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Educação UNISINOS

On-line version ISSN 2177-6210

Educação. UNISINOS vol.22 no.3 São Leopoldo July-Sep 2018  Epub May 16, 2019

https://doi.org/10.4013/edu.2018.223.02 

Dossiê: Escola Nova Católica” em países europeus e no Brasil

Educação liberal em Jacques Maritain

Liberal education in Jacques Maritain

Terezinha Oliveira1 

Névio de Campos2 

1Universidade Estadual de Maringá. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Educação. Av. Colombo, 5790, Bloco I-12, Jardim Universitário, 87020-900, Maringá, PR, Brasil. teleoliv@gmail.com

2Universidade Estadual de Ponta Grossa. Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro Interdisciplinar de Pesquisa e Pós-Graduação (CIPP), Campus de Uvaranas. Av. General Carlos Cavalcanti, 4748, 84030-900, Ponta Grossa, PR, Brasil. ndoutorado@yahoo.com.br


Resumo

Examinaremos, neste artigo, a concepção de educação “liberal” de Jacques Maritain, expoente do pensamento católico europeu que não mediu esforços para defender uma educação na qual os ideais cristãos e liberais mantivessem-se vinculados. Atento aos rumos de seu tempo, projetou, em sua proposta pedagógica, aspectos da educação nova, mas também elaborou críticas a ela nos aspectos que expressariam o abandono dos ideais cristãos. A influência religiosa não o impediu de perceber as mudanças que ocorriam na sociedade, fazendo com que a Igreja Católica não fosse mais o epicentro. Identificaremos, em seu conceito de educação liberal, uma interlocução com as ideias da educação nova. A fonte central é a obra Rumos da Educação (Education at the Crossoroads), fruto de conferências proferidas entre 1943 e 1955 nos Estados Unidos, que nos permite analisar como esse intelectual problematizou questões pedagógicas tomando os preceitos católicos como referência central, sem desconsiderar as tendências da educação nova.

Palavras-chave: Jacques Maritain; educação liberal; Igreja Católica

Abstract

In this article, we will examine Jacques Maritain’s conception of “liberal” education, an exponent of European Catholic thought who did not measure efforts for advocating an education in which Christian and liberal ideals remained linked. Attentive to the directions of his time, he projected, in his pedagogical proposal, a new education, but also elaborated his opinion on the rapid abandonment of Christian ideals. His religious influence did not prevent him from perceiving the changes taking place in the society, which were making the Catholic Church no more the epicenter. We will identify an interlocution of ideas for a new education in his concept of liberal education. A central source is the work Education at the Crossoroads, the result of conferences between 1943 and 1955 in the United States, which allows us to analyze how this intellectual problematized pedagogical questions taking the Catholic precepts as a central reference, while not disregarding new proposals for education.

Keywords: Jacques Maritain; liberal education; Catholic Church

Introdução

O objetivo deste artigo é explicitar o conceito de educação liberal em Jacques Maritain (1882-1973), mostrando como ele usa essa noção para dialogar com a pedagogia moderna, indicando concordâncias ou discordâncias entre elas. A fonte é a obra Rumos da Educação, conjunto de conferências feitas entre 1943 e 1955 nos Estados Unidos. A primeira edição, em inglês, de 1943, contém “A educação na encruzilhada dos caminhos”, resultado de conferências promovidas na Universidade de Yale. A segunda parte, “Visão tomista da educação”, foi publicada no Anuário da Nacional Society for the Study of Education (Chicago), em 1955. O ensaio “Sobre alguns aspectos típicos da educação cristã” resulta de conferência pronunciada no Colégio Diocesano Kent School, em 1955, publicado pela Editora da Universidade de Yale, em 1957 “[...] num volume coletivo intitulado The Christian Idea of Education” (Maritain, 1968, p. 15). A primeira parte da versão inglesa foi traduzida no Brasil em 1947. Entre 1947 e 1968, tivemos cinco edições; a última contém as três partes acima descritas3. Nesses textos, Maritain (1968, p. 109) desenvolve a ideia de que “[...] a educação liberal é a que capacita o homem para pensar tão bem quanto o permitem suas faculdades naturais [...]” para expor sua concepção de educação católica em relação à pedagogia moderna.

Nossa leitura inscreve-se no campo da história intelectual, que estabelece a necessidade de superar as análises internalistas (história da filosofia/história das ideias) e as externalistas (história social das ideias). Segundo Dosse (2004, p. 296), “[...] um procedimento puramente internalista, considera apenas a lógica endógena do conteúdo das obras, das ideias”. Um procedimento externalista, por sua vez, “[...] se contentaria com explicações puramente externas, contextualizadas das ideias” (Dosse, 2004, p. 298). Entende que “[...] a história intelectual só parece fecunda a partir do momento em que pensa juntos os dois polos, ultrapassando essa falsa alternativa” (Dosse, 2004, p. 298).

A abordagem internalista sofreu forte crítica de Febvre, pois, conforme Chartier (2002, p. 28), “[...] por isolar as ideias ou os sistemas de pensamento das condições que autorizam sua produção, por separá-los radicalmente das formas da vida social, essa história desencarnada institui um universo de abstrações onde o pensamento parece não ter limites”. A história social das ideias, por sua vez, tem a tendência de apagar os indivíduos da história. Em diálogo com a crítica historiográfica, Chartier (2002, p. 42) sustenta que “[...] a história das ideias pende demais para a intelectualidade pura. Importa, tanto quanto a ideia - e talvez mais - a encarnação da ideia, suas significações, o uso que se faz dela”. No outro extremo, Chartier aponta que “[...] o risco da história social das Luzes, é estudar as ideias quando elas se tornaram estruturas mentais, sem apreender o momento criativo e ativo, examinar toda a estrutura geológica do passado, salvo precisamente o húmus sobre o qual crescem as plantas e os frutos”. Diante disso, Chartier (2002, p. 30) expõe que “[...] pensar de outro modo essas diferentes relações (entre a obra e seu criador, entre a obra e sua época, entre as diferentes obras de uma mesma época) exigia formar conceitos novos”.

Inserido, pois, na história intelectual, este artigo interpretará a produção de Maritain de modo cruzado com o movimento da Igreja Católica e suas estratégias para manter-se atuante em diferentes esferas do mundo social, em especial no âmbito da educação.

Maritain e o contexto intelectual do século XX

Grande parte da ambiência de formação e atuação no campo intelectual desse filósofo francês ocorreu no século XX4. Por ter vivido intensos debates, para a análise de seu escrito, consideramos relevante o uso do conceito de trajetória de Bourdieu (2008), p. 71-72):

A trajetória descreve a série de posições sucessivamente, e, portanto, seus habitus, e as forças do campo, relação que se objetiva em uma trajetória e em uma obra. Diferentes das biografias comuns, a trajetória descreve a série de posições sucessivamente ocupadas pelo mesmo escritor em estados sucessivos do campo literário, tendo claro que é apenas na estrutura de um campo, isto é, repetido, relacionalmente, que se define o sentido dessas posições sucessivas, publicação em tal ou qual revista, ou por tal ou qual editor, participação em tal ou qual grupo etc. (Bourdieu, 2008, p. 71-72).

Como pensar a trajetória de Maritain? Ele pertenceu à Ação Francesa5. De acordo com Rodrigues (2009, p. 2), “[...] é relevante o fato de que Charles Maurras e a Action Française terão importância decisiva no pensamento de Maritain até o ano de 1926”. O ano de 1926 indica o que Bourdieu destaca no conceito de trajetória, isto é, série de posições que se alteraram. Para Winock (2000, p. 239), “[...] a Ação Francesa oferecia aos jovens em busca de ordem intelectual e moral uma perspectiva de ação de que não há outro exemplo, na França, a não ser sua antípoda, a organização comunista”. Além disso, “[...] ela exercia, nas alas católicas, o que Jacques Maritain chama de um “principado de opinião”, que se estendeu às alas dos eclesiásticos, satisfeitos de encontrarem na Ação Francesa um braço secular contra os leigos, os franco-maçons e todos os inimigos da Igreja” (Winock, 2000, p. 239).

Maurras era visto de maneira distinta dentro do clero, o que indica haver diferentes posições no interior da Igreja Católica. Entre os alinhados da “Igreja Católica Romana, profunda e inflexivelmente reacionária como era sua versão oficial consagrada pelo primeiro Concílio Vaticano de 1870” (Hobsbawm, 2004, p. 118), o pensamento da Ação Francesa tinha significativa receptividade. Mas, em 29 de dezembro de 1926, “Pio XI torna público que as obras de Maurras, citadas em 1914, e o jornal L’Action française estão no índex” (Winock, 2000, p. 243). Observa ainda que, em 8 de março do mesmo ano, “[...] uma bula da Sacra Penitenciária especificava as sanções impostas aos católicos que persistissem em propagar as ideias de Maurras, ou apenas em ler seu jornal” (Winock, 2000, p. 243-244).

Segundo Winock (2000, p. 247), “[...] a condenação de 1926 teve o efeito de modificar o clima do meio intelectual católico”. É interessante observar a posição de Maritain quando da condenação da Ação Francesa: “Por mais que fosse ligado à Ação Francesa, esse filósofo tomista recebe o acontecimento como católico obediente: procura compreender, analisar, para, finalmente, aprovar” (Winock, 2000, p. 246). Essa condenação abre espaço aos “[...] democratas-cristãos, por tanto tempo espezinhados” (Winock, 2000, p. 247). Essa situação é interpretada de modo semelhante por Hobsbawm (2004, p. 118), ao indicar que a conjuntura da era fascista contribuiu para a virada na história católica. Por um lado, “[...] a identificação da Igreja com a direita, cujos maiores porta-vozes internacionais eram Hitler e Mussolini, criou substanciais problemas morais para os católicos com preocupações sociais”. Por outro, “[...] o anti-fascismo, ou a simples resistência patriótica ao conquistador estrangeiro, pela primeira vez dava legitimidade ao catolicismo democrático (democracia cristã) dentro da Igreja”. Depreendemos, pois, que o movimento católico apresentava contradições.

Conforme Winock (2000, p. 547), “[...] a condenação da Ação Francesa, deu asas às tendências democráticas e liberais do catolicismo”. Além disso, “[...] uma nova geração, a de Emmanuel Mounier, quis mesmo ultrapassar o objetivo dos democratas-cristãos, que era a reconciliação entre os católicos e a democracia parlamentar laica: Esprit [Revista] declarou-se revolucionária”. E mais, “[...] algumas ordens religiosas [...] lançam publicações que ferem o conformismo da direita conservadora”. Esse cenário leva Winock (2000, p. 547) a afirmar que: “a Segunda Guerra Mundial foi o momento da integração definitiva dos católicos na República”.

Nesse contexto, teve reverberação entre os católicos as reflexões de Mounier e Maritain, pois essa atmosfera intelectual estabeleceu um clima no qual “[...] os fiéis já não precisam ter complexo de inferioridade” (Winock, 2000, p. 558). Acrescenta, os católicos “[...] orgulham-se de responder aos desafios de Nietzsche e Marx; sua religião não é alienação [...], mas fonte de ardor e de heroísmo. O orgulho, o otimismo, o senso do dever caracterizam essa nova geração cristã, ao término da guerra” (Winock, 2000, p. 558). Maritain, de integrante da Ação Francesa, transforma-se em adversário de Maurras: o patrono dela tem como inimigos “[...] todos aqueles que, criados no seio da Igreja, escolhem a Resistência contra Vichy. Jacques Maritain é denunciado por Jacques Delebecque como ‘uma luz da Antifrança’ (9 de fevereiro de 1942)” (Winock, 2000, p. 461, grifo do autor).

Maritain integra o grupo que, no seio da resistência francesa, fazia frente ao avanço do regime autoritário, pois “[...] a defesa da democracia tornava-se premente. Fazia parte da responsabilidade dos intelectuais” (Winock, 2000, p. 794). Esse movimento ganha um sentido mais forte no fim da Segunda Guerra, já que havia um sentimento de derrota dos regimes totalitários e a emergência de um espírito democrático. A ação de Maritain pode ser pensada no âmbito do que se denomina de intervenção política dos intelectuais, pois, desde o famoso caso Dreyfus, a Europa tornou-se palco de discussão e de intervenção dos intelectuais no mundo social. Com efeito, esse caso é utilizado por estudiosos para estabelecer o nascimento dos intelectuais. Segundo Leclerc (2004, p. 9), “[...] a verdade, pelo menos, é que o termo utilizado enquanto rótulo no debate público nasce por ocasião do Caso Dreyfus”. Todavia, essa situação não significa que em outras épocas inexistissem grupos que se ocupavam das atividades do pensamento (Bobbio, 1997).

É possível identificar a partir da nova terminologia nascida dessa situação, que se difundiu, primeiramente, na França, e, depois, em outras partes, com um sentido peculiar. Vieira (2008, p. 71) sustenta que naquele “[...] contexto os intelectuais foram, por um lado, entendidos como defensores intransigentes da liberdade e da justiça e, por outro, como traidores da pátria e da nação”. Mais: destaca que “[...] na cultura política francesa o conflito entre dreyfusards e anti-dreyfusards caracterizou o engajamento dos intelectuais contra as ações do Estado republicano”. Segundo Winock (2000, p. 81), “[...] o dreyfusismo, apesar de suas falhas, professava a universalidade da lei moral: era preciso respeitar o homem, o gênero humano, em cada homem”. Por outro lado, “[...] o nacionalismo recusava essa universalidade [...]; trazia consigo esse ódio das raças, essa xenofobia, que se manifestava, violenta, no anti-semitismo”.

Ressalte-se que o campo intelectual ganha reverberação a partir do contexto francês dos séculos XVIII e XIX. Conforme Sapiro (2012, p. 20), “[...] se na maior parte das sociedades encontramos um grupo ou categoria de indivíduos exercendo uma função intelectual, como o clero, é somente a partir do século XVIII que emerge na Europa um campo intelectual relativamente autônomo”. A noção de campo intelectual está associada “[...] à expansão da escolarização, [a]o desenvolvimento das universidades, a ascensão do paradigma científico, a industrialização da produção de impressos” (Sapiro, 2012, p. 20). Esses elementos, destaca ainda, “[...] contribuem à afirmação do poder simbólico dos “intelectuais” e de sua aparição como categoria social no final do século XIX”.

A trajetória de Maritain está comprometida com a posição da Igreja Católica no contexto de repulsa ao que denomina de “[...] ideologias totalitárias ou racistas, que não pertencem à civilização” (Maritain, 1968, p. 32) e de defesa de que “[...] o homem de nossa civilização é o homem cristão mais ou menos laicizado”. Essa orientação no seio da Igreja Católica - iniciada no final do século XIX - teve um impacto marginal, pois, “[...] com exceção da Itália, onde o papa Benedito XV permitiu por um breve período que um grande Partido Popular (católico) surgisse após a Primeira Guerra, até o fascismo destruí-lo, os católicos democráticos continuaram sendo minorias políticas marginais” (Hobsbawm, 2004, p. 119). Sua proposição é uma tentativa de atualização do pensamento católico no contexto posterior à Segunda Guerra Mundial.

Ideias pedagógicas de Maritain

Em sua trajetória intelectual, Maritain ocupou-se com debates pertinentes aos diversos aspectos da filosofia, em particular com a metafísica, ética e política, e envolveu-se com os problemas específicos da educação. O livro Rumos da Educação é sua principal contribuição ao debate da educação católica. Ele sintetiza sua posição no âmbito pedagógico, pois, conforme anuncia no início da segunda parte “[...] o pensamento tomista se opõe aos sistemas filosóficos (particularmente ao pragmatismo), aos quais a educação progressiva frequentemente recorre para se justificar” (Maritain, 1968, p. 185)6. Não obstante, afirma que concorda “[...] sob vários aspectos com os meios e métodos práticos da educação progressiva, quando não corrompidos por preconceitos ou intemperança ideológica” (Maritain, 1968, p. 185-186)7.

O conceito de educação liberal perpassa sua obra pedagógica. Na primeira parte “A educação na encruzilhada dos caminhos”, ele debate os fins da educação (capítulo 1), o dinamismo da educação (capítulo 2), as humanidades e a educação liberal (capítulo 3), as experiências da educação contemporânea (capítulo 4). Na segunda, “A educação da pessoa”, apresenta uma visão tomasiana da educação (capítulo 1), sobre alguns aspectos típicos da educação cristã (capítulo 2). Além disso, em anexo, sistematiza o texto sobre o problema da escola pública na França. Dado que a obra contém 306 páginas e os aspectos nela debatidos são diversos, serão privilegiados partes e capítulos diferentes para explicitar o conceito de educação liberal. De um lado, indicar-se-á elementos da educação católica que se contrapõem ao que denomina de “[...] pragmatismo e educação progressiva” (Maritain, 1968, p. 201). De outro, sublinhar os modos como se apropria dessa corrente pedagógica, em especial ao sustentar que a crítica não impede de reconhecer a contribuição “[...] da educação progressiva para nossos métodos com benefícios inestimáveis” (Maritain, 1968, p. 197).

O capítulo 1, referente à primeira parte, expressa a principal crítica de Maritain ao que denomina de concepção científica de homem, pois faz defesa de que “[...] a tarefa principal da educação é primeiramente formar o homem, dirigir o desenvolvimento dinâmico pelo qual ele vem a ser homem” (Maritain, 1968, p. 26). A partir disso, sustenta que o primeiro erro da educação do século XX consiste em ignorar os seus fins ou em transformar os meios em fins educacionais. Observa que “[...] esta supremacia dos meios sobre o fim e o desmoronamento consecutivo de todo propósito seguro e eficácia real parecem ser a principal censura que podemos fazer à educação contemporânea” (Maritain, 1968, p. 28). Os efeitos no campo pedagógico são descritos quando Maritain (1968, p. 28) assevera que “[...] a criança é de tal maneira submetida a testes, [...] suas necessidades tão especificadas [...] que a finalidade de todos esses benefícios tão apreciados corre o risco de ser esquecida ou então desprezada”. Na sequência, filtra a sua crítica ao reconhecer o avanço dos meios e métodos pedagógicos. Trata-se de uma demarcação do pensamento católico em contraposição aos movimentos pedagógicos que disputavam posições no campo acadêmico e político, sem desconsiderar, porém, os elementos dos processos de ensino e aprendizagem.

Aliado à questão dos fins da educação estaria, na sua avaliação, um equívoco do que seria o fim da pessoa. O autor afirma que há duas concepções de homem. De um lado, a científica, que rejeita a dimensão ontológica e “[...] tende somente a coligir dados que possa medir e observar, e é levada a não considerar o ser ou a essência” (Maritain, 1968, p. 29). De outro, a filosófico-religiosa, ontológica, isto é, “[...] ocupa-se com os caracteres essenciais e intrínsecos e com o conteúdo inteligível desse ser que é chamado homem” (Maritain, 1968, p. 29-30). Essa distinção não implica em recusa das contribuições da ciência. Antes, sua apropriação é nítida, ao afirmar que “[...] a concepção puramente científica do homem fornecerá dados inestimáveis e sempre novos em relação aos meios e instrumentos educacionais”.

De outra parte, Maritain (1968, p. 194) trata de estabelecer os fins da educação a partir do pensamento tomista, afirmando que “[...] o fim primário da educação, no sentido mais largo, é auxiliar um filho do homem a atingir sua plena formação de homem”. Observa que a transmissão da cultura, preparação para a vida social e cidadania, formação moral, seriam consequências da finalidade primária. Nesse debate vincula o saber científico e o conhecimento filosófico. A esse respeito Maritain (1968, p. 195) sustenta que “[...] a psicologia empírica nos fornece informações inestimáveis e em números sempre crescente, das quais o nosso método prático de orientar a criança e a juventude para seus fins, deve aproveitar”. Não obstante, “[...] por si mesma não poderá fornecer nem os fundamentos nem as direções primeiras em matérias de educação, pois aquilo que esta necessita conhecer é o que o homem é, quais os princípios constitutivos do seu ser, qual seu lugar e valor no mundo, qual o seu destino”.

A busca desses fundamentos seria atribuição do conhecimento filosófico, em particular da filosofia católica, assinalando que a concepção tomista de homem é a síntese da concepção grega, judaica e cristã na medida que sustenta ser o homem constituído de razão (grega), marcado pela relação com Deus (judaica), e conformada pela condição do pecado original e redimido pela graça (cristã). Afirma, também, sua antropologia filosófica, calcada na indissociabilidade de corpo, intelecto e espírito, sem deixar de reconhecer a condição histórica da humanidade. Para Maritain (1968, p. 239), “[...] a educação cristã não deve adorar o corpo humano como fizeram os antigos gregos, mas ela está plenamente consciente da importância da cultura física para um são equilíbrio do ser humano integral”.

Maritain (1968, p. 176) entende que “[...] o homem evolui na história. Entretanto, [...] seus direitos e aspirações como pessoa, o seu destino diante Deus não mudam”. Por isso, os fins secundários da educação sofrem alterações, pois precisam adaptar-se aos ditames da historicidade. Já o fim supremo, explicitado anteriormente, é imutável. Para Maritain (1968, p. 197), “[...] a natureza humana não muda, mas o conhecimento que dela temos pode ser filosoficamente falso ou inadequado”. A partir daí postula a particularidade da concepção católica de educação, ao sustentar que “[...] uma filosofia cristã do homem não o considera como um ser puramente natural, mas como um ser natural e sobrenatural” (Maritain, 1968, p. 241). Nesse aspecto, destaca que essa defesa deve-se ao caráter essencial da educação do ser humano, mas também de resposta às demandas para superação dos regimes totalitários. Assim, observa que se fazia necessário lutar “[...] por uma civilização personalista e comunitária fundada sobre os direitos humanos e satisfazendo às aspirações e necessidades sociais do homem” (Maritain, 1968, p. 143).

Sua relação com a cultura norte-americana ganha um capítulo à parte ao eleger o pragmatismo como terceiro erro pedagógico. Na acepção do pragmatismo, segundo esse filósofo, existiria a superestimação da ação, sem considerar que ela estaria vinculada aos fins. Não recusa o conceito de ação, mas indaga qual seria a melhor interpretação do conceito de ação. Conforme Maritain (1968, p. 39, grifo do autor), “[...] insistir sobre a importância da ação, da ‘práxis’, é coisa excelente, pois viver é agir”. Mais adiante, reconhece que “[...] a pedagogia moderna fez progressos inestimáveis insistindo sobre a necessidade de analisar cuidadosamente o sujeito humano e não o perder de vista [...]”, mas sem deixar de assinalar que “[...] o erro começa quando o objeto a ensinar e sua primazia são esquecidos e quando o culto dos meios [...] resulta numa espécie de adoração psicológica do sujeito” (Maritain, 1968, p. 41).

A interlocução com o pragmatismo remete ao que descreve a respeito da relação ação e contemplação. A seu ver, outra característica da modernidade a ser superada é a “[...] separação entre o trabalho ou atividade útil e o desabrochar de vida espiritual e de alegria desinteressada, dispensadas pelo conhecimento e pela beleza” (Maritain, 1968, p. 144). Essa nota pode ser melhor compreendida ao se aproximar da assertiva de Arendt (2004, p. 302, grifo do autor) de que a modernidade promoveu “[...] a inversão da ordem hierárquica entre vita contemplativa e a vita activa”. Sob esse aspecto, Maritain (1968, p. 199) declara que “[...] a educação não visa fazer da criança ou do adolescente douto, um sábio, um contemplativo”. No entanto, “[...] será preciso dizer que o saber é de natureza contemplativa, e que a educação na sua obra final e mais elevada, tende a desenvolver a capacidade contemplativa do espírito humano” (1968, p. 199). Maritain (1968, p. 199) prossegue, dizendo que se existe essa tendência, “[...] não é para que o espírito pare no ato de conhecer e de contemplar, nem ao contrário, que subordine o conhecimento e a contemplação à ação”. A seguir, registra que “[...] a preocupação da ação e da vida prática deveria ser reabilitada na educação” (1968, p. 201). Não obstante, assevera que “[...] o mal está em que a hierarquia de valores tenha sido ao mesmo tempo violada. Temos que integrar algumas vistas do pragmatismo e da educação progressiva numa concepção não pragmática atenta à ordem orgânica do conhecimento e orientada para a sabedoria” (1968, p. 201).

Outro sistema de pensamento fortemente criticado por Maritain é o que chama de sociologismo. Para ele, essa tendência teórica assinala que a função da educação é conformar os indivíduos a viverem na sociedade. De modo recorrente, sua narrativa reconhece que “[...] ter dado à educação um senso mais profundo da experiência, tornando-a mais próxima da vida concreta e penetrada desde o início de preocupações sociais, é um progresso de que a educação moderna se orgulha com razão” (Maritain, 1968, p. 44).

A contraposição segue ao que classifica por intelectualismo e voluntarismo, dois problemas da pedagogia moderna. Ao primeiro estaria associada a busca pela erudição e apreço pela especialização científica. No segundo vê-se a primazia dos desejos e da vontade. Reconhece a contribuição dessas tendências, desde que mediadas pela educação integral católica. Propõe uma pedagogia que valoriza os sentimentos e a racionalidade, pois, o “[...] envolver mútuo da inteligência e da vontade encontra-se na educação tomada em sentido lato. A educação completa do ser humano deve contribuir para que, tanto a inteligência como a vontade caminhem para sua perfeição” (Maritain, 1968, p. 52).

Outro momento do debate de Maritain com o pensamento pedagógico é o que chama de esferas educacionais (família, escola, estado e igreja) e esferas extra-educacionais (todo campo da atividade humana). Nessas esferas estão inseridas a tradição ocidental, a qual preconiza a escola moderna como lugar de passagem obrigatória das novas gerações, conforme atesta Ariès (2012, p. 195): “[...] a família e a escola retiraram juntas a criança da sociedade dos adultos”. Desse modo, o filósofo católico trata de especificar as funções da educação escolar:

Resume-se em dois pontos principais. Em primeiro lugar, o professor deve ser solidamente formado na Psicologia infantil e aí ser atento, menos pela ambição de formar a vontade e os sentimentos da criança, do que para não os deformar ou ferir com erros pedagógicos para os quais os adultos parecem ser naturalmente inclinados. Em segundo lugar, a escola e a vida escolar têm que se haver como o que sugerimos chamar a formação “pré-moral”, que não se refere à moralidade propriamente dita, mas ao preparo e primeiro cultivo em seu solo (Maritain, 1968, p. 59, grifo do autor).

Assim, Maritain reconhece que a educação escolar é constituinte do homem no projeto da modernidade. Na história da educação observa-se a intensa presença da Igreja Católica no processo de constituição da escola moderna (Boto, 2002). Com efeito, Maritain (1968, p. 57) sustenta que a educação escolar “[...] refere-se apenas ao começo e à preparação normal da educação do homem”. Esse debate insere-se no que ele classifica como exagero das pedagogias modernas ao enxergar na escola a responsabilidade pelo ensino de tudo. Ao lado da escola, a tradição católica sustenta que a tarefa educativa da família é de natureza transcendental, guardando relação com a concepção de história humana como extensão da história de Deus. Assim, caberia à família a formação moral da criança, portanto, a preparação para uma vida adulta dentro de determinados princípios morais.

Ao trazer essa ideia de unidade [moral e científica] para a educação, ele dialoga com a pedagogia moderna. Assim, “[...] toda obra da educação e do ensino deve tender a unificar, não a dispersar, esforçando-se constantemente por assegurar e cultivar a unidade interior do homem” (Maritain, 1968, p. 83). Para ele, a formação para os trabalhos manual e intelectual “[...] foi particularmente esclarecido pela pedagogia moderna ao tratar da infância. Mas também se aplica à adolescência” (Maratain, 1968, p. 83-84). Nesse debate, insere um elemento fundamental do pensamento da modernidade, a saber: “[...] a educação e o ensino devem começar pela experiência, a fim de terminar pela razão” (1968, p. 84). Essa indicação o aproxima dos debates da pedagogia moderna, pois sustenta que “[...] a experiência sensível está no início de todo nosso conhecimento, e a educação deve seguir o curso da natureza. Os métodos modernos atenderam perfeitamente a isso, sobretudo no que concerne à criança”. Dito isso, Maritain (1968, p. 85) procura indicar que “[...] a grande questão é extrair da experiência as correlações racionais e necessárias, de que esta traz o germe, e que não se tornam visíveis senão por meio da abstração e dos conceitos universais à luz dos primeiros princípios intuitivos da razão”.

Essa ação, na sua avaliação, não é completa nem na tradição empirista, nem na racionalista, mas na filosofia católica. Sua preocupação é com o conceito de unidade no processo de formação. Observa Maritain (1968, p. 86-87) que “[...] a extraordinária multiplicidade dos campos de conhecimento, devida aos progressos da ciência moderna, torna indubitavelmente o trabalho de unificação mais difícil do que nunca”. Em virtude disso, seria necessário o estabelecimento de uma hierarquia dos saberes. Nesse momento, o pensador francês se distancia da pedagogia moderna, pois sustenta que “[...] a educação e o ensino só podem tornar efetiva sua unidade interna se toda sua obra for organizada por uma visão da sabedoria como finalidade suprema e se se propuser tornar a criança progressivamente capazes de participar dos frutos intelectuais e morais da sabedoria” (Maritain, 1968, p. 87).

Sua posição ganha substância ao debater a questão das humanidades e a educação liberal (capítulo 3 da primeira parte do livro). Em primeiro lugar, reconhece a divisão de três esferas do conhecimento: educação elementar; educação secundária e o colégio; e ensino superior. Sua reflexão a respeito dessas esferas do conhecimento tem como fio condutor a ideia de educação liberal. Ao tratar da educação elementar merece destaque o reconhecimento do conceito de infância, pois sustenta que “[...] a estrutura física da criança não é a do adulto em miniatura. A criança não é um anão. Nem tampouco o adolescente. E isto é muito mais verdadeiro e mais importante ainda em relação à estrutura psicológica, do que em relação à estrutura física” (Maritain, 1968, p. 102).

Ao retratar a criança dá pistas de interlocução com os debates consubstanciados no conceito de infância. Ao tratar das normas fundamentais da educação, Maritain (1968, p. 75) observa que “[...] a primeira regra é estimular e favorecer as disposições fundamentais, que permitem ao agente principal - criança - a possibilidade de desenvolver-se na vida da inteligência”. Para Maritain (1968, p. 104), “[...] o universo da criança é o universo da imaginação, - que evolui progressivamente para a vida racional”. Nesse aspecto, Maritain (1968, p. 105) atribui à escola e ao professor a tarefa “[...] de civilizar o espírito da criança, [de] submeter progressivamente a imaginação à lei da razão, lembrando-se sempre de que o trabalho do espírito da criança realiza-se sob a lei vital e perfeitamente normal da imaginação”.

Essas observações ganham maior amplitude se entendidas na assertiva de que “[...] a descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numeroso e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII” (Ariès, 2012, p. 28)8.

Outro elemento importante seria a premência pela superação da divisão entre a experiência religiosa e a experiência secular, característica marcante do projeto da modernidade. Para Maritain (1968, p. 143-144), “[...] a educação do amanhã deve acabar com a separação entre inspiração religiosa e a atividade secular do homem, já que o humanismo integral deve apresentar um esforço de santificação da experiência profana e temporal”. A tentativa de constituição dessa unidade representaria a própria resistência ao projeto da modernidade, pois, conforme Touraine (2002, p. 18) “[...] a ideia de modernidade substitui Deus no centro da sociedade pela ciência, deixando as crenças religiosas para a vida privada [...]”, o que implicaria em uma individualização dos princípios de religiosidade, portanto, o fim de uma religião de natureza comum e pública, como a católica.

Assim, sua preocupação com uma educação integral, sem que fossem descurados os princípios cristãos, é observada em sua proposta de ensino para o adolescente. Ao tratar dela enfoca a condição do jovem. Igualmente, mostra concordância com a leitura da psicologia, tributária da visão de que “[...] o adolescente representa um estado de transição para o universo do homem. A capacidade de julgar e o vigor intelectual estão se desenvolvendo, mas não foram ainda realmente adquiridos” (Maritain, 1968, p. 106). De forma comparativa, diz (Maritain, 1968, p. 107), “[...] assim como a imaginação constituía o céu mental da infância, agora, a razão natural que vai surgindo é o céu mental do adolescente. É com o raciocínio que o adolescente se exalta, se enleva”. Em seguida, afirma que a significação “[...] de uma ciência ou arte está contida na verdade ou na beleza específica que elas oferecem. O objetivo da educação é zelar para que a juventude apreenda essa verdade ou essa beleza” (Maritain, 1968, p. 108).

O debate em torno da educação do jovem ganha um item à parte para tratar do que denomina de caráter universal da educação liberal. Nesse aspecto, ressalta o sentido das humanidades na formação do jovem, afirmando que “[...] a educação do ciclo ginasial, educação liberal deveria ser dada a todos, de maneira a completar a preparação dos jovens antes que entrem na idade adulta” (Maritain, 1968, p. 109-110). Somente após essa formação básica e universal, o jovem deveria dirigir-se às especialidades. Maritain (1968, p. 192-193) avança nesse aspecto, ao dizer que “[...] a juventude pode ser iniciada, não em um conhecimento científico supostamente condensado, mas a um certo discernimento real, unificado e articulado a natureza e do significado do saber próprio dos homens que têm a faculdade de possuir virtudes intelectuais”. Sua posição é enfática para estabelecer que “[...] a educação não deve jamais abandonar a ideia de conhecimento universal, mas deve tomar consciência que um conhecimento universal só é possível no nível não científico, no nível da inteligência natural, não no da ciência e das virtudes intelectuais” (Maritain, 1968, p. 193). Sua proposição de educação universal associa-se à educação secundária e pré-universitária, conformada por “[...] uma educação liberal de base” (Maritain, 1968, p. 193). O que seria a educação liberal? Para ele, a primeira necessidade seria ampliar o conceito de humanidades ou de artes liberais a fim de contemplar as novas ciências, física, ciências naturais, história das ciências, etnologia, história das culturas, tecnologia. A segunda seria sistematizar uma forma concisa de se ensinar toda essa nova cultura às crianças e aos jovens, sem torná-las enfadonhas e sem unidades. Nesses termos, Maritain (1968, p. 222) observa que “[...] o objetivo da educação liberal de base não é a aquisição da própria ciência, ou da própria arte, mas antes a apreensão de sua significação e uma certa compreensão da verdade e da beleza às quais elas se ligam e que não cessam de enriquecer o patrimônio da cultura”.

A educação de base se refere ao período do colégio e secundário. A caracterização desses momentos é que não se considera os estudantes a serem preparados para exercer alguma profissão: “[...] trata-se de um mundo de conhecimento adequado à inteligência natural”. O ensino superior, todavia, seria o momento de conhecimento “[...] adequado às virtudes intelectuais” (Maritain, 1968, p. 223). A educação posterior ao secundário prevê formação profissional e/ou ensino especializado, sem deixar de “[...] prosseguir e aperfeiçoar sua educação humanista, o que será simplesmente impossível se ele não tiver sido previamente preparado por uma educação liberal de base suficientemente completa” (Maritain, 1968, p. 224).

Destaque-se que na sua proposta de ensino, a relação entre escola e religião é bastante peculiar, pois, no contexto de constituição da educação laica, ele associa à educação liberal ou humanismo integral a necessidade de educação religiosa. Sua argumentação sustenta que a formação moral e/ou para a vida não é suficiente com o modelo de escola laica. Nesse ponto, Maritain (1968, p. 229) afirma ser “[...] uma obrigação para a escola e a universidade não apenas esclarecer os estudantes sobre os assuntos morais, mas também permitir-lhes receber uma plena educação religiosa”. Aqui reside o intenso debate da Igreja Católica. Este filósofo dialoga com a laicidade na educação. Entretanto, assume uma posição conciliatória ao atestar que “[...] uma nítida distinção entre a Igreja e o Estado não significa que devam viver numa mútua ignorância e isolamento”.

Para Maritain (1968, p. 230), “[...] a formação religiosa deve se tornar possível - não a título de obrigatório, mas como matéria de livre escolha - à população estudantil de acordo com os seus desejos e os de seus pais, e deve ser ministrada por representantes dos diversos credos”. Sua argumentação é que o ensino de Deus deveria ter o mesmo direito de estar na cultura curricular como os conhecimentos da física. Avança nessa discussão para defender a presença da teologia no sistema universitário. Mesmo reconhecendo que entre estudantes e docentes existiam crentes e não crentes, defende que a “[...] universidade não pode deixar de tomar posição e deve tomá-la acerca da existência de Deus. Uma universidade ateia, onde não é ministrado o ensino teológico, é algo de intelectualmente incoerente”. Mais do que isso, “[...] a educação liberal não pode completar sua obra sem o conhecimento do domínio específico e das preocupações próprias da sabedoria teológica”. Todo estudante universitário deveria acessar esse saber, pois “[...] seu objeto não seria formar um sacerdote, um ministro, um rabino, mas esclarecer estudantes sobre as grandes doutrinas e perspectivas da sabedoria teológica” (Maritain, 1968, p. 235). Não obstante, Maritain pensava a teologia na forma optativa, uma vez que proclama: “Seria ministrado de acordo com a diversidade de credos, por professores pertencendo às principais crenças religiosas, dirigindo-se cada um aos estudantes de sua confissão” (Maritain, 1968, p. 236). Além disso, afirma que “[...] os estudantes que nutrissem preconceitos contra a Teologia estariam dispensados de seguir tais cursos e teriam licença de ficar com uma sabedoria incompleta”. A educação liberal se daria da educação da criança ao ensino universitário, demarcada pela concepção de educação integral ou humanismo integral.

Considerações finais

A proposta deste artigo inscreve-se no âmbito da história intelectual, conforme explicitado. Buscou-se pensar o conceito de educação liberal de Maritain a partir da relação entre a obra e seu autor, entre a obra e sua época de produção e entre as várias obras da época de escrita de Rumos da educação. Nesse movimento de análise, procurou-se trazer elementos para se entender a relação da Igreja Católica com o que ele denominava pedagogia progressiva.

O recorte para pensar este problema foi a atuação de Maritain, em particular seus escritos organizados na obra Rumos da educação, que faz parte de um conjunto de obras desse filósofo, entre elas Humanismo integral (1962). Nesse conjunto, procurava inscrever a Igreja Católica no debate filosófico e pedagógico da modernidade9, em especial na tentativa de estabelecer um movimento de conciliação entre os preceitos da ciência moderna e os princípios do catolicismo, isto é, substituição de um “[...] regime inumano que agoniza aos nossos olhos, por um novo regime de civilização que se caracterizaria por um humanismo integral” (Maritain, 1962, p. 7). De modo particular, em Rumos da educação é possível identificar a sua tentativa de apresentar a proposição católica às demandas do contexto do pós-guerra, sem deixar de considerar os avanços das ciências pedagógicas modernas e de reafirmar os princípios da pedagogia religiosa.

Sua proposição pode ser compreendida no âmbito da atualização do próprio pensamento católico e da atuação da Igreja. Esse movimento ganhou um sentido muito forte na conjuntura do fim da Segunda Guerra Mundial, pois havia um sentimento de derrota dos regimes totalitários e emergência de um espírito democrático. Winock (2000, p. 547) sustenta que “a Segunda Guerra Mundial foi o momento da integração definitiva dos católicos na República [...]”, mais adiante salienta que “[...] um clima inteiramente novo proporciona uma influência que a Igreja havia perdido desde o final do século 19. Católicos declarados tornam-se ministros e até chefes de governo” (Winock, 2000, p. 548). Nesses termos, a posição de Maritain seria uma interpretação distinta do que comumente se descreve a respeito do catolicismo ultramontano ou romanizador, quando a Igreja entendia a modernidade “[...] como o ápice da perdição do gênero humano e se lhe atribuindo a tarefa e o direito de resgatar a humanidade decaída, a alta hierarquia se propôs a desmontar o mundo moderno, recristianizá-lo e reconstruí-lo em conformidade com seus princípios” (Zulian, 2009, p. 45).

A rigor, as posições filosófico-teológicas e pedagógicas desse pensador católico podem ser compreendidas no movimento de tentativa de superação da ideia quase absoluta de condenação da modernidade, cuja expressão seria o Vaticano I (1870) e afirmação de um pensamento e práticas de conciliação com os preceitos da modernidade, cuja demarcação institucional seria o Vaticano II (1965).

É, pois, nesse cenário que lemos a obra Rumos da educação. Nossas reflexões destacaram partes dos escritos que indicam a relação de Maritain com o que chamava de pedagogia progressiva, nas quais mostrava suas convergências e suas divergências. São escritos que procuram atualizar a posição filosófica e pedagógica da Igreja Católica, pois, além das discussões atinentes aos princípios e fundamentos da educação católica, Maritain apresenta sua posição a respeito da relação escola e sociedade e do problema da escola pública na França. Ao pensar a relação da Igreja Católica com a Pedagogia Moderna a partir de Maritain, este artigo contribui com este dossiê, cuja intenção é problematizar as formas de interlocução dos católicos com as novas tendências pedagógicas.

Referências

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3A primeira edição é de 1947; a segunda é de 1959; a terceira é de 1963; a quarta é de 1966; e a última é de 1968.

4Este item é uma reformulação de partes dos artigos “Por uma história da filosofia da educação de Jacques Maritain” (2012) e “O problema da natureza humana em Jacques Maritain” (2013) de Névio de Campos.

5Parte-se, neste texto, da inserção e saída Maritain da Ação Francesa para pensar a sua posição institucional para problematizar o sentido de seu escrito pedagógico. Para efeito de compreensão de aspectos peculiares da biografia desse filósofo sugerimos o artigo “Evocação de uma vida e obra: Jacques Maritain” (Lepargneur, 1974).

6Esta afirmação em relação à concepção de educação de Tomás de Aquino precisa ser vista com reserva, pois diversos escritos desse escolástico como Sobre o ensino (2001), A unidade do intelecto contra os averroistas (1999), anunciam uma percepção distinta de homem, de educação, de sociedade. Maritain, como intelectual, é verdade, apropria-se das formulações de Aquino em consonância com os seus interesses políticos.

7É importante destacar que as discussões a respeito dos problemas da educação aconteceram no período em que Maritain residiu e ensinou nas universidades norte-americanas. Daí a assertiva no prólogo de Rumos da educação de que se trata de um ensaio em uma perspectiva americana.

8Uma compreensão sintética do debate teórico sobre a criança poderá ser acessado no capítulo de livro “Estatuto do sujeito, desenvolvimento humano e teorização sobre a criança”, escrito por Smolka (2002).

9O conceito da modernidade, na avaliação de José Carlos Reis, “[...] assim como o próprio processo que ele designa revelam uma tensão: no início, nos séculos XIII-XVI, representara a ruptura com o passado de universalismo cristão e abrira um presente secularizado, com suas consequências - racionalização da ação e fragmentação da vida interna do homem ocidental” (2003, p. 28).

Recebido: 16 de Fevereiro de 2018; Aceito: 15 de Maio de 2018

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