimento) e que, na hora de tomar algumas decisões, isso se constituía muitas vezes em um desafio, mas também em satisfação quando conseguiam superar a situação. Relatam:

[...] Penso que a insegurança se deve ao fato de ter tido na maior parte de meus estudos uma alfabetização mecânica.

Fique me questionando: será que após estudar três anos na licenciatura em Pedagogia, ainda vamos ensinar da forma que fomos alfabetizadas?

A partir da aula que percebi que eles estavam aprendendo, confiei mais em mim e percebi que podemos fazer diferente, mas devemos estar sempre preparadas [...]

Ao notarmos que eles aprenderam o que havíamos explicado na aula anterior, foi muito gratificante para nós [...] (informações verbais).

Assim, as alunas situam a experiência vivida no contínuo experiencial, entrelaçando presente e passado. Também revelam um tempo não prescritivo, ressignificado pela temporalidade inicial do reconhecimento de construção de outras possibilidades, outros saberes. Na perspectiva de Nóvoa (1995) na universidade não se forma apenas profissionais, mas também se produz uma profissão.

Alguns aspectos presentes na discussão do caso mencionado anteriormente apareceram também no outro caso analisado - “Dilema”, descrito pela professora Cláudia, em que relata uma situação dilemática enfrentada no processo de alfabetização. As alunas da Pedagogia traziam, em seus relatos, lembranças, registros feitos, apresentavam cada uma o seu ponto de vista para a reconstrução e socialização da experiência: “[...] desde o primeiro dia, apesar do frio na barriga, consegui refletir sobre o que deu certo, o que não deu certo e o que precisaria ser revisado”; “[...] foram nas indagações e revisões de certas atitudes que refleti sobre as mudanças necessárias [...]” (informações verbais). Zeichner (2010) corrobora este pensamento esclarecendo que o professor que não reflete sobre suas ações está sujeito a concentrar seus esforços na tomada de decisão que outros definiram em seu lugar.

Problematizaram que o tempo destinado ao estágio (15 dias de observação mais 15 de regência) põe em questão aspectos relacionados à concepção de alfabetização como uma construção processual, pois o trabalho desenvolvido com aqueles alunos demandaria mais tempo, que naquele momento não tiveram condições de fazer mais, e isso foi frustrante. Afirmaram necessitar de uma permanência mais prolongada com a comunidade escolar para compreenderem a complexa dinâmica da escola e o processo ensino-aprendizagem, bem como uma comunicação mais efetiva com os professores experientes para aprenderem com eles. Assim, uma aluna acrescenta: “Talvez por sermos iniciantes e até mesmo pelas poucas aulas que iríamos desenvolver com a turma, queríamos ajudá-los a sanar todas as dificuldades e lidar com o tempo era difícil [...]” (informações verbais).

Além disso, citaram a cobrança feita pela escola por resultados imediatos nas intervenções que realizaram. Evidenciaram que tais experiências vividas se traduziram em preocupações e dilemas que as levam a refletir sobre o seu papel. Porém, reafirmam que foi a experiência mais significativa para o desenvolvimento profissional. Como relatou a aluna: “As vivências no estágio foram de extrema importância, pois vejo que as atividades na escola foram significativas para meu crescimento profissional [...]” (informação verbal).

Lima (2012) aponta para a variedade de registros reflexivos de aprendizagem que podem ser produzidos nas experiências de estágio, como portfólio, memorial de formação, trabalhos monográficos de curso. Segundo a autora, estes registros só atendem seus propósitos “[...] se servirem para a implementação de um debate e para oferecer novos olhares sobre o estágio como espaço de construção do conhecimento. A socialização dos registros é fundamental para a aprendizagem da profissão.” (LIMA, 2012, p. 81).

De acordo com a literatura sobre os primeiros anos da carreira docente e a socialização profissional, essa preocupação com o como ensinar é um ponto bastante discutido, assim como a busca de superação de obstáculos e fortes exigências pessoais em relação ao próprio desempenho.

Nas discussões seguintes, uma dupla de alunas (em geral, as atividades de estágio na escola são realizadas por duplas), que realizou o estágio em uma sala de alfabetização parece entender que a interação é a base do trabalho docente, ao afirmar que suas intervenções não foram suficientes para fazer com que alguns alunos escrevessem livremente. Narra que: “[...] na turma que ficamos havia muitas crianças danadas, além da nossa insegurança com o processo, com isso perdemos muito tempo [...], tive muita resistência das crianças no começo, até entender como me relacionar.” (informação verbal).

Revela que a relação estabelecida posteriormente com os alunos foi positiva, prazerosa e que se deu com base no envolvimento e na afetividade, elementos que considerava indispensáveis na lida com as crianças. Estas alunas demonstraram preocupação com um aluno que sabia copiar, mas não participava das atividades se não fosse ajudado. A justificativa dele era que não sabia ler, nem escrever, e que nenhum colega o auxiliava. E elas demoraram muito tempo para conseguir entender o que se passava com aquele aluno, focalizando na sua resistência em realizar a atividade proposta. E, ao trazerem esse relato, revelam também o desafio que representou para elas esse exercício da docência: “[...] essa experiencia permitiu-me um novo olhar para o que o aluno produz, esse olhar é necessário para o professor entende também que ensinar é algo complexo, não envolve só chegar na sala e saber o conteúdo ou ter domínio de sala, é muito mais [...]” (informação verbal). Assim, o conhecimento que as alunas vão desenvolvendo ao longo desse período é um conhecimento dinâmico e não estático.

Ao focarem na interação professor-aluno, as alunas demonstraram uma preocupação que, segundo a literatura, é comum no período de iniciação docente, “[...] Ficava insegura, pensando se conseguiria ensinar os alunos tudo que eu sabia. [...] depois pensei que estava ali também para aprender com eles [...]” (informação verbal). Perceberam que, mesmo diante de todos os saberes que já haviam construídos, as alunas percebem a necessidade de se colocaram como aprendizes, pois tinham clareza de que ainda precisavam aprender muito mais.

Outra dupla relatou que foi surpreendida com a mudança significativa de um aluno e acrescentou que não acreditava que ele poderia mudar e que apenas deu mais atenção às atividades por ele desenvolvidas, ressaltando assim a relação de proximidade que procurou construir com todos os alunos: “[...] aprendi que a conversa faz parte da aprendizagem das crianças, eles precisam dialogar entre eles e alguns precisam de uma atenção específica, isso envolve sentimento, coração mesmo naquela coisa que fazemos [...]” (informação verbal).

Shulman (2005) ressalta que o conhecimento dos alunos e de suas características integra a base de conhecimento do professor, portanto, esse é um conhecimento que o professor precisa construir para estabelecer conexões importantes que o ajudarão no manejo de sala e nas tomadas de decisão na interação com os alunos, assim como o conhecimento pedagógico da matéria.

Os casos de ensino elaborados individualmente pelas alunas, embora inicialmente tivessem se constituído em um grande desafio, em sua maioria revelaram elementos significativos das histórias construídas entre elas e os alunos, que eram ressignificadas como parte da história de um coletivo que estavam se iniciando na docência. Igualmente, diversificavam-se nos aspectos de estruturação e níveis de reflexão. Remeto-me aqui a algumas temáticas dos casos de ensino construídos: Ler não é legal, Conversando com Anna, Gosto de escrever, Um novo olhar, Lucas um menino esperto, Os diferentes níveis de conhecimento, A menina Isadora, O caso Luna, Sophia e suas histórias, A borboleta de Eloisa, A insegurança de Lorenzo, A girafa, Diego: o menino venezuelano, Entre acertos e erros, O aluno desinteressado, A atenção individualizada, Grande mudança em pouco tempo, A escuta sensível na aprendizagem.

Essas produções seguiram os movimentos que o pensamento narrativo requer - retomada das lembranças e registros, pensar e repensar o vivido, contextualizar a situação experienciada, detalhar e reorganizar as ideias, escrita e reescrita a partir de alguns questionamentos feitos e socialização em sala.

Algumas aproveitaram a construção dos casos e ampliaram a temática na sistematização do relatório de estágio, reconhecendo o estágio como um dos contextos de aprendizagem profissional, passando a considerar que a escola deve ser entendida a partir de uma multiplicidade de sentidos, ou seja, seus espaços, tempos e suas relações são significadas de forma diferenciada tanto pelos alunos, como pelos professores e ou estagiários. A esse respeito, Lima (2008, p. 204) enfatiza que, o estágio pode ser entendido como “lócus de formação do professor reflexivo-pesquisador, de aprendizagens significativas da profissão, de cultura do magistério, de aproximação investigativa da realidade e do seu contexto social.”

Na avaliação final da estratégia com os casos de ensino alguns relatos foram registrados:

[...] só sei que esses casos surtiram bons resultados, porque fizeram-me “sair do lugar”, mexeram comigo, ao contrário do que diz o dito popular, de que as histórias sempre se repetem, hoje percebo que as histórias são sempre diferentes [...] (Aline).

[..] percebi que, ao socializarmos nossas reflexões sobre o caso, também refletíamos sobre o que fizemos, como as crianças reagiram ao nosso trabalho, senti novamente as emoções de cada momento, os desafios superados, as barreiras rompidas para fazer dar certo.... isso foi imprescindível para nosso crescimento, somente agora passo a compreender melhor o que vivemos e o significado dessa experiência vivida. (Fernanda).

[...] é válido ressaltar que o trabalho com os casos foi um misto de sentimentos..., pude perceber que estou engatinhando ainda, tenho muito que aprender e isso percebi ao poder confrontar narrando minhas dificuldades. (Solange).

[...] inicialmente as análises dos casos me deixavam incomodada, eu havia acabado de viver aquela situação no estágio em que muitas vezes me vi como essa professora relata, com dúvidas sobre como intervir ou se as intervenções foram as mais adequadas. Depois fui percebendo a importância de refletir, não só na formação inicial, como durante toda carreira, já que ensinar é também aprender [...] (Eide).

[...] a reflexão sobre o que fazemos em sala de aula deveria ser uma preocupação de todo professor para que tenha atitudes que não “atropelem” o aprendizado, para que outras possibilidades sejam descobertas [...] (Adriane) (informações verbais).

Interessante reafirmar, conforme relatos, que os casos se constituíram como narrativas em que histórias das escolas e das alunas da pedagogia se entrelaçavam e, nesse sentido, têm vida própria, constituindo-se na história que foi recontada, e que revela as significações, ressignificações das alunas sobre as experiências vividas. Como apontam Connelly e Clandinin (1995, p. 41), “recontamos las historias de nuestras experiencias tempranas tal como se reflejan en nuestras experiencias posteriores, por lo que tanto las historias como su sentido cambian una y otra vez a lo largo del tiempo.

Pode-se identificar nesse movimento de atribuir sentido e significado à experiência um movimento formador, que provoca crescimento e, consequentemente, desenvolvimento profissional. Narrar de maneira reflexiva suas experiências às outras fez com que as alunas aprendessem e ensinassem. Aprenderam porque, ao narrar, organizaram suas ideias, sistematizaram suas experiências, produziram sentido e, portanto, construíram novos aprendizados para si. Ensinaram, porque o outro, diante das narrativas e dos saberes de experiências do colega, pode (res)significar seus próprios saberes e experiências.

4 ALGUNS APONTAMENTOS FINAIS

Engajar futuros professores em estratégias formativas, em que a análise e produção de casos de ensino como narrativas da vida na escola assumem um papel fundamental, tensiona singularidades/pluralidades entrelaçadas ao movimento de ressignificações em um contexto específico da formação docente, dando outros significados aos saberes profissionais.

Assim sendo, é possível enfatizar que, o diálogo reflexivo com os contextos múltiplos de experiências ao possibilitar indagação, compreensão, interação e ressignificação de saberes e fazeres, potencializa-se em um lugar de fronteira pensado como fronteiras de formação. Abrindo-se a uma perspectiva inventiva de processos de aprendizagem da docência.

Dentre as aprendizagens da docência enfatizadas pelas alunas após as atividades com os casos de ensino, ressalta-se o desenvolvimento de um olhar sensível para a realidade da docência, da escola pública, do trabalho colaborativo e com as diferenças, o enriquecimento da compreensão sobre o aprender a ensinar, a atitude de partilhar ideias e refletir sobre as experiências.

E como formadora/pesquisadora reafirmo que uma das aprendizagens que esse processo me propiciou foi que os lugares/tempos de formação podem ser contextos favoráveis para reviver, contar, recontar e ressignificar narrativamente as experiencias vividas, numa relação colaborativa como tenho defendido.

Os casos de ensino foram aqui compreendidos como “[...] o melhor modo de representar e entender a experiencia.” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 48).

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2Os casos de ensino utilizados foram retirados do livro de Telma Weisz (2003).

3Dada a extensão dos casos construídos pelas alunas e considerando os caracteres exigidos nas diretrizes para publicação deste texto, fiz a opção por não abordar tais casos, apresentando apenas as temáticas.

1Pós-doutora pela Universidade Federal de São Carlos; Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos.

Recebido: 19 de Janeiro de 2021; Aceito: 22 de Abril de 2021

Endereço para correspondência: Rua dos Crisântemos, 300, Jardim Cuiabá, 78043-156, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil; filarrudamonteiro@gmail.com

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