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Educação UNISINOS

On-line version ISSN 2177-6210

Educação. UNISINOS vol.22 no.3 São Leopoldo July-Sep 2018  Epub May 16, 2019

https://doi.org/10.4013/edu.2018.223.e1 

Editorial

Apresentação

Dossiê: Escola Nova Católica na Europa e no Brasil

Norberto Dallabrida1 

José Eduardo Franco2 

1Universidade do Estado de Santa Catarina

2Universidade Aberta de Lisboa


Nos anos 1990, a dicotomia pioneiros vs. católicos, que marcou o campo pedagógico brasileiro desde a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), passou a ser questionada. De modo inédito, Carvalho (2003) afirma que na década de 1930 o grupo católico não somente ofereceu resistência ao movimento escolanovista, mas também se apropriou dele a partir da tradição educacional católica atualizada pela encíclica papal Divini Illius Magistri - publicada no final de 1929. Ela chama a atenção para o fato de o grupo de educadores católicos ter abandonado a Associação Brasileira de Educação (ABE) após o Manifesto de 1932 e se organizado inicialmente na Associação de Professores Católicos do Distrito Federal e, em seguida, na Confederação Católica Brasileira de Educação (CCBE), institucionalizada em 7 de setembro de 1933. No início do ano seguinte, a CCBE patrocinou a publicação do primeiro número da Revista Brasileira de Pedagogia e, em setembro do mesmo ano, promoveu o I Congresso Católico de Educação. E dá relevo ao trabalho do educador Everardo Backhauser, que era escolanovista, mas, em 1928, converteu-se ao catolicismo e, nas décadas de 1930 e 1940, produziu manuais de pedagogia direcionados para as escolas normais.

A partir de outro quadro teórico-metodológico, Saviani (2008) constata que, nas décadas de 1950 e 1960, foi colocado em marcha um processo de renovação educacional católico, protagonizado, particularmente, pelo padre jesuíta francês Pierre Faure. Assim, a Associação de Educação Católica (A.E.C.) promoveu as semanas pedagógicas com o intuito de fazer circular o chamado método Lubienska-Montessori no curso primário de escolas católicas. A primeira semana pedagógica realizou-se no Rio de Janeiro, em 1955, e a segunda no ano seguinte na cidade de São Paulo, ambas animadas pelo padre Faure que, naquele momento histórico, já era um educador católico de relevo na França (Avelar, 1978). No início de 1959, padre Faure veio ao Brasil para preparar professores de colégios católicos de ensino secundário da cidade de São Paulo para a implantação das chamadas classes secundárias experimentais, que representaram a principal inovação no ensino secundário brasileiro. Ele retornaria ao Brasil várias vezes na década seguinte para semear a pedagogia personalizada e comunitária, que havia elaborado e praticado e se disseminava pelo mundo. Essas experiências católicas inovadoras foram chamadas por Saviani (2008, p. 300) de “Escola Nova Católica”, dando visibilidade ao processo de apropriação do movimento escolanovista pelo grupo católico.

Nesta direção, o presente dossiê reúne oito artigos, de autores brasileiros e europeus, que focalizam aproximações entre a educação católica e a Escola Nova durante o século XX. O movimento escolanovista, que emergiu nos EUA e na Inglaterra na última quadra do oitocentos, passou a circular discretamente em países europeus no início do século XX. Após a catástrofe da Primeira Guerra Mundial, a onda de renovação pedagógica foi retomada pelo clima pacifista do pós-guerra, sendo catapultado pela Liga Internacional da Educação Nova, criada em Calais (França), em 1921, que promoveu congressos bianuais e estimulou a criação de revistas sobre a Escola Nova em várias línguas europeias. De outra parte, a União Soviética pré-stalinista também realizou experiências inspiradas na Escola Nova enquadradas na construção do socialismo real (Dussel e Caruso, 2003). Diante do avanço do movimento escolanovista e do surgimento de ensaios radicais como a pedagogia freinetiana e a Summerhill na década de 1920, a Igreja Católica marcou a sua posição no campo educacional por meio da encíclica papal Divini Illius Magistri, que atacou o naturalismo pedagógico inspirado em “O Emílio” de Jean-Jacques Rousseau e defendeu a dimensão espiritual no fazer educativo.

No Brasil, a Escola Nova passou a ser apropriada no mínimo desde a década de 1920, proporcionando debates pedagógicos e inspirando experiências escolares, bem como reformas educacionais (Carvalho, 2003). Os olhares dos educadores brasileiros dividiram-se entre os que miraram os EUA, particularmente a experiência na Escola Laboratório da Universidade de Chicago e as obras pedagógicas de John Dewey, e aqueles que observavam e seguiam os ensaios diversificados no continente europeu. Assim, Anísio Teixeira realizou estudos nos EUA na década de 1920 e disseminou obras do círculo deweyano; Lourenço Filho visitou instituições educativas e pedagógicas norte-americanas, que tinham ligações com educadores europeus; Fernando de Azevedo as que tinham conexões mais estreitas com países europeus, especialmente aqueles de viés sociológico. Os educadores brasileiros fizeram circular e usaram mais as matrizes pedagógicas plasmadas na França, Suíça francófona (Instituto Jean-Jacques Rousseau), Itália e, posteriormente, na Espanha da II República.

Este dossiê contempla ideias pedagógicas e/ou experiências educativas sobre as interrelações entre a Escola Nova e a pedagogia católica da Europa latina. No artigo Maria Montessori: educação, ciência e catolicismo, Rui Trindade explora os traços católicos na pedagogia montessoriana. A obra de Maria Montessori é seminal no movimento escolanovista, teve disseminação rápida e em escala mundial e, grosso modo, foi bem recebida pelos educadores católicos. Sob o título Educação liberal em Jacques Maritain, Terezinha Oliveira e Névio de Campos constatam as relações entre educação católica e Escola Nova na obra Rumos da Educação, de Jacques Maritain, resultado de suas conferências ministradas nos Estados Unidos em meados do século XX. Em Domingos Evangelista, tradutor de Ferrière: reflexões a propósito de uma tradução conservadora de l’école active, Joaquim António de Sousa Pintassilgo e Alda do Carmo Namora Soares de Andrade procuram compreender como um educador português ressignificou o principal livro de Adolphe Ferrière a partir de crivo nacional-católico no início do Estado Novo em Portugal. Nesta mesma perspectiva, José Eduardo Franco e Rita Balsa Pinho analisam as representações feitas por discípulos de Loyola do movimento escolanovista no artigo A crítica jesuíta à Escola Nova na revista Brotéria (décadas de 1930 e 1940). Enfim, Laurent Gutierrez reflete sobre a apropriação das classes nouvelles - experiência renovadora no ensino secundário público e laico da França no pós-Segunda Guerra - em um colégio católico francês.

Os artigos que focalizam o escolanovismo católico no Brasil abordam três momentos históricos diferentes. Em A Cruzada Pedagógica pela Escola Nova e ação do professorado católico no Rio de Janeiro (final da década de 1920), Mauro Castilho Gonçalves explora um movimento cruzadista em prol da Escola Nova, liderado pelo intelectual católico Everardo Backheuser. Trata-se de um momento em que os educadores liberais, católicos e comunistas congregavam-se na Associação Brasileira de Educação (ABE), que defendia a regeneração da educação nacional a partir da ação das elites. No artigo Escolanovismo católico em manuais de pedagogia de Everardo Backheuser (1934-1948), Maristela da Rosa e Gladys Mary Ghizoni Teive analisam como dois manuais de pedagogia para a escola normal fizeram uma leitura da Escola Nova a partir do filtro católico no momento de debate educacional exacerbado provocado pela publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Por fim, em Circulação e apropriação da pedagogia personalizada e comunitária no Brasil (1959-1969), Norberto Dallabrida busca entender como se deu a disseminação e o uso da pedagogia faureana nas classes secundárias experimentais de alguns colégios católicos brasileiros.

Acreditamos que a temática deste dossiê é inédita na historiografia da Educação brasileira e apresenta relevância pedagógica singular na medida em que lança novos olhares sobre as conexões entre a Escola Nova e a pedagogia católica em países europeus e no Brasil em perspectiva histórica. Algumas reflexões colocam o foco nos componentes católicos de propostas educacionais como no método Montessori ou de ideias pedagógicas como as de Jacques Maritain, bem como na cruzada pedagógica da Escola Nova ocorrida no Brasil. Por outro lado, a maior parte dos artigos aborda os usos feitos por educadores e/ou instituições de ensino católicos do movimento escolanovista, indicando a utilização da clave da Nova História Cultural. Esses estudos multifacetados sobre as circulações e apropriações da Escola Nova em discursos pedagógicos e práticas escolares católicas comprovam ainda mais a tese de Carvalho (2003) de que a Igreja Católica filtrou e ressignificou o movimento escolanovista. E indicam que os hibridismos, que marcam a história do tempo presente, também foram/são construídos no campo pedagógico e em diferentes escalas temporais.

Norberto Dallabrida Universidade do Estado de Santa Catarina
Organizadores do Dossiê José Eduardo Franco Universidade Aberta de Lisboa
Organizadores do Dossiê

Referências

AVELAR, G.A. de. 1978. Renovação Educacional Católica: Lubienska e sua influência no Brasil. São Paulo, Cortez & Moraes, 125 p. [ Links ]

CARVALHO, M.C. de. 2003. A Escola e a República e outros ensaios. Bragança Paulista, EDUSF, 355 p. [ Links ]

DUSSEL, I.; CARUSO, M. 2003. A invenção da sala de aula: uma genealogia das formas de ensinar. São Paulo, Moderna, 256 p. [ Links ]

SAVIANI, D. 2008. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas, Editores Associados, 473 p. [ Links ]

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