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Roteiro

versão On-line ISSN 2177-6059

Roteiro vol.46  Joaçaba jan./dez 2021  Epub 11-Mar-2021

https://doi.org/10.18593/r.v46i.23935 

Artigos de demanda contínua

O ensino de língua portuguesa: das propostas e parâmetros à Base Nacional Comum Curricular

Portuguese language teaching in Brazil: from curricular proposals and parameters to the National Common Curricular Basis

La enseñanza de la lengua portuguesa en Brasil: de las propuestas y los parámetros curriculares a la Base Curricular Común Nacional

Emerson de Pietri1I  , Professor
http://orcid.org/0000-0001-5060-9891

IUniversidade de São Paulo, Faculdade de Educação, Professor.


Resumo:

Este trabalho tem como objetivo observar as proposições curriculares oficiais para o ensino de língua portuguesa na escolarização básica em função das condições políticas, econômicas e ideológicas em que os documentos foram produzidos. A análise referenciada em perspectiva discursiva de linha francesa evidencia as rupturas com a memória histórica que se estabeleceram no momento da produção Base Nacional Comum Curricular, em sua relação com políticas curriculares propostas no país em períodos anteriores. Nas condições de produção que se configuraram, e do modo como se configuraram, quando da publicação da BNCC, o processo de aprendizagem foi submetido a princípios de reconhecimento de valores e de controle dos comportamentos, em oposição à concepção de sujeitos ativos e/ou cooperativos que caracteriza os projetos formativos nas proposições curriculares para o ensino de língua portuguesa produzidas nas décadas finais do século XX no país.

Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular; Neoliberalismo; Análise do Discurso.

Abstract:

This work aims to characterize the political, economic and ideological conditions in which the official curricular propositions for Portuguese teaching in basic schooling were produced. The analysis, referenced in a French discursive perspective, shows the historical rupture that was established at the time when the Common National Curriculum Base was produced, in relation to the curricular policies proposed in the country in previous periods. In the production conditions that were established when the National Common Curricular Basis was published, and in the way they were established, the learning process was subjected to principles of recognition of values and control of behaviors, in opposition to the conception of active and / or cooperative subjects that characterizes the formative projects in curricular proposals for Portuguese teaching produced in the last decades of the twentieth century in Brazil.

Keywords: National Common Curricular Basis; Neoliberalism; Discourse Analysis.

Resumen:

El objetivo de este trabajo es caracterizar las condiciones políticas, económicas e ideológicas en las que se basan las propuestas curriculares oficiales para la enseñanza del portugués en la educación básica. El análisis, basado en la perspectiva discursiva francesa, muestra la ruptura histórica que se estableció en el momento de la elaboración de la Base Curricular Nacional Común, en relación a las políticas curriculares propuestas en el país en períodos anteriores. En las condiciones de producción que entonces se configuraron, y cómo se configuraron, en la Base Curricular Nacional Común el proceso de aprendizaje se sometió a principios de reconocimiento de valores y control de conductas, en oposición a la concepción de sujetos activos y / o cooperativos que caracteriza a los proyectos formativos en las propuestas curriculares para la enseñanza del idioma portugués producidos en las últimas décadas del siglo XX en Brasil.

Palabras claves: Base Curricular Nacional Común; Neoliberalismo; Análisis del discurso.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas do século XX, e iniciais do século XXI, desenvolve-se um processo histórico de reestruturação do Estado brasileiro no sentido de alinhá-lo aos pressupostos estabelecidos pelas correntes neoliberais e, a partir de um determinado momento, às diretrizes estabelecidas pelo mercado financeiro em bases rentistas.

Considerado esse contexto, o objetivo neste trabalho é o de analisar os efeitos que as bases políticas, econômicas e ideológicas produzem nos processos de constituição dos discursos curriculares oficiais para o ensino de português na escola básica, considerado o período que se estende da década de 80 do século XX ao momento da promulgação da Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Fundamental, no ano de 2017. A observação é realizada analisando-se as relações interdiscursivas que se materializam no documento da BNCC em seus diálogos com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, 1998) e com as propostas curriculares para o ensino de língua portuguesa produzidas na década de 1980.

A reestruturação do Estado brasileiro conforme parâmetros neoliberais se ordenou em resposta às crises econômicas atribuídas ao modelo desenvolvimentista, que, iniciado na primeira metade do século XX, perdurou até meados da década de 70, momento em que o fluxo de financiamento externo escasseia (parte em razão das crises econômicas mundiais, como a crise do petróleo), e se opera o deslocamento dos investimentos de capitais em ativos produtivos para os ativos financeiros. Esses fatores teriam restringido as possibilidades de financiamento do Estado, que passou então a reverter seus superávits para o pagamento de juros da dívida pública.

Desse modo, o processo de industrialização que se constituiu no país mais intensificadamente na década de 1930, com a política de substituição de importações, se fortaleceu na década de 1950, e atingiu seu auge no período do chamado milagre econômico, nos inícios da década de 1970 (POCHMANN, 2004), começa a reverter-se a partir de meados dessa década (OMETTO; FURTUOSO; SILVA, 1995; CARDOSO JÚNIOR, 2001; PAULANI, 2012), o que levará a um processo de desindustrialização nos anos de 1980, acelerado na década de 1990, e em continuidade no momento atual, como resultante do modelo econômico definido pelos interesses do mercado de capitais (NOGUEIRA, 2017).

Esse modelo econômico recebeu alterações no período de 2003 a 2013, quando se implementaram políticas de caráter social e desenvolvimentista (BASTOS, 2012) paralelamente à manutenção das políticas neoliberais de organização do Estado e das diretrizes macroeconômicas estabelecidas na década anterior (NOVELLI, 2010). Os princípios desenvolvimentistas, no entanto, foram suplantados, após o impedimento de Dilma Roussef, em 2016, com a aprovação de parte da chamada segunda geração de reformas - as trabalhistas, as fiscais e as judiciárias - não realizadas durante os governos FHC na década de 1990 (PINHEIRO; GIAMBIAGI; MOREIRA, 2001) -, entre as quais se deve incluir, também, a reforma da previdência, em benefício dos sistemas de capitalização, mais uma parte do processo de desestruturação das políticas de seguridade social definidas na Constituição Federal de 1988.

Com a desestruturação do mercado de trabalho (c.f.: PORTO, 2017) e o processo de precarização que se acentua nessas condições (POCHMAN, 2004; ANTUNES; POCHMAN, 2007; GÓMEZ VILLAR, 2010; BENTES, 2012; CARVALHO, 2014; LINHARES, 2015), as políticas sociais que se estabeleceram em momentos caracterizados pelas políticas de caráter desenvolvimentista são substituídas por políticas de caráter concorrencial e individualista, consonantes aos princípios do neoliberalismo (FOUCAULT, 2008), mas reordenadas segundo as condições determinadas pelo capitalismo financeiro/rentista, que busca extinguir até mesmo os programas de assistência social. Potencializa-se, neste contexto, o princípio contido na fórmula lembrada por Foucault (2008, p. 195) de que "a desigualdade é a mesma para todos."

A concepção de sujeito que, na cooperação social, transforma o mundo com seu trabalho, é substituída, na alternância das políticas desenvolvimentistas para as políticas neoliberais, pela concepção de sujeito que se adapta às condições, quaisquer que sejam que lhe são dispostas/impostas, de modo a tornar-se mais produtivo, o que, numa ordem neoliberal financista, significa tornar-se mais rentável. O sujeito do trabalho, atuante politicamente sobre uma sociedade organizada, é suplantado pelo sujeito da concorrência, e, a seguir, quando da conformação do modelo neoliberal aos interesses do mercado de capitais, pelo sujeito do precário, responsabilizado por gerir particularmente suas experiências, caracterizadas pelas vicissitudes, imprevisibilidades e instabilidades.

Neste contexto, o conhecimento é constituído em commodity, e, para que tenha sua circulação no mercado assegurada em bases mais rentáveis é necessário que seja codificado de modo a “operar um processo de redução e conversão que tornam a transmissão, a verificação, armazenagem e reprodução do conhecimento mais fácil.” (VIEIRA; FEIJÓ, 2018, p. 42). A BNCC compõe o processo de codificação de um conjunto de conhecimentos que devem ser distribuídos no mercado educacional, com os valores que lhes são agregados e as vantagens que se possa obter com a aquisição de bens simbólico-econômicos, de commodities que devem ser superadas para que a produção de novas commodities se faça necessária, demandando “novidades” a serem oferecidas aos clientes e consumidores:

[...] o fato é que, na atual Economia do Conhecimento, há sempre uma grande pressão para a codificação de habilidades e conhecimentos, pois a produtividade aliada à competitividade exige a produção e transmissão de conhecimento como uma commodity utilizável. É este conhecimento que dá sustentação à necessária destruição criadora para mover as engrenagens do capital e sua produção e é sobre isso que se ergue a proposta de uma Base Nacional Comum Curricular, embora não se admita como currículo. (VIEIRA; FEIJÓ, 2018, p. 42).

Neste trabalho, observa-se, portanto, no processo de constituição histórica dos discursos curriculares para a escolarização básica, estabelecido no Brasil nas décadas finais do século XX e iniciais do século XXI, a concorrência interdiscursiva (MAINGUENEAU, 2005) entre discursos de caráter social e neoliberal, e as relações complexas que se estabelecem entre esses discursos.

Desse modo, as propostas curriculares estaduais de base sociointeracionista publicadas na década de 80 (GERALDI; SILVA; FIAD, 1996), que responderam a concepções sócio-histórico-culturais de ensino e aprendizagem, pressupondo a constituição político-ideológica dos sujeitos e sua participação social transformadora decorrente da ação humana considerada como trabalho e como cooperação, foram sucedidas por parâmetros curriculares nacionais (BRASIL, 1997) fundamentados em princípios de adequação social e de concorrência produtiva entre indivíduos, formados para se constituírem competentes e hábeis.

Observa-se, na passagem de um discurso social a outros de base neoliberal, a reversão histórica dos discursos críticos que se constituíram na segunda metade do século XX, segundo os quais “a transformação social é percebida como processo histórico em que subjetividade e objetividade se prendem dialeticamente.” (FREIRE, 1989, p. 19). Reassumem a posição de agentes os discursos ingênuos ou astutos que entendem a transformação social “de forma simplista, fazendo-se com a mudança, primeiro das consciências, como se fosse a consciência, de fato, a transformadora do real [...]” (FREIRE, 1989, p. 19). Este é o discurso que fundamenta a produção da Base Nacional Comum Curricular para o ensino fundamental, como será caracterizado a seguir.

Nesse sentido, nos períodos orientados por ideologia de base neoliberal, as concepções de sujeito de base histórico-cultural são substituídas, nos discursos curriculares oficiais, por concepções caracterizadas pela ahistoricidade (VIEIRA; FEIJÓ, 2018), pelo pressuposto da adaptabilidade do indivíduo às condições conjunturais que se apresentem e para a produção de bens cognitivos (FERRETI; SILVA, 2017).

Nessas condições, em que a concorrência entre relações interdiscursivas sobre a escolarização básica se intensificou com a contraposição entre princípios de base social e de base neoliberal, a tensão entre os discursos atinge seu ponto máximo na conjuntura formada a partir de 2014, que levou à ruptura da ordem institucional no ano de 2016 em favor principalmente dos interesses do mercado financeiro.

A análise dos documentos da BNCC para o ensino fundamental - produzidos, portanto, num momento de alternância abrupta entre condições discursivas e ideológicas concorrentes - oferece subsídios para se conhecer como se operaram as reconfigurações nas condições discursivas sobre o ensino de português na escolarização básica, de modo que os documentos oficiais de referência curricular respondessem aos interesses político-econômicos em jogo no momento de sua elaboração.

2 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Para responder ao objetivo de conhecer os efeitos das bases políticas, econômicas e ideológicas na produção de proposições curriculares oficiais para o ensino de português na escola, no período de 1980 a 2017, é observada a concorrência entre os discursos de modo a caracterizar as condições de sua produção ao evidenciar as polêmicas, as interincompreensões (MAINGUENEAU, 1997, 2005) que se estabelecem entre esses discursos em função de suas filiações históricas, sociais, econômicas e políticas.

De acordo com essa perspectiva teórico-metodológica, os enunciados de um discurso se constituem com base em regras semânticas específicas que definem seu pertencimento a esse dado discurso, regras que definem também enunciados que lhe são estranhos: concebido o sistema de restrições semânticas como um modelo de competência discursiva, considera-se que os enunciadores de um discurso dado apresentam o “domínio tácito de regras que permitem produzir e interpretar enunciados que resultam de sua própria formação discursiva e, correlativamente, permitem identificar como incompatíveis com ela os enunciados das formações discursivas antagonistas.” (MAINGUENEAU, 2005, p. 23). Considera-se assim como unidade de análise não o discurso (entendido como “dispersão de textos cujo modo de inscrição histórica permite definir como um espaço de regularidades enunciativas”), mas um espaço de trocas entre vários discursos convenientemente escolhidos, o que supõe, portanto, a precedência do interdiscurso sobre o discurso.

Para Maingueneau (1997), a interdiscursividade consiste no trabalho de discurso(s) sobre discurso(s), num processo de delimitação recíproca que se fundamenta numa relação polêmica entre discursos, que se realizaria com base em semas com valor positivo e semas com valor negativo (estes, atribuídos ao discurso adversário). A contraposição entre esses semas organiza o sistema de restrições sobre o qual se fundamentam as relações polêmicas constituintes de um determinado discurso. Essa relação envolve negações, denegações e partilhas, e promove a produção de simulacros, isto é, a tradução de enunciado(s) do Outro segundo as categorias do discurso tradutor (o discurso agente).

Segundo Maingueneau (1997, p. 120), a constitutividade do processo interdiscursivo pode ser observada no fato de que as polêmicas em que as formações discursivas estão envolvidas são a atualização de um processo de delimitação recíproca. Considerados dessa maneira, os discursos “nascem” de um trabalho sobre outros discursos, através de um processo contínuo de delimitação recíproca, fundamentado num mecanismo de interincompreensão:

Esta interação entre dois discursos em posição de delimitação recíproca pode ser entendida como um processo de “tradução” generalizada, ligada a uma “interincompreensão”. Tradução de um tipo bem particular, entretanto, pois ela opera, não de uma língua natural para outra, mas de uma formação discursiva à outra, isto é, entre zonas da mesma língua [...] (MAINGUENEAU, 1997, p. 120).

A interimcompreensão passa por um processo de tradução em que um discurso incorpora o enunciado do Outro em seu interior, interpretando-o, nesse processo, à luz de suas (do discurso incorporador) próprias categorias, processo em que se produzem os referidos simulacros. A relação com o Outro é possível então apenas a partir do simulacro que dele é construído pelo discurso agente. Observar, portanto, os modos como são valorados os significados e sentidos de um discurso pelo(s) seu(s) concorrente(s) possibilita caracterizar as relações entre esses discursos e as formações discursivas e ideológicas em que se produzem.

Propõe-se a hipótese de que o discurso sobre o ensino de português na escolarização básica no Brasil, nas condições de produção que se ordenaram após 2016, constitui-se com base na tradução das regras semânticas (MAINGUENEAU, 1997, 2005) próprias aos discursos pedagógico-curriculares de base sócio-histórica constituídos na década de 1980, e suas reconfigurações segundo princípios neoliberais na década de 1990, inversão que se alinha ao projeto de Estado neoliberal de base financeiro/rentista em que se objetiva desfazer as políticas de base social instituídas em momentos históricos anteriores, e, com isso, fazer prevalecer “o mito da neutralidade da educação, que leva à negação da natureza política do processo educativo e a tomá-lo como um que fazer puro, em que nos engajamos a serviço da humanidade entendida como uma abstração.” (FREIRE, 1989, p. 15).

Nesse processo de destituição dos processos materiais de produção do real, de desacreditação das relações de dominação e exploração de uma classe social sobre as demais, a produção de simulacros, como a análise dos dados evidencia, ocupa um lugar central nas práticas discursivas dos discursos de base neoliberal, que ocupam neste momento histórico a posição de agente nas relações interdiscursivas.

3 CONCEPÇÕES DE ENSINO, DE APRENDIZAGEM E DE SUJEITO NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

Os documentos oficiais de referência curricular publicados no país desde a década de 1990 têm sido apresentados como sínteses ou atualizações de documentos anteriormente produzidos (c.f.: BRASIL, 1998; FREGONEZI, 1999; APARÍCIO, 2009; BUNZEN, 2011). A BNCC é apresentada de modo similar, e sua atualização em relação à produção de novos conhecimentos e às proposições curriculares anteriores estaria relacionada às mudanças promovidas pelas tecnologias digitais nas práticas de linguagem:

O componente Língua Portuguesa da BNCC dialoga com documentos e orientações curriculares produzidos nas últimas décadas, buscando atualizá-los em relação às pesquisas recentes da área e às transformações das práticas de linguagem ocorridas neste século, devidas em grande parte ao desenvolvimento das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC). (BRASIL, 2017, p. 65)

Ainda que tenha havido o apontamento, em determinados discursos, de que a BNCC teria como objetivo estabelecer um conjunto de conteúdos e as competências a serem distribuídos igualmente aos alunos de todas as regiões do país, prevalece, de fato, no texto do documento curricular, os conceitos de competência e de habilidade,2 e, submetidos a eles, os processos de aprendizagem e os objetos do conhecimento que sustentariam as ações pedagógicas para o desenvolvimento das competências e habilidades previstas:

Nesse artigo, a LDB deixa claros dois conceitos decisivos para todo o desenvolvimento da questão curricular no Brasil. O primeiro, já antecipado pela Constituição, estabelece a relação entre o que é básico-comum e o que é diverso em matéria curricular: as competências e diretrizes são comuns, os currículos são diversos. O segundo se refere ao foco do currículo. Ao dizer que os conteúdos curriculares estão a serviço do desenvolvimento de competências, a LDB orienta a definição das aprendizagens essenciais, e não apenas dos conteúdos mínimos a ser ensinados. Essas são duas noções fundantes da BNCC. (BRASIL, 2017, p. 13).

Na Constituição Federal de 1988, no entanto, não se encontra item em que se trate de competências e diretrizes como comuns, e currículos como diversos. Em seu artigo 210, afirma-se que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.” (BRASIL, 1988). Estabelece-se o que se refere ao ensino, não à aprendizagem.

O que se apresenta nos marcos legais à BNCC (BRASIL, 2017, p. 10), quando se refere à Constituição de 1988, em seu artigo 205, diverge do que se afirma com a apresentação das competências, uma vez que prevalece não o individualismo das competências e habilidades, mas a preparação pelos sujeitos de direito, em colaboração, da pessoa para a sociedade, dado que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 1988).

Já em 1996, na LDB, esse discurso se altera, afirmando-se que seriam estabelecidas as competências e diretrizes que norteariam os currículos e conteúdos mínimos para assegurar a formação básica comum: com isso, insere-se um elemento mediador - a aprendizagem - entre o ensino e o conteúdo:

Com base nesses marcos constitucionais, a LDB, no Inciso IV de seu Artigo 9º, afirma que cabe à União estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum. (BRASIL, 1996).

Com a LDB de 1996, as competências, definidas como orientadoras da elaboração dos currículos e conteúdos, tornam-se os referenciais oficiais para o estabelecimento de políticas públicas de educação. O ensino, elemento central na legislação para a Educação prevista na Constituição Federal de 1988, é submetido à aprendizagem, em relação à qual são definidos os conteúdos e objetos a serem aprendidos: “A sociedade contemporânea impõe um olhar inovador e inclusivo a questões centrais do processo educativo: o que aprender, para que aprender, como ensinar, como promover redes de aprendizagem colaborativa e como avaliar o aprendizado.” (BRASIL, 2017, p. 14).

Quando se trata de aprender, indica-se o quê e para quê aprender, o conteúdo/objeto e a finalidade da aprendizagem; quando se trata do ensinar, trata-se do como:

Ainda assim, as habilidades não descrevem ações ou condutas esperadas do professor, nem induzem à opção por abordagens ou metodologias. Essas escolhas estão no âmbito dos currículos e dos projetos pedagógicos, que, como já mencionado, devem ser adequados à realidade de cada sistema ou rede de ensino e a cada instituição escolar, considerando o contexto e as características dos seus alunos. (BRASIL, 2017, p. 30).

Os processos didáticos e pedagógicos, nessa proposição curricular, consistem em ações de adaptação do que deve ser aprendido nos contextos escolares em função de suas especificidades:

São essas decisões que vão adequar as proposições da BNCC à realidade local, considerando a autonomia dos sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares, como também o contexto e as características dos alunos. Essas decisões, que resultam de um processo de envolvimento e participação das famílias e da comunidade, referem-se, entre outras ações, a:

• contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares, identificando estratégias para apresentá-los, representá-los, exemplificá-los, conectá-los e torná-los significativos, com base na realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendizagens estão situadas;

• decidir sobre formas de organização interdisciplinar dos componentes curriculares e fortalecer a competência pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais dinâmicas, interativas e colaborativas em relação à gestão do ensino e da aprendizagem; [...] (BRASIL, 2017, p. 16-17).

O professor não tem atribuição sobre a decisão de o que ensinar e para que ensinar, pois esses elementos da aprendizagem são definidos pelas diretrizes curriculares. Aos professores define-se o papel de desenvolver modos de ensinar (ou de seguir aqueles estabelecidos nas diretrizes curriculares a que estão submetidos em suas regiões), com estratégias de gestão do ensino e da aprendizagem.

A diminuição do valor atribuído ao ensino e ao trabalho docente pode ser observada de forma mais explícita quando, ao informar da necessidade de a formação de professores ser realizada alinhadamente ao estabelecido pela BNCC, se faz referência no documento a “evidências” da relevância desse profissional (e da equipe escolar) para os processos de aprendizagem: “Diante das evidências sobre a relevância dos professores e demais membros da equipe escolar para o sucesso dos alunos, essa é uma ação fundamental para a implementação eficaz da BNCC.” (BRASIL, 2017, p. 21). A ação social é desacreditada sob a razão do individualismo abstraída na competência do aprender. Destitui-se, nesse discurso, a prática transformadora dos/as educadores/as ao subtrair-lhes “o direito de dizer a sua palavra.” (FREIRE, 1989, p. 17).

4 AS COMPETÊNCIAS NA BNCC: O INVESTIMENTO COGNITIVO

Na BNCC, as competências gerais (BRASIL, 2017, p. 9-10), válidas para todo o processo de aprendizagem a ser desenvolvido na escola, voltam-se ao indivíduo e à construção de sua autonomia, no sentido de que tenha recursos para construir sua relação com o outro, seu projeto de vida, sua compreensão da realidade. Porém, ainda que as competências se iniciem tratando da compreensão histórica, informando que se deva “Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva” (BRASIL, 2017, p. 09), essa história é objetificada (em objetos de aprendizagem que devem sustentar o desenvolvimento das competências) de modo a tornarem-se instrumentos que garantam o desenvolvimento de competências que possibilitem a participação social:

Os conhecimentos sobre os gêneros, sobre os textos, sobre a língua, sobre a norma-padrão, sobre as diferentes linguagens (semioses) devem ser mobilizados em favor do desenvolvimento das capacidades de leitura, produção e tratamento das linguagens, que, por sua vez, devem estar a serviço da ampliação das possibilidades de participação em práticas de diferentes esferas/campos de atividades humanas. (BRASIL, 2017, p. 65).

O que é social, na BNCC, não é parte da formação para as competências a não ser como efeito, aquilo que se projeta para a obtenção de um objetivo determinado. As práticas socioculturais são colocadas como fins, que podem ser atingidos desde que se desenvolvam competências (e não o contrário - as competências serem desenvolvidas a partir da experiência nas práticas).

A participação social, ou a cidadania, significativa e crítica, não é pressuposta, mas é função de requisitos - a aquisição de competências e habilidades determinadas - que devem ser satisfeitos previamente. A escola é posicionada como agência distribuidora do capital simbólico que, se adquirido suficientemente pelo sujeito, subsidiará seu desenvolvimento em competências, o que pode habilitá-lo à participação social na medida em que ele possuirá as condições prévias para essa participação, que será tanto mais ampla, mais significativa e mais crítica quanto mais desse capital o sujeito tiver adquirido ou ampliado, uma vez que

ao componente Língua Portuguesa cabe, então, proporcionar aos estudantes experiências que contribuam para a ampliação dos letramentos, de forma a possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas práticas sociais permeadas/constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens. (BRASIL, 2017, p. 65-66).

Essas proposições poderiam ser observadas como similares às estabelecidas em momento histórico anterior, quando da produção dos PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, 1998), proximidade que é anunciada no próprio texto da BNCC em relação às concepções de linguagem que a fundamentam:

Assume-se aqui a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, já assumida em outros documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para os quais a linguagem é “uma forma de ação interindividual orientada para uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes numa sociedade, nos distintos momentos de sua história (BRASIL, 1998, p. 20).” (BRASIL, 2017, p. 65)

Nota-se, no entanto, que as proposições curriculares constituintes dos PCNs se reconfiguram em novas bases ideológicas na BNCC, representando não continuidade, mas rupturas entre os discursos em concorrência (MAINGUENEAU, 2005): na Base Nacional, a “ação interindividual” se reduz à aprendizagem individualizada, para a qual não se consideram processos de interlocução ou práticas sociais observadas em sua historicidade. Esses distanciamentos e rupturas se materializam ainda no esvaziamento das bases teóricas em que se sustentavam os PCNs (e os PCNs de língua portuguesa): termos como competências, habilidades, gêneros de discurso, texto, são levados à BNCC desprovidos de trabalho de conceituação, de modo que a referência a suas filiações teórico-metodológicas não são explicitadas, e, portanto, furtam-se à possibilidade de observação crítica e dialógica sobre bases bem delimitadas.

Observa-se na BNCC, assim, a concorrência entre discursos de base neoliberal de caráter mais cognitivo e de caráter mais discursivo. Realizando-se para as competências específicas de linguagem para o ensino fundamental procedimento de inversão em seus enunciados, os resultados obtidos evidenciam que o discurso de base cognitivo-moral ocupa o lugar de agente em relação ao discurso de base discursiva de perspectiva não-material, não-histórica, e/ou não-ideológica, característico dos PCNs (c.f.: PIETRI, 2018), de modo que a as regras semânticas deste são reordenadas, no texto da BNCC, segundo as regras semânticas daquele:

Quadro 1 Competências específicas de linguagem para o ensino fundamental na BNCC: inversão interna de seus enunciados3  

Realizando-se a inversão interna aos enunciados, chega-se a:
1. Reconhecer e valorizar as formas de significação da realidade e expressão de subjetividades e identidades sociais e culturais, compreendendo as linguagens como construção humana, histórica, social e cultural, de natureza dinâmica.
2. Ampliar suas possibilidades de participação na vida social e colaborar para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva, conhecendo e explorando diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e linguísticas) em diferentes campos da atividade humana para continuar aprendendo.
3. Expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e à cooperação, utilizando-se de diferentes linguagens - verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital.
4. Atuar criticamente frente a questões do mundo contemporâneo, utilizando diferentes linguagens para defender pontos de vista que respeitem o outro e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global.
5. Participar de práticas diversificadas, individuais e coletivas, da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas, desenvolvendo o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da humanidade, bem como.
6. Comunicar-se por meio das diferentes linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver problemas e desenvolver projetos autorais e coletivos, compreendendo e utilizando tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares).

Fonte: os autores.

Nas competências específicas de língua portuguesa estabelecidas pela BNCC para o ensino fundamental projeta-se o desenvolvimento de ações cognitivas por um sujeito cujas condutas devem ser controladas para serem realizadas adequadamente e produtivamente sobre um objeto, com o emprego de um instrumento.

Essa concepção de sujeito pode ser observada no emprego dos verbos que organizam as atividades e objetivos previstos para o desenvolvimento das competências específicas - compreender, reconhecer, apropriar-se, utilizar-se, construir, envolver-se, ampliar, expressar e partilhar (informações), empregar (adequadamente), demonstrar(-se), analisar, posicionar-se, valorizar, aprender, refletir, mobilizar, produzir: são verbos que anunciam um sujeito que compreende o funcionamento do objeto ou do instrumento, para empregar adequadamente, ampliar e fazer valorizar. Observa-se, com a inversão interna dos enunciados, a emergência do discurso de base neoliberal de perspectiva não-material, não-histórica, e/ou não-ideológica, característico dos PCNs, em que se preveem para os sujeitos a possibilidade do reconhecimento e valorização das formas de comunicação, a participação em práticas sociais diversas, a possibilidade da produção, comunicação, expressão e partilha de ideias e conhecimentos, bem como a atuação crítica.

Os dois itens dentre os objetivos definidos na BNCC em que a prevalência do cognitivo sobre a ação do sujeito não se faz mais fortemente são os de número 4 e 6, que remetem às situações da contemporaneidade mais recente, que não desenvolveram ainda mecanismos de controle mais regularmente estabelecidos sobre a produção discursiva, como referido no próprio documento, estando, portanto, submetidas às decisões dos sujeitos em sua atividade social: posicionam-se os sujeitos, assim, como responsáveis por suas condutas, por estabelecerem por si mesmos mecanismos de controle que ainda não se constituíram socialmente.

Parece ser possível observar, portanto, nas bases semânticas do discurso em análise, semas associados a capacidades de análise, utilização, valorização e ampliação. A qualidade da participação social fica condicionada não apenas ao capital simbólico que possui o sujeito, mas a suas possibilidades de fazer com que esse capital se amplie, se desenvolva, se valorize em função dos investimentos que são realizados com ele e sobre ele. Observa-se aí um processo de ruptura em relação a proposições curriculares publicadas anteriormente ao documento em análise, nas quais a produção de conhecimentos pressupõe a participação social. No discurso em que se fundamenta a BNCC, a possibilidade de participação social pressupõe a apropriação prévia de determinados conhecimentos a serem disponibilizados pela escola.

Nos PCNs de língua portuguesa, quando se estabelecem as competências a serem desenvolvidas ao longo do ensino fundamental, ainda que um sema fundamental a organizar a produção discursiva seja adequação, associado a eficiência (c.f.: PIETRI, 2018), está prevista a ação do sujeito, mesmo que seus efeitos estejam submetidos ao escopo estabelecido pelos semas referidos. No texto de introdução dos PCNs (BRASIL, 1997, p. 33), é possível observar termos como adequado/adequá-lo, respeitar, compreender, eficácia, mas acompanhados de termos que pressupõem participação ativa do sujeito: expandir, utilizar, saber assumir, participar, conhecer, interpretar, analisar, proceder, elaborar, compor, acolher, contrapor:

- expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com eficácia em instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos - tanto orais como escritos - coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem e aos assuntos tratados;

- utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da variedade linguística valorizada socialmente, sabendo adequá-los às circunstâncias da situação comunicativa de que participam;

- conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do português falado; - compreender os textos orais e escritos com os quais se defrontam em diferentes situações de participação social, interpretando-os corretamente e inferindo as intenções de quem os produz;

- valorizar a leitura como fonte de informação, via de acesso aos mundos criados pela literatura e possibilidade de fruição estética, sendo capazes de recorrer aos materiais escritos em função de diferentes objetivos;

- utilizar a linguagem como instrumento de aprendizagem, sabendo como proceder para ter acesso, compreender e fazer uso de informações contidas nos textos: identificar aspectos relevantes; organizar notas;

- elaborar roteiros; compor textos coerentes a partir de trechos oriundos de diferentes fontes;

- fazer resumos, índices, esquemas, etc.;

- valer-se da linguagem para melhorar a qualidade de suas relações pessoais, sendo capazes de expressar seus sentimentos, experiências, ideias e opiniões, bem como de acolher, interpretar e considerar os dos outros, contrapondo-os quando necessário;

- usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de reflexão sobre a língua para expandirem as possibilidades de uso da linguagem e a capacidade de análise crítica;

- conhecer e analisar criticamente os usos da língua como veículo de valores e preconceitos de classe, credo, gênero ou etnia. (BRASIL, 1997, p. 33, grifo nosso).

O modo como definido o conceito de competência discursiva nos PCNs de língua portuguesa (BRASIL, 1998) também permite observar o contraste que se estabelece entre as concepções de linguagem e de sujeito presentes naqueles documentos e os que se encontram fundamentando o texto da BNCC relativo ao ensino do componente curricular em questão:

Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. É o que aqui se chama de competência linguística e estilística. Isso, por um lado, coloca em evidência as virtualidades das línguas humanas: o fato de que são instrumentos flexíveis que permitem referir o mundo de diferentes formas e perspectivas; por outro lado, adverte contra uma concepção de língua como sistema homogêneo, dominado ativa e passivamente por toda a comunidade que o utiliza. Sobre o desenvolvimento da competência discursiva, deve a escola organizar as atividades curriculares relativas ao ensino-aprendizagem da língua e da linguagem. (BRASIL, 1998, p. 23).

Ainda que a língua seja apontada neste documento como um instrumento flexível que permite referir o mundo, em lugar de criá-lo, produzi-lo, transformá-lo (como previsto nas propostas de caráter sociointeracionista ou sócio-histórico na década de 1980), considera-se que o sujeito é um sujeito de ação, capaz de produzir diferentes efeitos sobre o mundo com o uso da língua.

Mesmo que se afirme no documento seu caráter de continuidade em relação aos PCNs, essa concepção se altera na BNCC, de modo que o sujeito é posicionado como o que apreende cognitivamente o que lhe é dado a aprender. Com exceção do item 3, em que se prevê a possibilidade de expressão “em diferentes campos de atuação e mídias”, nos demais enunciados que compõem a lista de competências específicas de língua portuguesa para o ensino fundamental, mesmo com o processo de inversão de suas ordens internas, prevalecem as atividades de caráter cognitivista ou instrumental, com seus objetos posicionados como bens simbólicos cuja valorização deve-se reconhecer, compreender, para ampliar, fazer expandir, não se alterando significativamente as competências a serem desenvolvidas ao longo do processo de escolarização, nem as concepções de sujeito projetadas no discurso que as fundamenta:

Quadro 2 Competências específicas de língua portuguesa na BNCC: inversão de seus enunciados, quando possível4  

Realizando-se a inversão da ordem interna dos enunciados, obtém-se:
1. Reconhecer a língua como meio de construção de identidades de seus usuários e da comunidade a que pertencem, compreendendo-a como fenômeno cultural, histórico, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso.
2. Utilizar a linguagem escrita para ampliar suas possibilidades de participar da cultura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares) e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida social, apropriando-se da linguagem escrita, reconhecendo-a como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social.
3. Expressar-se e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo, lendo, escutando e produzindo textos orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autonomia, fluência e criticidade.
4. Demonstrar atitude respeitosa diante de variedades linguísticas e rejeitar preconceitos linguísticos, compreendendo o fenômeno da variação linguística.
5. Adequar-se à situação comunicativa, ao(s) interlocutor(es) e ao gênero do discurso/gênero textual, empregando, nas interações sociais, a variedade e o estilo de linguagem.
6. Posicionar-se ética e criticamente em relação a conteúdos discriminatórios que ferem direitos humanos e ambientais, analisando informações, argumentos e opiniões manifestados em interações sociais e nos meios de comunicação.
7. Reconhecer o texto como lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias.
8. De acordo com objetivos, interesses e projetos pessoais (estudo, formação pessoal, entretenimento, pesquisa, trabalho etc.), selecionar textos e livros para leitura integral.
9. Valorizar a literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura, envolvendo-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição.
10. Expandir as formas de produzir sentidos (nos processos de compreensão e produção), aprendendo e refletindo sobre o mundo e realizando diferentes projetos autorais, mobilizando práticas da cultura digital, diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais.

Fonte: os autores.

A separação dos verbos que indicam as competências a serem desenvolvidas, de seus objetos e modificadores, evidencia a posição utilitarista atribuída ao sujeito no discurso em análise, que deve se submeter a injunções de caráter normativo ou moral para desenvolver eficazmente seu processo de aprendizagem: reconhecer, compreendendo; utilizar para ampliar; se envolver, apropriando-se, reconhecendo; expressar-se e partilhar, e continuar aprendendo, lendo, escutando e produzindo; demonstrar e rejeitar, compreendendo; adequar-se, empregando; posicionar-se, analisando; selecionar; valorizar, reconhecendo, envolvendo-se; expandir, aprendendo e refletindo e realizando, mobilizando.

O enunciado de número 7 não aceita qualquer tipo de inversão. Trata-se do enunciado em que se tematizam questões de ideologia e negociação de sentidos. Esse fechamento dos sentidos se faz com uso de recursos como o emprego de um período simples, a posição de sujeito determinada por uma forma nominal do verbo, um pressuposto ambíguo entre o epistêmico e o deôntico (as competências a serem aprendidas/ensinadas // as competências que devem ser aprendidas/ensinadas), mas, também, com o emprego do verbo reconhecer, recorrente nos enunciados em análise. O emprego desse verbo restringe os sentidos que se possam produzir com os termos que se colocam sob seu escopo, posicionando-se o sujeito do ensino e da aprendizagem como assujeitado ao objeto do conhecimento (e retirando desse objeto seu caráter de produção histórica, dado que tomado como algo dado, acabado, tático, a ser apenas reconhecido) - o que pode ser evidenciado com a substituição, nos enunciados, de reconhecer por conhecer:

- “reconhecer a língua como meio de construção de identidades”;

- conhecer a língua como meio de construção de identidades;

- “reconhecendo-a [a linguagem escrita] como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social”;

- conhecendo-a [a linguagem escrita] como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social;

- “reconhecer o texto como lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias”;

- conhecer o texto como lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias;

- “reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura”.

- conhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura.

Ainda que prevista como uma das significações possíveis do verbo reconhecer, o conhecimento de algo fica submetido, nesse verbo, aos sentidos de percepção de especificidades, identificação, caracterização, constatação. Destaque-se, ainda, sua relação de sinonímia com o verbo aceitar e os traços de moralidade que se inserem no escopo de reconhecer (traços que são recorrentes nos enunciados em análise, ao definir o tipo de conduta a ser seguida pelos sujeitos - adequar-se à situação; demonstrar atitude respeitosa; posicionar-se ética e criticamente): “distinguir a própria imagem e/ou traços morais em (alguém ou algo)”; “admitir como verdadeiro, real”; “considerar com atenção; observar, explorar”; “mostrar gratidão a; agradecer”; “tomar conhecimento de novo ou em outra situação; constatar”; “distinguir os traços característicos de; caracterizar, identificar”; “contar (pecado, erro etc.); declarar(-se), confessar(-se)”; “ter por legítimo; admitir como bom, legal ou verdadeiro”; “perfilhar legalmente”; “aceitar” (HOUAISS, 2019).

O verbo conhecer, por sua vez, possibilita uma mais diversificada e heterogênea produção de sentidos e de posições de sujeito, como inclusive um recorte do verbete permite observar: perceber e incorporar à memória; ficar sabendo de; adquirir informações sobre; ver; tomar ou ter consciência de; fazer conhecimento com; estar familiarizado com; saber, dominar; sentir como sendo familiar; reconhecer; ter informação reduzida, superficial sobre (alguém ou algo); apreender certa e claramente com a mente ou os sentidos; ter cognição direta de; perceber; ter uma ideia bastante exata (de algo, de si mesmo ou de outrem); experimentar, sofrer, passar por; dar-se conta de, ficar sabendo; fazer o reconhecimento de; estar informado da existência de; ter indícios de; aceitar a autoridade de; obedecer, sujeitar-se, reconhecer; etc. (HOUAISS, 2019).

Os objetos de conhecimento estabelecidos na BNCC, submetidos ao progresso de aprendizagens essenciais, constituem-se assim em objetos de reconhecimento, com o que se estabelece o pressuposto de sua existência dada, de conhecimento tácito codificado para a transmissão e a apropriação, para a circulação como commodity (c.f.: VIEIRA; FEIJÓ, 2018).

Apenas em relação às novas mídias digitais pressupõe-se a participação do sujeito nas práticas sociais como anteriores à reflexão sobre essa participação. A presença, no documento, de concepção de sujeito mais próxima da que é característica de discursos de base sociointeracionista ou sócio-histórica pode talvez estar relacionada ao caráter de novidade das mídias digitais e das práticas de linguagem que estas possibilitam; mas, também, podem estar relacionadas às impossibilidades de se reproduzirem, no contexto digital, os mecanismos de controle desenvolvidos historicamente na cultura do impresso:

Ser familiarizado e usar não significa necessariamente levar em conta as dimensões ética, estética e política desse uso, nem tampouco lidar de forma crítica com os conteúdos que circulam na Web. A contrapartida do fato de que todos podem postar quase tudo é que os critérios editoriais e seleção do que é adequado, bom, fidedigno não estão “garantidos” de início. Passamos a depender de curadores ou de uma curadoria própria, que supõe o desenvolvimento de diferentes habilidades. (BRASIL, 2017, p. 66).

O caráter de controle dos discursos que fundamenta o documento em geral, e, mais fortemente, a parte relativa ao componente de língua portuguesa, em particular, se faz evidente no tratamento das práticas discursivas possibilitadas pelas mídias digitais, quando se atribui ao sujeito a responsabilidade de desenvolver uma curadoria própria, na ausência de curadores, ainda não constituídos nessa cultura, que possam estabelecer “critérios editoriais e seleção do que é adequado, bom, fidedigno”.

Assim, quando não há condições de se reconhecerem os objetos de conhecimento adequados, bons, fidedignos - e esses termos explicitam a concepção de referência de base idealista constitutiva do discurso em análise, que faz ressoar a ideia de bom, bem, belo e justo, ou do caráter abstrato das ideias, que a cultura do impresso e os processos de mediação editorial possibilitaram que se constituíssem historicamente (CHARTIER, 2002) como mecanismos de controle (FOUCAULT, 1996) -, cabe ao sujeito autodefinir e aplicar os parâmetros de controle do discurso.

Nesse sentido, atribui-se ao sujeito da aprendizagem a tarefa de controle das possibilidades que os recursos da multimodalidade e do multiletramento apresentam para a atuação social ao ampliar o acesso a instrumentos de produção, edição e distribuição de discursos: o documento curricular, ao tratar das possibilidades de produção e acesso a textos e discursos disponibilizadas pelos recursos digitais, indica os limites que essa liberdade deve ter, os quais não são prescritos pela Base Comum, como o estão os textos e discursos da cultura impressa, pelo fato de os mecanismos de controle dos discursos digitais ainda não se encontrarem disponibilizados socialmente. Mais do que isso, num contexto pautado pelo ideário neoliberal financeiro/rentista, o controle dos textos e discursos multimodais e das práticas de multiletramento tem como objetivo a codificação de conhecimentos para sua transmissibilidade, processo necessário para a conversão de conhecimentos e práticas em bens simbólicos e econômicos (c.f.: VIEIRA; FEIJÓ, 2018).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como antes mencionado, os discursos oficiais de proposição curricular para o ensino de português na escola pública ampliada mantêm relações genéticas (MAINGUENEAU, 2005) com os que se constituíram a partir dos anos 1980 no país. Nesse sentido, observa-se, no texto da BNCC, a delimitação com os discursos de base de base neoliberal que se constituem a partir da década de 1990, relidos em novas bases semânticas conformes aos pressupostos financeiro/rentistas que ordenaram mais intensificadamente as reformas do Estado brasileiro a partir de 2016, e, em consequência, também com os discursos de base sociointeracionista, ou sócio-histórica, característicos das propostas curriculares da década de 80 (GERALDI; SILVA; FIAD, 1996).

No discurso de base sociointeracionista, concorrente com aquele em que se fundamenta a BNCC, as ações do sujeito em processos sociais cooperativos são posicionadas como a base para seu desenvolvimento cognitivo - o que demandaria inclusive modos específicos de organização escolar, que respondessem ao fato de que a escola é, ela mesma, um contexto social produzido pela interação dos sujeitos que o constituem.

As competências estabelecidas na BNCC pressupõem que as ações do sujeito devam ser precedidas da formação do indivíduo que desenvolve seu autocontrole cognitivo, de modo que as aprendizagens são precedidas por verbos como valorizar; exercitar; fruir; utilizar; compreender; apropriar-se de; argumentar ... para formular, negociar e defender; conhecer-se, apreciar-se e cuidar ... compreendendo-se ... e reconhecendo. A adequação social se realizaria com o “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação”, o “agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação.” (BRASIL, 2017, p. 10).

A aprendizagem do que poderia ser caracterizado como competências de si é condição para a participação nas atividades sociais, políticas, econômicas, culturais. O cognitivo e o sócio-emocional prevalecem assim sobre o sócio-histórico ou a interação social (c.f.: LEMOS; MACEDO, 2019; MANFRÉ, 2020). Invertendo-se a ordem interna dos enunciados que definem as competências gerais prescritas pela BNCC, chega-se a proposições conformes às regras semânticas do discurso de base sócio-histórica ou sociointeracionista, característico das proposições curriculares (mas também acadêmicas e pedagógicas) elaboradas na década de 80, que se fundamentavam em semas referentes à cooperação de sujeitos em comunidade, ao trabalho como base da produção cultural humana, à transformação social como objetivo da participação política, à ética e à responsabilidade (c.f.: PIETRI, 2007). Nesse discurso, a reflexão e a abstração pressupõem a participação social e sua construção pelo trabalho humano:

Quadro 3 Inversão interna dos enunciados referentes às competências gerais da BNCC.5  

Realizando-se a inversão interna dos enunciados, obtêm-se:
1. Entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, valorizando e utilizando os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital.
2. Investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas, exercitando a curiosidade intelectual e recorrendo à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade.
3. Participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural, valorizando e fruindo as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais.
4. Expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo, utilizando diferentes linguagens - verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital -, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica.
5. Comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva, compreendendo, utilizando e criando tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares).
6. Entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade, valorizando a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriando-se de conhecimentos e experiências.
7. Formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta, argumentando com base em fatos, dados e informações confiáveis.
8. Compreender-se na diversidade humana e reconhecer suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas, conhecendo-se, apreciando-se e cuidando de sua saúde física e emocional.
9. Fazer-se respeitar e promover o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação.
10. Tomar decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários, agindo pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação.

Fonte: os autores.

Assim, se reordenados em suas sequências internas, os enunciados componentes da BNCC se caracterizariam por enfatizar a participação social e a cooperação, do que decorreriam os processos de desenvolvimento e aprendizagem. Mesmo nos itens em que se preveem atividades de caráter cognitivo (entender; compreender-se), ou, a princípio, individuais (fazer-se respeitar; tomar decisões), o horizonte a que se dirigem essas atividades seria social, orientado pela existência constitutiva do outro. Se invertidas as regras semânticas do discurso em que se produz a BNCC, tem-se a prevalência do social, do histórico, do político e do cultural sobre o cognitivo, em processos que pressupõem a interação como constitutiva do sujeito.

Observada a concorrência interdiscursiva aqui analisada, e os processos de constituição dos discursos em suas relações de trocas, partilhas, recusas, denegações, propõe-se a hipótese de que o discurso sobre a escolarização básica no Brasil, estabelecido após a ruptura institucional ocorrida no ano de 2016, constitui-se com base na inversão das regras semânticas que ordenam a produção do discurso de base sócio-histórica ou sociointeracionista. Assim, “mistificando o concreto, insinuam que ele é o que não está sendo.” (FREIRE, 1989, p. 20).

As rupturas político-institucionais ocorridas a partir de 2016, e seus efeitos de interdição para os processos sócio-históricos, suprimiram à produção de bens econômicos e simbólicos a representação das determinações de suas bases materiais, de modo que a produção econômica e a produção discursiva passem a ser representadas como processos ahistóricos e sem vinculações com a exploração da força de trabalho e com a luta de classes. Nesse contexto, os processos sociais e políticos têm a produção de simulacros como modus operandi, o que possibilita representar como imaterial, e, portanto, supostamente infenso à materialidade histórica, o trabalho de produção de conhecimentos.

Nessas condições, um simulacro de discurso que ocupa a posição de discurso agente (isto é, um discurso sem materialidade, resultante da mera inversão das regras semânticas dos discursos que lhe são adversários, pois constituído à revelia do processo histórico) investe-se de valor de verdade ao apresentar-se, simulando-se, como consequência dialética dos discursos concorrentes que o teriam originado. É preciso reverter esse quadro de modo que se imponha o fato de que “fazer a História é estar presente nela e não simplesmente nela estar representado.” (FREIRE, 1989, p. 24).

Num contexto em que a conversão do capital produtivo em capital financeiro se alterna, segundo os interesses de seus investidores, para sobrepor-se às relações de produção e às demandas sociais (PAULANI, 2009), simulacros podem ser produzidos e distribuídos, então, como representações sociais legítimas, que prescindem de referência. Não operam segundo regras democráticas, dialógicas, ou dialéticas, mas conforme as bases ideológicas dos grupos políticos e econômicos que se apoderaram do Estado, com as rupturas institucionais que patrocinaram, e, portanto, com a interdição da historicidade dos processos sociais e políticos em favor dos interesses do capital financeiro/rentista. Essa observação parece ser válida para os discursos sobre escolarização e ensino, mas também para outros discursos em circulação que assumiram a posição de agentes no momento em que esta pesquisa é realizada. Permanece, portanto, atual a chamada de Freire (1989, p. 21) à ação: “o Brasil foi ‘inventado’ de cima para baixo, autoritariamente. Precisamos reinventá-lo em outros termos.”

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2“Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.” (BRASIL, 2017, p. 8). “As habilidades expressam as aprendizagens essenciais que devem ser asseguradas aos alunos nos diferentes contextos escolares.” (BRASIL, 2017, p. 29).

3Estão em negrito os verbos que receberam modificação em suas formas nominais (do infinitivo para o gerúndio, ou o inverso) de modo a adequá-los sintaticamente às novas formulações.

4Estão em negrito os verbos que receberam modificação em suas formas nominais (do infinitivo para o gerúndio, ou o inverso) de modo a adequá-los sintaticamente às novas formulações.

5Estão em negrito os verbos que receberam modificação em suas formas nominais (do infinitivo para o gerúndio, ou o inverso) de modo a adequá-los sintaticamente às novas formulações.

1 Doutor e Mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas.

Recebido: 31 de Março de 2020; Aceito: 24 de Fevereiro de 2021

Endereço para correspondência: Rua Trajano Reis, 137, apto 72A, Jardim das Vertentes, 05541-030, São Paulo, São Paulo, Brasil; pietri@usp.br

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