SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.46El uso de un caso didáctico sobre estudiante con discapacidad en la formación inicial de profesoresCasos de enseñanza en investigación y formación docente: entrevista a Maria Mizukami índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Roteiro

versión On-line ISSN 2177-6059

Roteiro vol.46  Joaçaba ene./dic 2021  Epub 17-Jun-2021

https://doi.org/10.18593/r.v46.27197 

Seção temática: Casos de Ensino na pesquisa e na formação de professores

Casos de Ensino e o desenvolvimento profissional docente na área da Saúde

Teaching cases and teacher professional development in the Health area

Casos de enseñanza y el desarrollo profesional docente en el área de Salud

Cleidilene Ramos Magalhães1I  , Professora Titular
http://orcid.org/0000-0002-4193-0859

Fúlvia da Silva Spohr2II  , Professora
http://orcid.org/0000-0002-5069-7462

I Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Departamento de Educação e Humanidades, Professora Titular

II Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Departamento de Educação e Humanidades, Professora


Resumo:

A formação docente é objeto de interesse das políticas educacionais e da gestão da educação em todos os níveis. Este estudo objetiva refletir sobre a formação de professores a partir do uso de casos de ensino. Reporta-se a experiência de construção e uso de casos de ensino como instrumento didático para o diálogo e a reflexão sobre a prática docente em cursos da área da saúde, em um Programa Institucional de Formação Docente de uma universidade pública do sul do Brasil. A experiência tem mais de uma década e contempla a discussão de temáticas como o planejamento do ensino a nível micro (o uso de estratégias de ensino, a avaliação; o uso das tecnologias) e a nível macro (as políticas educacionais, as diretrizes curriculares), assim como a integração ensino-serviços de saúde; as práticas de extensão e o binômio ensino-pesquisa, o preparo/formação para a docência, dentre outros temas. Na experiência são utilizados casos de ensino prontos (baseados em histórias reais ou fictícias) e também a construção de narrativas baseadas nas experiências de ensino mais marcantes (positivas ou negativas) vividas pelos participantes enquanto alunos e/ou professores. Os resultados demonstram a importância do uso das narrativas durante o processo formativo para a construção de sentidos sobre a prática docente, podendo ser potente recurso para a formação em serviço, de docentes iniciantes e experientes e fonte de discussão sobre os processos de aprendizagens do ensinar e aprender em saúde, sobre a aprendizagem da docência como processo e no contexto de trabalho.

Palavras-chave: aprendizagem da docência; casos de ensino; ensino na saúde.

Abstract:

Teaching formation is an object of interest for educational policies and educational management at all levels. This paper aims to appraise the teaching formation of university health professors throughout the use of teaching cases. Therefore, we report here a decade of experience of an institutional program of teaching formation from a public institution in the south of Brazil. An experience in which the writing and use of cases of teaching have been used as a didactic instrument to promote discussion and reflection on the teaching practice in the health area. The described teaching formation has developed the discussion of the teaching plan at a micro-level (teaching strategies; assessment and use of technologies) and macro-level (educational policies and curricular guidelines); the integration of the teaching and the health services and the teaching-research dyad among others. Participants have been invited to discuss ready teaching cases (based on real or fictional stories) as well as to write narratives of remarkable teaching/learning experiences (positive and negative ones). Our results suggest the potential use of narratives for teacher professional development with novice and experienced professors as it promotes an opportunity for discussing the teaching and learning process in the health area and the continuous learning of teaching in the work context.

Keyword: teaching learning; teaching cases; teaching in health.

Resumen:

La formación docente es objeto de interés de las políticas educacionales y de lagestión de laeducaciónen todos los niveles. Este estudiotiene por objetivo reflexionar sobre laformación de profesores para laenseñanza superior ensalud, a partir del uso de casos de enseñanza. Se reporta la experiencia de construcción y uso de casos de enseñanza como instrumento didáctico para el diálogo y lareflexión sobre lapráctica docente en cursos del área de salud, enun Programa Institucional de Formación Docente de una universidad pública delsur de Brasil. La experiencia tiene más de una década y contempla ladiscusión de temáticas como laplanificación de enseñanzaennivel micro (el uso de estrategias de enseñanza, laevaluación, el uso de tecnologías) y ennivel macro (las políticas educacionales, lasdirectrices curriculares), así como laintegraciónenseñanza-servicios de salud; lasprácticas de extensiónuniversitaria y elbinomioenseñanza-investigación, el preparo/laformación para ladocencia, entre otros temas. Se utilizanenla experiencia casos de enseñanzalistos (basadosenhistoriasreales o ficcionales) y también la construcción de narrativas basadas en las experiencias de enseñanza más destacadas (positivas o negativas) vividas por los participantes en tanto que alumnos, y/o profesores. Los resultados demuestranlaimportanciadel uso de las narrativas durante elproceso formativo para laconstrucción de sentido sobre lapráctica docente, pudiendoconvertirseenun potente recurso para laformaciónenservicio de docentes iniciantes y experimentados y fuente de discusión sobre losprocesos de aprendizajesdelenseñar y aprender ensalud, sobre elaprendizaje de ladocencia como proceso y enel contexto laboral.

Palabras clave: aprendizaje de la docencia; casos de enseñanza; enseñanza em salud.

1 INTRODUÇÃO

Este estudo caracteriza-se como um relato de experiência sobre a utilização de Casos de Ensino como estratégia didático-pedagógica para a promoção do desenvolvimento profissional docente no Ensino Superior. A utilização de Casos de Ensino pode ser compreendida como estratégia metodológica (MIZUKAMI, 2000, 2002, 2005; NONO; MIZUKAMI, 2002a e 2002b; NONO, 2005; SHULMAN, 2002) para o estímulo ao aprendizado da docência em distintas modalidades e níveis de ensino e em diferentes espaços educativos, formais e não-formais como é o caso do ensino na saúde e o ensino em serviço (BATISTA; BATISTA, 2004) objetos deste relato.

Em linhas gerais, a docência no ensino superior requer, segundo Behrens (2011), Cunha (2008, 2010a, 2010b), Marcelo (2009), Nóvoa e Finger (2010) e Tardif (2012), um aprendizado permanente para relacionar-se com o cotidiano universitário, exigindo do professor o desenvolvimento, sobretudo, de competências e habilidades atitudinais. O desenvolvimento destas competências é indispensável para lidar com as necessidades de aprendizagem dos estudantes e a complexidade de demandas sociais vigentes. Contudo, uma parcela dos professores no ensino superior pode ser considerada “principiante” na tarefa da docência. Além da carência por formação, os professores em exercício, em diferentes áreas, são egressos de processos formativos que oportunizaram a aquisição de conhecimentos majoritariamente teórico-procedimentais. Esta realidade gera uma demanda pelo desenvolvimento de competências didático-pedagógicas para a qualificação da formação profissional relativas aos conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias ao exercício da docência (ALARCÃO, 2003; ALARCÃO; ROLDÃO, 2014; CORTELA, 2016; CUNHA, 2008, 2010a; MELLO; FREITAS, 2018; MELO; CAMPOS, 2019; PIMENTA; ANASTASIOU, 2014; PIMENTA, 2012; SCREMIN; ISAIA, 2018; TORRES; ALMEIDA, 2013; XAVIER; TOTI; AZEVEDO, 2017).

Neste tocante, no contexto do ensino na saúde, cabe destacar que um número expressivo de profissionais que ingressam na docência do ensino superior, especialmente nesta área (BATISTA; BATISTA, 2004), não possui formação inicial para a docência, por se tratar de profissionais egressos de áreas técnicas e assistenciais que não realizaram formação em cursos de licenciatura e que, na maioria das vezes, não teve contato anterior com formação pedagógica durante seu percurso formativo (AFONSO; STOBÄUS, 2007; BATISTA; BATISTA, 2004; COSTA, 2007; GRASEL; REZER, 2019; VEIGA, 2009). De modo que, a experiência vivida acaba por impactar nos processos de ensino futuros: em seu estilo didático (ou na sua ausência) e na abordagem dos conteúdos programáticos a serem trabalhados que, segundo Shulman (2002), refere-se à capacidade que o docente desenvolve para tornar o conteúdo compreensível ao estudante, facilitando seu entendimento e integração. Além disso, a referência ao modelo educativo tradicional, pelo qual a maioria dos docentes foi escolarizada, acaba por embasar sua prática pedagógica, (re)produzida, geralmente, por meio de aulas teórico-expositivas, provas e exames, em um modelo pedagógico diretivo (BECKER, 2003).

A necessidade de formação e expansão dos processos de aprendizagem profissional docente para a construção de práticas de ensino satisfatórias implica no desenvolvimento de competências específicas para esta atuação, sobretudo, no âmbito do ensino na saúde, por suas demandas e especificidades de ensino e aprendizagem (BATISTA; BATISTA, 2004). A oferta de formação pedagógica para professores nesta área, de forma sistemática e continuada tem repercutido positivamente e de forma permanente para a aprendizagem da docência, contribuindo de forma global no processo de construção da identidade profissional e qualificando as práticas de ensino na saúde (FORESTI; PEREIRA, 2008; MAGALHÃES; ZANETI; COSTA, 2014). Percebe-se, que a formação pedagógica para a consolidação de práticas de ensino mais críticas e reflexivas em seus ambientes profissionais, pode oferecer aos docentes no ensino superior, subsídios para o exercício e melhor desempenho da profissão.

Neste sentido, a literatura sobre os processos de desenvolvimento profissional docente (ALARCÃO; ROLDÃO, 2014; MARCELO, 2009) tem relatado experiências exitosas na formação de professores com base na utilização de “Casos de Ensino” (NONO; MIZUKAMI, 2002a, 2002b) como instrumento para a promoção do aprendizado da docência. Nestes estudos, a metodologia do estudo de Casos de Ensino foi adotada tendo em vista o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao exercício da função docente no ensino superior (ALBERTON; SILVA, 2018; DUEK, 2020; GARCIA; RUIZ; MORENO, 1995; NONO; MIZUKAMI, 2002a, 2002b).

O uso de estratégias didáticas com a metodologia Caso de Ensino nos processos de formação docente permite, também, levantar elementos de pesquisa que deixem conhecer a dinâmica de pensamento e atuação do docente, reunindo aspectos que trazem ao professor formador informações sobre lacunas e demandas a serem abordadas durante a condução de novos processos de aprendizagem e desenvolvimento para a docência. Cabe salientar que a utilização de situações de ensino e aprendizagem que representem, de forma real ou fictícia, práticas educativas no âmbito dos estudos sobre a formação de professores é utilizada desde as décadas de 1980 e 1990 (MIZUKAMI, 2000, 2002). Encontra-se, na literatura nacional e estrangeira referência ao uso de Casos de Ensino para a formação de professores, tendo sido mais expressivamente produzida por pesquisadores como Alberton e Silva (2018), Feagin, Orum e Sjoberg (1991), Mizukami (1998, 2000, 2002, 2005), Nono (2005), Nono e Mizukami (2002a e 2002b) e Shulman (2002). Desta forma, a discussão acerca da abordagem metodológica Caso de Ensino para a formação docente vem sendo retomada e colocada em evidência, tendo em vista sua capacidade em favorecer a aprendizagem do ser e fazer das práticas docentes. Nesse sentido, a metodologia Caso de Ensino permite, de acordo com Feagin, Orum e Sjoberg (1991), organizar uma abordagem holística e interativa, facilitando o desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem.

Diante do exposto, este artigo apresenta como ponto de partida a motivação e a reflexão sobre a caminhada vivida, especialmente na trajetória da primeira autora (como professora formadora), e seu envolvimento ao longo dos últimos 16 anos com ações de ensino, pesquisa e formação de professores em uma Instituição de Ensino Superior (IES) do sul do Brasil. O aporte teórico do estudo e os pressupostos pedagógicos que orientam o Programa de Formação Docente na IES apoiam-se nos princípios da Pedagogia Crítica (FREIRE, 2008, 2011), considerando a importância da autonomia e da reflexão sobre a práxis como saberes necessários ao fazer docente. A concepção do Programa de Formação Docente adota princípios pedagógicos de base construtivista interacionista (VYGOTSKY, 1998), compreendendo que o conhecimento se trata de um processo contínuo e construído pelos sujeitos em interação com o meio (cultura) ao longo da vida, fundamentando o planejamento do ensino para o desenvolvimento de competências (NONO; MIZUKAMI, 2002a).

Os desafios da formação de professores no ensino superior estão postos, em razão das demandas e exigências próprias do momento sócio-histórico vigente; pela necessidade de subsídio ao docente para atuação crítica e autônoma na relação com o ensinar e aprender em uma conjuntura complexa; no estímulo ao engajamento e comprometimento com o autodesenvolvimento permanente, pela necessidade de autoconhecimento e dos processos de autorregulação da aprendizagem (BANDURA, 1986) e, pela necessidade de desenvolvimento de valores éticos, estéticos e políticos aplicados ao fazer docente. Assim, os desafios d a formação de professores no ensino superior supera a instrumentalização pedagógica aplicada ao uso em contexto como a sala de aula e torna-se uma proposta que deverá abranger a integralidade de diferentes saberes. Esta dinâmica inclui a problematização, a reflexão e a sistematização da experiência docente como prática social. Isto fica evidente em um cenário de ensino das ciências da saúde, o qual implica no desenvolvimento das práticas para atuação em diferentes cenários (sala de aula, ensino em serviço, preceptoria, etc.). Por fim, a formação de professores no ensino superior tem, ainda, como desafio o fortalecimento dos professores em redes de apoio e comunidades de práticas colaborativas e intersetoriais para construção de uma cultura institucional para a formação que subsidie os programas de formação docente nas IES (CUNHA, 2010a; RAMOS, 2013; SORDI, 2019).

A seguir, nas próximas seções será apresentada a experiência desenvolvida no âmbito do Programa Institucional para o Desenvolvimento Docente em uma IES, evidenciando a abordagem do método Caso de Ensino e o caráter desafiador da formação de professores no ensino em saúde. O artigo está dividido em sete seções: 1. Introdução; 2. A aprendizagem da docência para o Ensino Superior; 3. O uso de Casos de Ensino como instrumento didático; 4. Proposta Institucional para o Desenvolvimento Profissional Docente no Ensino Superior; 5. Abordagem Metodológica dos Casos de Ensino na formação docente; 6. Apresentação e análise dos Casos de Ensino e 7. Considerações Finais. Na próxima seção discorre-se acerca dos princípios e fundamentos necessários à organização da aprendizagem da docência para o Ensino Superior.

2 A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA PARA O ENSINO SUPERIOR

A aprendizagem da docência caracteriza-se como a busca pela transformação do conhecimento em ensino (LIBÂNEO, 2001; NONO; MIZUKAMI, 2002a; NÓVOA; FINGER, 2010), ou seja, a busca pela construção de um raciocínio pedagógico que possa guiar o ato de ensinar. A construção deste tipo de raciocínio envolve segundo Nono e Mizukami (2002a) um ciclo de construção de conhecimentos relativos à prática docente para compreender, transformar, instruir, avaliar, refletir e ressignificar o processo de ensinar e aprender.

Assim, organizar a formação pedagógica para promover o desenvolvimento profissional de professores para o exercício da função docente exige considerar alguns princípios pedagógicos. Estes princípios devem estar presentes no planejamento das ações de ensino que orientam o desenvolvimento profissional docente, guiando a elaboração dos objetivos do processo de ensino e aprendizagem durante o próprio processo formativo. Contudo, observa-se a existência de um movimento político educacional de apoio à formação docente, enquanto objeto de interesse de políticas educacionais atuais, especialmente pela gestão do sistema educacional brasileiro. Esse movimento ocupa-se com o planejamento de ações educativas voltadas à formação e desenvolvimento de professores para o exercício docente nas diferentes modalidade e níveis de ensino, incluindo a Educação Básica e o ensino superior. Entretanto, como política pública para a formação de professores, há uma delimitação apenas para a Educação Básica, com a instituição do Decreto nº 6755/2009, que estabeleceu o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica. Segundo Mizukami (2005), no que se refere à implementação de políticas para a formação docente no ensino superior, estas acabam por ficar a cargo de cada instituição em razão, sobretudo, da autonomia universitária e da diversidade de contextos em que cada instituição se encontra inserida. Desta forma, as instituições de ensino superior acabam por organizar e oferecer formação ao seu corpo docente, de forma independente, considerando as demandas educativas locais e regionais para a atuação profissional.

No âmbito da formação didático pedagógica para atuação docente no ensino superior Cardoso (2010) relata que o investimento de políticas de formação para atuação neste nível de ensino, são até o momento presente no Brasil, um tanto incertas, considerando que a legislação vigente não declara objetivamente como deverão ser organizados os Programas de formação docente (FRANCO, 2016; MELLO; FREITAS, 2018; REIS; AFFONSO, 2007). Se por um lado há carência da organização de políticas educacionais amplas para guiar a formação de professores em atuação no ensino superior, em nível institucional, compreende-se esta temática como um elemento primordial para a qualidade da educação superior.

Tratando-se ainda da ausência de clareza a ser expressa pela legislação para a preparação e formação de professores do ensino superior, Pimenta e Anastasiou (2014) observaram o surgimento de um comportamento por parte das instituições de ensino, a partir da oferta de cursos de pós-graduação na modalidade lato sensu e de disciplinas específicas voltadas à aprendizagem da Didática para o Ensino Superior, durante as últimas duas décadas (CUNHA, 2009). Muito embora a realidade educacional no âmbito da expansão do ensino superior no Brasil demonstre cada vez mais a necessidade de investimento em espaços de formação dedicada aos docentes, percebe-se a precariedade das propostas de desenvolvimento e qualificação das práticas pedagógicas. A este respeito Anastasiou e Alves (2015) compreendem que a formação de professores necessita ir além de um saber teórico-disciplinar, tendo em vista, a ampliação da demanda e os impactos da atuação do profissional docente no campo pedagógico, deixando explícita a importância ética e política da formação de professores para o ensino comprometido e com qualidade. Mas a preocupação com a formação para a docência, sobretudo para o ensino superior, sua aprendizagem e desenvolvimento é uma demanda mundial. Marcelo (2009, p. 10) contribuiu para essa discussão, definindo o processo:

[...] “desenvolvimento profissional docente”, um processo evolutivo e contínuo, que pode ser individual ou colectivo, mas que se deve contextualizar no local de trabalho do docente - a escola - e que contribui para o desenvolvimento das suas competências profissionais através de experiências de diferente índole, tanto formais como informais.

Portanto, o investimento na formação de professores exerce papel fundamental e estratégico para construção da identidade docente e para a reflexão sobre a práxis didático-pedagógica. A formação pedagógica voltada aos docentes em atuação em diferentes níveis de ensino, por meio do planejamento de estratégias didáticas que visem promover o compartilhamento de experiências, a validação conjunta de estratégias avaliativas e a instrumentalização para a escolha da metodologia de trabalho, podem gerar a mobilização e a aplicação dos conhecimentos teóricos e práticos em outras situações específicas de ensino, e no ensino superior esta demanda não é diferente.

Assim, para abarcar de forma integral a construção do conhecimento e a aprendizagem da docência, nos contextos de formação pedagógica, deverão estar contempladas diferentes dimensões envolvidas no processo educativo do ensinar e aprender (ANASTASIOU; ALVES, 2015; MARCELO, 2009). Abranger esta construção implica em integrar o aprendizado de, no mínimo, três principais dimensões formativas que incluem perspectivas complementares de conhecimento, sendo estas: 1) fundamentos epistemológicos, 2) teórico-conceituais e 3) instrumentais aplicados, os quais devem ocorrer de forma articulada e complementar. A associação destas dimensões contribui para o desenvolvimento docente na construção da sua identidade profissional e na sua prática, incluindo uma componente reflexiva, capaz de tensionar o processo de ensino e aprendizagem e a relação docente e discente (ANASTASIOU; ALVES, 2015).

Nas dimensões epistemológica e teórico-conceitual pode-se reunir alguns elementos da ontologia e fundamentos da educação, englobando temas relacionados a construção sócio histórica do papel do educador e a relação entre os modelos pedagógicos e sua repercussão nos processos de ensino e aprendizagem vigentes em diferentes momentos históricos, objetivando construir a sensibilização do olhar junto aos docentes. A dimensão instrumental aplicada poderá subsidiar os docentes em formação para a efetiva atuação ao conhecer as bases legais e os mecanismos do sistema educativo em que atua, as diretrizes e a política educacional no cenário educacional macro e micropolítico. Esta dimensão se complementa pela abordagem de elementos relativos à perspectiva da Didática, recomendações para o planejamento do ensino e para a elaboração do processo avaliativo, a partir dos temas abordados na dimensão teórica, ao lançar luz sobre os modelos de ensino e abordagens didáticas tradicionais para (re)significá-las no contexto educativo contemporâneo. Ainda em termos teórico-metodológicos, destaca-se a ênfase do desenvolvimento docente na perspectiva da formação reflexiva dos professores (SCHÖN, 1992). Esta se refere à construção da identidade docente, que poderá ser edificada por meio da retomada de histórias de vida e da atribuição de novos sentidos às trajetórias de formação escolar e/ou profissional vivida, e que, de acordo com Besutti, Redante e Fávero (2017), são elementos da memória, constitutivos da identidade pessoal, subjetiva e ocupacional do professor.

Cabe destacar que a construção do conhecimento sobre o papel da didática no processo de ensinar e aprender deve ocupar um lugar de destaque na aprendizagem da docência, o que segundo Libâneo (2001) envolve conhecer as formas de organização do trabalho do ensino, a partir de métodos e recursos didáticos visando atingir os objetivos pretendidos. Neste ponto, encontramos ressonância entre o desenvolvimento de competências para o aprendizado da docência e a metodologia Caso de Ensino, uma vez que este permite uma representação multidimensional do contexto (NONO; MIZUKAMI, 2002a, p. 72).

Ainda, para a promoção da construção da identidade e para o desenvolvimento docente é preciso que o planejamento do ensino, do processo de desenvolvimento seja capaz de acolher os fatores multiculturais, sócio-históricos e subjetivos (MORAES; DINIZ-PEREIRA, 2014), presentes no relato e na narrativa proferida pelos docentes, as quais acabam por repercutir em suas práticas de ensinar e aprender. O professor aprende a ensinar a partir de várias influências: além de cursos de formação, com suas vivências e experiências como alunos; com familiares; com a experiência e relatos de professores mais experientes; com a reflexão a partir da aprendizagem experiencial ou situação problema vivenciada ou relatada por ele próprio e/ou por outros os professores (CUNHA, 2010b; ISAIA, 2007; ISAIA; BOLZAN, 2009). Neste sentido, durante o trabalho de formação de professores estes podem ser motivados a buscar em suas lembranças e situações cotidianas vivenciadas ao longo de sua trajetória escolar, como aluno e/ou como docente a (re)construir e (re)significar suas narrativas (CAMPOS; GASPAR; MORAIS, 2020).

Estes e outros aspectos demonstram a complexidade envolvida no planejamento didático voltado à formação de professores no ensino superior. A seguir, na seção 3, será discutido como a metodologia Caso de Ensino pode vir a apoiar o desenvolvimento profissional e contribuir para a construção das narrativas de identidade e autonomia docente.

3 O USO DE CASOS DE ENSINO COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO

A Didática constitui um campo de conhecimento, da área da Pedagogia que se ocupa em compreender o processo de ensinar e aprender, visando à instrumentalização docente para uso de determinadas técnicas e métodos de ensino para atingir um fim em um processo educativo (LIBÂNEO, 2001; TARDIF, 2012). Nesta concepção, é preciso considerar que os desafios da didática giram em torno da construção de conhecimentos baseados na ontologia e em fundamentos epistemológicos, teóricos e aplicados, de modo que o profissional docente esteja apto a atuar em situações de ensino em diferentes cenários de determinada área de conhecimento, articulando o domínio de conteúdos teóricos e aplicados específicos, operados com conhecimentos pedagógicos.

Em termos da aprendizagem dos elementos da Didática para o exercício da docência, a utilização da metodologia Caso Ensino pode possibilitar ao professor em formação conhecer e analisar um contexto de forma ampliada, interpretar e transformar os dados coletados em informações, relacionando-as à perspectiva ontológica, teórica-conceitual e aplicada. Nono e Mizukami (2002b) conferem esta potencialidade ao método Caso de Ensino, mencionando sua importância para a formação da narrativa docente e suas práticas. Nono e Mizukami (2002a, p. 72) afirmam que um Caso de Ensino em um processo de desenvolvimento docente, caracteriza-se como uma “metodologia de ensino e pesquisa”. Mizukami (2000, 2002, 2005) defende que no que se refere ao uso da metodologia Casos de Ensino, as diferentes situações de ensino-aprendizagem e elementos da memória docente presentes no relato de professores, sejam estes iniciantes ou experientes, podem se fonte de construção de novas narrativas para a discussão e reflexão durante um processo formativo.

Assim, em contextos de formação docente, o uso de casos de ensino pode ser utilizado como instrumento didático para formação e desenvolvimento de diferentes saberes docentes, apoiando a aprendizagem da docência de forma integral (MIZUKAMI, 2002). De acordo com a autora, por meio do uso de casos de ensino podem ser explorados acontecimentos reais e fictícios, relativos a situações que o docente já viveu, vive ou poderá vivenciar durante sua trajetória profissional. Em uma visão complementar sobre a definição de um Caso de Ensino, Shulman (2002) indica que este pode ser compreendido a partir de seu caráter descritivo ao passo em que pode vir a apresentar uma problemática relativa ao fazer docente. Nóvoa e Finger (2010), Nono (2005) e Nono e Mizukami (2002a) relatam que a expressão “Caso de Ensino” deve ser conceitualmente multifacetada, visto que pode apresentar uma variedade de definições, funções e contextos de aplicação.

Um Caso de Ensino é geralmente apresentado na forma narrativa, real ou ficcional (conto ou fábula) podendo ser representada por personagens ou figuras como protagonistas e heróis, sendo situada em uma dimensão temporal de espaço e tempo específica. Ainda como característica pode conter uma única história específica ou um conjunto de eventos complexos e relacionados entre si. Mizukami (2000) complementa que a forma narrativa presente em um Caso de Ensino comumente apresenta elementos semelhantes em sua estrutura

[...] enredo - começo, meio e fim - e talvez uma tensão dramática, que deve ser aliviada de alguma forma; são particulares e específicas; colocam eventos num referencial temporal e espacial - são localizadas e situadas; revelam o trabalho de mãos, mentes, revelam motivos, concepções, necessidades, falsas concepções, frustrações, ciúmes, falhas humanas; refletem os contextos sociais e culturais nos quais cada evento ocorre. (MIZUKAMI, 2000, p. 151).

Assim, um Caso de Ensino contém a expressão de um pensamento sobre uma situação concreta (ALARCÃO, 2003) ou ficcional, sendo destinado ao uso pedagógico. A literatura que expressa relatos de experiência e pesquisa com a formação de professores destaca que muito pode ser explorado e aprendido com metodologia Caso de Ensino. Desta forma, um caso pode ser compreendido a partir de sua função descritiva aplicada, quando é construído com base em uma dada realidade, prévia, com o objetivo de ser aplicado como ferramenta de ensino para a discussão em determinado contexto. Contudo, esta não é a função exclusiva de um caso de ensino, podendo este ser incorporado como estratégia narrativa, de problematização e significação da realidade em que os sujeitos constroem a si mesmos e a seu fazer docente (CUNHA, 2010b) ao refletir sobre suas experiências e aprendizados ao longo da vida. De acordo com Graham (2010), a construção narrativa ganha a dimensão de sistematização da experiência vivida e age como uma tecnologia relacional, uma vez que contribui para a constituição da autoria de si na construção do sujeito e sua relação com o fazer docente. A sistematização é um processo que reúne as vivências significativas, desde a percepção, as memórias, até as sensações em uma retomada ordenada da ação concreta na reconstrução da experiência (HOLLIDAY, 2006). Na prática, podem ser incorporadas diferentes estratégias didáticas envolvendo a utilização dos Casos de Ensino (casos prontos, construção individual, construção em grupos, etc.), ampliando as possibilidades de geração de novos conhecimentos, provocando o exercício da contextualização, da problematização e do diálogo sobre a práxis docente. Como parte das ações e estratégias de um processo de desenvolvimento docente, a utilização do método Caso de Ensino, decerto, facilita a construção de sentidos do ser, reconhecer-se e tornar-se professor (CAMPOS; GASPAR; MORAIS, 2020). Portanto este é um mecanismo de construção narrativa para ao exercício de autoria e autonomia (CUNHA, 2010b). Vista por este ângulo, vivenciar a realidade como autor da (própria) história implica exercer uma ação afirmativa e protagonista sobre a prática, construindo mudanças e novos caminhos e soluções no percurso da docência.

Tardif e Raymond (2000) destacam a importância de investir na formação docente por meio da mobilização de saberes que contribuem para a construção do(s) sentido(s) sobre a práxis, a partir da reflexão de situações de trabalho que lhes são próprias. Essa observação complementa o que temos destacado até aqui, validando a necessidade de construção de estratégias de ensino e aprendizagem voltadas à autonomia dos sujeitos frente aos seus processos subjetivos, interpessoais e de desenvolvimento profissional. A utilização de Casos de Ensino como estratégia de retomada (ou de significação) da experiência durante o percurso vivido (ou projetado) poderá atuar em um enfoque significativo de construção da aprendizagem, tornando o docente, autor da própria história ao atribuir sentidos aos saberes em construção. Tais saberes englobam não só o saber-fazer, mas, sobretudo o saber-ser, que em um sentido ampliado, de acordo com os autores, englobam “os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos docentes.” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 212).

Percebe-se pelo estudo sobre o uso de Casos de Ensino que essa metodologia de construção narrativa para o ensino e aprendizagem agrega um elemento de reflexão, tomada de consciência, reflexão e sistematização da experiência quando aplicada à formação docente. Caberá ao professor formador, valer-se em seu planejamento do ensino, de situações de aprendizagem que versem mais sobre atividades vivenciais e práticas do que teóricas, de modo a promover espaços educativos de diálogo e reflexão reunindo elementos das experiências escolares e profissionais pregressas dos docentes ao abordar os novos conhecimentos em construção. Segundo Bondiá (2002, p. 21), a palavra “experiência” é uma expressão que está relativa aquilo que nos passa, ou seja, aquilo que nos atravessa e, por conseguinte constitui a nossa subjetividade, dando vida e significação ao campo das ideias de forma sistematizada. Na próxima seção será apresentado o Programa de Formação Docente da IES, os objetivos gerais da proposta e a forma como seu decurso de ações originou o uso da metodologia Caso de Ensino.

4 PROPOSTA INSTITUCIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR

O Programa de Formação Docente da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), proposta institucional de formação em contexto, desde a sua concepção, vem, ao longo dos últimos 16 anos, reunindo elementos provenientes do fazer docente e do plano de desenvolvimento institucional para planejar ações educativas capazes de promover o aprendizado e o aprimoramento da docência em saúde, visando desenvolver competências e a formação pedagógica do seu corpo docente. A UFCSPA, universidade pública federal, está localizada no sul do Brasil, tem como herança o histórico da criação da Faculdade Católica de Medicina, na década de 1960, vinculada à Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Posteriormente, já na década de 1980, passou a ser uma IES isolada, chamada Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, tornando-se em 2008, a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Cabe destacar que até o ano de 2004 não havia oferta de formação pedagógica para os professores da IES.

O marco da formação para a docência na Instituição teve início em 2004, com a oferta de um curso de formação continuada para docentes, no qual se aplicou o uso de Casos de Ensino, entre outros recursos didáticos, para a formação pedagógica de professores (MAGALHÃES; ZANETI; COSTA, 2014). O curso citado trata-se de formação obrigatória para os docentes em estágio probatório composto por temas de interesse para a docência universitária. Somente em 2009 foi instituído o Programa de Formação Docente da UFCSPA, mantido pela Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD). A implementação do Programa partiu da necessidade da instituição em desenvolver e sistematizar os processos de desenvolvimento profissional dos docentes, ofertando espaços de formação para suporte aos professores em suas demandas de qualificação no ensino superior (MARCELO, 2009). A demanda pela formação de professores é preconizada também nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) na área (BRASIL, 2017), considerando a qualificação dos docentes como um processo permanente e elemento chave da melhoria da qualidade do ensino superior, visando a produção de conhecimentos que priorize a formação de profissionais autônomos com valorização das dimensões éticas e humanísticas (COSTA et al., 2018) incorporadas ao Plano de Desenvolvimento Institucional (UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE, 2019) e ao Planejamento Estratégico da Universidade Federal do Ciências da Saúde de Porto Alegre.

A partir das ações do Programa de Formação Docente verificou-se que o desenvolvimento das práticas e a atuação dos professores, com base no estudo dos Casos de Ensino poderia contribuir para a concretização dos pressupostos do PDI em uma perspectiva de formação em contexto, continuada, sistemática e potencializadora da aprendizagem da docência. No Programa de Formação Docente são atualmente oferecidas diferentes atividades formativas, todas visando propiciar a articulação entre o Plano de Desenvolvimento Institucional (UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE, 2019) o Projeto Político Pedagógico dos Cursos (PPC) e as práticas pedagógicas desenvolvidas na instituição. Estas práticas estão organizadas em consonância ao disposto nos documentos institucionais, de modo que os objetivos do Programa de Formação docente visam: 1) consolidar a identidade didático-pedagógica da instituição realizando reflexões com seus docentes sobre as diretrizes educacionais da Universidade, para que estas se tornem cada vez mais presentes no cotidiano das salas de aula; 2) qualificar as competências docentes do corpo de professores no que se refere ao processo de ensino e aprendizagem, ao planejamento do ensino, à metodologias inovadoras na área da saúde, à utilização de estratégias e recursos pedagógicos e ao sistema de avaliação dos alunos; 3) propiciar a articulação entre os projetos político-pedagógicos, os programas de ensino e as práticas pedagógicas desenvolvidas na instituição através do desenvolvimento de processos críticos e reflexivos sobre a prática docente e 4) incentivar o desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras.

Atualmente, o Programa oferece ações de formação pedagógica buscando atender às diferentes demandas de professores que atuam em cursos de graduação e pós-graduação nas áreas que constituem o campo do ensino na saúde. Os professores estão distribuídos entre cursos de graduação, residência médica e residência multiprofissional, cursos de pós-graduação lato sensu (Programas de especialização) e stricto sensu (Programas de mestrado e doutorado acadêmico e profissional). Para o nível de ensino da graduação, a instituição atende neste momento, os cursos de Biomedicina, Enfermagem, Farmácia, Física Médica, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Gastronomia, Gestão em Saúde, informática Biomédica, Medicina, Nutrição, Psicologia, Química Medicinal, Tecnologia em Alimentos e Toxicologia Analítica.

Para congregar a diversidade de demandas proveniente do fazer docente em áreas de ensino distintas, compete ao Programa oportunizar situações de aprendizagem qualificando o corpo docente no intuito de potencializar suas competências, para que estejam inseridos na comunidade universitária como agentes de mudança de forma participativa e crítica em seus diferentes contextos de atuação profissional. Das diversas fases de atuação do Programa, neste estudo é apresentada a sistematização da experiência desenvolvida durante o curso obrigatório, atualmente nomeado “Docência na Universidade: concepções e pressupostos didáticos com o uso da metodologia Caso de Ensino. A experiência teve início em 2004 e foi desenvolvida ao longo dos anos, tomando a forma de oficinas de discussão e elaboração de Casos de Ensino. A organização didático-pedagógica das oficinas de Casos de Ensino está orientada pelos princípios da construção do conhecimento contextualizado, em uma visão sistêmica e integrativa do processo do ensinar e aprender. Esta organização visa atingir aos objetivos de desenvolvimento de competências que integrem os fundamentos e saberes necessários à docência em saúde.

Na medida em que as ações do Programa foram se desenvolvendo, o desenho metodológico para o uso dos Casos de Ensino tomou forma, especialmente pelo relato de experiências dos professores dos diferentes cursos de graduação e pós-graduação, os quais traziam em suas narrativas o testemunho da sua trajetória enquanto professores iniciantes ou experientes. Destes relatos, destacaram-se aqueles que ilustravam o percurso de jovens educadores e o contraste com outros relatos de docentes em um momento mais avançado na carreira. A partir da riqueza destes relatos, perceberam-se formas de conhecer, capazes de compartilhar e construir conhecimento a respeito dos fazeres da docência. As narrativas que emergiram dos relatos com diferentes enfoques de formação e pontos de vista, repercutiu na atenção das professoras formadoras sobre a necessidade de aprofundar os estudos sobre as implicações das narrativas como metodologia para o desenvolvimento profissional de novos professores dentro do Programa de Formação Docente. Tendo em vista esse interesse foram delimitadas, além de objetivos específicos para a aprendizagem da docência, novas metodologias de ensino com base na participação e na sistematização das experiências docentes pregressas e replanejamento didático das oficinas seguintes.

Com as atividades do Programa de Formação Docente, espera-se que os professores sejam capazes de: 1) desenvolver habilidades, conhecimentos e atitudes relacionadas aos processos de ensino e aprendizagem no ensino superior e 2) construir uma visão complexa, complementar e integrativa em relação aos processos de ensino e aprendizagem em saúde, e 3) desenvolver autonomia a partir da utilização de estratégias educativas que visem à promoção da autorregulação da aprendizagem (BANDURA, 1986) através da construção narrativa, análise e discussão de Casos de Ensino, dentre outras abordagens metodológicas.

Assim, a formação de professores na instituição hoje tem por base a reflexão crítica sobre a docência. Por exemplo, a oportunidade de discutir e opinar nas propostas de reforma curricular dos cursos, no planejamento, nos processos de ensino, situando-os no cenário das tendências pedagógicas da educação em saúde e a problematização sobre o processo da avaliação educacional no ensino superior. Este cenário de formação inclui momentos mais estritos como discussões sobre procedimentos didáticos em rodas de conversa, aulas expositivas dialogadas, leituras dirigidas, estudos individuais e coletivos; práticas de planejamento do ensino no âmbito das Comissões de Graduação e Núcleos Docentes Estruturantes dos cursos e as oficinas de discussão de Casos de Ensino; ou mais amplos como seminários em início de semestres letivos, simpósios com convidados nacionais e internacionais, com ocorrência bianual. Na seção 5 será detalhada a aplicação da metodologia Caso de Ensino no contexto da Proposta Institucional do Programa de Formação Docente.

5 ABORDAGEM METODOLÓGICA DOS CASOS DE ENSINO NA FORMAÇÃO DOCENTE

Este estudo trata-se de um relato de experiência que aborda a utilização de Casos de Ensino para a formação de professores no ensino superior na área da saúde. Para isso foram utilizadas narrativas reais e fictícias, contendo situações educativas no contexto das ciências da saúde, visando problematizar, refletir, (re)significar e construir o fazer docente na universidade. Ainda são escassas as publicações de relatos sobre a docência no ensino superior, sobretudo envolvendo a sistematização de situações de ensino em saúde. Das primeiras oficinas de construção de casos (durante as edições anteriores do curso de formação docente) foram sendo mapeados os temas emergentes, e construído um banco de casos, com situações de ensino no contexto da docência em saúde.

Na experiência de formação, foram utilizados três tipos de casos: 1) Casos prontos a encontrados na literatura (NONO; MIZUKAMI, 2002a); 2) Casos elaborados pelas formadoras com base em suas vivências e ou em narrativas fictícias no ensino superior; e, 3) Casos elaborados pelos docentes durante o curso. Investiu-se no uso de Casos de Ensino visando dar visibilidade a um conjunto de situações diversas, presentes no cotidiano acadêmico, oportunizando a discussões sobre o ensino universitário.

Os casos foram utilizados em dois enfoques complementares, a saber: 1) discussão de casos de ensino “prontos” de modo a apresentar um repertório mais amplo com exemplos fictícios e até caricatos de situações típicas da docência universitária; e 2) elaboração de casos de ensino pelos professores, visando a identificação e a sistematização da(s) experiência(s) vivida(s) em sua atuação profissional docente.

A metodologia implicou na leitura individual de um ou mais casos, seguida da discussão em pequenos e/ou em grande grupo, das situações de ensino ilustradas. Este mecanismo permitiu aos docentes, problematizar suas práticas e refletir sobre seu desenvolvimento profissional. A forma de interação (consigo mesmo) e o compartilhamento de experiências entre pares ocorreram pela familiarização com um ou mais personagens presentes na(s) narrativa(s) e a própria experiência ou de outrem.

Como desdobramento do trabalho de discussão dos casos preexistentes, sugeriu-se aos participantes que descrevessem e sistematizassem sua própria experiência como professor(a) ou aluno(a), relatando os fatos vividos em espaços de ensino como salas de aula, laboratórios, postos de saúde, hospital de ensino ou outros espaços onde se aprende e se ensina em saúde. Para orientar esta atividade foi organizado e disponibilizado um documento chamado “roteiro para a elaboração de caso de ensino” (baseado em MIZUKAMI, 1998). A partir do documento orientador os docentes foram orientados a: 1) eleger uma temática para o desenvolvimento do caso de ensino/narrativa. Sugeriu-se aos professores escolher a “mais importante”, “a mais instigante”, “a de maior impacto” em uma situação de ensino-aprendizagem, ou ainda “a mais fácil de lidar”, “a mais complicada”, “a mais frustrante”, ou seja, aquela que tenha deixado marcas ou com maior familiaridade ou facilidade em construir o relato com maiores detalhes e informações que pudesse enriquecer a história narrada.

Na próxima seção serão apresentados os dois casos de ensino, seguidos de uma discussão sobre a aplicação e possível discussão no contexto da docência universitária.

6 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS CASOS DE ENSINO

Com vistas a refletir sobre a experiência de desenvolvimento profissional docente na universidade e as possibilidades, fragilidades e potenciais do uso da metodologia Caso de Ensino, a seguir são apresentados dois casos selecionados do Banco de Casos de Ensino, construído e organizado pela primeira autora, no contexto do Programa de Formação docente da UFCSPA. Os casos selecionados para análise foram considerados “chave” por refletirem situações complexas vivenciadas no contexto do ensino e aprendizagem na saúde abordando a história de diferentes momentos da docência (atuação de uma professora iniciante em estágio docente na pós-graduação e a de um professor experiente).

Os casos, apresentados a seguir, são discutidos com base na identificação e organização de temas emergentes e examinados à luz da análise temática proposta por Minayo (2010) de forma interpretativa, a partir da literatura e dos temas presentes em cada caso. O Caso 1 - “Qual é a melhor estratégia de ensino?” - é de autoria da primeira autora deste artigo e sintetiza sua vivência docente como formadora de professores e atuação na pós-graduação. O Caso 2 - “A responsabilidade da apresentação é sua e a da avaliação é minha” - é de autoria de um docente da IES que participou de atividades do Programa de Formação Docente, retratando a experiência vivida no contexto da integração ensino-serviço.

CASO 1 - Qual é a melhor estratégia de ensino?

Flora é enfermeira (professora iniciante), mestranda em Ciências da Saúde, em estágio docente na disciplina de “Cuidado Humano” (para alunos de 1º ano do curso de Enfermagem), na Universidade Livre de Porto Alegre. Ela é tímida, tem dificuldade de falar em público, mas é muito organizada. Ela considera a turma de alunos da disciplina muito atenciosos e estudiosos. A professora responsável também foi muito acolhedora e a envolveu desde o primeiro dia em atividades com os alunos. Flora estava ansiosa, com muitas expectativas, pois não havia planejado seguir a carreira docente e, neste momento, iria assumir a responsabilidade de ser regente de uma disciplina na graduação. Os primeiros dias foram de observação e suporte à docente responsável nas aulas teóricas e práticas da disciplina, mas, como previsto, Flora tinha que planejar e desenvolver o equivalente a 10 horas/aula como prática de ensino. O tema a ser planejado e ministrado era “higienização das mãos,” abordado em uma aula de 120 minutos. Tão logo recebeu o tema da aula, Flora saiu em busca de material bibliográfico, de links de sites, de vídeos, de roteiro de aula prática e de tudo que pudesse utilizar na realização desta aula. Depois de tanta busca, olhou para todo o material e pensou: “Por onde começar?”. Foi tomada por um momento de insegurança, mas seguiu sua primeira intuição: “Vou preparar uma aula expositiva. Acho que é o mais fácil e vai ajudar os alunos a compreenderem a importância da lavagem das mãos nos procedimentos de Enfermagem”. Após leitura e elaboração de um roteiro para exposição oral em Power Point, Flora tinha cerca de 150 slides e um “frio na barriga”, seguido de algumas interrogações: “Vai dar tempo de falar tudo? Será que eu deveria ter preparado mais material? Será que minha exposição ficará bem prática?” Com essas incertezas, Flora foi para a sua primeira aula: sua opção foi por uma aula expositiva - não teve dúvidas, seria sua melhor opção para “encarar” aquela turma toda de alunos. Passados 50 minutos, Flora já tinha percorrido os 150 slides, e os alunos que haviam permanecido na sala a olhavam com ares de interrogação: “Aonde você quer chegar? O que fazemos agora? Isso vai cair na prova?”. Mas ela não os indagou nem sobre o tema apresentado, nem sobre sua compreensão do que havia sido exposto. Deu por encerrada a aula e seguiu para casa, frustrada com sua primeira experiência, sem saber se os alunos a haviam compreendido (já que tantos deixaram a sala) ou se deveria ter utilizado outra estratégia de ensino que envolvesse mais a participação dos alunos, a elucidação do assunto, a demonstração do mesmo... Flora seguiu para o seu segundo tema de aula com estes e outros questionamentos - “Qual seria a melhor estratégia?”.

CASO 2 - A responsabilidade da apresentação é sua e a da avaliação é minha.

Universidade do Sol; Curso de Medicina, 5º Ano, disciplina de Otorrinolaringologia. Turma com 28 alunos. Fazia parte das atividades do professor Augusto (com 15 anos de docência) orientar alunos de graduação, doutorandos e residentes da instituição. Uma das modalidades de trabalho utilizada era a realização de seminários semanais, cuja responsabilidade da apresentação dos diversos temas era dos doutorandos (alunos em estágio). O professor de uma maneira bastante democrática no início do estágio sentava com toda a equipe e decidia em conjunto os temas de maior prioridade para o desenvolvimento do aprendizado da disciplina, assim como assuntos que envolviam a escolha e preferência dos alunos. Desta maneira julgava não ficar algo maçante e imposto, imaginando que este preparo se tornava prazeroso e interessante. E assim, foram ocorrendo ao longo do ano seminários construtivos, proveitosos e ricos. Alguns, com uma maior profundidade do que outros, o que é considerado normal, levando em conta os diferentes interesses de um grupo heterogêneo. Até que em uma ocasião, o doutorando responsável pelo preparo e apresentação do seminário resolveu que era injusto ter que fazer esta apresentação e em certo momento de uma maneira desrespeitosa, tanto com o professor como com os colegas, afirmou que não faria a apresentação e que não estava nem um pouco preocupado com o que os outros pensavam a respeito. Isto ocorreu exatamente em um atendimento ambulatorial, onde, a propósito, estavam todos reunidos na discussão de um caso clínico de um paciente em atendimento. Houve um momento de constrangimento, onde todos olharam para o professor que rapidamente dirigiu-se a todos e afirmou que naquela tarde haveria seminário com a apresentação do colega ou não. Ao doutorando, este apenas direcionou um sorriso e disse: “a responsabilidade da apresentação é sua, e a da avaliação é minha, você define ambas”. O aluno retirou-se do ambulatório sem nada responder e para surpresa do grupo, no horário marcado para a realização do seminário, o doutorando estava presente com sua apresentação, pobre, mas pronta. O professor Augusto aprofundou a apresentação ignorando os acontecimentos anteriores pensando no benefício de todos, inclusive do aluno responsável pela apresentação.

A partir dos casos expostos são feitos os seguintes questionamentos: quais reflexões podem suscitar acerca da prática docente em saúde? Que outros apontamentos poderiam ser feitos, considerando, por exemplo, o uso de metodologias/estratégias de ensinagem no ensino superior, o planejamento didático, a avaliação da aprendizagem, a integração ensino-serviço de saúde na tríade professor-alunos-paciente no ensino em saúde? Estes e outros questionamentos foram objeto de análise e discussão com os professores, remetendo-os a reflexão sobre a aprendizagem da docência no ensino superior (TORRES; ALMEIDA, 2013) e sobre o planejamento do ensino e de aulas; sobre a importância e o lugar das estratégias de ensino-aprendizagem na prática docente (ANASTASIOU; ALVES, 2015; ZEICHNER, 1992) e a aprendizagem dos alunos, sobre a avaliação da aprendizagem e sobre a postura do professor e dos alunos nas situações relatadas: como ansiedade, insegurança, condescendência, falta de compromisso, autoritarismo, assertividade, dentre outros.

No Caso 1, a análise elucida que a professora Flora poderia ter planejado sua aula, não apenas elaborando o roteiro em Power Point; mas, explicitando aos estudantes os objetivos pretendidos para a temática em estudo (o que esperava dos alunos em termos de aprendizagem); poderia ter escolhido “a” ou “as” estratégias de ensino para desenvolver o conteúdo (só a aula expositiva para um tema de interesse e implicação prática para a área da saúde (BATISTA; BATISTA, 2004) provavelmente deixasse mesmo a desejar); ter previsto a participação dos alunos na aula, talvez com variação (expositivo-dialogada) ou uma combinação/complementação com aula prática ou demonstração, etc.

Considerando a aprendizagem da docência, muito se aplica da experiência dos tempos de aluno, da história familiar e escolar na solução dos problemas profissionais (TARDIF; RAYMOND, 2000) enfrentados pelo professor iniciante. Assim, em vez de se criar algo novo, que previsse as ações individuais e/ou coletivas dos alunos, respeitando os objetivos de ensino e aprendizagem, os diferentes tipos de conteúdo, os perfis de estudante, os tempos cronológicos e pedagógicos possíveis nos processos de ensino, talvez Flora tenha deixado de lado toda a bagagem teórico-metodológica sobre o ensino e a prática docente que ela teve acesso na sua formação (antes e durante a pós-graduação) e mobilizou os conhecimentos e experiências acumuladas na sua memória dos tempos de aluna. Uma possível troca de experiências e busca de suporte da docente responsável poderia ter feito diferença na realização da referida aula. Pode-se questionar: por que isso não aconteceu? Com esta estratégia, os docentes em formação foram sendo instigados a refletir sobre questões relativas à sua prática docente quando iniciantes e a ponderar os erros e acertos em seu percurso de ingresso e desenvolvimento na carreira docente. Desta forma, o caso agiu como um disparador para o pensamento (MIZUKAMI, 2000) guiando os docentes à problematização de eventos atuais ou ocorridos ou ainda projetando eventos futuros, dando visibilidade e materialidade à discussão temática a partir da reflexão das vivências de cada professor, no coletivo e no espaço educacional institucional.

O Caso 2 apresenta a história de Augusto, professor democrático, em um contexto educativo de ensino em serviço que apresenta certa conduta pedagógica orientada para o desenvolvimento dos discentes. Augusto parece privilegiar o protagonismo e a autonomia dos estudantes frente à construção dos conhecimentos. O caso oportunizou aos docentes, refletir sobre questões de ordem epistemológicas e que fundamentam os processos de educação. Há muito se argumenta sobre a superação de modelos pedagógicos centrados somente no professor (tradicional) ou somente no estudante (humanista) e sobre a importância da busca e da aplicação de modelos relacionais de ensino (BECKER, 2012) em que o professor e o aluno participam do processo de ensino, interagem, trocam conhecimento, compartilham papéis; discute-se também que a aprendizagem dos diferentes conteúdos não se processa de modo igual para os alunos - ela requer rotina, sequências didáticas intencionais e diferenciadas, conforme o conteúdo implicado, não ocorrendo de forma espontânea nem mágica, mas com papéis bem claros e definidos para os sujeitos envolvidos. O que se propõe, neste contexto, é uma relação pedagógica que implica o engajamento do professor (no preparo e na condução cuidadosa das aulas) e do aluno (no comprometimento, na responsabilização e na atuação ativa durante e após as aulas) no processo de exploração e apreensão do conhecimento, gerando sínteses e conhecimentos novos a cada contato ou situação novos: uma rede de procedimentos, ações e interações tanto do aluno com o professor, como do aluno com outros alunos em processo de aprendizagem. Neste processo, aluno e professor são desafiados a colocar em ação processos mentais de complexidade variada e crescente, e a aplicação de operações que envolvem a observação, obtenção, organização e interpretação de dados, elaboração conceitual, análise, comparação, resumo, crítica, busca de suposições, levantamento de hipóteses, aplicação de princípios, conclusão e tomada de decisão, dentre outros.

No Caso 2, além das questões pedagógicas mais gerais, há uma especificidade no ensino que ocorre no contexto da assistência, no cerne da tríade professor-paciente-aluno. O que demanda do docente um manejo cuidadoso e uma postura ética e comprometida de todos os envolvidos no cuidado ao paciente (BATISTA; BATISTA, 2004).

Estes e outros aspectos foram levantados com os docentes em formação e podem ser refletidos após a leitura e a discussão dos casos de ensino apresentados seja em termos da aprendizagem dos alunos, seja em termos do uso de estratégias na aprendizagem da docência por professores iniciantes (ainda pós-graduandos como a Flora ou professores com recém ingresso na carreira) ou já experientes. Em ambos os casos, a reflexão sobre processos semelhantes já vividos ou em plena vivência podem suscitar o diálogo entre pares e o compartilhamento de possibilidades de ação, de busca de suporte, de redirecionamento consciente e intencional sobre as mudanças necessárias para a realização de uma prática docente segura e com objetivos de ensino e de aprendizagem alcançados.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência reportada com o uso pedagógico de casos de ensinos permite concluir que tal recurso, seja com casos prontos ou construídos a partir de narrativas individuais ou coletivas, permite ao professor refletir sobre a construção da sua docência e o confronto entre a teoria e a prática, no exercício da docência, favorecendo autoria e o desenvolvimento da autonomia frente à sua prática e os processos de ensinar e aprender. Esta dinâmica ocorre com base na identificação (ou projeção) à realidade vivida e a discussão sobre a docência, situada no contexto de trabalho dos docentes.

Trata-se de um processo desafiador para os formadores e para os próprios professores, mas que pode proporcionar oportunidades únicas de reflexão-ação-reflexão, por meio dos casos de ensino e do espaço coletivo de compartilhamento de saberes e experiências. O que faz com que o professor em formação atribua sentidos a sua prática, podendo ser esta uma estratégia didática a ser aplicada à diferentes contextos educativos, com docentes iniciantes e experientes; como fonte de discussão sobre os processos de aprendizagens do ensinar e aprender em saúde e sobre a aprendizagem da docência como processo contínuo no contexto de trabalho. Um desafio e um processo de mútuo e múltiplos aprendizados e troca de saberes entre formadores de professores e professores em formação.

Diante da complexidade e mutação no processo do aprender e ensinar e no fazer docente nos tempos atuais, reinventar esses processos é algo urgente e necessário, sendo as narrativas docentes e os casos de ensino, em especial, uma potente ferramenta para dialogar e fazer reconstruções na docência universitária! Experimentamos esse processo e convidamos professores e formadores de professores para essa aposta e aventura de criação repleta de subjetividade e de potencialidades de ser e se fazer docente ao longo do processo de desenvolvimento profissional docente.

REFERÊNCIAS

AFONSO, M. da R.; STOBÄUS, C. D. Reflexões sobre a Educação Médica. In: FRANCO, M. E. D. P.; KRAHE, E. D. (org.). Pedagogia universitária e áreas de conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007. p. 175-188. [ Links ]

ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003. [ Links ]

ALARCÃO, I.; ROLDÃO, M. Um passo importante no desenvolvimento profissional dos professores: o ano de indução. Formação Docente, v. 6, n. 11, p. 109-126, ago./dez. 2014. [ Links ]

ALBERTON, A.; SILVA, A. B. Como escrever um bom caso para ensino? Reflexões sobre o método. Revista de Administração Contemporânea, v. 22, n. 5, p. 745-761, 2018. [ Links ]

ANASTASIOU, L. G. C.; ALVES, L, P. (org.). Processos de ensinagem na Universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 10. ed. Joinville: Editora Univille, 2015. [ Links ]

BANDURA, A. Social foundations of thought and action: a social cognitive theory. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1986. [ Links ]

BATISTA, N. A.; BATISTA, S. H. A docência em saúde: desafios e perspectivas. In: BATISTA, N. A.; BATISTA, S. H. (org.). Docência em saúde: temas e experiências. São Paulo: Editora Senac, 2004. p. 17-31. [ Links ]

BECKER, F. Entrevista: escola e epistemologia do professor. Revista Profissão Docente, v. 3, n. 9, p. 40-46, 2003. [ Links ]

BECKER, F. Epistemologia do professor. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. [ Links ]

BEHRENS, M. Docência universitária: formação ou improvisação? Educação, v. 36, n. 3, p. 441-454, set./dez. 2011. [ Links ]

BESSUTI, J.; REDANTE, R. C.; FÁVERO, A. A. Formação e construção da identidade docente a partir da narrativa de histórias de vida. Educação por Escrito, v. 8, n. 2, p. 260-277, jul./dez. 2017. [ Links ]

BONDIÁ, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira deEducação , n. 19, p. 20-28, jan./abr. 2002. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação . Conselho Nacional deEducação . Câmara da Educação Superior. Resolução nº 6, de 19 de outubro de 2017. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Farmácia e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2017. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=74371-rces006-17-pdf&category_slug=outubro-2017-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 5 maio 2021. [ Links ]

CARDOSO, J. B. Formação de professores: transformação e reprodução. Poíesis Pedagógica, v. 2, n. 2, p. 73-91, 2010. [ Links ]

CAMPOS, V. T. B.; GASPAR, M. L. R.; MORAIS, S. J. O. Imagens e Identidades da Docência: ser, tornar-se e fazer-se professor, professora. Ensino em Re-Vista, v. 27, n. 1, p. 93-117, 2020. [ Links ]

CORTELA, B. S. C. Práticas inovadoras no ensino de graduação na perspectiva de professores universitários. Rev. Docência Ens. Sup., v. 6, n. 2, p. 9-34, out. 2016. [ Links ]

COSTA D. A. S. et al. National curriculum guidelines for health professions 2001-2004: an analysis according to curriculum development theories. Interface, v. 22, n. 67, p. 1183-95, 2018. [ Links ]

COSTA, N. M. S.C. Docência no Ensino Médico: por que é tão difícil mudar? Revista Brasileira de Educação Médica, v. 31, n. 1, p. 21-30, 2007. [ Links ]

CUNHA, M. I. Narrativas e formação de professores: uma abordagem emancipatória. In: SOUZA, E. C.; GALLEGO, R. C. (org.). Espaços, tempos e gerações: perspectivas (auto) biográficas. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010b. p. 199-214. [ Links ]

CUNHA, M. I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Rev. Diálogo Educ., v. 9, n. 26, p. 81-90, jan./abr. 2009. [ Links ]

CUNHA, M. I. (org.). Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional. Araraquara, SP: Junqueira & Marin, 2010a. [ Links ]

CUNHA, M. I. Os conceitos de espaço, lugar e território nos processos analíticos da formação dos docentes universitários. Revista Educação Unisinos, v. 12, n. 3, p. 174-181, set./dez. 2008. [ Links ]

DUEK, V. P. Casos de ensino na formação professores: contribuições para a reflexão sobre a prática docente. Itinerarius Reflectionis, v. 16, n. 2, p. 1-20, 2020. [ Links ]

FEAGIN, J.; ORUM, A.; SJOBERG, G. A case for the case study. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1991. [ Links ]

FRANCO, M. A. S. Prática pedagógica e docência: um olhar a partir da epistemologia do conceito. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 97, n. 247, p. 534-551, set./dez. 2016. [ Links ]

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. [ Links ]

FORESTI, M. C. P. P.; PEREIRA, M. L. T. A formação pedagógica construída na área da saúde: excertos de uma prática interdisciplinar na Pós-Graduação. In: MASETTO, T. M. (org.). Docência na universidade. 9. ed. Campinas: Papirus, 2008. p. 69-76. [ Links ]

GARCIA, C. M.; RUIZ, C. M.; MORENO, M. S. El conocimiento de casos en el discurso de los profesores principiantes. [S. l.: s. n.], 1995. Disponível em: Disponível em: http://prometeo.us.es/idea/mie/pub/marcelo . Acesso em: 9 nov. 2020. [ Links ]

GRAHAM, A. Como escrever e usar estudos de caso para ensino e aprendizagem no setor público. Brasília, DF: ENAP, 2010. [ Links ]

GRASEL, C. E.; REZER, R. Formação para a docência na Educação Superior no campo da saúde: horizontes de pesquisa. Formação Docente , v. 11, n. 20, p. 145-162, jan./abr. 2019. [ Links ]

HOLLIDAY, O. J. Para sistematizar experiências. Resende. 2. ed. rev. Tradução: Maria Viviana Resende. Brasília, DF: MMA, 2006. Série Monitoramento e Avaliação. [ Links ]

ISAIA, S. M. de A. Aprendizagem docente com articuladora da formação e do desenvolvimento profissional dos professores da Educação Superior. In: ENGERS, M. E. A.; MOROSINI, M. C. (org.). Pedagogia universitária e aprendizagem. Porto Alegre: EDIPUCRS , 2007. p. 153-165. [ Links ]

ISAIA, S. M. de A.; BOLZAN, R. P. de V. Trajetórias da docência: articulando estudos sobre os processos formativos e a aprendizagem de ser professor. In: ISAIA, S. M. de A.; BOLZAN, R. P. de V. (org.). Pedagogia universitária e desenvolvimento profissional docente. Porto Alegre: EDIPUCRS , 2009. p. 121-143. [ Links ]

LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia: Editora Alternativa, 2001. [ Links ]

MAGALHÃES, C. R.; ZANETI, I. C. B. B.; COSTA, M. R. Desenvolvimento Docente e Estratégias de Incremento ao Uso de Metodologias Ativas no Ensino em Saúde: Experiência, Conquistas e Desafios. Revista Espaço para a Saúde, v. 15, Supl. 1, p. 82-91, jun. 2014. [ Links ]

MARCELO, C. Desenvolvimento profissional: passado e futuro. Sísifo, Revista das Ciências daEducação , n. 8, p. 7-22, jan./abr. 2009. [ Links ]

MELLO, E. M. B.; FREITAS, D. P. S. Possibilidades formativas para os docentes universitários: compromisso institucional. Educar em Revista, v. 34, n. 67, p. 249-263, jan./fev. 2018. [ Links ]

MELO, G. F.; CAMPOS, V. T. B. Pedagogia universitária: por uma política de desenvolvimento docente. Cader. Pesquisa, v. 49, n. 173, p. 44-63, jul./set. 2019. [ Links ]

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2010. [ Links ]

MIZUKAMI, M. G. N. Aprendizagem da docência: professores formadores. Revista e-curriculum, v. 1, n. 1, dez. 2005. Disponível em: Disponível em: http://www.pucsp.br/ecurriculum . Acesso em: 5 out. 2020. [ Links ]

MIZUKAMI, M. G. N. Casos de ensino e aprendizagem da docência. In: BRAMOWISZ, A.; MELLO, R. (org.). Educação : pesquisa e prática. Campinas: Papirus , 2000. p. 139-161. [ Links ]

MIZUKAMI, M. G. N. Escola e aprendizagem da docência: processos de investigação e formação. São Carlos: EdUFSCar, 2002. [ Links ]

MIZUKAMI, M. G. N. Roteiro de atividade: “construa um caso de ensino”. Disciplina: Formação de professores. São Carlos: UFSCar, 1998. Mimeografado. [ Links ]

MORAES, E. M.; DINIZ-PEREIRA, J. E. Formação docente e diversidade cultural: complexidade, polissemia e consciência política. Roteiro, p. 105-130, 2014. Edição Especial. [ Links ]

NONO, M. A. Caso de ensino e professores iniciantes. 2005. 238 f. Tese (Doutorado emEducação ) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2005. [ Links ]

NONO, M. A.; MIZUKAMI, M. G. N. Casos de ensino e processos de aprendizagem profissional docente. R. bras. Est. pedag., v. 83, n. 203/204/205, p. 72-84, jan./dez. 2002a. [ Links ]

NONO, M. A.; MIZUKAMI, M. G. N. Possibilidades Formativas e Investigativas de Casos de Ensino. Olhar de professor, v. 5, n. 1, p. 115-132, 2002b. [ Links ]

NÓVOA, A.; FINGER, M. (org.). O Método (auto)biográfico e a Formação. Natal: EDUFRN, 2010. [ Links ]

PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C. Docência no ensino superior. 5. ed. São Paulo: Cortez , 2014. [ Links ]

PIMENTA, S. G. Formação de professores: Identidade e saberes docentes. In: PIMENTA, S. G. (org.). Saberes Pedagógicos e atividades docentes. 8. ed. São Paulo: Cortez , 2012. [ Links ]

RAMOS, R. A. R. S. Necessidades formativas de professores do ensino superior, com vistas ao desenvolvimento profissional: o caso de uma universidade pública na Bahia. 2013. 201 f. Dissertação (Mestrado emEducação ) - Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2013. [ Links ]

REIS, M. E. T.; AFFONSO, S. A. B. Os programas de formação continuada e sua relação com os saberes docentes. Revista de Educação do curso de pedagogia do campus avançado de jataí da universidade federal de Goiás, v. I, n. 3, jan./jul. 2007. [ Links ]

SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 79-92. [ Links ]

SCREMIN, G.; ISAIA, S. M. A. Pedagogias universitárias: as influências das diferentes áreas do conhecimento na atuação docente. Educ. Pesqui., v. 44, p. e177719, 2018. [ Links ]

SHULMAN, J. H. Happy accidents: cases as opportunities for teacher learning. In: ANNUAL MEETING OF THE AMERICAN EDUCATIONAL RESEARCH ASSOCIATION, 2012, New Orleans, LA. Anais […] New Orleans, LA, 2002. [ Links ]

SORDI, M. R. L. Docência no ensino superior: interpelando os sentidos e desafios dos espaços institucionais de formação. Educar em Revista , v. 35, n. 75, p. 135-154, maio/jun. 2019. [ Links ]

TARDIF, M.; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educ. Soc., v. 21, n. 73, p. 209-244, 2000. DOI: 10.1590/S0101-73302000000400013 [ Links ]

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 13. ed. Petrópolis: Vozes , 2012. [ Links ]

TORRES, A. R.; ALMEIDA, M. I. Formação de professores e suas relações com a pedagogia para a educação superior. Formação Docente , v. 5, n. 9, p. 11-22, jul./dez. 2013. [ Links ]

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE. Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI: 2020-2029. Porto Alegre: UFCSPA, 2019. Disponível em: Disponível em: http://ufcspa.edu.br/index.php/pdi . Acesso em: 2 out. 2020. [ Links ]

VEIGA, I. P. A. Trajetória profissional de docentes universitários: um estudo no campo da saúde. In: ISAIA, S. M. A.; BOLZAN, R. P. V. (org.). Pedagogia universitária e desenvolvimento profissional docente. Porto Alegre: EDIPUCRS , 2009. p. 299-327. [ Links ]

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. [ Links ]

ZEICHNER, K. Novos caminhos para o practicum: uma perspectiva para os anos 90. In: NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote , 1992. p. 115-138. [ Links ]

XAVIER, A. R. C.; TOTI, M. C.; AZEVEDO, M. A. Institucionalização da formação docente: análise de um programa de desenvolvimento profissional. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos , v. 98, n. 249, p. 332-346, maio/ago. 2017. [ Links ]

1 Pós-doutora em Psicologia pela Universidade do Minho; Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos.

2Doutora em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; pós-doutoranda em Ensino na Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

Recebido: 20 de Janeiro de 2021; Aceito: 06 de Maio de 2021

Endereço para correspondência: R. Sarmento Leite, 245, Centro Histórico, 90050-1700, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil; cleidilene.ufcspa@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons