SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.46Educação e mercado financeiro: um estudo sobre a Anhanguera, Estácio e Kroton (2007-2014)Gestão e avaliação de sistemas municipais de ensino público índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Roteiro

versão On-line ISSN 2177-6059

Roteiro vol.46  Joaçaba jan./dez 2021  Epub 26-Fev-2021

https://doi.org/10.18593/r.v46i.23875 

Artigos de demanda contínua

As TIC no espaço escolar: uma análise da apropriação a partir das práticas docentes1

ICT in school: an analysis of their appropriation according to teaching practices

Las TIC en el espacio escolar: un análisis de la apropiación desde las prácticas docentes

Valdinei Marcolla2I  , Professor
http://orcid.org/0000-0002-9057-9399

Tatiele Bolson Moro3II  , Técnica em Tecnologia da Informação.
http://orcid.org/0000-0002-3302-8953

I Instituto Federal Catarinense, campus Videira, Curso de Pedagogia, Professor.

II Instituto Federal do Rio Grande do Sul, campus Caxias do Sul, Técnica em Tecnologia da Informação.


Resumo:

O presente artigo analisa como as tecnologias de informação e comunicação (TIC) são apropriadas nas práticas pedagógicas. Fundamenta-se no decorrer do texto que as TIC, quando inseridas nos contextos educacionais, são importantes dispositivos que possibilitam a formação dos sujeitos e a transformação de suas práticas nos contextos escolares. Para que isso aconteça, esses dispositivos tecnológicos precisam tornar-se parte do processo escolar, constituindo-se como materiais escolares, o que tende a ser significativo no processo de apropriação (tomar para si) das tecnologias. A pesquisa pautou-se em pressupostos da abordagem qualitativa e do estudo de caso, em que se procurou fazer um diagnóstico da realidade da Instituição e do Curso, campo deste estudo, mediante coleta de documento, observação direta das aulas e entrevista semiestruturada com professores de um curso de ensino médio integrado a educação profissional na modalidade de educação de jovens e adultos. Os resultados apontam para distintos usos das TIC nas práticas escolares e que se expressam três categorias: a tecnologia como ferramenta, a tecnologia como conteúdo e a tecnologia como movimento.

Palavras-chave: Tecnologias de informação e comunicação; contexto escolar; prática docente; apropriação das tecnologias

Abstract:

This paper analyzes how appropriation of Information and Communications Technologies (ICT) takes place in teaching practices. The text presents arguments that when ICT are inserted in an educational context, they become important devices that enable both the development and transformation of the subjects and their teaching practices in school. So that this can happen, these technological devices have to become part of the school process, incorporated as part of the school material, what tends to be quite significant in the technology appropriation process, that is, in making something (technology) your own. The research is based on assumptions of qualitative approach and case study, using document collection, direct class observation and semi-structured interviews in an attempt to diagnose what the reality is at the Institution and the Program aim of this study. The interviews were carried out with teachers at a high school with focus on professional education for young adults and adults. The results point at different uses of ICT in school practices and they can be summed in three categories: technology as a tool, technology as a school subject, and technology as movement.

Keywords: Information and Communications Technology; School context; Teaching practices; Technology appropriation.

Resumen:

El presente artículo analiza como las tecnologías de información y comunicación (TIC) son adecuadas a las prácticas pedagógicas. A lo largo del texto, se fundamenta que las TIC, cuando se encuentran inseridas en los contextos educacionales, son importantes dispositivos que promueven la formación de los individuos y la transformación de sus prácticas en los contextos escolares. Para que eso pueda suceder, esos dispositivos tecnológicos necesitan volverse parte del proceso escolar, concretizándose en materiales escolares, lo que tiende a ser significativo en el proceso de apropiación (tomar para sí) de las tecnologías. La investigación se pautó em presupuestos de abordaje cualitativo y de estudios de caso, buscándose hacer un diagnóstico de la realidad de la institución y del curso, campo de este estudio, a través de la colecta de documentos, observación directa de las clases y entrevista semiestructurada con profesores de un curso de enseñanza media integrada a la educación profesional en la modalidad de educación de jóvenes y adultos. Los resultados apuntan para los distintos usos de las TIC en las prácticas escolares y que se expresan en tres categorías: la tecnología como herramienta, la tecnología como contenido y la tecnología como movimiento.

Palabras claves: tecnologías de información y comunicación; contexto escolar; práctica docente; apropiación de las tecnologías.

1 INTRODUÇÃO

O uso das tecnologias parte da sua aceitação pelos sujeitos escolares, seguido da entrada da escola na realidade das tecnologias de informação e comunicação (TIC), com o intuito de estabelecer uma interação com os diversos contextos, que extrapolam virtualmente o ambiente tradicional de ensino (sala de aula). Neste sentido, a escola defronta-se com o desafio de trazer para o seu contexto a grande quantidade de informações que a envolve. Um trabalho que possibilita a articulação de informações com os conhecimentos escolares e a interlocução entre os indivíduos, e destes com os saberes, tanto científicos como de seu cotidiano.

Nesta perspectiva, o que se coloca à disposição dos sujeitos escolares por meio das TIC é um amplo mundo de informações e conhecimento, uma diversidade de saberes que, se trabalhados em uma perspectiva comunicacional, garantem transformações nas relações vivenciadas no cotidiano escolar.

Neste sentido, o conceito de tecnologia não se limita à máquina ou a algo material, e tem que ser vislumbrado a partir da ideia de criatividade humana. A definição de tecnologia está calcada em uma noção que “[...] engloba a totalidade de coisas que a engenhosidade do cérebro humano conseguiu criar em todas as épocas, suas formas de uso [e] suas aplicações” (KENSKI, 2019a, p. 22-23).

Para Lévy (2000a) e Kenski (2019a), a tecnologia não se limita à ideia de objeto material e abarca as linguagens produtos da inteligência humana, que propiciam a comunicação entre os indivíduos em determinado contexto histórico e social. Logo, as tecnologias resultam da criatividade humana em uma dada realidade social e cultural, expressando-se por meio de objetos materiais, tais como lápis, caderno, caneta, lousas, giz, televisor, computador etc., e em linguagens, como a oral, escrita e digital.

Em razão disso, no presente artigo pretende-se apresentar dados coletados no cotidiano escolar e traçar algumas considerações acerca do processo de apropriação das TIC nas práticas pedagógicas de professores, que atuam em um curso de Ensino Médio integrado à educação profissional para jovens e adultos (EJA) em um Instituto Federal.

A pesquisa que originou este trabalho procurou investigar aspectos ligados à entrada das TIC nos espaços educativos, tendo como base os conceitos da abordagem qualitativa e do estudo de caso (ANDRÉ, 2003, 2005; SARMENTO, 2003; BAUER; GASKELL, 2015). Para tanto, foram cerca de oito meses de imersão no contexto do curso, especificamente em uma turma de final de curso de Ensino Médio integrado à educação profissional para EJA. Desse modo, o estudo se organizou em duas etapas: a primeira, destinada à captura de dados sobre a realidade da Instituição e do curso que foi o campo de estudo; a segunda etapa consistiu-se na inserção do pesquisador no cotidiano da prática pedagógica, com o intuito de vivenciar seu dia a dia e poder apreender, por meio de entrevista semiestruturada4 e observação,5 detalhes acerca da apropriação das tecnologias nas práticas pedagógicas dos professores.6

Assim, o presente texto procura traçar reflexões a respeito de questões ligadas à inserção das tecnologias no contexto escolar, com base em um diálogo teórico com distintos autores (MARQUES, 1999; LÉVY, 2000a, 2000b; LION, 2005; PORTO, 2006, 2010; MORAN, 2018; KENSKI, 2019a, 2019b, entre outros) explicitando algumas questões fundamentas para a integração das TIC nas práticas pedagógicas no âmbito da escola. Aliado a isto, são trazidos dados acerca da apropriação das tecnologias no processo pedagógico, de modo a construir algumas análises sobre como as TIC estão sendo utilizadas e apropriadas nas práticas docentes.

2 TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA ESCOLA

A necessidade de estabelecer uma troca constante de saberes mobiliza o interesse de professores e alunos, buscando extrapolar a tradicional concepção de contexto - espaço e tempo - da sala de aula (KENSKI, 2019a, 2019b). Em virtude disso, o atual momento exige que professores e alunos criem possibilidades de comunicação e interação entre si, levando em consideração a necessidade de aprenderem juntos, seja por meio do diálogo com realidades diversas (dentro e fora da escola), seja em uma relação direta presencial ou indireta virtual.

No entendimento de Lévy (2000a, 2000b), Lion (2005), Soletic (2005) e Moran (2018), por meio das TIC é possível romper com as estruturas preestabelecidas da sala de aula, sendo necessário, para tal, ampliar o conceito de espaço e tempo de ensino. Para os autores, as TIC produziram rupturas nos modos de conceber e estruturar o tempo escolar e, por consequência, “[...] explicam uma cultura simultânea do eterno e do efêmero, bem como a instalação de um tempo diferente que não esteja necessariamente sujeito aos imperativos do relógio, um tempo não linear ou mensurável, nem tão previsível.” (LION, 2005, p. 187, tradução nossa).7

Segundo Lion (2005), as mudanças na forma de conceber o tempo e o espaço escolar levam a um processo de ressignificação das práticas pedagógicas e das fronteiras da sala de aula. Para a autora, isso implica um repensar nas práticas de ensino, que podem assumir características e propostas flexíveis ou diversificadas, de modo que haja maior tolerância do tempo e espaço para a reflexão do sujeito na interação com os dispositivos tecnológicos, sem desconsiderar a velocidade e a fluidez com que os conhecimentos circulam por meio das tecnologias.

No entender de Lion (2005), em uma dinâmica educacional permeada por tecnologias, necessita-se de espaços compartilhados (síncronos e assíncronos) de (re)construção crítica de conhecimentos, nos quais o acesso às informações seja imediato e favorecido por tempos de pensamento que não se reduzam ao ensaio e erro. Trata-se de pensar que os ritmos do ensino e da aprendizagem devem ser interpretados à luz da influência tecnológica, em termos de fugacidade, atemporalidade e imprevisibilidade, que possibilitam o redimensionamento da prática pedagógica na apropriação crítica do conhecimento.

Para Kenski (2019a, 2019b), as transformações tecnológicas da contemporaneidade estabelecem uma ruptura na ideia determinada de espaço e tempo de ensinar, pois a ação de ir à escola e o tempo de estar na escola - ações e tempos historicamente consolidados - hoje já não apresentam essa delimitação tão forte. A autora destaca que as tecnologias virtuais tendem a dar outra dimensão ao espaço da sala de aula, que rompe as barreiras físicas e permite que professores e alunos tenham acesso a distintos e distantes locais de aprendizagem (bibliotecas, museus, outras escolas etc.) e possam com eles interagir e aprender. Ela salienta, ainda, que a utilização das tecnologias “altera a função da escola”, e permite “intercâmbios múltiplos com o universo cibernético, espaço em que aprendizes, professores, textos e acontecimentos se interligam.” (KENSKI, 2019b, p. 65).

Lévy (2000b) e Kenski (2019b) afirmam que com a propagação das informações e conhecimentos por meio das tecnologias, o tempo deixa de ser fixo e a aprendizagem torna-se constante. Para os autores, as TIC permitem a constituição de ações de aprendizagem colaborativas, que extrapolam o tempo e o espaço formal de ensino, e constituem-se em comunidades virtuais de aprendizagem.

Assim, a aproximação das TIC com o meio escolar está articulada a uma mudança de postura do educador frente ao aluno e ao conhecimento. No entender de Cysneiros (1999, 2006), Barreto (2002) e Kenski (2019a, 2019b), é necessário superar o velho modelo pedagógico, e não apenas incorporar ao velho o novo (tecnologia). Para isso, é preciso compreender que a ferramenta tecnológica, quando presente na escola, não é o ponto fundamental no processo de ensino e aprendizagem, mas um dispositivo que proporciona a mediação entre educador, educando e saberes escolares. Trata-se da consolidação de práticas pedagógicas voltadas para a construção de saberes, que atendam aos interesses e necessidades dos educandos (PORTO, 2010).

Por consequência, considera-se a ferramenta tecnológica como um instrumento importante no contexto escolar, quando articulada a uma prática formativa que leva em conta os saberes trazidos pelo aprendiz, procurando juntá-los aos conhecimentos escolares, processo que origina práticas pedagógicas, em que a mediação entre os indivíduos (alunos e professores) e as tecnologias é essencial para a produção do conhecimento.

Com base nisso, Kenski (2019b) reforça a necessidade de mudanças no ambiente educacional. Para a autora, é preciso transformar as práticas de ensino, utilizando a tecnologia para dinamizar a relação entre professores, alunos, informações e conhecimentos. Apresenta, ainda, que “[...] não são as tecnologias que vão revolucionar o ensino e, por extensão, a educação de forma geral, mas a maneira como essa tecnologia é utilizada para a mediação” (KENSKI, 2019b, p. 121) entre os sujeitos e elementos envolvidos no contexto escolar. Essa maneira pode ser revolucionária, ou não, visto que o processo de ensino depende muito mais da interação entre as pessoas do que das ferramentas tecnológicas utilizadas nesse processo (VIGOTSKI, 1991).

A TIC atua como um instrumento mediador da aprendizagem nas dimensões como objetos de conhecimento (que contém informações relevantes dos sujeitos mais experientes), como instrumentos de pensamento (que permite elaborar crenças, testar hipóteses, compreender fenômenos naturais, culturas, sociais etc., para elaborar representações mentais) e como elementos da cultura (em que as tecnologias auxiliam a construir um espaço de entendimento entre os indivíduos para participar de práticas culturais e desenvolver atitudes, construídos a partir da interação com o outro através da TIC) (VIGOTSKI, 1991).

Assim, ao se pensar a escola, é preciso considerar que esta ainda está aprisionada à cultura da escrita fixa, em que o texto é estático e o conhecimento fragmentado. Essa realidade carece de mudanças, tanto no processo educativo, como também na postura dos indivíduos que a compõem. As modificações na escola podem estar vinculadas à inserção das tecnologias no meio educacional, se vierem alicerçadas em princípios educativos abertos à interação entre os sujeitos (professores e alunos) e destes com os saberes.

Por isso, não basta apenas mudar a forma, ensinar adequando-a às TIC e dar aos mecanismos tradicionais de ensino um ar de modernidade. A introdução da ferramenta tecnológica deve ser resultado da reconstrução, pelos sujeitos escolares, do processo educativo, com o intuito de possibilitar a interação entre pessoas (alunos e professores) e a mediação deles com informações e conhecimentos presentes nas tecnologias e nos aportes científicos escolares.

É possível perceber, efetivamente, que as transformações na escola estão vinculadas à mobilização de esforços no sentido de serem criados espaços onde alunos e professores possam, juntos, se lançar na busca da construção individual e social do conhecimento; em um ambiente em que a interação, comunicação e/ou mediação aconteçam sem a existência de estruturas verticais.

Prensky (2001a, 2001b) e Moran (2018), ao refletirem sobre os ritmos da escola e dos alunos, explicam que a criança e o jovem mantêm relações dinâmicas com a sociedade por nascer num mundo permeado por TIC, o que contribui para que ela chegue à escola com expectativas diferenciadas. No entender dos autores, a criança não aprende mais de forma linear, mas por meio de trocas constantes de informações e conhecimentos, que acontecem na interação que estabelecem com seus pares e com as tecnologias. Há, segundo eles, uma construção de caminhos hipertextuais, conectados através de nós intertextuais, que se estruturam sem seguir uma única trilha previsível ou sequencial; mas que vai se ramificando em diversas e diferentes trilhas.

A construção do conhecimento através do processo hipertextual (termo oriundo do hipertexto) possibilita ao indivíduo a liberdade de elaborar seus caminhos de aprendizagem, criando as conexões/nós/links com os conteúdos que o estudante considera significativos. Nesse contexto, “[...] quanto mais ativamente uma pessoa participar da aquisição de um conhecimento, mais ela irá integrar e reter aquilo que aprender.” (LÉVY, 2000a, p. 40).

Nesta perspectiva, o processo de aprendizagem assume uma visão dinâmica e subjetiva, em que o indivíduo é o balizador do conteúdo a ser estudado. Deste modo, são criadas inúmeras trilhas, e as conexões

[...] são tantas que o mais importante é a visão ou a leitura em flash, no conjunto, uma leitura rápida, que cria significações provisórias, dando uma interpretação rápida para o todo, e que vai se completando com as próximas telas [ou nós intertextuais], através do fio condutor da narrativa subjetiva: dos interesses de cada um, das suas formas de perceber, sentir e relacionar-se. (MORAN, 2018, p. 19)

Nessa perspectiva, o que se apresenta é a existência de duas realidades distintas: a realidade da escola constituída a partir da ideia de linearidade e formalidade de conteúdos e de relações que, normalmente, estão distanciadas da cultura dos alunos; e a realidade das TIC, que é materializada no conceito de diversidade e interação entre imagens, sons, informações, comunicações e mídias, que se aproximam do cotidiano dos sujeitos em geral e das crianças e adolescentes, em especial.

Essa diversidade pode gerar um distanciamento cada vez maior entre a escola e os sujeitos aprendizes (professores e alunos). Neste sentido, o aluno parece ter percebido que a instituição escola e os seus professores não são as únicas fontes de conhecimento, já que o saber se tem propagado por diversas fontes, entre elas as TIC.

A vinculação das TIC com a escola pressupõe que o professor considere os conhecimentos do seu aluno, propiciando-lhes formas de buscar outros saberes, pois, de acordo com Porto (2006, 2010), as tecnologias, queiramos ou não, estão na escola, ou seja, estão na cultura e na vida dos sujeitos escolares.

Para que haja a integração pedagógica entre tecnologias, conhecimentos, professores e alunos, é necessário, antes mesmo da existência de qualquer dispositivo tecnológico, uma formação docente condizente com um modelo de educação voltado a um ensino integrador, participante, comunicativo, dinâmico e reflexivo, no qual o educador e o educando busquem o ensino e aprendizagem constantes, independente dos papéis por eles exercidos.

Esse modelo de formação do professor, aliado ao acesso e a apropriação das TIC, pode garantir aos sujeitos escolares um outro ambiente de aprendizagem, um espaço digital que auxilie o professor a

[...] transformar o isolamento, a indiferença e a alienação com que costumeiramente os alunos frequentam as salas de aula em interesse e colaboração, por meios dos quais eles aprendam a aprender, a respeitar, a aceitar, a serem melhores pessoas e cidadãos participativos. (KENSKI, 2001, p. 75).

Temos clareza de que não é possível mudar isso da noite para o dia, seja pela compra de dispositivos tecnológicos e/ou pela construção de uma identidade publicitária que vincula a instituição às TIC, pois, segundo Pretto (2000, 2008), a integração das TIC na escola pressupõe mudança na mentalidade dos gestores educacionais e escolares, dos professores e dos alunos. A introdução das TIC no ensino e aprendizagem pode ser um processo lento, com avanços e interrupções, mas é um processo sem possibilidade de retroação.

3 APROPRIAÇÃO DAS TECNOLOGIAS NO PROCESSO PEDAGÓGICO

Na análise dos dados coletados a partir das entrevistas e das observações, foi possível perceber que os professores, quando questionados sobre as TIC, emitem conceitos de tecnologia que se aproximam aos usos que eles fazem delas em experiências profissionais e pessoais. Em suas concepções estão presentes as relações que estabelecem com os dispositivos tecnológicos no seu cotidiano, seja nas suas residências ou no ambiente de trabalho. Por conseguinte, os dados coletados nas entrevistas e observações trouxeram à tona três concepções de tecnologia entre os professores: tecnologia como ferramenta, tecnologia como conteúdo e tecnologia como movimento.

3.1 TECNOLOGIAS COMO FERRAMENTAS

No decorrer da análise dos dados, foi possível perceber nos depoimentos e nas descrições das práticas de ensino que, entre os 16 professores que tiveram suas atuações acompanhadas, 11 vinculavam o conceito de tecnologia à imagem de ferramentas tecnológicas, entendendo que essas lhes auxiliavam nas atividades pessoais e profissionais. Para esses professores, por meio das tecnologias eles estabelecem a comunicação com amigos, com o grupo de professores e com os alunos. Também é nelas que eles buscam informações e conteúdo para a formação continuada, para uso no preparo das aulas e na prática em sala de aula.

No entender desses professores, as tecnologias servem como ferramentas de trabalho, sejam elas antigas, como o giz e a lousa, ou modernas, como o computador, smartphone, tablet, softwares diversos, internet etc. Segundo eles, essas ferramentas lhes permitem ilustrar momentos históricos, simular reações químicas e físicas, realizar simulações matemáticas etc., auxiliando no desenvolvimento dos conteúdos e subsidiando as discussões e as análises propostas pelos professores. Estes aspectos podem ser percebidos nos depoimentos a seguir:

[...] Olha acredito que as tecnologias são as ferramentas que nos auxiliam [...] com elas podemos sair um pouco do quadro [lousa], acho que são ferramentas auxiliadoras, que podem contribuir na aula [...] (professor Chris).

[...] Sem dúvida, pra mim ela [tecnologia] é um recurso. Um recurso pra colaborar no meu processo de ensino... [...] a tecnologia é uma ferramenta (ou recurso) na aula e não a aula em si [...] (professor Nick).

[...] Ela é uma ferramenta fundamental [...] uma ferramenta pedagógica fundamental, ela não serve só para ilustrar [...] ela serve para questionar também [...] então para mim ela é a tecnologia serve como uma ferramenta de trabalho fantástica [...] (professor Johnn) (informações verbais).

Nas práticas dos professores que compreendem as TIC como ferramentas, é possível perceber uma aproximação entre os conteúdos trabalhados e o uso que eles fazem delas. Neste caso, normalmente, a tecnologia é utilizada como um instrumento ilustrativo, que tende a exemplificar os conteúdos até então trabalhados teoricamente. Para eles, as TIC possibilitam aos alunos a visualização dos conhecimentos até então desenvolvidos de forma teórica e/ou abstrata. Eles assinalam que por meio de imagens e/ou de vídeos (filmes, documentários e animações) os conteúdos tornam-se mais concretos e compreensíveis pelos estudantes.

Neste sentido, ao discutir as percepções de tecnologia presentes nos espaços escolares, Kenski (2019a, 2019b) afirma que a visão de tecnologias como simples ferramentas, apesar de redutora, está extremamente impregnada no imaginário social. Neste caso, a tecnologia é compreendida como um recurso facilitador que se materializa, normalmente, nas máquinas. Assim, a tecnologia torna-se algo materializado, com a função de facilitar as atividades cotidianas dos indivíduos.

Apesar dessa compreensão instrumental da tecnologia é possível perceber nas considerações dos professores que eles têm procurado utilizar as tecnologias constantemente em suas práticas de ensino. Esses entendem que as TIC possibilitam práticas mais atrativas, nas quais podem apresentar uma riqueza de informações, a partir de problemas para serem discutidos ou de uma outra dinâmica no desenvolvimento dos conteúdos. Tais questões podem ser percebidas nas considerações dos docentes que evidenciaram as tecnologias usadas nas aulas.

Eu uso muito as tecnologias [...] e me considero adepto geral da tecnologia [...] então, por exemplo, slides é uma coisa que eu uso bastante até pela riqueza de informações [...] pela organização do meu conteúdo... e pelos diversos materiais que posso articular para deixar o conteúdo visível [...] sejam mapas, fotos, vídeos, enfim [...] [Com as tecnologias] consigo deixar uma aula muito mais completa. (professor Johnn).

Na prática aqui dentro da instituição a gente usa a tecnologia para tudo [...] Nas aulas procuro usar inúmeros vídeos, para eles [alunos] verem os conteúdos e a partir daqueles vídeos [...] para a gente selecionar algumas problemáticas e discutir a partir dali. (professor Maigret).

Na minha prática eu uso recursos básicos... uso o vídeo, o [apresentação de slides], Software de simulação [...] tenho trabalhado com vídeo aula [...] muito vídeo para compor o conteúdo. (professor Donatello).

Uso a tecnologia porque é muito interessante [...] por que [a partir das TIC] eles [alunos] conseguem visualizar os conteúdos [...] então, a ideia da mídia eu acho interessante [...] trabalho em sala de aula com música, filme [...] levo som, a gente bota uma música e vamos discutir a realidade, a desigualdade, a violência, seja o que for em cima daquela música [...], a partir da música. (professor Leonardo) (informações verbais).

Além disso, as TIC aparecem como instrumento de aproximação e comunicação entre professores e alunos, seja nas aulas, devido ao fato de o professor usar linguagens para desenvolver os conteúdos, ou nas trocas que acontecem por meio de ferramentas de comunicação (tais como correio eletrônico, redes sociais, ambientes de aprendizagem, aplicativos de comunicação etc.).8

Para o professor Johnn, as TIC permitem que suas aulas sejam mais completas, haja vista a gama de possibilidades que as ferramentas tecnológicas agregam à sua prática docente. Ele afirma, ainda, que a sua disciplina (História) lhe proporciona distintas formas de desenvolver os conteúdos, seja com ou sem o uso das tecnologias. Apesar disso, ele entende que não usar as TIC tende a tornar as discussões do conteúdo um pouco cansativas e sem atrativos para os alunos. Assim, com o uso das tecnologias há um ganho de qualidade no trabalho, no qual se estabelece uma maior conexão entre professor, alunos e conhecimento. Neste sentido, afirma o professor:

Quando uso tecnologia... eles [alunos] ficam mais espertos [...] quando eu trago um texto [impresso] [...] as discussões do texto ficam uma coisa que para eles fica cansativa [...] mas é necessária. Agora quando em uma aula de slides, uma aula de vídeo parece que desperta mais, eles ficam mais espertos, mais atentos, mais propícios a discussão, por exemplo, eu percebo que eles ficam bem mais atentos quando a aula envolve tecnologia. (professor Johnn) (informação verbal).

No entendimento dos professores Johnn e Maigret, na atualidade o docente precisa se apropriar de todas as TIC e buscar formas de levá-las para a sua prática. Segundo o professor Johnn, é fundamental saber lidar com as TIC, sejam elas “internet, redes sociais, aplicativos de comunicação, etc [...]”, pois se trata de “uma série de tecnologias que [os alunos] estão acostumados a vivenciar diariamente” (informação verbal) e tendem a ser mais atrativas que as atividades tradicionalmente propostas pelos professores. Com relação à importância dos docentes se apropriarem das TIC, o professor Johnn faz as seguintes considerações:

Entendo ser fundamental, porque no âmbito geral, mesmo hoje a gente concorre com o aluno, que é um aluno de redes sociais, de aplicativos de comunicação. É um aluno conectado, [já que] boa parte desse aluno está sempre conectado [...] enfim o acesso à internet hoje está bem popular e às vezes a gente vai para sala de aula [...] vai para escola e a escola não alcança essa linha, não alcança esse aluno [...] então a tecnologia veio para motivar mesmo e transformar a aula. (professor Johnn) (informação verbal).

Durante a entrevista, o mesmo professor salientou que os docentes estão se deparando com alunos que vêm para a escola com uma nova dinâmica que tende a exigir mais conhecimentos dos docentes. Para ele, a tecnologia é o instrumento que possibilita ao professor aprofundar os conhecimentos necessários para o desenvolvimento de suas aulas, podendo por meio das TIC rever conteúdos e repensar a sua prática, no intuito de não “[...] ficar para trás apenas no cuspe e no giz [...]” (professor Johnn) (informação verbal).

Para os professores Johnn e Maigret, o fato de os docentes não dominarem as TIC da mesma forma que os alunos não deve impedi-los de usarem as ferramentas tecnológicas em suas práticas de ensino. Segundo Johnn, o docente precisa encontrar formas de se apropriar das ferramentas tecnológicas, presentes no cotidiano dos alunos adolescentes, e trazê-las para a sua prática. Trata-se de perceber que as tecnologias facilitam a compreensão dos conteúdos por parte dos alunos e os professores devem “carregar suas aulas de efeitos visuais [...] para chamar bem atenção [dos alunos] e assim instigar a discussão.” (informação verbal).

Nesses casos, um dos papéis das TIC é o de substituição de antigas ferramentas didáticas, já que os professores levavam para a sala de aula textos retirados da internet, deixando de fazer uso dos textos obtidos nos livros didáticos. Um exemplo que concretiza esta afirmação foi identificado no decorrer da observação das aulas dos professores Johnn e Maigret, já que ambos se utilizavam, com alguma frequência, de textos coletados na rede. Estes textos consistiam em sínteses de passagens da história, em trechos de reflexões filosóficas produzidas ao longo dos últimos séculos, em descrições de fatos e personagens da história local e universal etc. Nesta forma de apropriação das TIC pode-se dizer que não há mudanças significativas nas práticas pedagógicas dos professores, já que, efetivamente, houve alteração em relação à materialidade da escrita. Antes era utilizado o livro didático que foi substituído, agora, por textos avulsos coletados na rede de computadores.

Nos casos em que foram utilizadas apresentações em slides (práticas dos professores Johnn e Maigret), havia uma proposta de construir composições com textos e imagens que representavam os conhecimentos que estavam sendo trabalhados. Um exemplo em que aconteceu o uso dessa articulação entre texto e imagem em uma apresentação foi observado em uma aula do professor Johnn, em que este expunha o seguinte conteúdo: “História do Brasil Colônia: as riquezas dos minerais”.

Nessa aula, o professor fez uso de uma apresentação em slide que mostrava, de forma integrada, textos teóricos e imagéticos, de modo que o aluno pudesse visualizar nas imagens os conhecimentos dispostos nos fragmentos de textos teóricos. Dessa forma, o professor conduzia a discussão e procurava concretizava os conteúdos trabalhados na aula (Diário de Campo).

Outra prática comum durante as aulas observadas era o uso de filmes e documentários, que eram utilizados na íntegra ou de forma fragmentada - normalmente, estas atividades apresentavam trechos dos filmes disponibilizados em plataforma de compartilhamento de vídeos. Nessas práticas, os professores faziam uso de vídeos que objetivavam materializar os conhecimentos abordados. Em tal situação, os vídeos representavam um determinado momento histórico e, por meio deles, os professores concretizavam fatos, momentos, realidades e personagens históricos.

Para os professores Johnn, Leonardo, Maigret, Nick e Nico, as TIC lhes possibilitam dar forma a alguns conteúdos das suas disciplinas que, quando trabalhados apenas teoricamente, acabam ficando distantes dos alunos. Por este motivo, ressaltam a importância da apropriação das TIC pelo docente, em razão de elas permitirem apresentar detalhes do conteúdo que, se trabalhados apenas teoricamente, seriam de difícil compreensão pelo aluno. Para eles, por meio de filmes e de imagens a teoria ganha forma, o que facilita o encaminhamento da discussão pelo professor na sala de aula e a compreensão pelos estudantes. Com relação ao uso de filmes e/ou documentários nas aulas, dizem os professores:

Eu acho muito interessante [...] por que consigo trazer filmes [...] mesmo os produzidos em Hollywood [...] que tu consegues trabalhar e dar uma outra dinâmica a aula [...] trabalho na sala de vídeo questões relativas à sociedade a partir de um filme. Em seguida vamos para sala de aula e larga [disponibiliza] o texto [...] “gente, o que nós conseguimos enxergar” (ênfase do entrevistado) [...] porque aquilo [conteúdo do texto] a gente viu no filme [...] viu no documentário [...] (professor Leonardo).

No momento que estou trabalhando história do Egito [...] então no Egito já vem com noções de pré-história, nomadismo, sedentarismo, a gente coloca essas palavras no quadro e vai vendo o que eles já sabem sobre isso até chegar o surgimento do estado [...] então é tudo muito dialogado, a gente traz filme também, já trouxe um filme para eles assistirem sobre isso então eles acabam vendo na prática pelo cinema, o que já foi tratado em aula, então procuro ser bem dinâmico [...] (professor Johnn).

[...] Às vezes eu consigo algum vidiozinho [...] [ou] consigo uma animação [...] tenho alguns vídeos de química, algumas animações e é o que eu acabo usando [...] mais é para ilustrar [...] além disso, dependendo da situação [...] eu tento fazer alguma coisa que fique mais interessante. (professor Nick) (informações verbais).

Já no depoimento do professor Donatello, foi possível perceber que a inserção das TIC acontece quando ele leva os alunos ao laboratório para que vivenciem, em um ambiente virtual, a dinâmica e a complexidade da gestão de uma empresa. Segundo ele, nesse momento, sua prática de ensino permite aos alunos constatarem que a máquina pode fazer parte do processo de ensino, a partir da simulação computacional, em que as teorias de gestão, de empreendedorismo e as formas de organização de uma empresa são aplicadas. Nestes casos, a tecnologia tem um papel de simular o real, possibilitando ao professor e aos alunos a vivência de situações cotidianas da gestão empresarial, e a construção de alternativas para enfrentar e superar as dificuldades do dia a dia de uma empresa. Para ilustrar sua prática, o professor faz a seguintes considerações:

É um software que é feito pelo SEBRAE [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas] [...] que foi desenvolvido por um professor. O aluno lança os dados da sua empresa e vai através do sistema saber se ele está indo na direção certa [...] se sua empresa está dando lucro ou prejuízo [...] Ele tem a experiência virtual prévia [...] para depois elaborar um plano de negócio [...] e durante o trabalho ele [aluno] pode estar vendo se está equivocado em relação aos números... esse software vai dar a noção a ele que ele está em inverdade planejando [...] (professor Donatello) (informação verbal).

A simulação computacional pode ser entendida como um processo de simulação do cérebro, em relação a uma realidade externa. Podemos dizer que é uma ferramenta complexa e fica à disposição do usuário para expandir as possibilidades de conhecimento sobre uma realidade concreta e sobre realidades possíveis ou sobre simulações hipotéticas, fruto do pensamento humano (MEDEIROS; MOSER; SANTOS, 2014).

Um outro modo de apropriação das TIC como ferramentas presentes nos processos pedagógicos consistia no uso de vídeos (na íntegra ou fragmentados), músicas e imagens, como textos escolares. Nessas situações, as linguagens tecnológicas representavam um texto ou uma determinada realidade, que era objeto de estudo naquela aula. O objetivo desse trabalho era discutir, analisar e compreender aqueles textos e os conhecimentos que nele estavam presentes.

Na prática dos professores Johnn, Maigret e Nero, os textos teóricos eram apenas substituídos por outros tipos de textos (normalmente, imagéticos) que deviam ser lidos e interpretados como textos didáticos. Esta forma de uso da tecnologia pode ser visualizada no depoimento a seguir:

[...] coloco bastante vídeos para eles verem e a partir dos vídeos a gente vai pegar umas problemáticas filosóficos para discutir [...] normalmente são vídeos que têm algum cunho filosófico [...] são mais documentários [...] tipo Ilha das Flores [...] A História das Coisas [...] são documentários que tem até na [plataforma de compartilhamento de vídeos] [...] de 20 minutos que fala sobre a questão complexa do mundo [...] a partir deles dá para tirar bastante coisas legais [...] e alguns vídeos de alguns filósofos antigos [...] vídeos bem didático que tentam fazer um link com os temas atuais [...] (professor Maigret, entrevista).

Para Marques (1999), o uso das tecnologias na escola, antes de tudo, está diretamente ligado à liberdade de alunos e professores construírem conhecimentos que são, para eles, importantes, estabelecendo, assim, uma relação direta entre os interesses (dúvidas e curiosidades pessoais) e o currículo escolar.

Além disso, no entender de Gvirtz e Larrondo (2007), tudo aquilo que se considera como cultura material na escola adquire, com o tempo, um sentido e uma finalidade específica. Elas explicam que os cadernos e a lousa, os celulares, os computadores e outros objetos tecnológicos devem ser compreendidos e decodificados a partir de seu lugar ou de seu não lugar na escola. Com este enfoque, os novos objetos e os produtos das inovações tecnológicas podem e devem ser apropriados pela escola e, consequentemente, “sofrerem a escolarização” ao serem incorporados à cultura escolar.

Para as autoras, a conversão de uma nova tecnologia em um material incorporado à realidade escolar depende inicialmente da presença massiva delas no contexto escolar. Para elas, por exemplo, o processo de apropriação do computador pela escola pode ser comparado com a escolarização de outros dispositivos tecnológicos, que, ao longo do tempo, ganharam espaço na escola. Nesse processo de escolarização da tecnologia, a instituição escolar tende a adaptá-la à sua lógica de funcionamento e organização. Assim como dividir o saber em compartimentos é uma operação específica da escola, o mesmo ocorre com as tecnologias que, para se adequarem à cultura escolar, acabam por serem disciplinarizadas e/ou normatizadas.

3.2 TECNOLOGIAS COMO CONTEÚDO

Entres os professores da área técnica profissionalizante, foi possível perceber que o conceito de tecnologia se alia à ideia de conteúdo e de conhecimento.

O professor Arturo entende que a definição de tecnologia tende a extrapolar a noção de equipamento ou de algo eletrônico. Para ele, a tecnologia é produto de uma ação do homem sobre o ambiente, ou seja, ela é a síntese do conhecimento que o homem elabora após uma ação. Assim, para o professor, a tecnologia deve ser compreendida como o novo conhecimento, produto ou ferramenta, que se desenvolve durante uma intervenção e que será aplicado por outros indivíduos para qualificar o trabalho. Afirma o professor:

Tecnologia foge só do eletrônico [ou da máquina] que a gente conhece [...] tecnologia é conhecimento [...] é um método para desenvolver uma coisa que acaba com o paradigma anterior [...] a tecnologia de como que tu vais preparar um canteiro para fazer uma horta se tu fizeres uma adubagem diferente, é tecnologia [...] é um modo de encurtar caminhos para resolver um problema [...] (professor Arturo) (informação verbal).

Para os professores Marcus, Mario e Rafael, a concepção de tecnologia está imbricada entre os conteúdos teóricos e práticos, que eles desenvolvem em suas disciplinas profissionalizantes.

Ao definirem tecnologia, estes professores fazem uma relação imediata com as suas atividades profissionais, em especial com os conteúdos trabalhados em suas práticas de ensino. Por isso, a concepção de tecnologia perpassa por dispositivos tecnológicos de caráter material e imaterial (linguagens digitais).

Para o professor Marcus, ao se falar em tecnologia é preciso considerar a máquina, mas sem esquecer das linguagens digitais que possibilitam o funcionamento da máquina. Além disso, há o produto (conhecimento), que é resultado da relação que professores e alunos estabelecem com os dispositivos hardware e software. Neste sentido, afirma o professor Marcus: “existe a ferramenta, as linguagens [...] trabalhamos sobre isso [...] tem-se o resultado que também é tecnologia [...]” (informação verbal).

Ainda nessa perspectiva, o professor Rafael salienta que a tecnologia envolve a “parte de hardware, mas também os softwares.” Ao analisar sua prática de ensino, o professor destaca que o seu trabalho é permeado por tecnologias, e que ele transita entre hardware nas aulas iniciais do curso, ao “apresentar as placas, montarem o computador, usarem chaves de teste, ao fazerem os cabos de rede e montarem a rede”; mas, também, há o software (linguagens digitais), que aparece no momento de “estruturar o funcionamento da rede, de preparar o atendimento ao cliente [...]” (informações verbais).

3.3 TECNOLOGIAS COMO LINGUAGENS

Para os professores Gordon e Luigi, o conceito de tecnologia extrapola a ideia de ferramenta ou de máquina, e vincula-se a uma noção de movimento, de dinamicidade e de imaterialidade. Nas considerações dos professores, é possível perceber uma aproximação entre a compreensão de tecnologia e de modernidade, por entenderem que ambas acontecem de forma imbricada.

Segundo o professor Gordon, a ideia de tecnologia remete à imagem das ferramentas tecnológicas e suas interfaces, embora seja necessário agregar a esta percepção a ideia da tecnologia como linguagem e movimento. Para o professor, as tecnologias digitais possibilitam uma composição entre diversas ferramentas tecnológicas e as distintas linguagens, que foram usadas por ele ao longo da sua prática docente. Com este enfoque, afirma que com as tecnologias digitais é possível agregar diferentes linguagens e dar uma outra perspectiva à comunicação, à troca de informações, às relações pessoais e profissionais, ao ensino etc.

O professor Luigi descreve a tecnologia como algo que permite romper com um paradigma de estabilidade e de linearidade nos contextos sociais e educacionais. Para ele, as tecnologias atuais possibilitam o estabelecimento de “relações de pessoas com pessoas ou de cidades com cidades” (informação verbal) em uma perspectiva global.

Assim sendo, na visão do professor, trata-se de uma rede de relações em que as trocas vão permitindo a expansão de conceitos, por meio de um conjunto de conexões que estão sendo estabelecidas entre as pessoas. Para o professor Luigi, isto provoca um movimento que se alastra através de hiperlinks, que permite ao sujeito estabelecer contatos, estudar conceitos, visualizar contextos e vivenciar espaços até então inimagináveis. Por este motivo, no entendimento do professor, o conceito de tecnologia transcende a ideia de uma simples ferramenta e assume um caráter filosófico. Neste sentido, o professor Luigi afirma que:

A tecnologia [é entendida] não só como uma ferramenta... não [a] concebo só como ferramenta [...] ela tem toda uma prótese filosófica, todo um jeito da gente conviver e viver por conexão [...] criar links [...] em uma ideia da gente estar conectado com vários assuntos, vários temas [...] a internet é modelo para toda nossa vida [...] (informação verbal).

Segundo Luigi, a tecnologia pode ser o dispositivo visível e palpável; contudo, também precisa ser compreendida como algo imaterial, que possibilita visualizar e conhecer os objetos e lugares antes distantes do alcance de docentes e discentes. No depoimento que segue, o professor Luigi descreve as suas percepções acerca da tecnologia:

Ela não fica só como ferramenta [...] o [apresentação de slides] é algo que me ajuda a mostrar imagens [...] fica maior e sai um pouco daquele pequeninho, mas a gente está falando de uma imagem que foi digitalizada... estou falando de um outro modelo de mundo [...] estamos falando em pixels [...] em bytes [...] e então tem toda uma experiência a partir do contato com essa imagem [...] que dentro [de um dispositivo de memória volátil] ou lá na rede [...] ela não é nada ou é milhões de coisas [...] (informação verbal).

Ainda em seu depoimento, o professor Luigi diz considerar a experiência com as tecnologias digitais, um movimento de desestruturação da noção de espaço e de tempo. Para ele, as tecnologias permitem o “navegar e o emergir em cima de espaços e ambientes visuais”, que rompem a ideia do real, trabalhando com a perspectiva da inexistência de limites, de fronteiras ou de estruturas. Segundo ele,

[...] hoje eu posso pensar a ideia de conexão, interação, interatividade ou de nós não termos mais a dicotomia [...] essa maneira de lidar com as coisas muito dialeticamente [...] e trabalhar no deslimites [...] trabalhar desestruturando tudo [...] e ver o que fica disso tudo [...] e quanto essa experiência me potencializa [...] e se elas aumentam minha vontade de viver e de conhecer muito mais [...] (professor Luigi) (informação verbal).

O que se percebe, a partir dos depoimentos dos professores Gordon e Luigi, é uma concepção de tecnologia extremamente vinculada às ferramentas e à linguagem digital. Além disso, é possível identificar que estas percepções de tecnologia estão fundamentadas em constantes mutações e movimento. Esta forma de compreender as tecnologias encontra consonância em Lévy (2000a, 2000b), ao afirmar que a tecnologia digital não possui uma essência estável, por estar em contínuo processo de transformação em sim mesma.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Além de possibilitar espaços de aprendizagem, troca, produção e divulgação de conhecimentos, as TIC oferecem aos professores um repertório variado de textos, imagens, vídeos, softwares, aplicativos etc., que são utilizados nas práticas diárias de sala de aula. Por conta disso, na visão de um grupo de professores, essas linguagens tecnológicas normalmente servem como subsídio para as aulas, proporcionando a concretização de conteúdos e facilitando a interpretação, reflexão e apreensão, por parte dos alunos, desses conhecimentos vistos até então de forma teórica. Para outros professores as tecnologias são usadas como preenchimento de lacunas, muitas vezes, distanciadas dos objetivos pedagógicos daquela aula ou contexto.

Diante de necessidade de um movimento de repensar as práticas escolares, é preciso ter claro que as tecnologias desempenham um papel essencial em todos os processos cognitivos, estando presentes nas ações cotidianas, por mais simples ou complexas que sejam. Para perceber isso, basta pensar no lugar ocupado pela oralidade nas sociedades primitivas e pela escrita nas sociedades desenvolvidas na contemporaneidade. É possível afirmar que as tecnologias “estruturam profundamente nosso uso das faculdades de percepção, de manipulação e de imaginação” (LÉVY, 2000a, p. 160). Ademais, segundo o autor o atual modelo de escola é resultado da cultura escrita e

[...] sua função ontológica é precisamente a de realizar a fusão íntima de objetos e de sujeitos que permitirá o exercício de uma ou outra versão da “racionalidade”. É nela que fazemos da caligrafia e da leitura uma segunda natureza, que as crianças são ensinadas a usar os dicionários, os índices e as tabelas, a decifrar ideogramas, quadros, esquemas e mapas, a desenhar a inclusão e a interseção dos signos, que aprendem, em suma, a maioria das técnicas da inteligência em uso em uma dada sociedade. (LÉVY, 2000a, p. 160).

Na perspectiva de Lévy (2000a, 2000b), durante séculos a escola foi organizada para enfrentar os desafios da cultura escrita baseada em uma estrutura racional e uniforme. Agora, ela se vê desafiada pela alta velocidade de expansão das conexões digitais no ciberespaço, em que na instantaneidade se constitui o tecido interior da sociedade contemporânea. O atual momento apresenta uma outra forma de produção, compreensão e sistematização do conhecimento, a qual rompe com a ideia de linearidade e estabilidade, pois se estabelece a partir dos pressupostos da hipertextualidade, em que o saber se apresenta de forma dinâmica, fluida e em constante mutação. No entender de Lévy:

É certo que a escola é uma instituição que há cinco mil anos se baseia no falar/ditar do mestre, na escrita manuscrita do aluno e, há quatro séculos, em um uso moderado da impressão. Uma [...] verdadeira integração da informática (como do audiovisual) supõe, portanto, o abandono de um hábito antropológico mais que milenar, o que não pode ser feito em alguns anos. (LÉVY, 2000a, p. 8-9).

Assim, entende-se que a apropriação das tecnologias não depende só do interesse e disponibilidade docente para tal. Não basta possuir o computador conectado à internet e o professor levar o aluno para o laboratório de informática ou a sala de vídeo; é preciso o envolvimento de professor e alunos para construírem uma outra forma de lidar com os conhecimentos, com ou sem tecnologias. Esse movimento de tomar para si as TIC na escola perpassa pela superação e ruptura de hábitos, rotinas, ritmos e práticas que, ao longo do tempo, foram consolidadas e tornaram-se marcos de referência de uma cultura escolar. Com isso, as ferramentas tecnológicas tornam-se parte do processo de ensino e aprendizagem, possibilitando a mediação entre professor, alunos e conhecimento, constituindo outras maneiras de comunicação entre os sujeitos escolares, de modo que seja possível considerar a realidade dinâmica, fluida e incerta que hoje se vive.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. 9. ed. Campinas, SP: Papirus, 2003. [ Links ]

ANDRÉ, M. E. D. A. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional. Brasília, DF: Liber Livros, 2005. [ Links ]

BARRETO, R. G. Tecnologias nas salas de aula. In: LEITE, M.; FILÉ, M. Subjetividade: tecnologias e escolas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 43-55. [ Links ]

BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 13. ed. Tradução: Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. p. 64-89. [ Links ]

CYSNEIROS, P. G. Gestão de Tecnologias da Informação e comunicação na Escola. Recife: [s. n.], 2006. [ Links ]

CYSNEIROS, P. G. Novas tecnologias na sala de aula: melhoria do ensino ou inovação conservadora? Informática Educativa, v. 12, n. 1, p 11-24, 1999. [ Links ]

GVIRTZ, S.; LARRONDO, M. Notas sobre la escolarización de la cultura material: celulares y computadores en la escuela de hoy. Revista Teias, ano 8, n. 15-16, p. 1-10, jan./dez. 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/24011 . Acesso em: 27 jan. 2020. [ Links ]

KENSKI, V. M. Em direção a uma ação docente mediada pelas tecnologias digitais. In: BARRETO, R. G. (org.). Tecnologias educacionais e educação a distância: avaliando políticas e práticas. Rio de Janeiro: Quartet, 2001. p. 74-84. [ Links ]

KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. 8. ed. Campinas, SP: Papirus , 2019a. [ Links ]

KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. 9. ed. Campinas, SP: Papirus , 2019b. [ Links ]

LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. 9. ed. Tradução: Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2000a. [ Links ]

LÉVY, P. Cibercultura. 2. ed. Tradução: Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34 , 2000b. [ Links ]

LION, C. G. Nuevas maneras de pensar tiempos, espacios y sujetos. In: LITWIN, E. (org.). Tecnologías educativas en tiempos de Internet. Buenos Aires, AG: Amorrortu, 2005. p. 181-212. [ Links ]

MEDEIROS, L. F.; MOSER, A.; SANTOS, N. dos. A simulação computacional como técnica de pesquisa na administração. Revista Intersaberes, v. 9, p. 460-487, jul. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.uninter.com/intersaberes/index.php/revista/issue/view/Especial . Acesso em: 27 jan. 2020. [ Links ]

MARQUES, M. O. A escola no computador: linguagens rearticuladas, educação outra. Ijuí: Unijuí, 1999. [ Links ]

MORAN, J. M. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas. In: MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 21. ed. Campinas, SP: Papirus , 2018. p. 11-65. [ Links ]

PORTO, T. M. E. As tecnologias de comunicação e informação na escola: relações possíveis... relações construídas. Revista Brasileira de Educação, v. 11 n. 31, p. 53-57, jan./abr. 2006. [ Links ]

PORTO, T. M. E. Relatório CNPq: Relações, concepções e mediações: as TICs nas escolas de ensino fundamental de Pelotas/RS. Florianópolis: UFSC/UFPel, CNPq, maio 2010. mimeo. [ Links ]

PRENSKY, M. Digital natives, digital immigrants: do they really think differently?. On the Horizon, v. 9, n. 6, p. 1-9, dez. 2001a. Disponível em: Disponível em: https://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part2.pdf . Acesso em: 15 dez. 2019 [ Links ]

PRENSKY, M. Digital natives, digital immigrants. On the Horizon , v. 9, n. 5, p. 1-6, out. 2001b. Disponível em: Disponível em: https://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf . Acesso em: 15 dez. 2019. [ Links ]

PRETTO, N. L. Escritos sobre educação, comunicação e cultura. Campinas, SP: Papirus , 2008. [ Links ]

PRETTO, N. L. (org.). Globalização e educação: mercado de trabalho, tecnologias de comunicação, educação a distância e sociedade planetária. 2. ed. Ijuí: Unijuí , 2000. [ Links ]

SARMENTO, M. J. O estudo de caso etnográfico em educação. In: ZAGO, N.; CARVALHO, M. P.; VILELA, R. A. T. (org.). Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A , 2003. p. 137-179. [ Links ]

SOLETIC, A. Tecnología, globalización e identidad cultural: los usos de la web en el diseño de proyectos. In: LITWIN, E. (org.). Tecnologías educativas en tiempos de Internet. Buenos Aires, AG: Amorrortu , 2005. p. 155-179. [ Links ]

VIGOTSKI, L. S. A Formação Social da Mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. [ Links ]

1 Este artigo retoma e revisa parte de tese de doutorado que versou sobre o tema Tecnologias da Informação e Comunicação na Prática Docente e intitulada: “As tecnologias de informação e comunicação na prática pedagógica de professores do curso técnico integrado o PROEJA”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas.

4Ao longo do estudo foram entrevistados 17 professores (um estava fora da sala de aula, atuando como supervisor escolar), sendo que desses 9 participaram de no mínimo 2 entrevistas. Na primeira entrevista eram identificadas informações relativas ao sujeito e a conceitos e práticas relacionadas as TIC. Já a segunda objetivava retomar conceitos e dialogar sobre percepções identificadas após as observações em sala de aula.

5Foram cerca de 150 horas de observações feitas em diversos ambientes da Instituição, que envolveram atividades de ensino em salas de aula tradicionais, em salas de multimídia e em laboratórios de informática e de caráter administrativo burocrático, em diferentes espaços da escola.

6Por questões éticas o texto não identificará a Instituição e todos os sujeitos da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Além disso, os nomes utilizados para distinguir os sujeitos de pesquisa não são reais, tendo sido elencados nomes de personagens de jogos eletrônicos (videogames) e de romances policiais, respeitando as grafias originais dos nomes dos personagens.

7“[…] dan cuenta de una cultura simultánea de lo eterno y de lo efímero, así como de la instalación de un tiempo distinto que no se encuentra sometido necesariamente a los imperativos del reloj, un tiempo no lineal ni medible, ni tan predecible.” (LION, 2005, p. 187).

8Nesta pesquisa, não foram utilizados nomes comerciais de ferramentas tecnológicas e sistemas.

2Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas.

3Mestre em Nanociências pela Universidade Franciscana; doutoranda em Educação pela Universidade de Caxias do Sul.

Recebido: 08 de Março de 2020; Aceito: 07 de Dezembro de 2020

Endereço para correspondência: Rodovia SC 135, km 125, Campo Experimental, 89560-000, Videira, Santa Catarina, Brasil; valdinei.marcolla@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons