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Educação UNISINOS

On-line version ISSN 2177-6210

Educação. UNISINOS vol.22 no.3 São Leopoldo July-Sep 2018  Epub May 16, 2019

https://doi.org/10.4013/edu.2018.223.04 

Dossiê: Escola Nova Católica” em países europeus e no Brasil

A crítica jesuíta à Escola Nova na Revista Brotéria (décadas de 1930 e 1940)

The Jesuit critique of the New School in the Brotéria Journal (1930s and 1940s)

José Eduardo Franco1 

Rita Balsa Pinho1 

1Universidade Aberta de Lisboa. Rua da Escola Politécnica 141-147, 1269-001, Lisboa, Portugal. joseeduardofranco@gmail.com; eduardo.franco@uab.pt pinho.balsa.rita@gmail.com


Resumo

Este artigo propõe-se a analisar a crítica dos pedagogos jesuítas portugueses publicada em duas dezenas de artigos na Revista Brotéria nas décadas de 1930 e 1940. O movimento da Escola Nova foi observado por pedagogos e filósofos da educação da Companhia de Jesus, nomeadamente Paulo Durão, José Gomes Braz e Costa Lima, que estudaram a teoria e os pressupostos desse movimento pedagógico valorizando os aspetos que coincidiam com os valores da pedagogia inaciana e criticando opções e práticas pedagógicas opostas aos princípios educativos da doutrina católica vigente. Mormente sua neutralidade religiosa e apropriação de “agremiações laicas”, que, alegadamente, estariam a instrumentalizar ideologicamente esse movimento educativo, para distanciar-se, ou mesmo opor-se, à chamada educação de inspiração católica. Procuramos refletir de maneira crítica sobre a evolução do pensamento jesuíta expresso na Revista Bortéria com relação à difusão da Escola Nova em Portugal no contexto do Estado Novo e salientar a tentativa de diálogo entre os articulistas pedagogos jesuítas e esse movimento que contribui para diversificar os ideários e metodologias pedagógicas implementadas no país.

Palavras-chave: Escola Nova; jesuítas; catolicismo

Abstract

This article intends to analyze the criticism of the Portuguese Jesuit pedagogues published in two dozen articles in the Brotéria Journal in the 1930s and 1940s. The New School Movement was observed by pedagogues and philosophers of the education of the Society of Jesus, namely Paulo Durão, José Gomes Braz, and Costa Lima, who studied the theory and the presuppositions of this pedagogical movement valuing the aspects that coincided with the values ​​of the Ignatian pedagogy and criticizing options and pedagogical practices opposed to the educational principles of Catholic doctrine then present. Their religious neutrality and appropriation of “secular associations” were supposed to be ideologically instrumentalizing this educational movement in order to distance themselves from, or even oppose themselves, the so-called Catholic-inspired education. We try to reflect critically on the evolution of the Jesuit thought expressed in Bortéria Journal regarding the diffusion of the New School in Portugal in the context of the New State and to emphasize the attempt of dialogue between Jesuit pedagogical article writers and this movement that contributes to diversify the ideologies and pedagogical methodologies implemented in the country.

Keywords: New School; Jesuits; Catholicism

Introdução

A imprensa periódica representa um viveiro pletórico de fontes para estudos nas mais diversas áreas. No campo da história da educação e do pensamento pedagógico, os jornais e revista apresentam mananciais e mananciais de textos que permitem fazer estudo de pormenor mais sincrónico, ou de longo alcance mais diacrónicos que sobre ideias pedagógicas, sobre teóricos da educação, sobre metodologias e curricula educativos, sobre perspetiva institucionais e ideológicas em torna da educação. Assim, podemos lançar a perguntar orientadora da nossa reflexão: será a imprensa periódica um fonte pertinente para a história da educação? Podemos começar a responder a esta ponderosa questão, fundamentando-nos num autor que já ensaiou trabalho neste domínio da História da Imprensa - Pierre Ognier. Ognier explica a abrangência gnoseológica que um estudo a partir das fontes da imprensa pode oferecer: “par la diversité des thèmes traités, par la ressonance qu’elle donne aux débats et aux préocupations scolaires de l’époque” (1988, p. 26).

António Nóvoa, por seu lado, ao introduzir um vasto Repertório Analítico sobre a Imprensa da Educação e Ensino, do qual foi diretor da pesquisa, redação, compilação e edição, reflete sobre a importância das fontes presentes na Imprensa para a feitura da História da Educação:

esta compilação de periódicos pode funcionar como suporte para estudar áreas tão distintas como, por exemplo, a história do pensamento e das ideias, a história cultural e intelectual, a história social e do quotidiano, a história da edição e da imprensa ou a história biográfica. No segundo caso, uma obra desta natureza, encontra-se apta a oferecer uma memória ao pensamento científico em educação e a permitir a ancoragem no tempo das problemáticas escolares e pedagógicas (Nóvoa, 1993, p. XIX).

O investigador responsável pelo citado Repertório elenca outros aspectos que tornam a imprensa um utilíssimo instrumento de trabalho, um meio privilegiado para sustentar a História da Educação. Um primeiro aspecto dessa ordem de razões é o fato de que “muitas das melhores vozes da pedagogia portuguesa só se fizeram ouvir neste fórum, pois não tiveram acesso a outros meios de divulgação do pensamento. O conjunto da imprensa periódica põe-nos perante o esforço imenso que gerações sucessivas levaram a cabo para edificar a educação portuguesa”. Aqui Nóvoa recorda que Caspard chamou a estes pedagogos e mentores, “especialistas até à militância” (Nóvoa, 1993, p. XXXII).

Noutra perspectiva, a imprensa é um bom meio para aceder à consciência da dificuldade de “articulação entre teoria e a prática”, pois “o senso comum que perpassa as páginas dos jornais e das revistas ilustra uma das qualidades principais de um discurso educativo que se constrói a partir dos diversos atores em presença (professores, alunos, pais, associações, instituições), etc.” (Nóvoa, 1993, p. XXXII).

Nóvoa, ainda na citada introdução ao Repertório, considera a imprensa como fonte de eleição para sustentar a feitura de investigação no âmbito da história educativa, devido ao seu carácter “momentanista” e “próximo do acontecimento”, se quisermos, devido ao facto de ter sentido a história. Defende António Nóvoa que a “imprensa é o melhor meio para apreender a multiplicidade do campo educativo, como afirma Pierre Caspard quando deixa clara a intenção do grupo francês em contribuir para a história total da educação” (Nóvoa, 1993, p. 67). E continua o autor a reforçar que “a imprensa revela as múltiplas facetas dos processos educativos, numa perspectiva interna ao sistema de ensino (cursos, programas, currículos, etc.), mas também no que diz respeito ao papel desempenhado pelas famílias e pelas instâncias de socialização das crianças e dos jovens. A imprensa constitui, sem dúvida, uma das melhores ilustrações da extraordinária diversidade que atravessa o campo educativo” (Nóvoa, 1993, p. XXXII).

Dos textos-fonte patentes na imprensa promana tanta diversidade de informação que podem representar um estímulo para o trabalho do investigador, mas também reveste-se de uma dificuldade acrescida que reside no exercício de perspicácia para fazer a seleção do essencial e distinguir o acessório, de selecionar as linhas mestras e as continuidades do pensamento, bem como as diferentes matizes ideológicas que aí se desenham, escalpelizando as diferenças, as isenções e as promiscuidades.

A imprensa é, com efeito, um terreno profícuo de trabalho para traçar o percurso das ideias pedagógicas, mas não podemos esquecer que é concomitantemente um terreno pantanoso e movediço, na medida em que “apesar da diversidade da imprensa, pode afirmar-se que os escritos jornalísticos se definem pelo seu carácter fugaz e imediato, inscrevendo-se numa lógica de reações a realidades e ideias, a normas legais ou a situações políticas” (Nóvoa, 1993, p. XXXII); características estas que exigem uma preparação e uma atenção do investigador para separar o acessório do essencial, a emoção da razão, a opinião da ideologia, o pertinente do supérfluo.

A Revista Brotéria é um bom exemplo disto mesmo, pois insere-se, em grande medida, nesta lógica reativa. No entanto, convém advertir, desde já, que os seus artigos transpõem a fugacidade do momentâneo, dado o seu grau elevado de elaboração e esforço meditativo aprofundado, sendo sujeitos a uma aturada revisão antes de virem a lume. Por isso, estes trabalhos podem classificar-se num patamar acima da normal imprensa periódica, situando-se na fronteira entre a obra de opinião jornalística e a obra científica, aturadamente elaborada e premeditada.

Lembra ainda Nóvoa que existe um significativo argumento que concede um lugar de referência importante à imprensa na História da Educação: o facto dos jornais e das revistas constituírem “um lugar de afirmação de um grupo e de uma permanente regulação colectiva”, porque cada escritor está a ser avaliado permanentemente pelos destinatários ou pelos companheiros de equipa (Nóvoa, 1993, p. XXXII).

No estrangeiro, nomeadamente em França, foram realizados estudos históricos importantes com carácter pioneiro, que nos podem servir de orientação e fornecer-nos também utensilagem teórica para estudos a desenvolver hoje em dia no nosso país. Entre esses estudos destaca-se La presse d´education et d´enseignement (XVIIIe. siècle - 1940) - Répertoire analytique, dirigido por Pierre Caspard e L´ecole républicaine française et ses miroirs. L´idéologie scolaire française et sa vision de l´école en suisse et en Belgique à travers la Revue Pédagogique 1878-1900, da autoria de Pierre Ognier, como já referimos.

Estes estudos referenciados e citados prenunciam e fundamentam a evidência científica de que a imprensa comporta condições para ser pensada como objecto de estudo autónomo. Isto mesmo defende António Nóvoa ao considerar a vastidão das possibilidades investigacionais da imprensa periódica, pois esta permite ser interrogada sob diversas perspectivas:

o significado que assume na difusão das ideias ao longo dos séculos [...]; a diversidade de objectivos que se cruzam nas suas páginas (informativos, ideológicos, profissionais, etc.); o modo como foi utilizada pelos atores educativos, a título individual ou colectivo [...], o papel que desempenhou na ligação entre o devir social e as mudanças no campo educativo, num e noutro sentido (Nóvoa, 1993, p. XXXIII).

Ainda convém fazer alusão, com pertinência, às tipologias apresentadas por José Tengarrinha, no seu introito à citada obra História da Imprensa Periódica, para caracterizar os diferentes periódicos (Tengarrinha, 1989, p. 17-22). Tendo em conta estas tipologias que classificam os periódicos (segundo a localização geográfica, mediante as relações com os poderes públicos e religiosos, segunda a orientação ideológica, de acordo com as matérias e em relação à periodicidade), é relevante realizar a montante a tarefa de fundamentar a caracterização dos periódico a estudar em vista da sua classificação e inserção em territórios ideográficos identificados.

Em suma, a imprensa periódica pode, com efeito, constituir-se para o historiador da educação como um fonte primária para as suas pesquisas. Neste sentido, ao fazerem circular informações sobre questões relativas à educação de modo generalista, bem como sobre as particularidades do trabalho pedagógico, os periódicos, independentemente de serem ou não especializados nestas questões, são uma fonte inquestionável de informações para pesquisas no âmbito da História da Educação (Toledo e Skalinski Junior, 2012). Assim, os periódicos devem ser entendido muito além de um mero receptáculo de informação, mas como uma peça documental que traz em si um amplo espectro de elementos socioculturais do contexto em que essa informação foi produzida (Luca, 2006).

O movimento da educação nova

A educação/escola nova foi um movimento de renovação do ensino que surgiu no fim do século XIX e ganhou força na primeira metade do século XX. Com núcleos de grande expressão nos EUA e em vários países do continente europeu, com alguma incidência também em Portugal, ganhou forma como meio de protesto e oposição à escola dita tradicional.

O movimento da educação nova inscreve-se numa conjuntura singular nos âmbitos político-económico, sócio-histórico e científico-cultural. Por um lado, o fortalecimento dos Estados-nação e a valorização da escola pelos regimes liberais, face à necessidade da formação das elites, que resultou na expansão da escolaridade e na consequente ascensão dos professores enquanto classe social. Por outro lado, inspirados pelas ideias político-filosóficas de igualdade entre os homens e do direito de todos à educação, os intelectuais da época viam num sistema estatal de ensino público, livre e universal o único meio efetivo de combate às desigualdades sociais. Paralelamente, vivenciava-se uma ebulição científica marcada pelo higienísmo educativo, que evidenciava os malefícios da escolarização organizada, contra as leis naturais do desenvolvimento fisiológico e psicológico; pela medicina pedagógica, que realçava a importância da observação do indivíduo e da consideração das suas potencialidades físicas e mentais para o processo de aprendizagem; pela psicologia, ciência emergente que demonstrava a especificidade da infância em relação à idade adulta; e pela pedagogia experimental, que sublinhava a importância de pensar o ato educativo a partir de uma base científica. Para não mencionar outros aspetos culturais, como o brotar de novas ideias e a exploração das novas vias de acesso ao conhecimento em diferentes domínios como a filosofia, a psicanálise, a literatura, entre outros.

É no prefácio a Une École Nouvelle en Belgique (1915), obra do pedagogo português Faria de Vasconcelos, que Adolphe Ferrière (presidente da Liga Internacional Pró-Educação Nova) formula os 30 princípios inerentes à identificação de uma escola nova, considerando que “a [...] escola [do meu colega e amigo, professor Faria de Vasconcelos em] Bierges-les-Wavre na Bélgica [...] era uma escola nova modelo” (Vasconcelos, 1915, p. 1).

Sete anos mais tarde, em 1921, no Congresso da Liga Internacional para a Educação Nova, são adotados os 7 princípios da educação nova, sintetizados a partir dos 30 princípios. São eles os seguintes:

  • (1) O fim essencial de toda a educação é preparar a criança para querer e realizar na sua vida a supremacia do espírito; por isso, qualquer que seja o ponto de vista em que se coloque o educador, deve ter em vista conservar e fazer crescer a energia espiritual na criança.

  • (2) Deve respeitar a individualidade da criança. Esta individualidade só pode desenvolver-se por uma disciplina que conduza à libertação dos poderes espirituais que estão nela.

  • (3) Os estudos e, duma maneira geral, a aprendizagem da vida devem deixar em liberdade os interesses inatos da criança, quer dizer, aqueles que surgem espontaneamente nela e que encontram a sua expressão nas atividades variadas de ordem manual, intelectual, estética, social e outras.

  • (4) Cada idade tem o seu carácter próprio. Por isso, é necessário que a disciplina pessoal e a disciplina coletiva sejam organizadas pelas próprias crianças com a colaboração dos professores; devem tender para reforçar o sentimento das responsabilidades individuais e sociais.

  • (5) A competição egoísta deve desaparecer da educação e ser substituída pela cooperação que ensine a criança a pôr a sua individualidade ao serviço da coletividade.

  • (6) A coeducação reclamada pela Liga (coeducação significa ao mesmo tempo instrução e educação em comum) exclui o tratamento idêntico imposto aos dois sexos, mas implica uma colaboração que permite a cada sexo exercer livremente sobre o outro uma influência salutar.

  • (7) A educação nova prepara, na criança, não só o futuro cidadão capaz de cumprir os seus deveres para com os seus próximos, a sua nação e a humanidade no seu conjunto, mas também o ser humano consciente da sua dignidade de homem (Meireles-Coelho, 2010, p. 594).

Uma das premissas do movimento da educação nova era a educação integral do aluno, por forma a abranger as esferas intelectual, artística, manual, física e social. As aprendizagens deveriam proceder das experiências, vivências e interesses pessoais do aluno, que era conduzido a trabalhar de forma crítica e criativa numa escola que valorizava a individualidade, a cooperação e a participação (individual e grupal), as escolhas livres, a responsabilidade e a liberdade.

Com a educação nova, aparece também um conjunto de práticas pedagógicas inovadoras, inexistentes no ensino tradicional: os trabalhos manuais, a correspondência escolar, a imprensa escolar e o cinema educativo.

Paralelamente a estas inovações pedagógicas, outras foram sendo adotadas: novas práticas curriculares (e.g., trabalhos agrícolas, assembleias, trabalhos em grupo, planos de trabalho, etc.), atividades escolares fora da sala de aula (e.g., aula-passeio, passeios pelo campo, visitas de estudo, excursões, acampamentos, etc.), tempo livre para atividades geridas pelos alunos (e.g., jogos, trabalhos de pesquisa, preparação de conferências, etc.) e novos espaços de participação social (e.g., associações, clubes, jornais escolares, etc.).

O antiescolanovismo

A escola nova tornou-se alvo de muitas críticas e foi acusada principalmente de ser pouco ou nada exigente, de depreciar os conteúdos tradicionais e de acreditar ingenuamente na espontaneidade dos alunos. A leitura das obras e a análise das poucas experiências em que, de facto, as ideias dos escolanovistas foram experimentadas com rigor mostram que essas críticas apenas são legítimas para interpretações distorcidas do espírito do movimento. Todavia, é possível encontrar aplicações concretas que corroboram hipotéticos argumentos antiescolanovistas, que se explanarão de seguida. Importa evidenciar aqui que o movimento da educação nova se insere ele próprio na lógica dos antis, ao desenhar uma cultura em negativo em relação aos adversários pedagógicos que combate e aos quais se opõe ativamente.

Inicialmente, a escola nova afirmou-se pela contestação, pretendendo ser inovadora e criar uma escola alternativa. Constituiu a unidade das suas diversas tendências na crítica do que lhe desagradava na escola antiga, vulgo velha escola ou escola tradicional ou escola sentada, a saber: ensino simultâneo intelectualizado e centrado na memorização de conteúdos ensinados em aulas magistrais, que uniformizava programas, métodos e horários (defendendo para si uma aprendizagem centrada na criança, nas suas necessidades e nos seus interesses); ensino livresco caracterizado pela transmissão de conhecimentos por parte do professor-mestre e pela explicação verbalista exaustiva das matérias (advogando que as crianças devem ter um papel ativo, participativo e crítico, constituindo-se como coconstrutoras do seu processo de aprendizagem); seleção entre os alunos baseada na competição (em oposição a comunidades de aprendizagem baseadas no trabalho cooperativo); e avaliação imposta pelo professor com base em testes e exames (em oposição a uma avaliação contínua ao longo do ano, com base em autoavaliação e heteroavaliação, e individualização em oposição à uniformização).

Célestin Freinet tornou-se um adepto fervoroso das ideias e obras de Adolphe Ferrière; aderindo ao movimento da educação nova em 1923, vai tentar introduzir os fundamentos escolanovistas na sua escola de Vence, na França. A conceção da escola Freinet corresponde às características das escolas novas, segundo os critérios estabelecidos, em 1912, pelo Secretariado Internacional para a Educação Nova: “uma escola de tipo internato, na prática da coeducação dos sexos, na ruralidade, no trabalho coletivo, no desenvolvimento do espírito crítico e científico, no trabalho manual, na espontaneidade das crianças, nos processos autonómicos e nos métodos ativos” (Nunes, 2002, p. 80). Mas, depois de ter contactado com outras perspetivas pedagógicas, nomeadamente depois de uma visita à Rússia, em 1925, e de ter aderido ao Partido Comunista Francês, Freinet vai entrar em rota de colisão com o movimento da educação nova. As suas principais críticas ao escolanovismo advêm de considerar que se trata de um movimento elitista e burguês, cujas escolas serão de difícil acesso às camadas mais desfavorecidas da sociedade. Assim, Freinet almeja a construção de um projeto, que denomina uma escola do povo, que rume a uma sociedade socialista. Deste modo, o pedagogo francês soma ao ideário dos escolanovistas uma visão marxista e popular, tanto da organização da rede de ensino como do próprio processo de aprendizagem.

Um outro ponto de discórdia baseava-se no facto de Freinet considerar que, entre os pedagogos da educação nova, a criança é percecionada como um ser abstrato, com uma natureza una e igualitária. Pelo contrário, Freinet concebia a criança como um ser individual, produto de uma dada conjuntura histórica e portadora de uma cultura própria, o que influenciava de modo determinante o seu modo de ser, de pensar e de agir. Uma outra rutura significativa face ao movimento da educação nova tem subjacente o facto de Freinet não manifestar na sua proposta pedagógica, e ao contrário dos pedagogos da educação nova, um grande entusiasmo pelo ideal da liberdade, procurando antes a ordem e a disciplina que o trabalho exige: é uma escola do trabalho, em que o trabalho e a cooperação vêm em primeiro plano, a ponto de Freinet clarificar: “não é o jogo que é natural da criança, mas sim o trabalho” (Freinet, 1969, p. 31). Trata-se de uma busca pedagógica em prol de uma futura integração profissional, onde se encontre “o sentido vital profundo que estimula o homem e a criança a entregarem-se com todo o seu ardor, com todo o seu coração às atividades que eles pensam essenciais” (Nunes, 2002, p. 97).

Pedagogias libertárias

As pedagogias libertárias procedem do movimento da escola nova e distinguem-se deste pela radicalização do princípio de liberdade e de autonomia das crianças. Aspeto este que será a base da sua incisiva crítica à pedagogia escolanovista.

De inspiração anarquista, as correntes libertárias têm como premissa a crença na força da educação para libertar a humanidade, na medida em que promove a sua emancipação face à opressão, à exploração, aos privilégios e à injustiça. A proposta pedagógica dos anarquistas é o antiautoritarismo. Neste contexto, concebem a educação enquanto processo de abolição progressiva da autoridade em benefício da liberdade, sendo o propósito último da educação o desenvolvimento de homens livres, imbuídos de sentimentos de respeito e amor para com a liberdade dos demais. Assim, o objetivo de todo o processo educativo consiste em adquirir as competências necessárias para pensar por si próprio, para não delegar a própria capacidade de decidir e para ser dono dos próprios atos e de si próprio.

Dada a sua radicalidade, e embora apresentem premissas coincidentes com o escolanovismo, as correntes libertárias apresentam descontinuidades em relação àquele. Com efeito, definem-se como reivindicadoras de uma absoluta liberdade, invertendo o sentido dado a esta noção pela maioria dos pedagogos da educação nova, que viam nos métodos e nas técnicas a grande fonte de inspiração promotora da mudança. Para os educadores libertários, a proposta era terminar de forma absoluta, como refere Fraenkel, com uma “educação tradicional [...] em crise profunda e que em parte alguma funciona, a não ser na qualidade de defender organizadamente os adultos contra as crianças” (Schmid, 1979, p. 13).

A sua relevância antiescolanovista centra-se em três grandes momentos, que se pontualizam na Escola de Tolstoi, nas experiências de Hamburgo e, mais tarde, na Escola de Summerhill. Na Escola de Tolstoi, o seu patrono assumia o princípio da não intervenção e da liberdade, dando ao aluno o direito à assiduidade, à palavra, ao silêncio e à ordem. Este método não se expressa numa liberdade total, mas na negação de uma verdade institucionalizada já adquirida, o que proporciona à criança, através do seu livre desenvolvimento, um crescimento moral, bem como uma outra amplitude pessoal.

As comunidades de Hamburgo - a Escola de Telemanstrasse, a Escola de Wenderschule, a Escola Am Berlinertor e a Escola de Am Tieloh - são precursoras de um movimento nascido no pioneirismo de Hermann Lietz. São as experiências mais radicalizadas das correntes libertárias: assiste-se à autonomia/liberdade completa dos estudantes, desconhecida em outras escolas. Defendem, por isso, que a escola não deve continuar a ser uma preparação para a vida, mas assumir-se como a própria vida (Schmid, 1979, p. 53). A este tipo de organização escolar pode atribuir-se uma matriz identitária, caracterizada por processos de uma “vida autêntica” (Schmid, 1979, p. 40). Extremam-se as relações aluno-professor, demarcando-se do conceito que mais tarde Lietz designaria de self-government [autogestão], pois consideravam-no uma cópia do modelo existente na sociedade. Neste sentido, a escola terá de responder às necessidades imediatas e não organizar-se em quadros pré-concebidos para orientar, socialmente e no futuro, os alunos.

As experiências de Summerhill são contemporâneas das anteriores. Procurando demarcar-se das correntes alemãs, a escola fundada por Niell nos subúrbios de Londres tem como princípio a total liberdade de expressão por parte dos alunos. “Para isso haveríamos de renunciar a toda a disciplina, a toda a direção, sugestão, moral preconcebida ou qualquer tipo de instrução religiosa” (Avanzini, 1979, p. 42). Por conseguinte, é possível afirmar que Niell vê no sistema do self-government um dos pilares da sua organização escolar. Por este motivo, a experiência de Summerhill foi muito criticada e apelidada de anarquista pelos sectores mais tradicionais da educação.

Pedagogia nacionalista

A transição do regime republicano para o Estado Novo, em Portugal, entre os anos 20 e 30 do século XX, trouxe consigo algumas reações antiescolanovistas, em linha com o que acontecia nos outros regimes ditatoriais e totalitários a nível internacional; assim teve lugar uma apropriação de sentido conservador e nacionalista desse movimento, que era plural e multifacetado, e a subalternização ou o afastamento dos educadores que tinham protagonizado, nos anos 10 e 20, a fase mais típica e intensa da escola nova portuguesa.

Esta articulação dos princípios escolanovistas com os valores ideológicos do regime salazarista e com a tradição da pedagogia católica dará origem ao que Nóvoa designa por “pedagogia nacionalista” (Pintassilgo, 2012). No lugar de figuras como Adolfo Lima, António Sérgio, João de Barros, Álvaro Viana de Lemos, Irene Lisboa, entre muitas outras, passam-se a encontrar autores e professores como Cruz Filipe, Orbelino Geraldes Ferreira, José Maria Gaspar, Octávio Neves Dordonnat, José Eduardo Moreirinhas Pinheiro, Manuel Pestana, Francisco de Sousa Loureiro e Domingos Evangelista. Os clássicos, como Dewey, Decroly, Montessori, Claparède e Ferrière, não são renegados, ainda que sejam bastas vezes criticados. Mas são alvo de ressignificações que, por um lado, esvaziam a doutrina e os discursos escolanovistas da dimensão política ou social dos seus princípios fundamentais e dos projetos de transformação social; e, por outro, suavizam o radicalismo pedagógico que lhes é imputado, aproveitando apenas a didática inovadora que deles decorre e que passa a circular, dominantemente, por via da expressão “escola ativa” (Pintassilgo, 2012).

A pedagogia salazarista apropria-se do ideal da formação integral dos jovens, igualmente assumido pelas correntes renovadoras do início do século XX, ainda que interpretado agora num quadro tradicional e religioso. As preocupações, e.g., com a educação física e a educação moral mantêm-se, mas com objetivos e conteúdos parcialmente distintos.

No fundo, era a adaptação possível da educação nova às características do regime político em vigor, selecionando os aspetos que podiam ser articulados com os valores da ideologia oficial salazarista, sem que esta os considerasse subversivos. A escola era considerada a sagrada oficina das almas, a autoridade do professor e a ordem social não se punham em causa, os valores e a moral católicos impregnavam todos os contextos escolares e a componente técnica do ensino era fortemente afirmada, num sentido disciplinar. A ação antiescolanovista protagonizada pelo regime salazarista, em particular mediante a ação dos pedagogos e docentes nacionalistas, valeu-se de várias medidas para operacionalizar este movimento de contestação. Para desvelar a ação destrutiva deste regime, não basta evocar o encerramento das escolas do magistério durante vários anos, a demissão dos seus professores, os restritos horizontes dos seus currículos. Importa igualmente decifrar o seu ambiente.

Quanto à Escola do Magistério Primário de Lisboa, é extremamente elucidativa a leitura do seu boletim, Educação, onde Orbelino Geraldes Ferreira exalta a escola portuguesa tradicional perante a “doida correria do paganismo pedagógico mundial” e critica severamente Claparède e Dewey, o laicismo e a escola nova. “É preciso efetivamente ler esses artigos para se compreender a que extremos eram capazes de ir os ‘pedagogos’ do regime na sua ânsia de destruição da escola nova” (Fernandes, 1979, p. 12).

De igual modo, a revista Escola Portuguesa, Boletim do Ensino Primário Oficialfoi um instrumento de antiescolanovismo. Este periódico semanal, da responsabilidade da Direcção-Geral do Ensino Primário, constitui-se como um importante veículo oficial da política educativa do Estado Novo, sendo um recurso usado pela tutela para a orientação pedagógico-didática e ideológica dos agentes do ensino primário. No editorial do primeiro número, Braga Paixão, diretor-geral do ensino primário, justifica a edição deste boletim pela necessidade de existir um conveniente serviço de orientação pedagógica e aperfeiçoamento do ensino primário. Reforça que se tornava premente a existência de um instrumento com a função de inculcar a nova doutrina pedagógica do Estado Novo aos professores primários, bem como a necessidade de estes, por sua vez, a transmitirem aos seus alunos e à comunidade local. O diretor-geral do ensino primário anunciava, assim, que a publicação da revista Escola Portuguesa fazia parte de um sistema de renovação educacional, que serviria em primeiro lugar para reforçar a defesa de uma escola nacionalista.

Pedagogos católicos

O conflito ideológico entre pedagogos católicos conservadores e escolanovistas durante o governo do Estado Novo em Portugal acarreta várias consequências, nomeadamente algumas das já referidas em parágrafos anteriores. Os intelectuais católicos mostravam desconfiança crítica relativamente ao processo de laicização do ensino e ao monopólio estatal do sistema educativo e defendiam princípios ético-morais cristãos.

O discurso antiescolanovista proferido pelos católicos assentava na crítica à tendência laica da educação e na reivindicação da reintrodução do ensino religioso nas escolas, por considerarem que a educação teria vantagem em estar subordinada à orientação moral cristã. “As escolas leigas só instruem, não educam”, estimulam o individualismo e neutralizam as normas morais, incitando atitudes negadoras da convivência social e do espírito coletivo. “Somente a escola católica seria capaz de reformar espiritualmente as pessoas como condição e base indispensável à reforma da sociedade” (Saviani, 2008, p. 256). Os educadores católicos tencionavam garantir a manutenção da sua presença nas instituições escolares em detrimento da atuação crescente do Estado nessa área. Defendiam que a educação consistia num dever da família e deveria pautar-se pelos valores do catolicismo e da educação tradicional: “somente através de uma educação cristã será possível formar a personalidade do educando, por isso, é necessária a subordinação da formação física à formação intelectual, e esta à formação moral” (Santos, 1942, p. 49). Além disso, defendiam a conservação da sua capacidade de intervenção para além dos limites das suas igrejas e escolas, por meio da introdução do ensino religioso nas escolas.

Procurando relevar um estudo de caso, vamos dar atenção a uma das linhas críticas do pensamento pedagógico católico antiescolanovista que se tornou bem patente num dos órgãos de imprensa cultural mais emblemáticos dos periódicos católicos - a Revista Brotéria. Analisaremos a reflexão de alguns pedagogos jesuítas portugueses.

O movimento da escola nova foi observado por pedagogos e filósofos da educação da Companhia de Jesus, nomeadamente Paulo Durão, Domingos Maurício e Costa Lima, que estudaram a teoria e os pressupostos deste movimento pedagógico. Ao fazê-lo, valorizaram, por um lado, os aspetos que coincidiam com os valores da pedagogia inaciana; e criticaram, por outro, opções e práticas pedagógicas opostas aos princípios educativos da doutrina católica vigente, mormente a sua neutralidade religiosa e a apropriação de agremiações laicas que, alegadamente, estariam a instrumentalizar ideologicamente este movimento educativo para se distanciarem, ou mesmo se oporem à chamada educação de inspiração católica.

O pensamento pedagógico da Revista Brotéria é ideologicamente definido pelas orientações doutrinais da pedagogia católica, sendo a sua evolução, em grande medida, determinada pela evolução ou abertura dessas mesmas diretrizes doutrinais do magistério eclesiástico oficial. Na primeira fase da produção de doutrina pedagógica, o corpus ideológico é marcado por um sistema de reflexão de tom apologético, edificado na obediência à doutrina eclesiástica vigente, particularmente aquela que foi consignada na encíclica papal dedicada à educação cristã, a Divini Illius Magistri (publicada a 31 de dezembro de 1929), e contra aquelas correntes que pensavam a educação de maneira diferente, em particular contra os defensores da escola laica. Aqui devemos recordar, e.g., os artigos críticos da Revista Brotéria sobre o movimento da escola nova, sobre a educação sexual e a coeducação, sobre o ensino das línguas clássicas, etc.

Durante o Estado Novo, o pensamento broteriano evidencia alguma sintonia em relação às orientações e determinações pedagógico-legislativas do regime político vigente, o qual reproduzia e servia, em larga medida, o mesmo modelo de pensamento de inspiração cristã que presidia à Revista Brotéria. O Estado valorizava o papel da religião (neste caso, da Igreja Católica) como meio de ensino de um determinado modelo de Homem e de sociedade, e como instrumento de estabilidade e coesão sociocultural. Na déc. de 30, em sintonia com Costa Lima, seu confrade coetâneo, Paulo Durão publica na Revista Brotéria uma série de artigos de análise crítica sobre a chamada escola nova (assinados sob o pseudónimo José Gomes Braz), os seus métodos e princípios ideológicos e pedagógicos, visando prevenir os leitores para a possível expansão deste movimento em Portugal, à semelhança do que estava acontecendo na Europa. Recorde-se que, entre as instituições apontadas, que se relacionam com as escolas novas, merece especial menção por parte do autor o Instituto J.J. Rousseau, fundado em Genebra, em abril de 1912, e agregado à universidade desta cidade em abril de 1929 com o nome Institut des Sciences de l’Education.

O juízo global de Paulo Durão sobre o movimento da escola nova é, em parte, positivo, mas só em parte, pois apresenta diversas reservas e advertências que tornam a apreciação tendencialmente negativa, nomeadamente devido à dita apropriação daquele movimento pedagógico por parte de agremiações anticatólicas e laicas, que acusa de sectárias e desvirtuadoras da moral cristã. Em “Escola Nova”, artigo publicado na Revista Brotéria, Durão assinado com o pseudónimo Alves de Lena avalia ainda como válidos os princípios que informam os processos e métodos pedagógicos das escolas novas: espontaneidade, atividade, interesse e cooperação. Contudo, julga inaceitáveis os tópicos orientadores desta pedagogia nova, que, em seu entender, partem de uma “basilar conceção errónea da natureza”, a saber: (i) a apologia da bondade essencial da pessoa humana; (ii) a coeducação dos sexos de forma exagerada e sem limites; (iii) a defesa da necessidade da educação sexual nas escolas, “sem a prudência e os resguardos que a Igreja inculca”; (iv) a neutralidade na educação religiosa e moral que os pedagogos da escola nova reclamam (Durão, 1932, p. 81-87). Denuncia também a origem acentuadamente laica da doutrina pedagógica da escola nova e a sua inspiração na filosofia da educação de Rousseau, bem como em outros pensadores de matriz ideológica anticatólica. Em desacordo com os princípios essenciais da escola nova propõe uma espécie de modelo alternativo, ao qual chama, em título de artigo publicado na Revista Brotéria em 1947, “O verdadeiro conceito de escola nova”. Aí, decreta o que entende dever ser uma escola renovada e autêntica, numa tentativa de correção catolicizante e em sintonia com as orientações político-pedagógicas do regime sobre este movimento pedagógico: “A Escola Nova deve conseguir descobrir o indivíduo a si mesmo e à sociedade, tornando-o um membro útil da mesma. A Escola Nova deve ser, pois, uma escola, que consiga realizar este conceito de educação [...]. A Escola Nova será [...] digna deste nome, se alcançar a atualização da personalidade dos seus educandos na plenitude dos seus valores, em ordem à comunidade nacional, de que hão de ser membros” (Braz, 1947, p. 521). E conclui apresentando os traços que entende serem uma espécie de estatuto deontológico do professor de uma escola nova em Portugal, em sintonia com a ideologia educativa do regime vigente: (i) concomitantemente, o educador deve ser claro, profundo e interessante ao instruir o aluno; (ii) deve aliar as convicções à simplicidade; (iii) deve conduzir as inteligências a caminhos fáceis; (iv) deve ensinar a vencer as dificuldades; (v) deve educar com base em grandes modelos de sábios e cientistas; (vi) deve valorizar as capacidades do aluno, mas moderando o seu orgulho; (vii) deve animar os alunos fracos a avançar no conhecimento; (viii) deve ministrar uma educação integral, que vá desde os conhecimentos humanos aos valores morais considerados mais excelentes.

Outro intelectual jesuíta que se evidencia então na crítica ao movimento da escola nova é Domingos Maurício. Dotado de uma grande cultura histórica e erudita, a sua reflexão pedagógica inspira-se nos princípios da tradição teológica cristã e segue as orientações ideológicas do magistério pontifício, nomeadamente da Divini Illius Magistri. Nesta linha, combate a prática da coeducação em artigo com o mesmo título publicado na Revista Brotéria em 1940, com o pseudónimo de Gomes dos Santos bem como a sua introdução em Portugal, alegando razões de natureza psicológica, física, social e cultural para fundamentar a consistência estratégica da separação pedagógica dos sexos, tese que reverá quando as evidências das orientações reformistas da educação manifestarem globalmente seguir rumo contrário. Tanto nos artigos de história de educação como nos textos de crítica pedagógica, exalta e teoriza a consistência da superioridade da pedagogia cristã comparativamente à educação moderna, considerando esta última responsável pela crise que a sociedade contemporânea atravessa: “apesar de todas as subtis indagações do subconsciente, é notória a inferioridade formativa da pedagogia moderna. A pavorosa crise moral que atravessamos, com todas as suas repercussões individuais e coletivas, constitui a mais perentória e insofismável contraprova, desfavorável à orientação pedagógica da escola moderna”. E fundamenta a superioridade da pedagogia cristã na “conceção superior, que a filosofia perene da Escola lhes oferece sobre a natureza do homem e do universo que o rodeia”, advogando que esta pedagogia “consegue dar à educação, sob todos os climas, entre todas as raças e graus de civilização, um sentido bem definido de indestrutível lógica e harmonia” (Maurício, 1940, p. 349). Defende ainda a importância da associação do professorado e promove-a como meio para valorizar a missão educativa da classe docente, na defesa dos seus direitos, no incremento da formação integral contínua, de modo a assegurar a consecução dos objetivos educativos com competência e idoneidade moral.

No crepúsculo da ditadura, com a realização do Concílio Vaticano II (1962-1965) e com o fervilhar emergente da nova ideografia democrática que veio a desembocar no 25 de abril e na instauração do regime democrático, emergem novas questões e problemáticas educativas, em relação às quais a Revista Brotéria marcou uma atualização das suas posições, nomeadamente sobre “o carácter científico da pedagogia, os ideais da democracia e do progresso social da escola nova, o sistema da educação básica através da escola única, a ligação do ensino à vida e à produção, o desenvolvimento multilateral da personalidade como objetivo da educação, a conjunção da formação profissional com uma conjunção cultural ampla, a racionalização do ensino superior, a gestão democrática do ensino” (Fernandes, 1979, p. 143). E a Revista Brotéria contribui, a partir da segunda metade da déc. de 60, com reflexão avançada sobre os “movimentos de contestação ao paradigma escolar” (Nóvoa, 1993, p. 110), bem como sobre o processo de secularização da sociedade e do ensino público.

Os Jesuítas fizeram um esforço de adaptação e distanciamento em relação a alguns aspetos do pensamento das décadas anteriores ao Vaticano II. Em sintonia com a Igreja em geral, a Companhia de Jesus modernizou o sistema educativo em vigor nos seus colégios, desenvolvendo um pensamento pedagógico aberto e dialogante com as correntes mais avançadas da pedagogia contemporânea. Hoje em dia, experiências pedagógicas de sucesso como o projeto educativo em execução nos colégios jesuítas da Catalunha e as experiências de pedagogia comunitária e personalista do P.e Pierre Faure, SJ, na América Latina são exemplos do trabalho de atualização pedagógica da Companhia de Jesus. Trabalho esse que está em linha com boa parte das instituições educativas da Igreja Católica, contribuindo com o que tem de melhor, e aproveitando e integrando no quadro do ideário inaciano fundante da educação católica o que de útil os seus antigos adversários escolanovistas preconizam, sem perder de vista o horizonte de compreensão cristã do mundo e da vida.

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Recebido: 24 de Abril de 2018; Aceito: 17 de Junho de 2018

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