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Educação UNISINOS

On-line version ISSN 2177-6210

Educação. UNISINOS vol.23 no.3 São Leopoldo July/Sept 2019  Epub May 04, 2020

https://doi.org/10.4013/edu.2019.233.09 

Artigos

O Direito Humano à Educação nas Prisões: um estudo de caso sobre a Educação de Jovens e Adultos no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas, Bahia.

The Human Right to Education in Prison: a case study on education of youth and adults in the Prison of Teixeira de Freitas, Bahia.

Rozineide da Silva Carneiro Sousa1 

José Cláudio Rocha2 

1 Servidora Técnica-Administrativa da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestra em Gestão e Tecnologia Aplicadas à Educação (Gestec) pela UNEB. Integrante do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades (CRDH) da UNEB. Coordenadora do Projeto Rompendo Barreiras da UNEB no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas. rssouza@uneb.br

2 Professor Titular na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Coordenador do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades (CRDH) da UNEB. Docente permanente no Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC) e no Mestrado Profissional em Gestão e Tecnologia aplicada à Educação (GESTEC). joseclaudiorochaadv@gmail.com


Resumo

O presente trabalho buscou compreender como está sendo ofertada e organizada a Educação de Jovens e Adultos no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas, e, se esse processo contribui para a efetivação do direito humano à educação dos presos, sob a ótica das normativas nacionais e internacionais acerca da temática e tendo como referencial teórico Claude (2005), Defourny e Siqueira (2009), Silva (2011), Julião (2012), Onofre (2012, 2016), dentre outros. A pesquisa adotou o método do estudo de caso, realizando entrevistas individuais com o corpo docente e com o coordenador de atividades educacionais e entrevistas coletivas com 42 encarcerados do regime fechado. Os resultados apontaram o espaço inadequado para as atividades educativas, falta de segurança, perturbações sonoras, odores desagradáveis e ausência de recursos didáticos. Por fim, compreendemos que a prisão deve garantir aos presos o direito à educação, por dois motivos: por ser este um direito humano, ou seja, todos são detentores de sua titularidade, e, pelo fato de a educação ser um instrumento para atingir a reinserção social, visto que esse é o objetivo da pena no Estado brasileiro.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Educação no Cárcere; Educação de Jovens e Adultos; Ressocialização

Abstract

The present work sought to understand how it is offered and organized the Education of Young and Adults in the prison of Teixeira de Freitas, Bahia, and, if this process contributes to the realization of the human right to the education of prisoners, under the perspective of national and international regulations on the subject and having as theoretical reference Claude (2005), Defourny and Siqueira (2009), Silva (2011), Julião (2012), Onofre (2012, 2016), among others. The research adopted the case study method, conducting individual interviews with the teachers and with the responsible for the educational activities and collective interviews with 42 inmates of the closed regime. The results pointed to inadequate space for educational activities, lack of security, noise disturbances, unpleasant odors and lack of didactic resources. Finally, we understand that imprisonment must guarantee prisoners the right to education, for two reasons: because this is a human right, that is, they are all holders of it, and, because education is an instrument to achieve reintegration social, since this is the purpose of the sentence in the Brazilian State.

Keywords: Human Rights; Education in the Prison; Youth and Adult Education; Resocialization

Introdução

Falar em educação nas prisões gera certo desconforto por parte da sociedade, pois ainda é comum a visão da prisão enquanto instituição meramente punitiva. Tal visão, ligada à época dos suplícios, em que as penas eram cruéis e desumanas, por partirem da ideia da irrecuperabilidade do sujeito preso, foram superadas pelo juízo da prisão enquanto instituição reformadora (Foucault, 2008). Assim, a instituição prisão deve ser vista como uma instituição total (Goffman, 2015) que possui a característica de isolar os sujeitos que cometeram algum delito cuja pena seja a privativa de liberdade da sociedade mais ampla por certo período de tempo, criando para eles um mundo próprio, formalmente administrado, porém com o objetivo de alcançar a ressocialização, ou seja, com o objetivo de reintegrá-los na mesma sociedade da qual eles foram retirados.

Portanto, a prisão não pode atingir direitos que não estão vinculados ao direito de ir e vir do sujeito, de modo que deve ser garantido aos presos e presas o direito à educação, por dois motivos. Primeiramente por ser este um direito humano, ou seja, todos são detentores de sua titularidade, mas também pelo fato de a educação ser um instrumento para atingir a reinserção social, visto que esse é o objetivo da pena no Estado brasileiro. Todavia, observando os dados do levantamento nacional de informações penitenciária de 2014, realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do número total de pessoas privadas de liberdade no Brasil, somente uma média de 10,7% estão envolvidas em algum tipo de atividade educacional.

Além disso, tem-se que mesmo quando a oferta da educação é realizada, o modo como esta é feita possui um grande distanciamento do objetivo da reinserção social. Com relação ao objetivo ressocializador, Thompson (2002) afirma que a ressocialização tem de ser entendida como algo mais amplo, inserindo o sujeito como ativo do processo de conhecimento, reforçando o quanto defendido por Freire na sua pedagogia do oprimido.

O Estado Brasileiro objetivando mudar essa realidade adotou como modalidade de oferta da educação formal nas prisões a Educação de Jovens e Adultos (EJA), por meio de duas Resoluções orientadoras. A primeira foi a Resolução nº 03, de 11 de março de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), dispondo sobre as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos estabelecimentos penais; e a segunda foi a Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010, do Conselho Nacional de Educação (CNE), criando as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais.

Neste sentido, esta pesquisa qualitativa, na qual se adotou o método do estudo de caso, realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC), buscou compreender como está sendo organizado e ofertado a EJA no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas (CPTF) e se tal processo educacional contribui para a efetivação do direito humano à educação dos presos.

O Direito Humano à Educação do Indivíduo Encarcerado

O direito humano à educação do indivíduo encarcerado é espécie do gênero direito humano à educação. Não se trata dum objeto distinto, mas sim do mesmo direito, contudo, efetivado num espaço de privação de liberdade. As prisões, no estado moderno, têm o objetivo de ressocializar o indivíduo, privando-o do seu direito de ir e vir, de sua liberdade. Assim, não tem o Estado o poder de retirar dos encarcerados a sua dignidade, em razão da necessidade deles, durante o cumprimento da pena, serem tratados como seres humanos. Neste sentido explica Muñoz (2010, p. 63) que “Nenhum texto jurídico prevê a perda desse direito, e, o que é mais importante, tal perda não é um requisito de privação de liberdade”.

Portanto, ao analisar o direito humano à educação do encarcerado, tem-se como marco o surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na sua Resolução 217A (III), de 10 de dezembro de 1948, por ser esse o instrumento que universalizou os direitos humanos (Ramos, 2014).

A DUDH, em seu art. 26, atribui um direito subjetivo ao acesso à educação. A classificação em direito subjetivo, decorre do fato da norma referida ter atribuído ao seu titular uma faculdade de agir em face de um terceiro que tem o dever de provê-lo. Esta característica fica evidenciada ao prever que o acesso à instrução será gratuito e que a sua oferta é obrigatória por parte do Estado. Posteriormente, a inserção do dever do Estado na oferta da educação, a normativa expõe ainda o valor da educação a ser ofertada, ao destacar que a educação tem o papel de orientar o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Nesse sentido, é que o direito à educação exalta o seu caráter humano, pois como afirma Claude (2005) “A educação é valiosa por ser a mais eficiente ferramenta para crescimento pessoal. E assume o status de direito humano, pois é parte integrante da dignidade humana”.

Portanto, quando tratamos a educação deste modo, clarividente está a compreensão de que a educação não pode ser neutra aos valores, tanto é que Monteiro (2003, p. 786) menciona a “significação ética” do direito à educação. Claude (2005, p. 39) afirma que na elaboração desse artigo discutiu-se intensamente sobre essa característica, em especial, pelos soviéticos, citando a argumentação de Alexandre Pavlov, da União Soviética, o qual alegava que “[...] a educação dos jovens dentro de um espírito de ódio e intolerância havia sido um dos fatores fundamentais no desenvolvimento do fascismo e do nazismo”.

Em razão dessa discussão, se originaram os três objetivos específicos do direito à educação (Claude, 2005), quais sejam: a) pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e das liberdades fundamentais; b) promover a compreensão, tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos; c) incentivar as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

Nesta ótica, o direito humano à educação confunde-se com a educação em direitos humanos, pois a educação ali prevista é aquela que orienta o ser em sua emancipação social, razão pela qual Claude (2005) afirma que essa visão de educação antecipou o que foi posteriormente defendido por Paulo Freire na Pedagogia do Oprimido.

O educador Paulo Freire (1987) reconhece que, se não há liberdade sem autoridade, não há também esta sem aquela. Deste modo, pensar a educação de forma a torná-la alvo dos menos favorecidos é algo de extrema delicadeza e necessidade humana. Não em razão da educação poder transformar, por si só, o nosso entorno, mas porque esta transforma a alma daqueles que se valem dela para a vida, e esta, transforma o homem.

Posteriormente a DUDH, houve a adoção do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e o do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da sua resolução 2200 A (XXI), de 16 de dezembro de 1966. A compilação da DUDH e dos dois pactos mencionados, integram o que se denominou de Carta Internacional de Direitos Humanos.

O PIDESC, ao tratar do direito humano à educação, em seu art. 13, inicia retomando os objetivos outrora mencionados na DUDH, vinculando educação e dignidade da pessoa humana. Faz-se tal repetição necessária, em razão da DUDH não vincular juridicamente nenhum Estado. Aquela normativa teve grandiosa importância no cenário internacional, mas não produziu imediatamente efeitos jurídicos. Por outro lado, no PIDESC, além de ratificar a necessidade de proteção dos Direitos Humanos expostos ao mundo pela DUDH, foi inserida a obrigação de efetivação destes.

Especificamente tratando sobre o tema dos reclusos, foi adotada, em 1955, pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, o conjunto de Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, sendo posteriormente aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, através das suas resoluções 663 C (XXIV), de 31 de julho de 1957, e 2076 (LXII), de 13 de maio de 1977. Na segunda parte das referidas regras, há um tópico específico para a educação e atividades recreativas dos internos. Porém, qual a razão de ser dessas normativas específicas? Qual o fato que ensejou a produção de tais normas relativas aos direitos educacionais?

Segundo Defourny e Siqueira (2009) foi a desigualdade da distribuição de renda e do conhecimento existente em algumas partes do mundo. Relativamente a América Latina, pode-se visualizar essa desigualdade com dados os quais esclarecem que “[...] 34 milhões de jovens e adultos latino-americanos não [são] alfabetizados e 110 milhões de jovens e adultos em plena idade ativa não concluíram os seus estudos da educação primária” (Defourny e Siqueira, 2009, p. 11).

Com razão, ao falar de educação nas prisões ou de direito humano à educação dos encarcerados, não há como evitar a menção, a defesa, da educação de jovens e adultos, visto que quando se fala de reclusos, na maior parte dos países, não há menção às crianças e aos adolescentes. Justamente por isso que, ao tratar do tema da educação nas prisões da América Latina, Defourny e Siqueira (2009) vão mencionar como normativa de grandiosa importância para essa região o Plano Ibero-Americano de Alfabetização e Educação Básica de Jovens e Adultos (PIA). Aliás, fazendo essa ligação, Ireland (2011) enfoca que a V Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea) deu destaque à população carcerária, reconhecendo o direito dos detentos à aprendizagem.

Percebe-se, assim, a importância das políticas educacionais no contexto prisional, principalmente, pelo fato da prisão estar cada vez mais está sendo ocupada por jovens de extratos sociais historicamente vulneráveis (Silva, 2011), do qual não tiveram o direito à educação garantido, em razão de uma negligência da sociedade. Nesse sentido, é clarividente a necessidade de o Estado garantir, no ambiente carcerário, a educação dos internos como um instrumento de emancipação do sujeito, proporcionando o desenvolvimento da sua personalidade (Julião, 2012; Onofre, 2016).

A Regulamentação da EJA nas prisões no Brasil

O Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgãos atrelados, respectivamente aos Ministérios da Educação e Ministério da Justiça, expediram pareceres e resoluções, os quais disciplinam a oferta do ensino na modalidade EJA, bem como sua aplicabilidade nos espaços prisionais. Tais normativas fixam a base da estrutura da educação de jovens e adultos, como uma modalidade do ensino básico, nos presídios, estabelecendo metas e diretrizes a serem complementadas.

À priori, primordial iniciar a discussão fazendo referência ao Parecer CNE/CEB n.º 11, o qual reafirma, dentre outras coisas, a educação enquanto direito subjetivo de cada cidadão, estabelece diferenças entre o ensino supletivo e a EJA e, fundamentalmente, a enquadra enquanto uma política pública a partir da aferição de suas funções precípuas.

A primeira função da EJA é a reparadora. Os movimentos de exclusão social, por muito tempo, vieram a retirar as pessoas dos espaços escolares, negando-lhes o gozo de um direito por conta de qualquer tipo de segregação seja ela cultural, social, religioso, dentre tantos outros. A herança histórica referente à marginalização das minorias trouxe consequências que anseiam por práticas corretivas, reparadoras. Assim, tal função emerge da necessidade de corrigir as desigualdades sociais que enfraqueciam o pleno exercício da cidadania com relação ao direito de acessar um ensino de qualidade.

A segunda função da EJA está pautada na equidade. Manifesta-se na propagação do senso de justiça social, no respeito à prestação dos direitos de forma isonômica. Constitui em oportunizar a simetria entre àqueles que tiveram acesso ao ensino em idade regular e àqueles que não o tiveram por conta de fatores sociais diversos. Baseia-se na possibilidade de, além de reparar, tentar colocar a todos em pé de igualdade.

Nesse ponto também exsurge a problemática das pessoas encarceradas. A prisão é, por natureza, o auge dum processo de exclusão, responsável pela interrupção do exercício de alguns direitos fundamentais como o de ir e vir livremente. No entanto, outros direitos como o de ter acesso ao ensino, por vezes, acabam, por reflexo, sendo afetados devidos problemas na logística e organização dos estabelecimentos prisionais.

Finalmente, a terceira função é a qualificadora. Essa função se consagra pela afirmação de que a educação tem que se dar de forma contínua, permanente, levando em consideração todos os conhecimentos já adquiridos, sem deixar de acreditar que é sempre possível aprender.

Especificamente tratando da EJA nas prisões, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) expediu a Resolução n.º 03, de 11 de março de 2009, a qual dispõe sobre as Diretrizes nacionais para a oferta de educação nos estabelecimentos penais

A Resolução CNPCP n.º 03 enfatiza a necessidade de uma ação coletiva e articulada entre gestores, comunidade prisional e sociedade, deixando expresso no art. 3º, V, que a oferta da educação nesses espaços deve envolver a comunidade e familiares, bem como “[...] prever atendimento diferenciado para contemplar as especificidades de cada regime, atentando-se para as questões de inclusão, acessibilidade, gênero, etnia, credo, idade e outras correlatas”.

No documento do CNPCP há uma tendência à promoção de parcerias e à gestão democrática do ensino nas prisões, visto que faculta a parceria com universidade e organizações civis, a fim de garantir o contínuo aperfeiçoamento das práticas educativas. Para tanto, o documento ordena à direção dos estabelecimentos que garanta o acesso de educadores e educandos a documentos e materiais produzidos pelos órgãos quando por eles se interessarem.

Outrossim, é visível na normativa a preocupação com o espaço físico adequado para o desenvolvimento das atividades educativas com o fito de incentivar os internos a procurar a escola. Além disso, a Resolução CNPCP n.º 03 estabelece que os gestores, técnicos, educadores e agentes tenham uma formação continuada que os preparam para a prática no processo de educacional do interno. Ademais, faz o referido a recomendação que os educadores integrem os quadros da Secretaria de Educação, sejam concursados e que recebam remuneração condizente com as especificidades do cargo.

Por fim, este documento já introduz a proposta de resolução, a qual se materializará na Resolução CNE/CEB n.º 2. Esta dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação a jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais. Tal documento legal vem a adicionar no processo de efetivação da EJA nas prisões ao passo que atribui a responsabilidade para a oferta do ensino aos órgãos responsáveis pela educação nos Estados ou Distrito Federal, bem como também estabelece que, além da complementação de fontes estaduais e municipais, o financiamento se dará mediante as fontes de recursos públicos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Entretanto, em que pese a significativa produção normativa em torno do direito humano à educação nas prisões, fato é que para sua devida garantia há uma necessidade de investimento nas dimensões estruturais e pessoais, valorizando o reconhecimento do interno como sujeito de direitos (Onofre e Julião, 2013). Tais investimentos devem buscar lidar com a situação paradoxal em que o processo educacional na prisão é realizado, qual seja: a existência de um grupo dirigente cuja finalidade é buscar o controle do interno e do outro lado os professores e alunos estão buscando uma libertação. (Onofre e Julião, 2013; Onofre, 2012; Penna, 2011).

Metodologia

Objetivando assim a compreensão de como a educação prisional estava ocorrendo no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas (CPTF), a pesquisa adotou a estratégia de estudo de caso único, tendo como unidade de análise a EJA naquela unidade. A escolha dessa unidade decorreu da facilidade de acesso dos pesquisadores. Os sujeitos dessa pesquisa foram divididos em três grupos: a) Servidores Penitenciários; b) Professoras; c) Alunos. A primeira categoria integra todos servidores do CPTF que têm a função direta de promover a educação no CPTF. Já na segunda categoria estão todos os profissionais que desenvolvem atividades no CPTF, concretizando o direito à educação. Por último, têm-se os alunos, grupo formado pelos internos participantes da educação de jovens e adultos.

Os critérios para inclusão da categoria dos professores e dos alunos se deu através da participação, ou seja, todos aqueles sujeitos que estão participando da EJA poderão ser incluídos. Entretanto, tal critério não foi utilizado para inclusão/exclusão dos servidores penitenciários, assim, para este grupo o critério utilizado foi o da influência e o do dever funcional. Foram incluídos todos aqueles que têm dever funcional de promover a educação no CPTF, bem como todo aquele que no desenvolver de suas funções influencia, de modo positivo ou negativo, na educação formal ali promovida.

A coleta de dados foi realizada através dos instrumentos da observação direta, de entrevistas semiestruturadas, individuais e coletivas, e do levantamento documental. A observação direta na pesquisa se realizou de forma assistemática, para poder ter uma compreensão holística do caso estudado, nos meses de março a junho de 2016. O foco foi perceber o funcionamento dos processos educacionais formais, dos setores responsáveis e dos sujeitos participantes, para que essa visão auxiliasse e complementasse as informações obtidas nos documentos e nos demais instrumentos de pesquisa a serem utilizados.

Nas entrevistas individuais, houve a participação do corpo docente como também do coordenador de atividades laborais e educacionais, os quais compõem o quadro pessoal do CTPF no que concerne à prática educativa. Com relação às professoras, foi adotada a entrevista focal, contudo, sem um tempo limite, garantindo que as mesmas pudessem se expressar livremente.

Além das entrevistas individuais, utilizaram-se as entrevistas coletivas na coleta das evidências dos internos participantes da EJA para possibilitar a abrangência do maior número de participantes, bem como para diminuir a tensão da entrevista individual, especialmente, por esta ser realizada dentro do presídio. Os presos se sentem incomodados em serem chamados individualmente, porque podem imaginar questões outras que não as da pesquisa. Assim, foram realizadas oito entrevistas coletivas, cinco no pátio A e três no pátio B, totalizando a participação direta de 42 alunos, de um total de 69 matriculados.

A Educação de Jovens e Adultos no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas (CPTF)

O CPTF custodia presos condenados e provisórios, de ambos os sexos, dando cumprimento às penas privativas de liberdade nos regimes fechado, semiaberto e aberto de sentenciados das comarcas de Teixeira de Freitas, Itamaraju, Caravelas, Prado, Alcobaça, Itanhém, Medeiros Neto, Ibirapuã, Mucuri, Nova Viçosa, Lajedão, Vereda e Jucuruçu. De acordo com as normas gerais de administração do CPTF, a unidade tem capacidade total de 316 internos, sendo que, em 2016, existiam 707 internos.

No início o CPTF contava com duas turmas, uma em cada sala de aula, que atendia aos internos interessados em estudar o ensino fundamental, séries iniciais, através de parceria com a Secretaria de Educação (SEC) do Estado da Bahia. Os professores eram contratados pela SEC. A partir de 2006, quando o convênio com a SEC foi expirado, buscando uma solução rápida para esta problemática, a Coordenação de Atividades Laborativas e Educacionais (CALE) e a Direção do CPTF, buscaram junto à Secretaria Municipal de Educação de Teixeira de Freitas uma nova parceria. Daí surgiu o Projeto Ressignificando Saberes que tornava o presídio uma extensão da escola Municipal Antônio Chicon Sobrinho, parceria esta atual, porém vinculada a escola Municipal Pedro Agrizzi Neto.

A partir de 2015, houve uma nova parceria com a SEC, vinculando o espaço educacional do presídio em um anexo do Centro Educacional Machado de Assis (CEMAS), possibilitando ao presídio ofertar mais 03 turmas na modalidade de ensino EJA, ensino Fundamental II. Porém, destaca-se que, de acordo a CALE, o ensino para as mulheres foi interrompido em 2016 em razão da falta de interesse em participarem, do número pequeno de internas que permaneciam matriculadas haja visto a grande rotatividade da turma, e ainda, o fato de que a escola estaria passando por reformas, com previsão de retorno em 2017.

Com base nos registros encaminhados pelo CPTF ao Sistema Integrado de Informações e Acompanhamento das Ações Laborais e Educativas (SINALE), identifica-se que além da EJA, nos últimos anos o CPTF realizou outros projetos educacionais, como o Todos pela Alfabetização (TOPA), cursos profissionalizantes e reforço para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), participando ainda dos exames e certificações do Ministério da Educação (MEC), a exemplo do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) e do ENEM.

Em 2016, existia a oferta do ensino formal no pátio A, nas modalidades: ensino médio, ensino fundamental I e II; e no pátio B a oferta nas modalidades do ensino fundamental I e II, com previsão da inclusão do ensino médio já em 2017. Além disso, existem projetos de educação não formal na área de música e de atendimento psicológico.

A Educação no CPTF na visão dos seus atores

A importância da educação

Um dos pontos abordados no estudo de caso realizado foi qual a importância que os alunos atribuíam à educação. As respostas a tal questionamento foram muito variadas, indo desde a simples remição de pena até a possibilidade de ressocialização e garantia de uma vida digna.

Dentre os aspectos levantados, surgiu a importância da educação para a aquisição de conhecimento, todavia identificando tal conhecimento com a alfabetização. Neste sentido, afirmaram que: “[...] trazendo algo pra gente aprender a leitura [...]”. Ainda nessa perspectiva ressalta outro interno: “Aprender a ler, escrever”. Esse ponto também foi apontado por outro interno, ao detalhar sua visão sobre a educação, afirmando que a educação “Saí daqui já sabendo ler, sabendo entender as coisas lá fora lá”.

Esse fato é também observado por Onofre (2012) em pesquisa realizada numa escola penitenciária do interior do Estado de São Paulo, na qual identifica uma recorribilidade da atração escolar com a possibilidade do aprendizado da leitura e da escrita pelos estudantes. Segunda a autora, a alfabetização garante uma maior autonomia aos internos, possibilitando, inclusive o acesso aos dados do seu processo de modo direto, dando maior possibilidade de luta e defesa dos seus direitos.

Além da alfabetização, muitos internos ressaltaram a importância da educação para a abertura de novas oportunidades ao saírem da prisão, contribuindo, deste modo, para a sua reinserção na sociedade. Assim, vê-se:

A importância da educação professora, é importante porque né… é um momento que a gente tem para poder tá interagindo com… com... o aprendizado, melhorar entendeu, também, pra quando a gente reintegrar a sociedade ter nova oportunidade, porque as vezes não teve oportunidade né…[...] Deus deu essa oportunidade pra mim estar voltando assim... Ter um futuro, a ter um futuro. Eu penso muito no futuro, na minha vida. Saí daqui formado. [...] E saí daqui com um futuro, pra na cabeça, de futuros melhores, de um futuro melhor da qual eu tava lá fora eu não tinha planos pro meu futuro, porque eu não tinha tempo pra estudar, porque, ou eu estudava, ou eu trabalhava.

Desta fala é perceptível a visão de uma possibilidade de a educação proporcionar uma ascensão profissional e econômica. Tal imagem é comum tanto na sociedade fora das grades como nos internos, fato que corrobora as afirmações de Onofre (2012) ao identificar a existência de algumas semelhanças com as pesquisas educacionais efetivadas nas escolas a qual denomina da rua com as realizadas nos espaços de reclusão.

Ademais, observa-se ainda dessa fala que o contexto social em que o preso estava inserido resultou em um processo de exclusão social, impossibilitando o mesmo de ter acesso à educação formal, haja vista a sua necessidade de buscar trabalho, sendo que somente no cárcere veio a ter a possibilidade de retornar aos seus estudos, visualizando assim a função reparadora da EJA. Aliás, esta situação não é isolada, sendo comum a boa parte dos entrevistados. Fato que corrobora as afirmações de Silva (2011) de que a educação escolar na prisão garante um direito outrora negligenciado pela sociedade às pessoas de extratos sociais vulneráveis.

Outro ponto de destaque nas respostas dos entrevistados foi que a educação teve um papel fundamental para a manutenção do seu bem-estar psicológico, alegando inclusive que se não tivessem começado a estudar acabariam enlouquecendo naquele espaço. Assim, afirmam que:

Pra mim é muito importante, muito pra mim aprender e psicologicamente. Eu acredito que se num fosse esses professor hoje, pra mim tá hoje aqui onde eu tô… acho que eu… acho que eu teria endoidado. Então, eu faço questão de manhã cedo eu vim pra cá, a tarde vim também, porque… ela educa a gente, ensinar, ainda ajuda psicologicamente. [...] Ocupar a mente. Ajuda a gente a ocupar a mente. Distrai. Lendo, porque gosto de ficar lendo livro. O fato de você ficar fora dali te livra de muita coisa… [...] Eu vejo que tem uma importância muito grande, pelo menos aqui nessa unidade prisional, a importância da escola tá sendo fundamental pra algumas pessoas psicologicamente, de todas as formas. E ela é importante também desde a iniciação da formação do ser humano.

Nesse discurso fica evidenciado dois aspectos fundamentais. O primeiro reforça a dualidade castigo e libertação, demonstrando o espaço educacional como este espaço libertador (Onofre e Julião, 2012; Julião, 2012; Onofre, 2013; Silva, 2011), em que através da leitura o sujeito foge do seu estado de encarceramento, oxigenando sua vida por meio da educação. O segundo aspecto diz respeito a teia de relações que ocorrem dentro da prisão, de modo que quanto mais tempo o encarcerado estiver ocupado, o impede de estar sendo aliciado para o crime.

Outrossim, em nenhum momento surgiu a questão da educação como um direito do interno nas discussões realizadas com eles. Tal aspecto veio somente a ser mencionado na entrevista com o Coordenador da CALE, que assim descreveu a educação:

Entendo que educação é direito de todos. Então, independente da situação do interno de estar custodiado, ele tem o direito ao acesso à educação. A gente vê a educação como um dos fatores essenciais no processo de ressocialização. Então ela deve ser voltada para a formação do indivíduo interno. É uma ressocialização, às vezes, uma socialização, haja vista muitos deles não frequentaram a escola. Quando eles saírem, terem oportunidade lá fora e não venham a retornar. Não sejam reincidentes na Unidade.

Esta fala condiz com a perspectiva adotada em nosso ordenamento jurídico de visualizar a educação como um direito humano, público e subjetivo. Muito embora não seja dessa forma encarada pelos internos, o que demonstra um baixo nível de ensino na área de educação em direitos humanos.

Ressalta-se, ainda, que a fala do coordenador deixa transparecer a visão da educação com instrumento para a ressocialização dos internos. Todavia, não se pode olvidar que a finalidade precípua da educação, enquanto direito fundamental, é a emancipação do ser humano.

A relação professor-aluno no CPTF

Em que pese a estranheza dos termos “escola dos sonhos” utilizada por uma professora, é facilmente identificado as razões que fomentaram sua caracterização. Todas as professoras visualizam a relação professor-aluno de modo exemplar, sendo comum a comparação com a escola fora da prisão. A professora 1 ao ser questionada sobre o motivo que a faz permanecer na escola da prisão, a mesma traz que:

A questão da violência e até do desrespeito. Em outras escolas os alunos não tem respeito como os daqui. A consideração, né? Eles enxergam o professor como aquela pessoa que tem toda uma dedicação, todo um cuidado para com eles. Já lá fora não, né? Os alunos fazem pouco caso, não respeitam os professores.

Sob o ponto de vista dos motivos desse tratamento respeitoso, ao analisar as falas dos internos, percebe-se que visualizam o trabalho da professora como uma caridade, uma benevolência, não como a execução de um ofício, obrigação imposta pelo seu trabalho, fato que os levam a agirem deste modo: uma espécie de compensação ao professor pelo “sacrifício” por ele realizado. Ratificando o quanto dito, os internos mencionam que:

[...] só delas se deslocar da casa dela pra vim pra esse ambiente aqui. Elas tão dando o melhores dela entendeu? Eu penso que a gente temos que fazer o mesmo, dá o melhor da gente. [...] Eu gosto porque a professora vem de lá com o objetivo de ensinar a gente. Tá ali do lado pra ensinar. E muitos aquelas lá da rua num tava. Só queria mesmo ganhar o dinheiro dela mesmo, mas não chamava o aluno ali pra frente pra ensinar. Demonstrar como é que é. Falava bruto com a gente, com ignorância. Essa daí não. Trata com carinho. [...]

Observa-se nas últimas falas que não é somente o aspecto da benevolência, mas a forma de tratamento da professora, dando-lhes atenção, a qual, segundo os próprios relatos dos internos, eles não tiveram. Isso faz com que o interno nutra uma relação amigável com a professora.

A Ressocialização e a EJA

A peculiaridade da EJA nas prisões faz com que as funções da EJA se afinem com o objetivo da busca pela ressocialização do encarcerado. Sob essa ótica foi perguntado às professoras se elas acreditavam que a educação ali ofertada auxiliaria na reinserção do preso na sociedade, obtendo as seguintes respostas:

Pela educação não, né? Porque a gente sabe que tudo que a gente faz aqui… é… é o mínimo, a gente poderia fazer muito mais. A gente consegue fazer o mínimo possível. Mas a gente sabe que só deles estarem aqui, a gente trabalhar temas polêmicos, temas como violência, temas como… que a gente sempre tá trabalhando com eles é… a diferença, a desigualdade, deficiência, acessibilidade, são temas que chamam atenção e sensibilizam o outro, sensibilizam o cidadão.

Olha! Como nós discutimos além da aula, a gente tem aquele momento de conversa que extrapola aqui o… o conhecimento intelectual, eu acredito que sim, né? Eles abordam muito, por estarem aqui no cárcere, eles abordam muito essa questão da… religiosa né? Independente de religião, de Deus, do querer mudar, do querer ter a vida restaurada, eles fazem planos. Quando eu sair daqui o que que eu quero fazer? Eles tem o desejo, os que tem uma pena maior, de que se implante cursos técnicos. Porque ai eles vão ter a possibilidade de ter uma profissão. Mesmo que ele não consiga arranjar um emprego é… numa empresa. Ele tendo uma profissão de encanador, eletricista, coisa do tipo. Ele pode trabalhar.

Observa-se que há um posicionamento ainda controvertido quanto a essas questões, mas o posicionamento adotado pelas professoras vai ao encontro do quanto afirmado pelos próprios alunos. Das falas dos alunos, muitos afirmam que a educação auxiliará na sua ressocialização, porém sempre a vinculando à possibilidade de galgar novos empregos após sua soltura, assim se vê:

E hoje por mim estar aqui eu pretendo sair desse lugar de novo e voltar a estudar porque a gente vê que o estudo ajuda muito a vida da gente. Ajuda no trabalho. A gente que pretende trabalhar, gosta de trabalhar. O estudo ele ajuda muito no trabalho. A gente para conseguir um emprego bom tem que ter estudo e por isso que eu vejo a diferença grande.

Entretanto, outros grupos afirmaram que não seria somente a educação que possibilitaria eles a retornarem à sociedade, pois o mais importante é que a sociedade abra portas para que esta ressocialização aconteça, em especial, pela oferta de empregos. É contundente a forma como o preso explica que são abandonados pela sociedade após a saída da prisão:

A gente tem a nossa vontade de mudar, de se reintegra a sociedade tal, só que quando a gente sai lá fora, espero que a gente tenha se formado aqui e tal, mas se acha que toda família, toda família, abraça os interno. No caso da minha, eles num tem preconceito não. Tipo, independente a, a, amizade é a mesma, o vínculo familiar é o mesmo, só que… a gente sai lá fora, a gente tem que alugar uma casa que a gente não tem. A gente tem que comer, a gente tem que se vestir, a gente tem que… num pronto atendimento, alguma coisa que ocupa a mente de vez em quando. E, tipo assim: eles coloca a gente preso. E do jeito que a gente vem eles bota na rua. [...] Porque como é que eu vou sai na rua, eu vou fazer o que? Vou trafica, pô. Vou roubar ou vou morrer na rua. São as únicas oportunidades que vai tá de porta aberta. Num tem como. Se aqui quem me dá oportunidade é quem tá aqui dentro. Se aqui eu converso com traficante, converso com ladrão, se é eles que me ajuda.

Esse abandono se dá inclusive no que diz respeito à possibilidade de estudar fora da prisão. Se muitos afirmaram que pararam de estudar para poder trabalhar, vê-se que a realidade continua perpetuando esse abandono na sua vida após a prisão, de modo que alegam pensarem em estudar, mas somente se conseguirem conciliar suas atividades com o estudo. Neste sentido, destacou o interno que:

Eu acho assim, que dependem muito da oportunidade que vão ter. São pessoas que... querem... tem que trabalhar, tem suas responsabilidades. Então assim... Eu vejo assim… Como eu, eu fiz, eu tive a oportunidade de fazer né, uma faculdade e ter um nível superior, só que depois você vai lutar, por quê? Aí fora a coisa não tá fácil, né? a oportunidade que a pessoa tem, as vezes você num tem o tempo mais de parar para estudar. Aí vem as ambições, você o crescimento seu financeiro, então o crescimento… E a necessidade que as pessoas tem. Cada um tem família, tem filho, entendeu? Tem casa que precisa cuidar. Então, assim… é preciso a sociedade ter um olhar diferente para essas pessoas que não tiveram a oportunidade e agora se não tiverem oportunidade novamente vai continuar.

Que é necessário um posicionamento diferenciado por parte da sociedade para que esse público excluído possa se reintegrar é um fato. Porém, outro fato é que o estudo para a conscientização do ser humano é importante, mas se o objetivo também é a ressocialização, a função qualificadora deve ser mais bem aproveitada com a inserção da EJA na modalidade profissionalizante, integrando atividades laborativas e educacionais presentes no CPTF. Assim, possibilitaria que o estudante do CPTF tivesse um trabalho, bem como o trabalhador pudesse estudar.

CONCLUSÃO

Educar nunca foi uma tarefa fácil, especialmente, no contexto prisional. A questão é que a educação não pode ser vista com uma benesse oferecida ao cidadão. A educação é um direito humano universal, tendo como sujeito ativo toda e qualquer pessoa, esteja ela livre ou encarcerada.

A educação de jovens e adultos é uma modalidade educacional prevista nas normativas como a mais adequada para lidar com um público duplamente excluído pela sociedade. Primeiro, pelo fato da sociedade ter-lhe negado o direito à educação em sua idade adequada. Segundo, pelo fato de, em muitos casos, tal direito continua sendo negado no interior das prisões. Entretanto, um dos principais motivos da utilização da EJA nas prisões, não é somente pelo fato de ser uma modalidade educacional, mas sim por ser também uma política pública de emancipação do sujeito, no qual visa a autoconsciência, com a consequente projeção de um futuro, sempre sob o viés da reconstrução da cidadania. Deste modo, todo estudante da EJA também é partícipe do processo de sua aprendizagem.

Analisando a EJA no CPTF, pode-se afirmar que a educação neste espaço tem a pretensão de realizar essa efetivação, porém, por problemas, principalmente de ordem estruturais, não consegue alcançar com plenitude tal intento. Não se enxerga uma preocupação do Estado com esta efetividade. Esta omissão estatal é percebida na aceitação de um número excessivo de internos, o que ainda se agrava pelo quantitativo limitado de servidores.

Ressalta-se que essa omissão não é um problema local, mas ocorre de modo generalizado no Estado Brasileiro, em razão de uma política perversa de retração de investimentos na educação e de lidar de modo combativo com as classes historicamente vulneráveis desse país.

Com relação à escola, não se percebe a existência de uma naquele espaço. O que se tem são celas adaptadas para ser sala de aulas e, por mais que se tenha uma escola de vinculação, este vínculo parece existir somente para cessão das professoras que ali trabalham. Além disso, o espaço inadequado amplia a insalubridade da prisão, fazendo com que as professoras exerçam suas atividades com falta de segurança, com perturbações sonoras, odores desagradáveis e ausência de recursos didáticos.

Por outro giro, em que pese a ausência do poder público mais efetivo, vê-se uma grande preocupação de todos os profissionais que ali atuam. A direção e a coordenação da CALE do CPTF se utilizam de parcerias com o setor público e privado para suprir essas omissões estatais. As professoras aceitam o ambiente insalubre, mesmo sabendo que não é sua obrigação dar aula naquelas condições, bem como trazem as aulas recursos particulares, com o objetivo de estimular a participação dos alunos.

A questão das turmas multisseriadas é um problema existente em quase todas as prisões, porém poderia ser melhor trabalhado se houvesse um maior número de profissionais e de espaços para a oferta da educação, criando assim, turmas menores, nas quais ter-se-ia melhores condições de ensino.

Assim, em uma sociedade cuja gramática da negação de direitos é a tônica, atividades como essa possibilitam uma tentativa de humanização das relações, contribuindo, ainda que parcialmente, para a efetivação do direito humano à educação, ao auxiliar os internos no seu processo de reinserção social, haja vista que tal atividade reforça a ideia de que ainda fazem parte da sociedade.

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Recebido: 02 de Outubro de 2018; Aceito: 13 de Julho de 2019

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