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Roteiro

versão On-line ISSN 2177-6059

Roteiro vol.46  Joaçaba jan./dez 2021  Epub 11-Mar-2021

https://doi.org/10.18593/r.v46i.26975 

Seção temática: Educação Integral

A educação integral e o programa ensino médio inovador - Proemi: singularidades desta política

Marilsa Miranda de Souza1I  , Professora Associada

IUniversidade Federal de Rondônia, Departamento de Ciências da Educação do Campus José Ribeiro Filho, Professora Associada.


O livro é resultado de parceria estabelecida entre pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade do Oeste do Pará (UFOPA) e Universidade Federal de Rondônia (UNIR), participantes do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica -EDITAL Nº 071/2013- PROCAD/CAPES. O projeto resultante dessa parceria é denominado: As Experiências Pedagógicas das Políticas de Educação Integral na Amazônia: Rede de Pesquisa e Formação Acadêmica (UNICAMP-UNIR-UFOPA), com o objetivo de analisar as experiências pedagógicas das políticas de educação integral na Amazônia. Vinculadas a esse projeto as autoras são pesquisadoras da temática. Tânia Castro Gomes é Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Oeste do Pará-UFOPA e atua na educação básica da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) e Maria Lília Imbiriba Sousa Colares é Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP; Pós-doutora em Educação FE/UNICAMP, com Estágio Pós Doutoral na Facultad de Filosofia y Humanidades, Universidad Nacional de Córdoba, Argentina; Professora Associada da Universidade Federal do Oeste do Pará/UFOPA e coordenadora Adjunta do Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação - HISTDBR/UFOPA.

A obra destaca duas temáticas significativas: a educação integral e a reforma do ensino médio. As autoras analisam as políticas educacionais recentes para esse nível de ensino e a Lei 13.415/2017 que instituiu a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. O estudo centrou-se nas singularidades do PROEMI e sua implantação em uma escola pública de Santarém- PA, a Escola Mocoronga2 (denominação fictícia) no período de 2012 a 2014, recorte temporal que corresponde ao ano de implantação (2012) no município e ao desenvolvimento do primeiro ciclo das atividades concernentes ao programa, que condizem aos três anos de duração do Ensino Médio Regular.

A investigação possibilita a compreensão da política de educação integral em tempo integral a partir de alguns aspectos da totalidade e da particularidade dessa política em uma unidade educacional, onde de fato ela se concretiza.

A obra apresenta registros e produção de dados sistematizados e científicos acerca do desempenho, dificuldades iniciais, avanços e contribuições do ProEMI no contexto da educação na Amazônia. Conforme as autoras, a pesquisa possui um caráter mesoanalítico, termo mediano entre as análises macro e micro proposta em um estudo de caso (micro) que não pode ser analisada sem um olhar mais amplo decorrente de investigação de documentos bibliográficos e documentais (macro) que se inter-relacionam.

A obra está dividida em três capítulos. No Capítulo 1, Políticas Públicas, Educação Integral e a Legislação Brasileira, as autoras analisam sobre o conceito de políticas públicas, seguida de síntese do resgate histórico das políticas educacionais pós 1990, bem como as demandas e ações oriundas desse período. Expõem o percurso da educação integral na legislação brasileira, evidenciando como a educação integral é sinalizada em documentos norteadores na educação nacional. Além disso, de forma clara, distinguem a educação integral e educação em tempo integral ressaltando suas correlações.

As autoras afirmam que educação integral se refere à educação oferecida no sentido de desenvolvimento não somente cognitivo, mas em todos os aspectos da formação humana como físico, afetivo, motor, artístico, dentre outros, e educação em tempo integral está condicionada ao aumento do tempo de permanência do aluno na escola com atividades complementares ao ensino regular (CASTRO; COLARES, 2018, p. 140). Na discussão sobre o conceito de educação integral trazem uma relação dos autores, anos da obra e o conceito de educação integral que abordam em seus trabalhos, dando destaque à Pedagogia Histórico-Crítica como perspectiva de uma educação que permita aos filhos dos trabalhadores dominarem, além dos conhecimentos científicos, os artísticos e filosóficos em suas formas mais desenvolvidas, o que vai ao encontro do conceito de educação integral. No capítulo consta a uma importante descrição das experiências brasileiras de Educação Integral e/ou Tempo Integral e seu financiamento.

No Capítulo 2, Políticas Educacionais, o Ensino Médio e o Programa Ensino Médio Inovador - EMI, as autoras apresentam uma síntese do direito à educação inicialmente na trajetória das constituições federais e, em seguida, em três documentos que orientam a educação brasileira atual: CF 1988, LDB Lei Federal nº 9.394/96 e ECA Lei nº 8.069. Tratam do percurso do ensino médio em busca de identificar seu objetivo ora propedêutico, ora técnico, ou ambos, apresentam e analisam os programas de educação integral em tempo integral a partir dos anos 2000 e o atual cenário de reformas na política educacional do Brasil em 2016 e 2017 com a manutenção do Programa Mais Educação e do Programa Ensino Médio Inovador, que sofreram mudanças em suas configurações os quais passam a chamar-se: Programa Novo Mais Educação e Programa Ensino Médio Inovador - EMI. Na análise documental destes programas afirmam que os mesmos estão alinhados às diretrizes e metas do Plano Nacional de Educação 2014-2024 e à lei da Reforma do Ensino Médio (Lei Nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017).

O Programa Ensino Médio Inovador ProEMI é analisado desde sua concepção, implantação e documentos norteadores que indicam as ações necessárias à sua operacionalização. O capítulo é finalizado com a descrição de como o ProEMI, apresenta-se e implementa-se no Estado do Pará, destacando que ele impulsiona o desenvolvimento da educação integral por meio da escola de tempo integral no ensino médio regular com o objetivo de fomentar iniciativas curriculares inovadoras nesse nível da educação básica, no sentido de expandir e melhorar a qualidade do ensino que, aferido pelo IDEB, mostrava índices abaixo da média exigida em nível nacional.

Por último, no Capítulo 3, denominado O Programa Ensino Médio Inovador-ProEMI em Santarém/PA se faz o registro do ProEMI no município de Santarém, por meio de estudo de caso na Escola Estadual Mocoronga onde são exploradas as concepções de educação integral e tempo integral dos participantes na pesquisa. Foram descritos, também, os passos da implantação e do Projeto de Reestruturação Curricular elaborado pela comunidade escolar e seu desempenho no ciclo de 2012 a 2014, assim como os aspectos que corroboram ou não para a educação integral no ensino médio e no desenvolvimento deste junto aos alunos. Houve muitas dificuldades relacionadas ao financiamento, infraestrutura e à formação dos professores. Conforme as autoras o desenvolvimento do ProEMI na Escola Estadual Mocoronga, “não possibilitou a efetivação da educação integral ou práticas que permitissem a reflexão sobre a política de educação integral em tempo integral junto a sua comunidade escolar.” (CASTRO; COLARES, 2018, p. 144).

As autoras ressaltam que os participantes da pesquisa, mesmo depois de transcorridos três anos da efetivação do Ciclo I do ProEMI, em sua maioria, ainda não compreendem a distinção dos conceitos de educação integral e educação de tempo integral tratando-os como sinônimos. Os dois conceitos se aplicam meramente ao tempo que a escola proporciona aos alunos no sentido de completar a educação dos conteúdos escolares com atividades extraclasse.

Apoiados nos estudos de Cavaliere (2007), as autoras apresentam quatro concepções de tempo integral identificadas nas experiências de educação integral em tempo integral que indicam a finalidade do programa nos espaços escolares, quais sejam: assistencialista, autoritário, democrático e multissetorial. Nas entrevistas, identificou-se que 67% possuem uma concepção assistencialista que busca oferecer necessidades básicas aos educandos como atividades extracurriculares de lazer, esporte, música como complemento das atividades curriculares regulares parciais e 33% que comunga da concepção democrática, percebendo o tempo integral, como oportunidade de desenvolver a educação integral com atividades escolares e extraescolares, articulando ensino e trabalho, centrando-se na aquisição dos conteúdos científicos e universais a fim de que os trabalhadores se apropriem do conhecimento científico.

O conjunto da obra apresenta uma ampla pesquisa bibliográfica e documental, além de discussões baseadas nas produções recentes acerca das políticas para o ensino médio, em especial os programas de educação integral no Brasil e no Estado do Pará, ressaltando a existência de interesses empresariais dos chamados parceiros em sua formulação e financiamento.

O geral e o específico estão plenamente articulados e evidentes na riqueza das informações acerca da implantação na Escola Mocoronga. A voz contundente dos sujeitos que saltam das páginas para que vislumbremos a realidade concreta permeada por dificuldades, contradições e desafios, tanto nos aspectos relacionados à gestão do programa quanto da formação de professores para a compreensão dos aspectos essenciais dessa política educacional para as escolas públicas brasileiras.

A fragilidade da análise do programa pelas autoras foi não ter avançado na crítica sobre a flexibilização do currículo escolar; a proposta da parceria público-privada que conduz a educação à privatização; a atuação do programa como estratégia para efetivar as orientações dos organismos internacionais e empresariais no ensino médio e, ainda, sobre o verdadeiro conceito de educação integral. A análise da educação em tempo integral deve considerar a totalidade das relações econômicas que a produz.

Destaca-se nas políticas de educação integral uma concepção de cunho assistencialista, identificada como hegemônica na análise dos dados obtidos pelas autoras na execução do programa na escola Mocoronga. Se atribui à escola outras funções sem preocupação relevante com a transmissão dos conhecimentos científicos, pois o importante é somente a ocupação do tempo e a socialização dos sujeitos. Levando em conta o que as autoras expõem sobre as diretrizes do programa, percebe-se um repasse às famílias, comunidades e sociedade civil a responsabilização da educação e a crescente desresponsabilização do Estado quanto a esse encargo.

Compreendemos que as propostas de educação integral no ensino médio se direcionam para além da permanência dos jovens por mais tempo longe da criminalidade da rua, mas em sua preparação para as necessidades produtivas. No contexto de mudanças no setor produtivo, a exigência em relação à formação do trabalhador passou a pautar-se na flexibilização das relações de trabalho, ampliação de habilidades e competências principalmente as voltadas para capacidade de abstração, domínio da linguagem, comunicação, capacidade de liderança, trabalho em equipe, etc. A flexibilização curricular visa garantir a formação de mão de obra adequada aos interesses do mercado de trabalho pelo seu caráter pragmatista e utilitário, oficializando a dualidade na educação escolar e seu esvaziamento em relação ao conhecimento científico, conforme as orientações dos organismos internacionais. É preciso que se realize uma análise da totalidade das relações econômicas que incidem sobre a execução do programa como parte das ações paliativas, focalizadas e compensatórias aos problemas causados pelas relações produtivas capitalistas.

As ideologias presentes nas propostas de educação integral instauradas na educação básica brasileira atuam unilateralmente e camuflam as condições materiais que impossibilitam a educação integral. A educação na sociedade capitalista é unilateral e não forma o homem integralmente. Na concepção ampla do termo a educação integral é omnilateral, forma o ser humano na sua totalidade (MANACORDA, 2007, p. 78).

A relevância da obra reside na exposição das políticas de educação de tempo integral, na descrição das particularidades do ProEMI, seu funcionamento e seus limites, oferecendo uma importante contribuição aos estudiosos da educação em tempo integral, temática tão importante na educação brasileira na atualidade.

REFERÊNCIAS

GOMES, Tânia Castro; COLARES, Maria Lilia Imbiriba. A educação integral e o programa ensino médio inovador - PROEMI: Singularidades desta política. 1. ed. Curitiba: CRV, 2018. 158 p. [ Links ]

REFERÊNCIAS

CAVALIERE, A. M. Tempo de escola e qualidade na educação pública. Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 1015-1035, out. 2007. Edição Especial. [ Links ]

GOMES, T. C.; COLARES, M. L. I. A educação integral e o programa ensino médio inovador - PROEMI: singularidades desta política. 1. ed. Curitiba: CRV, 2018. [ Links ]

MANACORDA, M. A. Marx e a pedagogia moderna. Tradução: Newton Ramos de Oliveira. Campinas, SP: Editora Alínea, 2007. [ Links ]

2Mocoronga: Feminino de Mocorongo, é uma palavra típica do vocabulário popular brasileiro, sendo mais comum como um sinônimo de “caipira” ou pessoa que vive na roça. Também são chamados de mocorongo os indivíduos naturais e/ou que vivem na região do Rio Tapajós, além daqueles que nasceram na cidade de Santarém, no estado do Pará. Ressaltamos, também, que, embora no dicionário tenha um sentido pejorativo de caipira, preguiçoso dentre outros, os naturais de Santarém se autodenominam “mocorongos”, o termo, tem um sentido de pertença, valorização da cidade, filho da terra. Frisamos, então, que neste trabalho a expressão “mocoronga” foi utilizada em seu segundo significado, como algo genuinamente originário da cidade de Santarém (CASTRO; COLARES, 2018, p. 18).

1Pós-doutora em Filosofia e História da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas; Doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista.

Recebido: 30 de Novembro de 2020; Aceito: 20 de Fevereiro de 2021

Endereço para correspondência: Rua Adaildo Feitosa, 3226, Flodoaldo Pontes Pinto, 86820-452, Porto Velho, Rondônia, Brasil; marilsa.miranda@unir.br

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