Introdução
[...] existe um fio de Ariadne que nos permitirá passar continuamente do
local ao global, do humano ao não-humano; é o da rede de práticas e
instrumentos, de documentos e traduções. (Latour, 1994, p. 119).
O desenvolvimento do homem e sua história derivam de vários fatores que implicam nas inter-relações e interferências recíprocas entre ideias e condições concretas do meio, o que inclui o uso termo Ariadne3, por Latour (1994), no sentido figurado indica a resolução de situações-problema complexas, uma saída do caos via rede. Dentro dessa acepção, as redes não são expedientes instrumentais para envolver pessoas e determinar caminhos ou orientações. Elas farão o que seus membros quiserem fazer em regime de colaboração com vistas a aumentar a interação, sem a existência de centralismo.
Nas redes colaborativas, a pesquisa tem função essencial na educação superior, apoiando-se nas bases da inovação, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, como também pode contribuir no cenário emergente que a liga às necessidades glocais. Ou seja, é um desafio agregar à pesquisa sustentabilidade, mudanças climáticas e objetivos sociais, visando estabelecer um compromisso entre investigação e práticas de questões humanas e sociais.
Estudos sinalizam diferentes eras para a pesquisa, permitindo a consolidação de novos conceitos, a exploração de outros métodos e formas de conhecimento voltadas para o ser mediante, o protagonismo social, o aprender a aprender na geração de conhecimento, o fazer na construção e solução de problemas e o conviver em redes colaborativas.
Metodologicamente, este estudo configura-se como teórico, de cunho bibliográfico, com o objetivo de discutir acerca das eras da pesquisa individual, institucional, nacional e internacional, na perspectiva das redes colaborativas na educação superior, com enfoque nos programas de mobilidade acadêmica.
Eras da Pesquisa e Redes Colaborativas
As tendências que caracterizam a pesquisa colaborativa contribuem para os avanços da produção e difusão de conhecimento, por meio de novos processos e produtos, tratando-se de uma ação pensada que adota princípios metodológicos na busca da solução de um problema. “Produzir pesquisa é ser criativo, reinventar a história e os fazeres humanos sob um olhar particular” (Ferreira, 2009, p. 44).
Freire (1986) admite pesquisa como uma estratégia explícita de construção de ideias, estabelecendo uma relação entre os sujeitos e a realidade, fundamentada no processo de conscientização e superação de desigualdades. Fazer pesquisa envolve compreender os mecanismos sociais de produção de conhecimento científico e de regulação, bem como as tensões entre o conhecimento e as habilidades para se assegurar o desenvolvimento de investigações em redes colaborativas.
Essas condições provocam mudanças no perfil da produção científica, exigindo uma reflexão sobre as nações que irão investir em ciência, quais os donos dos resultados e quem melhor consegue explorá-los. Cabe considerar as posições da economia dos países, frente a um cenário internacionalizado. Nos estudos de Adams (2012, 2013), as economias estabelecidas seriam Alemanha, Estados Unidos da América (EUA), França, Holanda, Reino Unido, Suíça, e as nações emergentes, Brasil, China, Coreia do Sul, Índia e Polônia. A atividade de pesquisa no mundo progrediu em eras: individual, institucional, nacional e internacional. Atualmente, vivencia-se a quarta era que desafia “[...] a capacidade das nações para conservar sua riqueza científica, quer como propriedade intelectual ou como talento pesquisa” (Adams, 2013, p. 557).
A era individual da pesquisa no Brasil foi marcada pela criação do CNPq, em 1951, que iniciou a concessão de bolsas de iniciação científica (IC) diretamente destinada ao pesquisador4, atendendo poucas áreas do conhecimento. “[...] A partir de 1972, o número de bolsas teve considerável aumento, atingindo, em 1986, o número de 2.000” (Manual Pibic, 2001, p. 1). A história da universidade seria outro elemento que auxiliaria a compreensão da pesquisa individual no país. No período Colonial, o ensino superior atingia apenas a área da teologia, depois alcançou as engenharias e a medicina. No período Imperial, iniciaram-se movimentos em prol da configuração de espaços científicos nas próprias universidades. Com a chegada da República, as iniciativas ainda eram superficiais com “olhares” ligados à política e longe da ideia efetiva de investimento social (Ferreira, 2009).
Na 18ª Reunião do Conselho Deliberativo, em 1998, o CNPq demonstra interesse em conceder cotas institucionais de bolsas de IC. No início reservou 25% do total. Essa decisão repassava às instituições a tarefa de administrar e operacionalizar essa ação. “Com o tempo, essas bolsas passaram a ter, no âmbito das instituições, um papel pedagógico de grande alcance e exigiram o empenho da própria comunidade universitária na definição de regras e formas de conduta para uma melhor operacionalização” (Manual Pibic, 2001, p. 2). O objetivo era fortalecer a pesquisa e evitar a evasão de cientistas.
A partir da expansão dos programas de IC e da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), o Brasil adota uma política de incentivo à produção científica entre os pesquisadores institucionais, criando, inclusive, os observatórios de educação (Obeduc)5 e os programas de mobilidade acadêmica6. Cenário que evidencia o crescimento da pesquisa na era nacional e de países emergentes, como o Brasil. Ver figura 1.
Nesse sentido, há uma confirmação de que a produção nacional se expande nas economias emergentes. Em contrapartida, nos países desenvolvidos, o percentual de artigos “caseiros”7 não tem crescido ao longo de mais de três décadas. A produção nacional total nos EUA e na Europa Ocidental aumentou devido à colaboração internacional (Adams, 2013).
No início da década de 1990, a produção de pesquisa nacional do Reino Unido, Alemanha e França se estabilizaram, enquanto as colaborações internacionais aumentaram mais de 10 vezes. Na América Latina, o Brasil tornou-se uma rede central de pesquisa, aumentando em dobro sua colaboração com a Argentina, Chile e México, nos últimos cinco anos. A África tem três redes distintas: no sul da África, em países de língua francesa da África Ocidental e de língua inglesa na África Oriental (Adams, 2012, 2013).
Essas “[...] redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura” (Castells, 1999, p. 497). Trata-se de organização de sistemas capazes de mobilizar a sua utilização no contexto de redes tecnológicas, sociais, acadêmicas e do conhecimento em rede que integram universos interdependentes (Assis e Belens, 2008).
Nesse cenário colaborativo, Viseu (2012, p. 55) discute três enfoques distintos sobre as redes nos estudos da ciência. O primeiro adota a concepção de ciência como um sistema de trocas em que as redes sociais são usadas “[...] para descrever mecanismos de diferenciação social e espaços de constrangimento ou oportunidade na ação dos investigadores”. Essa abordagem sustenta-se na ideia de Bourdieu (2004) sobre campo científico8. Para o autor, a operacionalização do campo científico ocorre pela interligação entre três conceitos: a) de agentes - representados por cientistas que determinam, por intermédio de categorias de percepção e de apreciação social, a sua própria conjuntura; b) de habitus - surge da necessidade empírica de apreender as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos sociais9; c) de capital científico - ancorado no conhecimento e reconhecimento científico. “Todo campo, enquanto produto histórico gera o interesse, que é a condição de seu funcionamento” (Bourdieu, 1990, p. 126).
O segundo enfoque trata da ciência como instituição social que se apoia nas leis gerais do desenvolvimento científico do início dos anos 1960 em que Derek de Solla Prince propôs o conceito dos colégios invisíveis. Na década de 1970, Diane Crane caracterizou esses colégios “[...] como redes de comunicação entre investigadores que, ao contrário do modelo anterior, não têm necessariamente de se conhecer pessoalmente” (Viseu, 2012, p. 58). Essa teoria tem como base de pesquisa o recurso da socimetria que envolve análise de citações10. Recentemente, Moody (2004) adota modelos para as redes de colaboração entre pesquisadores com configurações específicas para as estruturas sociais. O modelo 1 é de fundamentação teórica, configurado como pequenos mundos, representa uma determinada área científica composta por pequenos clusters11 que representam diferentes especialistas, registrando-se pouca colaboração entre si; o modelo 2 é de estreitas relações estabelecidas nas redes em escalas com ligações preferenciais entre os atores mais jovens e investigadores reputados, perante uma scale free network12; o modelo 3 é de fronteiras teóricas permeáveis e métodos genéricos, numa coesão estrutural com várias perspectivas teóricas que permitem fronteiras fluidas e investigadores em movimento livre (Viseu, 2012)
Por fim, o terceiro enfoque aborda a concepção da prática científica como local e contingente, visando às explicações gerais sobre o funcionamento das redes de investigadores e enfatizando a ciência como uma prática social. Esses estudos rompem com a ideia de ciência baseada em um sistema social regulado ou uma instituição particular. O conceito de rede ator-network-theory (ANT) proposto por Latour e Callon
[...] descreve as ligações que se estabelecem entre investigadores, instituições, enunciados teóricos, objetos e interesses nos processos de produção científica. As redes, que incluem elementos técnicos e sociais, servem para compreender os processos [...] dos quais as pessoas e objetos se associam em torno de um determinado feito científico, quer ao nível da produção quer ao nível da sua aceitação junto de uma comunidade mais alargada. (Viseu, 2012, p. 59).
Nessa proposta, utiliza-se a cartografia para assentar na mesma ideia as inter-relações que compõem o social com vistas a compreender a constituição da sociedade e suas mudanças. Isso indica que a formação de uma rede requer não considerar escalas, indivíduos com aproximações estáticas e marcos temporais ajustados (Latour, 1998, 2005). A prática científica como local e contingente incide sobre “[...] o estabelecimento e crescimento de redes intelectuais, como meio de ultrapassar o confronto entre uma pretensa globalização dos modos de produção científica e a crescente aceitação da compreensão [...] do conhecimento” (Viseu, 2012, p. 59). Fazer ciência dentro dessa perspectiva evidencia um valor conceitual, já que consente a análise das tensões entre indigenização13 e a internacionalização.
Essa configuração acerca da formação das redes colaborativas é um relevante caminho para entender e ultrapassar as tensões entre as tendências globais e locais da produção científica, haja vista a quarta era da pesquisa estabelecer “[...] uma crescente divisão entre a investigação nacional e internacional. Isso vai influenciar a capacidade de cada nação para desenhar a base do conhecimento global, e pode por sua vez, comprometer a riqueza científica nacional” (Adams, 2013, p. 559).
Os governos devem fornecer e manter condições que atraiam e apoiem os melhores cientistas para enfrentar os riscos desse cenário. Caso contrário, o talento flui em outro lugar e não há capacidade para gerar substituições; colocar os incentivos em prática para permitir às Instituições de Ensino Superior (IES) participarem em redes internacionais; incluir investigadores europeus e norte-americanos em laboratórios asiáticos e sul-americanos. Os países precisam garantir às universidades e aos seus pesquisadores, recursos, facilidades e incentivos com vistas à criação e sustentação de parcerias (Adams, 2013). Essas questões suscitam os debates acerca do produtivismo acadêmico14 que aflige as pesquisas em âmbito nacional e internacional. Há autores
[...] que se dedicaram à análise da situação, no Brasil e no exterior. Sob a pecha de "publish or perish" ("publicar ou perecer"), diferentes pontos de vista do fenômeno do produtivismo foram desenvolvidos. Mais recentemente, temas como a ética, a integridade da pesquisa e a linguagem acadêmica conquistaram lugar nas publicações, ao lado da análise política desse cenário. Esse fenômeno, a proliferação de trabalhos analíticos e críticos, indica uma crescente preocupação dos nossos pares com os excessos (para o bem e para o mal) muitas vezes cometidos no campo acadêmico e científico. (Pereira, 2015, não paginado).
Para Ortiz (2008, p. 142), “[...] o alicerce deste sólido edifício é frágil. Ele repousa numa lógica circular: os trabalhos são citados porque são bons, consequentemente, são bons porque são citados”. Nessa mesma direção, Rego (2014, p. 334) argumenta que as críticas ao produtivismo “[...] não são formuladas apenas por pesquisadores e editores dos periódicos das ciências humanas, como era de se esperar, já que o tempo de vida e o ritmo de citação dos artigos obedecem a uma lógica bastante diversa daquela da chamada hard science15”. A exemplo dessa realidade cita-se o manifesto de
[...] San Francisco Declaration on Research Assessment, idealizado pela American Society for Cell Biology (ASCB), juntamente com um grupo de editores e de pesquisadores das ciências biológicas que participaram de um congresso em São Francisco, Califórnia, em dezembro de 2012. O documento, originalmente assinado por mais de 150 cientistas e 75 organizações acadêmicas, acabou se tornando uma declaração com abrangência mundial, que até hoje recebe assinatura e apoio de pesquisadores de diferentes áreas. O manifesto chama a atenção não somente para a necessidade de que se erradique a tirania do fator de impacto, como também para a premência de se encontrar alternativas para verificar o valor científico de uma pesquisa realizada ou de um trabalho publicado. (Rego, 2014, p. 334).
Nóvoa (2015) também compartilha da crítica à política de produtividade ao tecer comentários sobre as ideologias de modernização na educação superior: a) excelência: conceito recorrente no mundo universitário que traz uma tendência produtivista, enfraquecendo as bases da profissão acadêmica; b) empreendedorismo: práticas de gestão que olham para as universidades como se fossem empresas; c) empregabilidade: educação deixou de ser um direito e transformou-se em um dever. Cada indivíduo tem a obrigação de se educar ao longo da sua trajetória de vida com vistas a melhorar seus níveis de empregabilidade; d) europeização: representação dos “padrões internacionais”, legitimados com linguagens e métricas de excelência, inovação e competitividade, empreendedorismo, transferência de conhecimento e mérito tecnológico, outputs16, produtividade e impacto.
A questão não seria a semântica das palavras, mas as ideologias que elas impregnam. Ou seja, não há problemas na construção de indicadores de avaliação (seja nacional ou internacional). A insensatez se manifesta quando tais indicadores são percebidos como a realidade do campo científico (Ortiz, 2008). A mais de uma década já se afirmava que “[...] transformações substantivas no quadro da produção científica em nações periféricas dependem de um conjunto de condições associadas à política científica, que extrapolam o âmbito mais específico da própria comunidade científica” (Yamamoto et al, 2002, p. 169).
Assim, os riscos dos efeitos indesejados das políticas instituídas para estimular o produtivismo não devem ser desconsiderados. A organização da produção científica e o sistema de avaliação dos professores-pesquisadores afetam a democratização da universidade e o fazer ciência em um país, sendo relevante políticas públicas de estímulo aos programas de pós-graduação stricto sensu na busca das áreas de impactos17 da educação que equivalem a um diálogo participativo com a sociedade para promover o desenvolvimento humano sustentável. Essa proposição inclui o incentivo à mobilidade acadêmica em redes colaborativas nacional e internacional.
Mobilidade Acadêmica na Educação Superior em Redes Colaborativas
A educação superior18 brasileira, que em geral é de responsabilidade dos governos federal e estadual, compreende um universo de IES normatizado pela Constituição Federal (CF) de 1988, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n.º 9.394/1996, além de decretos, regulamentos e portarias. O art. 205 da constituição estabelece que “[a] educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1988, não paginado).
O art. 207 da CF, emenda constitucional n.° 11 de 1996, institui que “[...] as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (Brasil, 1996, não paginado). Essas atribuições colocam a melhoria da educação superior no bojo das discussões, com ênfase a questões ligadas à expansão e à democratização com garantia de acesso e permanência. Preocupações sobre a desigualdade no ingresso associada a fatores socioeconômicos, geográficos, étnico-raciais e físicos, bem como o financiamento público, a privatização, a mercantilização, dentre outros, são manifestados por vários pesquisadores.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acredita em que a expansão da educação superior provocou debates sobre a quantidade e a direção das despesas públicas. Os benefícios sociais legitimaram um custo crescente, mas assegurar a sua qualidade tornou-se essencial. A contínua pressão sobre os governos para limitar os gastos públicos foi outro fator relacionado aos questionamentos acerca da qualidade relativa aos processos e aos produtos nesse nível de ensino.
Há um cenário com diversas especificidades dentro de um contexto de transição, caracterizado “[...] pela expansão acelerada, por políticas de diversificação, pela privatização e por tendências democratizantes, comandadas pela centralização estatal. A inovação19 é buscada paralelamente. Antevemos um modelo de educação superior que não é um modelo único [...]” (Morosini, 2014, p. 387). Existem novas configurações de IES que convivem com diversas exigências sociais e globalizadas20. Ressalta-se que essa organicidade não deve ser vista de forma isolada ou até mesmo hierarquizada. Faz-se necessário uma visão sistêmica e articulada para que mudanças significativas ocorram no campo das políticas públicas, da justiça social e de formação cidadã.
Outro documento importante no âmbito da educação superior é o Plano Nacional de Educação (PNE) que tem as seguintes metas:
[meta] 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta. Meta 13: Elevar a qualidade da educação superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas instituições de educação superior para 75%, no mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores. Meta 14: Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores. (Brasil, 2014, p. 13).
Essas metas evidenciam a complexidade dos desafios da educação superior já previstos por Speller, Robl, Meneghel (2012): a) democratizar o acesso com permanência; b) ampliar as vagas nas IES públicas; c) reduzir as desigualdades regionais, quanto ao acesso e à permanência; d) formar com qualidade; e) diversificar a oferta de cursos e níveis de formação; f) qualificar os profissionais docentes; g) garantir o financiamento, especialmente para o setor público; h) estimular a pesquisa científica e tecnológica.
A elevação da matrícula no stricto sensu, a ampliação da atuação de mestres e doutores e o estímulo à pesquisa científica são discussões que envolvem diretamente os programas de pós-graduação, considerando-se que os avanços, as políticas públicas nas áreas de educação e ciência ainda são insuficientes. A educação superior deve ser compreendida para além do sinônimo de avaliação, de empregabilidade e de especificidade para sustentar-se no princípio da igualdade pelo reconhecimento das desigualdades que no atual governo é difícil de ser alcançado pelas incertezas e falta de clareza quanto aos rumos da educação do país.
A Capes21, fundação do Ministério da Educação (MEC), é responsável pela expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu em todos os estados do Brasil, e o CNPq22, agência do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), são órgãos públicos fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa e, inclusive, esse apoio perpassa pelos programas de mobilidade acadêmica em parcerias com as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP).
Neste estudo, destaca-se o Programa de Estímulo à Mobilidade e ao Aumento da Cooperação Acadêmica da Pós-graduação em Instituições de Ensino Superior (Promob) que tem a finalidade de implementar ações e metas de ampliação, consolidação e apoio aos programas de pós-graduação aprovados pela Capes com nota igual ou superior a três. Esse tipo de Acordo de Cooperação Técnica e Acadêmica tem como objetivo incentivar o desenvolvimento acadêmico e incrementar projetos de formação profissional, ações alinhadas às prioridades de investimentos nas áreas de ciência, tecnologia e inovação.
Uma parceria entre a Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica (Fapitec) de Sergipe, vinculada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico, da Ciência e Tecnologia (Sedetec) e a Capes, pelo edital Capes/Fapitec/Sergipe n.° 10/201623, aprovou o Projeto “A Cidade como Espaço de Aprendizagem”, em parceria com duas universidades associadas.
O Projeto “A Cidade como Espaço de Aprendizagem” tem como objetivos construir uma rede de ensino e pesquisa com vistas a impulsionar o desenvolvimento de ações colaborativas e cooperativas, na perspectiva da qualificação dos programas de pós-graduação envolvidos na proposta, bem como compreender como a cidade pode se constituir em espaços de convivência24 híbridos e multimodais de aprendizagem, utilizando o conceito de gamificação25 na educação (Lucena, 2016).
Esse projeto aprovado pelo Promob/Capes/Fapitec contempla três universidades do Brasil e seus respectivos programas stricto sensu26, a saber: a) Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS): Linhas - Educação e Comunicação, Formação Docente, Avaliação e Planejamento Educacional; b) Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): Linha - Política, Trabalho e Formação Humana; c) Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos): Linha - Educação, Desenvolvimento e Tecnologias.
Cabe registrar que, além do fortalecimento das áreas e linhas dos programas, essa rede colaborativa também apoia os estudos e as produções dos grupos de pesquisa27 coordenados pelos docentes envolvidos. Essa parceria com os professores-pesquisadores da UFS, UFMG e Unisinos justifica-se pelo desenvolvimento de pesquisas, projetos, investigações e produções na área da educação, culturas digitais, jogos eletrônicos, tecnologias da informação e comunicação (TIC), gamificação e formação de professores (Lucena, 2016). Há um esforço para a articulação de estudos teórico-conceituais e metodológicos que fomentem sentidos e significados relevantes para os programas imbricados28.
Outro aspecto de destaque é a mobilidade entre os docentes e discentes na perspectiva de se vivenciar culturas e cotidianos diferentes, estudar referenciais teóricos com vistas a redimensionar ou aprofundar os objetos de suas investigações por meio das novas redes de inter-relações e de conhecimento (Lucena, 2016). Isso significa que essa mobilidade permite estudos, pesquisas e publicações entre os professores-orientadores, os mestrandos e os doutorandos29 dos programas da UFS, UFMG e Unisinos, numa rede que impulsione a cooperação entre pesquisadores de diferentes regiões do Brasil.
Nesse contexto, a construção de redes de conhecimento visam ressignificar os processos de produção e formação de maneira a promover impactos (organizacional, educativo, cognitivo e social) relevantes para aproximar cada vez mais o diálogo entre a educação e a cibercultura. Para Lucena (2016, p. 10), “[...] as diferentes tecnologias digitais, associadas às redes de telecomunicação contribuem para o surgimento de novas formas de pensar, de se relacionar e, consequentemente, de estabelecer relações para conhecer o mundo”. Fato este que a rede colaborativa do projeto em questão adota como meta.
Vale explicitar que o Promob/Capes/Fapitec (2016) desenvolve ações voltadas à formação dos professores-pesquisadores que participam de atividades de aperfeiçoamento, grupos e projetos de pesquisas, seminários e defesas; à implementação de estratégias articuladas para a melhoria dos programas; ao fortalecimento dos padrões de qualidade com o aumento da oferta de produtos e pesquisas para comunidade externa; c) à produção científica sobre espaços de convivência híbridos e multimodais de aprendizagem, gamificação na educação e formação docente; à difusão de conhecimento em de ambientes virtuais de aprendizagem, livros, e-books, redes de periódico, congressos e seminários nacionais e internacionais.
No tocante ao desenvolvimento de atividades de cooperação internacional, o Promob/Capes/Fapitec considera os indicadores de internacionalização universitária na dimensão institucional em que as inter-relações perpassam por indicadores de pesquisa. Essa ocorrência justifica-se pelo fato de a universidade ter como princípio básico a produção do conhecimento, via investigação. “E, para a produção do conhecimento o processo de internacionalização é imprescindível e vem imbricado ao amadurecimento do conhecimento com base em descobertas e reflexões anteriores, realizadas em qualquer parte do planeta e disseminado entre as universidades” (Morosini, 2012, p. 36).
A estratégia de internacionalização incorpora abordagens inovadoras para o desenvolvimento do currículo, do apoio ao estudante e de mecanismos de iniciativas voltadas à formação acadêmica. A ideia de qualidade compreendida, aqui, respalda-se em considerar o estudante como um cidadão de mundo que “[...] defende e propaga os ideais de um mundo sustentável - um mundo justo, equitativo e pacífico no qual as pessoas se preocupam com o meio ambiente para contribuir a equidade intergeracional” (Morosini, 2009, p. 173).
Uma pesquisa de Morosini e Nascimento (2015), acerca da aprendizagem em contextos internacionalizados e colaborativos, sinaliza que a qualidade da educação superior está fundada pela internacionalização, principalmente por intercâmbios estudantis e docentes, currículos e estágios mais aprimorados por meio de redes. Dentro dessa perspectiva, a crescente internacionalização no cenário globalizado e as mudanças tecnológicas devem corroborar para um currículo que estimule o desenvolvimento de capacidades glocais na criação e difusão de conhecimento, além de estender um possível desenvolvimento com equidade.
Para tanto, o espaço da educação superior, especificamente do stricto sensu, deve, assim, incrementar a cultura global-local entrelaçada a uma formação cidadã e de inclusão social e científica. As constantes mudanças na sociedade, o ritmo acelerado das TIC e a mobilidade do mercado de trabalho demandam a oferta de programas e projetos, que avancem para além dos processos de produção do conhecimento pautados na disciplinaridade e na descontextualização dos currículos da pós-graduação. Os programas de mobilidade acadêmica são ações imprescindíveis para elevar os mestrados e doutorados, bem como fortalecer as redes colaborativas nas eras da pesquisa nacional e internacional.
Algumas considerações
Este estudo discutiu acerca das eras da pesquisa na perspectiva das redes colaborativas na educação superior, com enfoque nos programas de mobilidade acadêmica. As transformações das atividades humanas desenvolvem obstáculos epistemológicos em redes, avançando para o sentido de problemas complexos e contextuais.
Os incrementos da ciência permitiram que a pesquisa progredisse em eras (individual, institucional, nacional e internacional), incentivando a produção científica por meio de redes colaborativas a partir da perspectiva de valorização da autoria e coautoria dentro de cenários emergentes. As redes constituem-se em mecanismos substanciais para o alcance de resultados produtivos nas mais diversas áreas, formando mundos interdependentes. Essa configuração envolve as políticas públicas que deve promover acessibilidade aos avanços nas eras da pesquisa, sendo possível a implementação de mecanismos capazes de estimular a mobilização da comunidade científico-tecnológica.
Ao longo da história, o cenário da educação superior sofreu mudanças que envolvem a expansão e a democratização com garantia de acesso e permanência, bem como especificidades de transição dentro de uma sociedade globalizada que faz emergir uma complexidade de desafios. Destaca-se, aqui, o enfrentamento das desigualdades do sistema e a superação da perspectiva mercadológica, visando ao alcance de uma educação como bem público e direito social.
A educação superior de qualidade, especificamente os programas de pós-graduação stricto sensu, tem relação com políticas públicas de mobilidade acadêmica que busca propiciar produção e difusão da ciência, além do desenvolvimento humano e social. O poder público contemplaria o interesse da sociedade, ajustando resultados, valores e ações para a promoção da inclusão, da equidade e da cultura em redes colaborativas de pesquisa.