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Educação UNISINOS

versión On-line ISSN 2177-6210

Educação. UNISINOS vol.23 no.2 São Leopoldo abr./jun 2019  Epub 30-Abr-2020

https://doi.org/10.4013/edu.2019.232.12 

Resenha

Paulo Freire no Rio Grande do Sul: legado e reinvenção

Paulo Freire at Rio Grande do Sul: legacy and reinvention

Mariana Parise Brandalise Dalsotto1 

1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Bolsista PROSUC/CAPES. maripbrandalise@hotmail.com

MORETTI, Cheron Zanini; STRECK, Danilo Romeu; PITANO, Sandro de Castro. Paulo Freire no Rio Grande do Sul: legado e reinvenção. Caxias do Sul, RS: Educs, 2018. 302 pp.


Paulo Freire é um educador brasileiro que contribuiu para dar uma nova visão e formato para a educação no século XX, pois considerava o contexto como ponto de partida e também de chegada para o momento educacional. Por seu pensamento inovador e crítico da educação, Freire passou a ser estudado em diversos países sendo considerado referência para as reflexões desenvolvidas na área.

A presença do educador no Rio Grande do Sul e suas influências em pesquisas e práticas educativas realizadas no estado fizeram com que os estudos apresentados no livro Paulo Freire no Rio Grande do Sul: legado e reinvenção fossem desenvolvidos. Para aqueles que buscam tecer novas reflexões sobre o educador, conhecer mais de sua trajetória (no que se refere à sua presença no Rio Grande do Sul) e uma parte das reflexões que ele influenciou e continua influenciando, este livro é uma ótima opção.

Lançado no primeiro semestre de 2018, a obra apresenta 13 capítulos escritos por vários autores e organizados em quatro partes. Exibindo diversos olhares sobre a presença de Paulo Freire no Rio Grande do Sul, relata as diferentes formas com as quais isso aconteceu e continua acontecendo. Os textos debatem a presença física de Paulo Freire no Rio Grande do Sul (parte I do livro), mas também seu uso como fundamentação teórica materializada e reinventada em práticas de educação popular (parte II) e ainda em pesquisas acadêmicas desenvolvidas no estado (parte III). Por fim, é apresentada uma cronologia que lista o comparecimento de Paulo Freire no estado de forma resumida e, ainda, uma saudação a ele na ocasião do recebimento do título de doutor Honoris Causa na UFRGS (parte IV).

Todos os autores que escreveram os capítulos que compõem o livro tem alguma formação voltada à educação, seja em nível de graduação, mestrado ou doutorado (em andamento ou já concluídos). Alguns deles atuam profissionalmente em universidades, outros em escolas de Educação Básica. Seja em função da atuação profissional ou das pesquisas acadêmicas, os autores tiveram suas trajetórias marcadas pelo pensamento freireano, o que possibilitou a autoria dos referidos capítulos. É possível perceber, inclusive, que alguns deles participaram da escrita de mais de um capítulo.

O livro inicia com um prefácio de Ana Maria Saul, educadora que trabalhou com Paulo Freire em São Paulo e acompanha os estudos sobre ele, principalmente como coordenadora da Cátedra Paulo Freire da PUC-SP, da qual originaram-se as pesquisas no Rio Grande do Sul e, por conseguinte, o livro aqui resenhado. A autora comenta a atualidade do pensamento freireano, que pode ser compreendido e recriado em diferentes contextos, e toma o livro como referencial para analisar a realidade e refletir sobre “a utopia de um outro mundo possível” (p. 12).

A Introdução foi escrita pelos organizadores: Cheron Moretti, Danilo Streck e Sandro Pitano. É uma apresentação do livro que introduz sua organização, de forma similar à apresentada por mim anteriormente. Além disso, indica que as pesquisas que o compõem são resultado das reflexões realizadas no Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, além de serem um braço da Cátedra Paulo Freire da PUC-SP.

Inicia-se, então, a Parte I, intitulada: Memórias e trajetórias de Paulo Freire. São 4 capítulos que relatam a presença física do educador no Rio Grande do Sul além de um breve comentário sobre o Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire. O primeiro texto, intitulado “Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire - um movimento de (trans)formação permanente no Rio Grande do Sul”, escrito por Ana L. S. Freitas, Cleiva A. Lima e Maria E. Machado aborda a historicidade do Fórum que faz, anualmente, um resgate dos estudos fundamentados no pensamento de Paulo Freire. As autoras realizam uma análise documental que compartilha a memória das 20 edições do encontro, relatando que este evidencia o potencial (trans)formador do pensamento freireano.

O segundo capítulo intitula-se “A presença física de Paulo Freire em universidades do Rio Grande do Sul” e evidencia a presença do educador em universidades do Brasil e do mundo, apontando que esta relação, no estado, aconteceu, principalmente, na volta do exílio. Os autores Jaime J. Zitkoski e Fernanda S. Paulo identificam, também, pessoas que tiveram contato direto com Freire em alguns destes momentos.

O terceiro capítulo, “Círculos de Cultura no Rio Grande do Sul: memórias de uma experiência de educação popular” é sobre os Círculos de Cultura, derivados da concepção de educação pensada por Paulo Freire. Angela C. Schultz e Cheron Z. Moretti relatam como estavam sendo organizados e realizados os Círculos no estado e traz a criação do Instituto de Cultura Popular do Rio Grande do Sul para sistematizar o movimento. Apesar da ruptura que veio junto da ditadura civil-militar, as autoras comentam que possivelmente os Círculos continuaram, em menor escala, na clandestinidade.

Dando continuidade à temática o texto “Paulo Freire no Rio Grande do Sul: diálogos, aprendizagens e reinvenções” de Balduino A. Andreola, Gomercingo Ghiggi e Evaldo L. Pauly, aborda a realização dos Círculos, comentando sobre a presença de Freire no estado e sua amizade com Ernani Maria Fiori. Também são indicados brevemente a presença de Freire após o exílio, e os estudos sobre seu pensamento, realizados no Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire.

Ao retomar a presença física de Paulo Freire no estado antes do exílio, marcada pelos Círculos de Cultura, ou depois do exílio, marcada pelos convites das universidades, os textos da Parte I tiveram o objetivo de relembrar a trajetória do educador, mas também mostrar que há uma continuação de sua história. É a proposta do Fórum de Estudos apresentado no capítulo 1 que mostra o educador ainda presente no estado por meio de lembranças, mas também de reflexões que são fundamentadas com seus escritos.

A Parte II: Práticas e contextos, também contém 4 capítulos que comentam sobre a reinvenção de Freire em diferentes espaços. São textos que abordam que o diálogo, a democracia, a reflexão, a relação de teoria e prática indicotomizáveis, entre outras características do pensamento freireano, foram ou são concretizadas em ações.

“O MOVA-RS no governo democrático e popular no Rio Grande do Sul: gênese, práxis e protagonistas” volta-se ao período pós exílio de Freire e debate sobre uma ação que fundamentou-se a partir dele. Liana S. Borges retoma que o MOVA-RS derivou-se do MOVA-SP (que contava com a presença de Freire na Secretaria de Educação do município) e de políticas em favor da EJA que já vinham sendo adotadas em Porto Alegre. Já o texto “Paulo Freire e reinvenção pedagógica nas Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) no Rio Grande do Sul” analisa produções acadêmicas contemporâneas sobre as EFAs do estado. Cheron Z. Moretti e Cristina L. B. Vergunz consideram as referidas escolas, como ambientes de reinvenção do legado freireano.

Na mesma linha, Telmo Adams, Luciane R. F. Pielke e Josilaine Antunes debatem sobre “Paulo Freire nas pesquisas sobre Economia Solidária no RS: contextos, práticas e saberes”. Os autores fundamentam-se em teses e dissertações que tomam as práticas de economia solidária e as relacionam com o pensamento freireano. Na sequência, Karine dos Santos e Ana C. F Godinho relatam um estudo de caso ao abordar “A proposta de trabalho das Promotoras Legais Populares: inspirações teórico-metodológicas na obra de Paulo Freire”. São analisados grupos que atuam na defesa dos direitos das mulheres, utilizando princípios freireanos em sua metodologia de trabalho, indicando a influência destes e sua atualização através do protagonismo dos sujeitos.

Os textos da Parte II problematizaram as contribuições que o pensamento freireano deu a diferentes práticas, seja por meio da análise delas em si, por meio de produções acadêmicas que relacionam diferentes práticas com o pensamento referido ou de pesquisas que identificam em que aspectos estas práticas já o tomam como base. Como uma conclusão comum, os textos evidenciam que os pressupostos do pensamento de Paulo Freire foram atualizados e reinventados através das práticas apresentadas.

Dando continuidade, a Parte III: Paulo Freire e pesquisas acadêmicas, apresenta 5 capítulos que buscam olhar para os estudos realizados no Rio Grande do Sul, que utilizaram Freire como referencial. O primeiro debate sobre “Paulo Freire como referência metodológica na pesquisa em educação”, atentando para as pesquisas que problematizam práticas e usam Freire como referência para sua própria construção. Danilo R. Streck, Sandro C. Pitano e Nilda Stecanela concluem que Freire é pouco utilizado como referência metodológica nos Programas de Pós-Graduação (PPGs) investigados.

O segundo texto discute “A presença de Paulo Freire nas universidades: um estudo a partir dos grupos de pesquisa do CNPq”. Apesar de encontrarem poucos grupos que contém em seu nome o termo Paulo Freire, Fernanda S. Paulo, Jaime J. Zitkoski e Leonardo C. Lodi identificaram a existência de grupos que debatem diversas áreas tomando o pensamento freireano como base, confirmando que estes são também espaços de reconstrução do legado do educador. Já o terceiro texto desta parte busca identificar “A presença de Paulo Freire na Pós-Graduação em Educação: uma análise das pesquisas na Unipampa e na UFRGS”. Através da análise, Lúcio J. Hammes e Jaime J. Zitkoski afirmam haver uma perspectiva interdisciplinar revelada nas obras de Paulo Freire e apontam a importância da pesquisa para superar a educação bancária.

O quarto texto analisa “O legado de Paulo Freire à Educação Ambiental no Rio Grande do Sul” através de seu uso como referencial teórico em pesquisas realizadas, principalmente, no PPG em Educação Ambiental da FURG, ainda que os estudos em outros PPGs também tenham sido identificados. Telmo Adams e Nágia M. Brandão concluíram que Freire foi referencial teórico em mais de 50% das produções sobre Educação Ambiental e que a relação entre esta e o educador ocorre por meio de seu debate sobre educação popular.

Finalizando a parte III, Dinora T. Zucchetti, Karine dos Santos, Levi N. Mira e Roberta S. Rosa escrevem sobre “Paulo Freire e a Educação não escolar no Rio Grande do Sul: primeiras aproximações”, analisando pesquisas de dois PPGs do estado. Os autores concluem que os escritos do educador podem se relacionar com diferentes campos empíricos de educação não escolar e que neles há uma dimensão de temas que podem resultar em novas reflexões.

A Parte III buscou apresentar diferentes formas nas quais o pensamento Freireano se coloca nas universidades. Seja como referencial teórico ou metodológico das pesquisas acadêmicas, seja por grupos de estudos, ou ainda inserindo-se em temáticas específicas como Educação Ambiental ou educação não escolar, todos os textos apresentados confirmam a interdisciplinaridade das reflexões propostas por Freire, sua atualidade e possibilidade de reinvenção.

Concluindo o livro, a Parte IV: Documentos disponibiliza dois textos. Balduino A. Andreola e Fernanda S. Paulo apresentam uma “Cronologia: Presença de Paulo Freire no Rio Grande do Sul” nas décadas de 60, 80 e 90.O segundo texto advém justamente da ocasião de uma destas vindas ao Rio Grande do Sul. É uma saudação de Balduino A. Andreola ao educador, escrita em 1994, quando este recebia o título de Doutor Honoris Causa pela UFRGS. O texto é marcado pela amizade de Paulo Freire e Ernani Maria Fiori (que foi professor daquela universidade) e pela trajetória de Freire com a educação popular.

A organização deste livro mostrou que o Rio Grande do Sul é um núcleo para pesquisas que tomam Paulo Freire como referencial e contribuiu para conhecer e reforçar a atualidade do pensamento do educador. Mostrando a historicidade do acolhimento e convite para a presença física do educador no estado, bem como a continuidade deste acolhimento através da realização de pesquisas que tomam seu pensamento como referência, o livro aponta o prestígio e a influência que Paulo Freire teve e continua tendo no estado.

Paulo Freire no Rio Grande do Sul: Legado e Reinvenção é uma das mais importantes e atuais contribuições no que se refere aos estudos sobre Paulo Freire no estado e, em virtude disso, sua leitura e discussão são imprescindíveis para aqueles que buscam conhecer, pesquisar e continuar reinventado Paulo Freire. Como traz Ana Maria Saul no prefácio, este livro pode ser um referencial para analisarmos a nossa realidade, seja ela de práticas educacionais ou de pesquisas, com o objetivo de, fundamentando-se em Freire, buscar um outro mundo possível.

Como vários autores reconhecem em seus capítulos, o livro não é engessado ou dado como acabado. Ele deixa espaço para a continuação de muitas das pesquisas nele descritas e também abre possibilidades para que outras similares sejam iniciadas. Além de ser de fácil leitura, cumpre seu objetivo de apresentar o legado e a reinvenção de Paulo Freire no Rio Grande do Sul.

REFERÊNCIAS

MORETTI, Cheron Zanini; STRECK, Danilo Romeu; PITANO, Sandro de Castro. (Orgs.). Paulo Freire no Rio Grande do Sul: legado e reinvenção. Caxias do Sul, RS: Educs, 2018, 302 p. [ Links ]

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