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Educação UNISINOS

versión On-line ISSN 2177-6210

Educação. UNISINOS vol.22 no.4 São Leopoldo oct.-dic 2018  Epub 17-Mayo-2019

https://doi.org/10.4013/edu.2018.224.08 

Artigos

O tempo na educação pública: ensaio a partir do movimento “ocupa tudo”

The time in public education: Essay starting from the movement “occupy everything”

Rosa Malena de Araújo Carvalho1 

Andreza Oliveira Berti2 

1Universidade Federal Fluminense. Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n., Campus do Gragoatá, Centro, 24210-201, Niterói, RJ, Brasil. rosamalena@id.uff.br

2Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Pasteur, Campus Praia Vermelha, 250, Urca, 22290-902, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. andrezaberti@hotmail.com


Resumo

Compreendendo que a indagação da escolarização como uma questão pública faz parte da responsabilidade docente, ensaiamos uma aproximação com o veiculado sobre o movimento ‘Ocupa Tudo’, objetivando identificar os desafios que esses estudantes colocam quando exercitamos gestos pedagógicos em consonância com a educação como direito, o conhecimento como bem público e a escola pública como bem comum. A estrutura do texto, consequência de uma metodologia marcada pela experiência, traz o que consideramos público, a escola como espaço de proteção e o que se constitui autoridade no trabalho docente. Na interlocução com Arendt, Larrosa, Masschelein e Simons, abordamos os impactos que o ‘Ocupa Tudo’ causou, no momento de nossa formação continuada, fora do Brasil. Nas conclusões, identificamos o protagonismo juvenil desse movimento e destacamos pistas para a contínua formação de gestos pedagógicos em concordância com uma educação pública que resista à mercantilização e à colonização do estudar.

Palavras-chave: escola pública; experiência; tempo escolar

Abstract

Understanding that the questioning of schooling as a public issue is part of the teacher’s responsibility, we rehearsed an approximation with the “Occupy Everything” movement, aiming at identifying the challenges that these students pose when we exercise pedagogical gestures understanding education as a right, knowledge as a public good and public schools as a common good. The structure of the text, marked by methodology as experience, brings what we consider public, the school as a space of protection and what constitutes authority in the teaching work. In the dialogue with Arendt, Larrosa, Masschelein, and Simons, we approach the impacts that the “Occupy Everything” movement caused, at the moment of our continued formation, outside of Brazil. In the conclusions, we identified the youth leadership of this movement and we highlighted clues for the continuous formation of pedagogical gestures in agreement with a public education that resists the mercantilization and colonization of the study.

Keywords: school; experience; scholastic time

Nota do Prof. Dr. Jorge Larrosa Bondía (UB)

Quando o Estado abandona a escola (quando fecha escolas nas periferias, quando reduz seus orçamentos, quando não paga a seus professores), os estudantes a ocupam. Ocupam um espaço vazio (abandonado) e, ao fazê-lo, convertem a escola mesma em uma questão pública. Ao ocupar uma escola que está vazia ou que tenha sido esvaziada, os estudantes abrem a pergunta: para quê a escola? Ou, ainda mais interessante: o que é a escola? A ocupação da escola, então, é um convite a pensar a escola. E a pensá-la outra vez, de novo. Sem dúvida, essa ocupação é uma reivindicação (ao ocupar a escola, os estudantes reivindicam a escola). Porém, ao reivindicar a escola, os estudantes pensam (e nos dão a pensar) a escola. O que eles ocupam? O que reivindicam? O que nos dão a pensar? Esse texto propõe uma das várias respostas possíveis e, assim, se abre uma linha de pensamento: o que os estudantes pedem é “tempo”, mas não qualquer tempo. O que eles pedem é um “tempo escolar”, ou seja, um tempo não produtivo (não submetido às exigências de rentabilidade) e um tempo igualitário (não submetido às exigências competitivas e meritocráticas). Também um tempo que se conjugue no presente (não submetido ao futuro, à preparação do futuro). Porém, ao pedir isso, os estudantes também nos dizem que a vida, sua vida, está feita de tempo; da maneira como ocupam/vivem/passam o tempo, e que o que não querem é que o tempo da vida, de sua vida, seja colonizado, usurpado, mercantilizado ou precarizado. O que os estudantes pedem, então, é “vida”, porém não qualquer vida. O que eles pedem é uma “vida escolar”, algo que, talvez, não seja outra coisa que a possibilidade de serem estudantes, de viver sua vida, por um tempo, como estudantes, de fazer do estudo, por um tempo, uma forma de vida. Daí, que uma das perguntas que se fazem e que nos fazem, ao ocupar a escola, seja tão simples como difícil: que significa hoje, aqui, isso de pedir/dar um tempo para serem estudantes, para viverem como estudantes? Uma pergunta que se desdobra em outra: que significa hoje, aqui, o direito à escola?

Apresentação

[...] Gosto dos estudantes

que rugem como ventos

Quando lhes metem no ouvido

batinas e regimentos

Libertários como os pássaros

Caramba e samba a coisa

Viva o experimento [...]

(Trecho da música Me gustan los estudiantes, de Mercedes Sosa, tradução nossa).

Abordar o caráter público da escola, exercitando o pensamento com aporte da filosofia, em movimento que indaga os gestos pedagógicos que constitui e apresenta os Professores, para nós revela dois principais caminhos que se entrelaçam: o significado da instituição escolar em uma organização social que, cada vez mais, deixa de pensar as coisas como comuns a todos (espaços, tempos, bens). E, o outro trilhar vai pela esteira que coloca a necessidade de ações pedagógicas que materializem as especificidades, as singularidades da escola, quando pensada como bem comum, público.

Reconhecendo que essas formas se afetam, na delimitação aqui realizada, deteremos nossos esforços - como Professoras em processo de formação continuada - por esse segundo aspecto, pensando/indagando como o trabalho docente pode se constituir para a organização de uma escola que queremos como tempo e espaço de tornar, revelar, criar conhecimentos considerados acessíveis a qualquer um; possíveis de serem aprendidos, criados e modificados por todos e para todos. O que significa, também, resistir à cultura hegemônica que se apresenta como meritocrática, mercantilista, racista, homofóbica, hierárquica de pessoas, saberes, tempos e espaços.

Pensando na materialidade que acompanha a ideia desse escolar, em um primeiro momento discorreremos sobre três aspectos: o que consideramos público, a escola como espaço de proteção e, o que se constitui autoridade no exercício do trabalho docente. E, no segundo momento, traremos os impactos que o movimento ‘Ocupa Tudo’ nos causou, pela forma e momento em que aconteceu no cenário brasileiro.

Escrevemos em forma de ensaio, como linguagem da experiência, que nos exige abertura para dialogar, entender, aprender com as pessoas e situações que se apresentam diante de nós no exercício do magistério. O ensaio como “modo experimental de pensamento, o modo experimental de uma escrita que ainda pretende ser uma escrita pensante, pensativa, que ainda se produz como escrita que dá o que pensar” (Larrosa, 2004, p. 32). E aqui o fazemos por duas razões: tentando entender/aprender com as forças que os jovens estudantes nos revelaram, na ocupação que realizaram e; como estávamos geograficamente distantes nessa ocasião, o exercício de escrita organizou o pensamento e nos tornou próximas. Ocupar escolas, na onda neoliberal (de ‘batinas e regimentos’) que cresce no Brasil, pode ser um acontecimento, no qual o movimento estudantil e a força da juventude não perde o desejo de mudança e liberdade, ‘como os pássaros’. Como ‘gostamos de estudantes’, esse movimento nos inquietou e provocou, aproximando das muitas indagações no magistério que nos levaram ao processo de formação continuada com a orientação do Professor Dr. Jorge Larrosa, na Universidade de Barcelona.

Das leituras e discussões realizadas nessa formação, aqui destacamos a qualificação e a caracterização do escolar e dos espaços públicos. Nesse movimento, valiosa é a contribuição da obra ‘Em defesa da escola - uma questão pública’, de Jan Masschelein e Maarten Simons (2014). Esses autores colocam a escola em questão e, ao indagarem o porquê de sua desqualificação, afirmam que todas as acusações não são relativas ao específico da escola e, por isso, trazem elementos em sua defesa. Partem da ideia de que o pensamento hegemônico, tanto de conservadores quanto de progressistas, não gosta de considerar a imprevisibilidade e a não definição, a priori, do que a juventude defenderá. Mas, como todas as instituições e práticas sociais é algo inventado, mantém essa afirmação, como um desafio de tornar o futuro da escola uma questão pública.

Para desenvolver a argumentação, abordam na parte primeira do livro cinco questões, que consideram hegemônicas, de acusação da escola: ‘alienação’; ‘poder e corrupção’; ‘desmotivação da juventude’; ‘falta de eficácia, de empregabilidade’ e; ‘demanda de reforma’ pela posição de redundância. Refutam cada item desses, considerando-os do mundo da família e do trabalho, concluindo que são acusações não escolares ao que é de competência da escola.

Já na segunda parte do livro, a partir da pergunta em relação ao que é escolar, questionando a obviedade dessa indagação, desenvolvem argumentação que afirmam a escola como invenção, como uma ideia grega que usurpou o tempo - o qual era privilégio das elites. Assim colocam a ideia de escola como aquela que “oferece o formato (ou seja, a composição particular de tempo, espaço e matéria, que compõe o escolar) para o tempo-feito-livre, e aqueles que nele habitam literalmente transcendem a ordem social (econômica e política) e suas posições (desiguais) associadas” (Masschelein e Simons, 2014, p. 29), destacando que o objetivo não é defender uma velha instituição, mas apontar um marco para a escola do futuro.

Para isso, respondem ao ‘o que é o escolar’ com oito ideias, oito questões pelas quais defendem e caracterizam o escolar: de ‘suspensão’; de ‘profanação’; de ‘atenção ao mundo’; de ‘tecnologia’; de ‘igualdade’; de ‘amor’; de ‘preparação’ e; de ‘responsabilidade pedagógica’ (ou exercer autoridade, trazer à vida, trazer para o mundo). Essa obra está densamente presente nesse texto, pois nosso trabalho docente vem indagando o que caracteriza nossas ações pedagógicas, em diálogo com outras esferas sociais, mas em movimento que identifique, singularize nosso exercício no magistério. E, em função da aproximação que realizamos com o movimento ‘Ocupa Tudo’, aqui abordamos especialmente a questão da ‘suspensão’ e da ‘responsabilidade pedagógica’. O que realizamos com esse e outro texto de Jan Masschelein e Maarten Simons, assim como com textos de Jorge Larrosa e Hannah Arendt, os quais auxiliam nossas reflexões.

Nesse exercício da escrita como experiência, considerando que uma das características do ensaio é a permanente problematização, os aspectos aqui destacados objetivam contribuir para que essas indagações qualifiquem e caracterizem o escolar. Processo que questiona a constituição dos gestos pedagógicos materializados por quem também escreve: como são formados e acontecem no cotidiano do trabalho docente; como exigem uma frequente formação continuada - entendida como a presença constante da indagação do que fazemos no magistério, como o fazemos, para quê, em nome de quê.

Discussão que relacionamos ao movimento estudantil ‘Ocupa Tudo’, com a intenção de identificar o que esses jovens estavam nos dizendo, o que nos faziam pensar sobre o escolar, a escola pública e o ofício de professor/a. O que significa que olhamos com curiosidade, sem estereotipar, sem desejar falar por eles e, por meio desse artigo, tornamos público o que nos provocaram a pensar, especialmente nas questões relacionadas ao uso compartilhado do tempo e do espaço escolar.

Escola pública

[…] Não podes comprar o sol

Não podes comprar a chuva

(Vamos caminhando)

No riso e no amor

(Vamos caminhando)

No pranto e na dor […]

Vamos caminhando

Eu canto porque se escuta

Vamos desenhando o caminho

(Vozes de um só coração)

Vamos caminhando

Aqui estamos de pé

Que viva a América!

Não podes comprar minha vida […]

(Trecho de Latinoamérica, música do grupo Calle 13, tradução nossa).

Partimos da ideia de que público não é apenas ‘de todos e para todos’, mas, também, reconhecendo que os Professores, ao apresentarem o conhecimento aos alunos, o colocam em domínio público e; os alunos, ao se relacionarem com esse conhecimento, em muitas vezes, a forma escolar de fazer coloca cada um diante de todos (as leituras em voz alta; os seminários; as apresentações de pesquisas etc.). Para Larrosa (2014, p. 10), a escola “es un espacio público a condición de que reciba a la gente desde el punto de vista de la igualdad. La escuela es un espacio público a condición de que en ella se hagan las cosas en presencia de otros”3. O que significa tornar visível, colocar diante de todos - e não esconder, privatizar.

No Brasil, a expressão ‘pública’ se confunde com o ‘gratuito’ - o que consideramos aspecto valioso no pensamento brasileiro, pois revela o desejo e a necessidade de um espaço e um tempo liberados da ideia e do uso de negócio, comércio, venda. Para nós, então, expressa a possibilidade de identificar esse pensamento como base capaz de gerar um mundo comum. Em um cenário em que as desigualdades extremas se acentuam, vivendo lado a lado, essa ideia de escola pública convoca uma formação e atuação docente que tenha sua materialidade relacionada com a visibilidade do trato e acesso ao conhecimento; na igualdade de todos para isso e; no tornar esse espaço e tempo acessíveis a todos.

Mas essa associação direta entre público e gratuito, como se fossem sinônimos também simplifica a discussão, pois ao lutar apenas para não ser pago, as outras questões que compõem a natureza do público não são percebidas, discutidas. Com as ideias de Rancière, Masschelein e Simons (2011) apresentam potente alegação para o caráter democrático da escola pública - e o quanto isso é reprimido, abafado, odiado pelas ideias de privatização, que vem dominando a vida.

Esse pensamento hegemônico vem produzindo uma ideia que coloca a escola como o

[…] “tiempo natural” del crecimiento, de la maduración o del desarrollo o con el tiempo (artificial) del aprendizaje, oculta y disimula la separación entre el “tiempo económico, útil” y el “tiempo libre” como tiempo de estudio y de juego. La banalización de la discusión y de la argumentación sobre una materia, que se produce al reducirla a un intercambio de opiniones privadas (¿cuál es tu opinión?) y a un debate sobre preferencias y perspectivas individuales, oculta el hecho de que en la escuela es el mundo (común) el que se pone en juego (y no las participaciones individuales)4 (Masschelein e Simons, 2011, p. 337).

Ocultação que tensionamos no desenvolvimento do que pesquisamos e de todas as ações pedagógicas que estão sob nossa responsabilidade, em nosso fazer pedagógico, em duas diferentes instituições públicas federais. Com esse suporte, uma das autoras considera a desnaturalização do corpo e das práticas corporais como fundamental para a consolidação da educação física como prática pedagógica que se faz no escolar e; a outra autora vem debruçando esforços para compreender os gestos pedagógicos que a relação entre o cinema e a educação revela, especialmente com os estudantes do ensino médio. Em ambos os casos, os objetos de pesquisas são percebidos como produções da vida em sociedade - possíveis, portanto, de serem de todos para todos, não somente na aquisição, mas também na criação e mudança de tudo que é socialmente produzido. E, na escola, como produções do mundo, são colocados como matérias de estudos.

Aqui não entraremos nas especificidades dessas pesquisas, mas na ideia de escola pública em que elas se sustentam. Nessa, a condição de possível a todos a caracteriza como local de proteção, no qual o tempo e espaço escolar momentaneamente suspendam o previsto e o prescrito às novas gerações, acolhendo-as e protegendo-as do que é projetado para elas (Masschelein e Simons, 2014). Do que familiares e mercado de trabalho realizam - das projeções que querem concretizar, do futuro que traçam (seja para o bem ou para o mal), da constante presença da ideia de ‘preparar para’. Também identificamos que essa ideia de suspensão ampara, diminui, pode impedir violências e ameaças - com as quais muitas crianças e jovens vivem, cotidianamente. E, nesse processo de liberação/suspensão do traçado, a criação, concreta, de tempo e espaço para conhecer, criar, viver.

Segundo Larrosa (2014, p. 9), “para Hannah Arendt sólo hay mundo cuando existe un espacio común y público de manifestaciones, de fenómenos, de cosas, de obras, de saberes”5. O que significa, no espaço e tempo protegido, que é o escolar, ao ensinar a compreender os conhecimentos como parte do mundo, os alunos aprendem e exercitam olhar para os contextos, em movimento que amplie o interesse, a curiosidade para conhecer o que os constitui, sua amplidão, diferenças, limites e, ao mesmo tempo; adquirir a responsabilidade por cuidá-lo, modificá-lo, criá-lo.

Esse movimento de suspensão do previsto, das forças dominantes, proporciona abertura e liberdade para aprender e relacionar com todos os conhecimentos que são escolhidos e acolhidos para serem abordados na e pela escola. Isso significa que eleger as informações, os assuntos que devem ser guardados, protegidos, modificados, questionados, desdobrados, apreendidos repercute uma forma de olhar, conhecer e valorizar o que homens e mulheres vêm produzindo ao longo dos tempos. O que requer imensa responsabilidade docente - com seu trabalho e com as coisas do mundo -, ao eleger o que trazer para estudo no escolar, para compor os currículos, projetos e toda a organização do que e como entra na escola e na formação docente.

A ideia de ‘proteção’ (Larrosa, 2014) do previsto, possibilitando abertura ao novo, ao devir, à emancipação da situação e condição em que se encontra, requer ações, formas escolares que favoreçam disponibilidade ao que existe. O que diretamente relacionamos à responsabilidade docente do que se constitui autoridade no escolar: o estudar. O que os alunos conhecem; o que lhes desperta interesse, curiosidade, vontade de saber mais. Movimento que significa conhecer, estudar as coisas que existem no mundo - auxiliando a criarmos espaços, tempos e bens comuns, pois deslocamos do personalismo (‘quem sou eu’) para as coisas, situações que estão na relação (gerando a pergunta ‘o que faço aqui’).

Em países constituídos pelo medo, como os da América Latina, destacar o conhecimento que há além do necessário para existir do ponto de vista da reprodução da vida orgânica, pode mudar completamente esse panorama. Pois ultrapassar a condição de manutenção vital da existência é gerar a criação da ideia de mundo, do interesse ao que nele existe, da aquisição da capacidade de ser corresponsável pelo que existe e existirá nele.

Com essas lentes, olhamos o movimento ‘Ocupa Tudo’, tentando identificar o que disseram esses alunos que se fizeram responsáveis pelo espaço e tempo escolar de escolas públicas estaduais, em São Paulo inicialmente e, em seguida, no Rio de Janeiro - cidade em que vivemos e localizamos nossas ações pedagógicas.

Movimento estudantil ‘Ocupa Tudo’

[...] Ninguém tira o trono do estudar

Ninguém é o dono do que a vida dá

E nem me colocando numa jaula

Porque sala de aula

Essa jaula vai virar [...]

(Trecho da música O Trono do Estudar, de Dani Black).

Durante o início do primeiro semestre de 2016, afastadas para estudos na Universidade de Barcelona, pelas redes sociais nos chamou a atenção as reportagens que traziam um movimento de ocupação que estudantes do Ensino Médio, da rede pública estadual do Rio de Janeiro, começavam a fazer. Esse movimento teve como inspiração o realizado pelos estudantes paulistas, no final do ano de 2015, cujo objetivo era combater uma medida arbitrária do governo estadual de São Paulo a qual previa o fechamento de escolas, em sua maioria na periferia, transferindo os alunos para outras unidades escolares. O que tornava mais difícil ou inviável o acesso ao estudar.

No caso do Rio de Janeiro, a mobilização começou em março, após o anúncio de redução da verba estadual destinada à educação para o ano de 2016, incluindo parcelamento e corte de salários dos profissionais de educação e, chegaram a ocupar cerca de oitenta escolas desse sistema. Assim, imediatamente identificamos que o movimento ‘Ocupa Tudo’ somou força à greve dos professores (que ocorria na mesma época), ajudando a denunciar o descaso do Estado com a educação. Nessa dinâmica de ocupação, aos poucos percebemos que nossos jovens estudantes assumiram o protagonismo desse processo educativo, político, ético, estético, artístico, ‘rugindo como o vento e libertários como os pássaros’, anunciando que ‘a luta secundarista é independente, autônoma e horizontal’ (BLOG FOLHA UOL, 2016).

Por meio das redes sociais e de alguns professores próximos, que estavam com suas escolas ocupadas, acompanhamos a organização dos estudantes por comissões (de limpeza, de segurança, de comunicação e de alimentação) e o oferecimento de atividades educativas, artísticas e culturais no interior das escolas, avigorando a ideia de que ocupavam um espaço que é deles, contrariando o aspecto de invasão que tanto a Secretaria de Educação, quanto a grande mídia e alguns professores não grevistas tentaram assinalar. Ocupamos, disseram eles, para juntos lutarmos por melhores condições de estudos para todos, em defesa de uma educação pública de qualidade. Portanto, afirmavam o desejo pelo estudo, mas rejeitavam as condições precárias que o Estado tem oferecido.

Embora cada escola tenha apresentado uma lista específica de reivindicações, algumas exigências foram compartilhadas por todos os grupos ocupantes (do interior à capital fluminense). Os estudantes reclamaram que a Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ) não oferecia respostas (tampouco soluções) às demandas. Assim, pautas gerais e específicas foram se mesclando: infraestrutura das escolas (salas de aulas superlotadas e sem climatização, ausência de manutenção nas instalações, deficiência de merenda, falta de vagas diurnas e noturnas para o ensino médio); reajuste salarial para professores e profissionais da área da educação; gestão democrática (eleição direta da comunidade escolar para a direção da escola); garantia de aulas após as ocupações; extinção do Sistema unificado de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ); fim das políticas meritocráticas e reformulação participativa do currículo mínimo. Diante dessas exigências, em um primeiro momento, a SEEDUC-RJ se comprometeu em resolver algumas das solicitações na área de infraestrutura e ofereceu mais participação dos estudantes na tomada de decisão nas escolas, desde que os colégios fossem desocupados imediatamente. Os estudantes não cederam a este ‘acordo’ e mais escolas foram ocupadas.

Com essa forma de ocupação das escolas, podemos perceber os diversos modos de experimentar a juventude e, que a convivência com os códigos e símbolos escolares tem-se constituído como referência para esses grupos juvenis. É importante salientar que a crescente presença dos jovens nas escolas, além de contribuir com o aumento da escolaridade, também colabora para que muitos deles acessem aos bens culturais, haja vista a enorme desigualdade social que propicia ora a ausência de opções culturais, ora a não existência do protagonismo (Sposito, 2005).

Nas escolas públicas, a inquietação com o jovem estudante que chega (muito diferente socialmente das gerações anteriores) é perceptível. As atuais gerações fazem parte de diferentes camadas sociais, assim como das grandes transformações ocorridas nas últimas décadas em termos de sociedade, culturas, tecnologias, mercado de trabalho e, por isso, enfrentam muitos desafios - desde a violência simbólica, familiar, do narcotráfico até a do próprio Estado (através das suas instituições). Por isso destacamos o potencial protetor da escola, assim como àquele que mobilizou e organizou esses estudantes, pois solicitaram melhoria e manutenção da escola pública.

Como ensaio, essa escrita expõe uma experiência no presente - nosso e do escolar -, o que é tarefa delicada, pois não pretendemos falar como se fôssemos os alunos, tampouco fazer uma historiografia do escolar. Mas, destacar a importância do que alunos e professores fazem no escolar, em cada dia que estamos nele - ou seja, como ordinariamente ocupamos o tempo ao estar nesse espaço. Assim, os desafios que os alunos nos colocam ganham força porque expressam a presença deles e, ao mesmo tempo, nos exigem, nesse momento de tensão, afirmar alguns princípios que formam e movem nosso trabalho docente - como não esquecer de que a autoridade, no tempo e espaço do estudar, é da matéria, objeto, coisa estudada. E não a do/a professor/a. E, nessa relação, a suspensão dos gestos pedagógicos que expressem ‘quem’ é o professor (mas não o ‘que faz’ no tempo e espaço escolar), assim como do que esperamos que os jovens façam com aquilo que estudam.

Para essa ideia, também é importante deixarmos de pensar a juventude como tempo de passagem para o futuro - o que contém a ideia de ‘preparar para’. Pois, para os próprios jovens estudantes, o tempo é o presente - o que foi explicitado por eles em um comunicado público direcionado a todos os secundaristas e ocupações, postado e viralizado na rede social facebook, afirmando: ‘vamos mostrar nosso projeto de educação e convocamos todos os estudantes e ocupações para construírem junto com a gente, pois nós não somos o futuro de lugar algum, nós somos o presente!’.

Reguillo Cruz (2000), em seus discursos sobre as culturas juvenis na América Latina, reconhece as múltiplas possibilidades de experiências individuais ou coletivas, expressas a partir das mais variadas manifestações artísticas (músicas, danças, teatros, histórias em quadrinhos, artes visuais e audiovisuais) que produzem sentidos estéticos, políticos e éticos que raramente são visibilizadas e incluídas nos contextos educacionais. Com a ocupação, as escolas ofereceram atividades esportivas, culturais, aulões, assembleias, debates... Tudo o que alunos e alunas entenderam como fundamentais para ocupar o espaço e o tempo da/na escola.

Essa experiência nos deu a ver o quanto a discussão de escola é uma questão pública, como enfatizam Masschelein e Simons (2014). Ao defenderem o caráter público da escola, os autores tecem um elogio aos dispositivos educativos - àqueles mesmos reivindicados pelos estudantes no movimento de ocupação - que fazem com que uma escola seja uma escola: espaço, tempo, aulas... Nessa ocupação, muitas fotos e dizeres propagados pelas redes sociais exemplificaram toda uma concepção da ordem pedagógica (regras, rituais, limites, possibilidades), como mostraram a forma em ocupar a cozinha, a reponsabilidade da limpeza, a manutenção das coisas e alguns dizeres que expressavam “compreender melhor os professores quando pedem silêncio da turma”.

Esse movimento - o ‘Ocupa Tudo’ - pode, então, ser interpretado como potente pista, revelada pelo protagonismo da juventude estudantil, para enfrentarmos e resistirmos à domesticação e à mercantilização direcionadas aos tempos e espaços escolares, fortalecendo-os como públicos, bens comuns. Com essa ideia, seguimos com o texto para a próxima e última seção.

O tempo ocupado na educação - pistas à atuação docente

[...] Compositor de destinos

Tambor de todos os ritmos

Tempo Tempo Tempo Tempo

Entro num acordo contigo

Tempo Tempo Tempo Tempo

Por seres tão inventivo

E pareceres contínuo

Tempo Tempo Tempo Tempo

És um dos deuses mais lindos

Tempo Tempo Tempo Tempo [...]

(Trecho da música Oração ao tempo, de Caetano Veloso).

Estamos acostumados a abordar a educação como direito, mencionando a função da escola; seus objetivos; a qualidade social com que é conduzida (em nome de quê e para quê); a relação com a vida pública; o acesso e à permanência nas escolas. Mas quase não falamos e percebemos menções ao tempo - no que fazemos ao estar no espaço escolar. Em uma sociedade que ‘ter tempo’ é privilégio, aproximar essa discussão da escola, para nós, torna-se uma questão pública, pois contêm o potencial de revelar como temos oportunizado às novas gerações sua abertura ao mundo, assim como a aprendizagem necessária dos cuidados com ele (Arendt, 1996).

Para isso, consideramos urgente perceber o tempo como devir, não propriedade, mercadoria e, nesse movimento, como princípio orientador para a organização das práticas pedagógicas na educação pública. O que requer explicitar como identificamos a educação. E, de imediato, caracterizamos que essa discussão está colocada como conflito fundamental “para todo futuro: a luta entre os que criam o ser humano para ser pequeno e os que criam o ser humano para ser grande - poder-se-ia também dizer entre os humanistas e os super-humanistas, amigos do homem e amigos do “super-homem” (Ubermensch)” (Nietzche inSloterdijk, 2000, p. 41).

Aproximar a discussão do tempo na educação, ‘para ser grande’, não é colocada aqui como sinônimo de nova domesticação, mas como uma possibilidade de suspensão do previsto e prescrito às pessoas - especialmente àquelas de determinada condição social, cuja história exemplifica o quanto foram subtraídas, negadas à condição de ampliar e criar mundos. Assim, a escola pode ser o lugar de aprender que o mundo não é um dado à priori, mas como produção de um ser que nasce incompleto - e que isso pode ser considerado como uma espécie que fracassou, mas

Ao fracassar como animal, esse ser indeterminado tomba para fora de seu ambiente e com isso ganha o mundo no sentido ontológico. Esse vir-ao-mundo extático e essa “outorga” para o ser estão postas desde o berço para o ser humano como heranças históricas da espécie. Se o homem está-no-mundo, é porque toma parte de um movimento que o traz ao mundo e o abandona ao mundo (Sloterdijk, 2000, p. 34).

Então, como não nascemos equipados ou preparados, temos que ser apresentados e, nesse processo, estudar, descobrir, criar no ambiente em que nascemos - construindo, assim, um mundo que não temos à ‘priori’. E, quando nos sentimos responsáveis por esse mundo revelado e constituído, entendemos porque Arendt (1996) afirma que nossa herança não nos chega por um testamento, pois esse indicaria a força exclusiva da transmissão, em um tempo contínuo. Por isso, a educação que deseja esse cuidado, com a preocupação de tornar público a outros e preservar, para não matar o novo, há que considerar a brecha entre passado e futuro.

Essa brecha, chamada por Arendt de ‘coração do tempo’, cria um espaço intemporal, um momento de suspensão - o qual nos permite pensar, questionar, duvidar. São justamente os momentos de suspensão, de indefinição entre passado e futuro, entre essas forças, que ganhamos existência. Essa tensão de forças altera a ideia de fluxo contínuo - e, por isso, temos que decidir.

Quando olhávamos para o que acontecia em muitas escolas públicas de ensino médio, através do ‘Ocupa Tudo’, fomos convidadas a pensar, perguntando, criando possíveis respostas. Esse momento, considerando o que Arendt chama de ‘brecha do tempo’ é um instante da verdade, na qual nos colocamos de pé, entre passado e futuro, percebendo como uma oportunidade de ponderar, provocadas pelas indagações e invenções desses jovens.

O que para nós apresentou a necessidade de suspender os juízos, a relação de autoridade com estudantes jovens, sem deixar de assumir as responsabilidades que são dos docentes (planejar aula, propor exercícios, indicar leituras e vídeos, orientar trabalhos coletivos etc.). Na brecha do tempo presente, sabedores de uma história passada, as possibilidades de histórias futuras nos obrigam a pensar, publicamente, o escolar (diferenciando-o do mercado de trabalho e do ambiente familiar). Podemos, então, caracterizar esse movimento ‘Ocupa Tudo’ como uma fissura provocada no tempo escolar, colocando questões da educação pública à vista.

Os jovens que ocuparam as escolas, quando reivindicavam o mesmo que os professores em greve reivindicaram (condições de trabalho, salário, concurso público, pagamento em dia e etc.), reconheceram que a presença do/a Professor/a está sendo descaracterizada, ao não ser ouvida, pelo Estado. Foram aliados desses/as Professores/as e, ao mesmo tempo, houve momentos de tensão entre eles, especialmente quando os jovens expressaram seus posicionamentos éticos e estéticos ao elegerem o que ‘entra’ (e não entra) em uma escola ocupada. E mais ainda, quando percebemos que os sentidos produzidos por eles no espaço escolar congregaram tanto as manifestações artísticas quanto as educativas - constantemente negligenciadas em muitas das organizações escolares, abandonadas e sucateadas pelo Estado (R7 NOTÍCIAS, 2016).

Sem percorrer o caminho de negar conflitos e contradições, consideramos que sempre educamos para um mundo que está confuso - pelas tensões provocadas entre o passado, presente e futuro. Mas muito do que acontece hoje, no Brasil, chama a atenção para nosso esquecimento e/ou negação do passado - exemplificado quando jovens vão às ruas pedindo retorno dos militares, com saudações nazistas e espancando pessoas vestidas com roupas vermelhas, como também vimos pelas redes sociais. Ensinar como é o mundo através dos conteúdos dos diversos elementos curriculares e das suas relações com a vida, com o passado, em uma escola que está no tempo presente, pode educar para a responsabilidade com o mundo que encontramos e criamos, na qual as tradições e as memórias nos revelam o passado e, ao mesmo tempo, nos fazem pensar e olhar o futuro - o qual não está prescrito e os alunos e as alunas, as novas gerações, assumirão a responsabilidade e escolherão o que fazer com isso...

Essa forma de pensar a educação, destacando compromissos com o porvir, não fixando expectativas no que os jovens devem fazer, desloca a todos para novos começos, com o tempo sempre aberto, capaz de se renovar para receber o novo, sabendo que o novo vai perguntar e, para responder, há que se colocar em questão (não fechando o tempo...). Então, identificamos também esse movimento de ocupação como abertura ao novo, com a corresponsabilidade pelo mundo, no qual a educação afirma-se pública.

As imagens desse protagonismo juvenil narraram histórias que tornaram esse momento, de crise, um acontecimento, o qual nos obrigou a “optar por uma gestão do tempo pedagógico, para além da cronologia e da lei, ou daquilo que é suposto ser a lei, sem, todavia, negar a importância dos limites compartilhados e não impostos (Lins, 2005, p. 1240). Ou seja, o que aprendemos com o que acontece, sem adjetivarmos como ‘perda de tempo’?

Além do protagonismo, como indicativo de que esses jovens querem mais, outra pista é o que fizeram no momento de ocupação, mas não é valorizado, por eles mesmos, na organização escolar ordinária - como a responsabilidade de cuidar do espaço escolar (limpando) e da forma como usam o tempo (cozinhando, com oficinas, com a aproximação de artistas). O que faz eco com as práticas pedagógicas que exercitam o pensamento, tentando gerar tempos e espaços de potência, de produção de sentidos diferentes da ‘pedagogia do desastre’, do ‘dever ser’, do ‘fabricar’ alguém.

Destacar a organização dos tempos, a forma como assumiram essa reponsabilidade, nos convida a pensar na materialidade das ações pedagógicas, que eles aprenderam e expressaram - como a divisão das tarefas em grupos, as assembleias, o registro escrito e imagético do que estava sendo realizado. Compreendemos que trazer esses elementos, abordando o que acontece/se faz presente no tempo e espaço escolar é falar em currículo, projeto político pedagógico, ou seja, nos diversos movimentos e gestos pedagógicos que fazem identificar a

[...] materialidade concreta da escola (o edifício, a sala de aula, o quadro-negro, mesas, carteiras, etc.), mas também as ferramentas (caneta, livros, giz, lápis, etc.) e os métodos de trabalho (ensaios, conjunto de problemas, exames, etc.), todos os quais objetivam uma espécie de disciplina para focar a atenção do jovem sobre sua tarefa ou coisa específica (Masschelein e Simons, 2014, p. 122).

O problema, então, torna-se pensar o que está sendo colocado do mundo, pela escola, para estudo e atenção dos jovens. O que requer pensar como o tempo escolar está sendo ocupado nesse espaço.

Diante do amplo cenário educacional brasileiro, esse movimento exemplifica que as escolas públicas são territórios de lutas, disputas e tensões. Esses alunos e alunas têm clareza de que na escola, do jeito que está desenhada, o tempo está colonizado por práticas pedagógicas que não os ajudam a conhecer sua própria história. Dizem eles: ‘Vivemos em uma terra plural, majoritariamente indígena e negra, mas não conhecemos a nossa história. Somos ensinados a acreditar em símbolos europeus de dominação, exploração e colonização. Queremos redescobrir nossas raízes, estudar e produzir nossa história dentro de nossas escolas’. Falaram, assim, em liberdade de pensamento e de ação. Expressaram o desejo por uma escola que se constitua em um espaço e tempo de ‘formação de pessoas autônomas, empoderadas de seu próprio destino e, acima de tudo, de pessoas felizes’ que lutam por ‘liberdade, igualdade e justiça’. Por fim conclamaram, no final de 2016, aos estudantes das oitenta escolas ocupadas no Rio de Janeiro, ‘desse território guarani e do mundo: Ocupemos nossas escolas, ocupemos nossas próprias vidas e sejamos os agentes do nosso futuro’!

Como ensaio, trouxemos destaques que esse movimento juvenil nos deu a ver, fazendo aproximar e pensar no que realizamos em nossos cotidianos no magistério. Reconhecendo que a formação continuada também é mobilizada pelo sentimento de dúvida, de precariedade e de isolamento que vivemos na realização das ações e gestos educacionais. Afinal, se identificamos que esses alunos apoiaram os professores, porque foram pouco ouvidos? Os professores, durante esse momento, em que a categoria se encontrava em greve e que, agora, vem sofrendo constante interrupção no recebimento dos salários, como colocam os receios e inquietações sem transferir a responsabilidade docente? Como hoje estão as escolas que estiveram ocupadas?

Não duvidando das pistas apresentadas pelo ensaio que nos aproximou com o movimento ‘Ocupa Tudo’, especialmente para pensarmos a força organizadora que o público pode revelar; a necessidade dos jovens terem um espaço de proteção que não seja a família ou o mercado de trabalho, para exercitarem o ser capaz de; a formação de gestos pedagógicos que revelam a autoridade do objeto a ser estudado; encerramos, momentaneamente, esse texto, com interrogações. Movimento que expressa as preocupações e responsabilidades do nosso fazer educativo; em nome de quê; os gestos pedagógicos necessários a isso.

Além disso, as questões sempre abertas são fundamentais para a continuidade de um pensar que indaga como ‘ocupamos’ o tempo e o espaço nas escolas e nas universidades; como nossa presença docente contribui para essa escolarização e formação; o que colocamos do mundo, para estudo, nesse tempo e espaço de proteção aos jovens.

Agradecimentos

Ao Professor Dr. Jorge Larrosa, pelos encontros, diálogos e provocações ao nosso estudar. Assim como pela nota elaborada para a composição desse artigo.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio e incentivo à formação docente, através de bolsa de pesquisa para tempo de pós-doutoramento (CAPES) e período sanduíche do doutoramento (CNPq).

Referências

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3“é um espaço público na condição de que receba as pessoas desde o ponto de vista da igualdade. A escola é um espaço público na condição de que nela se façam as coisas na presença de outros” (tradução nossa).

4[…] “tempo natural” do crescimento, da maduração ou do desenvolvimento ou com o tempo (artificial) da aprendizagem, oculta e dissimula a separação entre o “tempo econômico, útil” e o “tempo livre” como tempo de estudo e de jogo. A banalização da discussão e da argumentação sobre uma materia, que se produz ao reduzi-la a um intercâmbio de opiniões privadas (qual é sua opinião?) e a um debate sobre preferências e perspectivas individuais, oculta o fato de que na escola é o mundo (comum) o que se põe em jogo (e não as participações individuais) (tradução nossa).

5“para Hannah Arendt só há mundo quando existe um espaço comum e público de manifestações, de fenômenos, de coisas, de obras, de saberes” (tradução nossa).

Recebido: 10 de Fevereiro de 2017; Aceito: 19 de Março de 2018

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