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Educação UNISINOS

versão On-line ISSN 2177-6210

Educação. UNISINOS vol.23 no.4 São Leopoldo out./dez 2019  Epub 06-Jul-2020

https://doi.org/10.4013/2019.234.06 

Dossiê: Educação em Contextos Híbridos e Multimodais

Modalidade da Pós-Graduação Stricto Sensu em discussão: dos modelos de EaD aos ecossistemas de inovação num contexto híbrido e multimodal

Stricto Sensu Post-Graduate modality in discussion: from distance learning models to innovation ecosystems in a hybrid and multimodal context

Eliane Schlemmer1 

José António Moreira2 

1Universidade do Vale do Rio dos SinosUNISINOS ElianeS@unisinos.br

2Universidade Aberta, Portugal/UAb jmoreira@uab.pt


Resumo

O artigo, discute os modelos de EaD e, a partir da portaria MEC/CAPES No 275/2018, problematiza a modalidade da pós-graduação stricto sensu, na relação com o contexto híbrido e multimodal. O objetivo é compreender como a cultura híbrida e multimodal contribui para pensar a modalidade da pós-graduação stricto sensu, enquanto ecossistemas de inovação, tendo como pressuposto a epistemologia reticular, conectiva e atópica, fundamentada em Di Felice. A pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva, faz uso do método cartográfico de pesquisa-intervenção, proposto por Kastrup para produção e análise de dados. Como resultado principal, apresenta-se a o Ecossistema de Inovação na Educação no contexto híbrido e multimodal, como forma de repensar a modalidade da pós-graduação stricto sensu e sua sustentabilidade. Propõe-se ainda a ressignificação/ampliação da compreensão do lugar dos polos, que passam a ser entendidos enquanto espaços de aprendizagem e articulação com a comunidade/sociedade.

Palavras-chave: Educação a Distância; Stricto Sensu; Cultura híbrida e multimodal; Epistemologia reticular, conectiva e atópica; Ecossistema de Inovação

Abstract

The paper discusses the distance learning models and, from the ordinance MEC/CAPES No 275/2018, problematizes the modality of the stricto sensu post-graduation, in the relation with the hybrid and multimodal context. The objective is to understand how the hybrid and multimodal culture contributes to thinking about the modality of the stricto sensu post-graduate, as innovation ecosystems, based on the reticular, connective and atopic, epistemology, proposed by Di Felice. The qualitative, exploratory and descriptive research makes use of the research-intervention cartographic method, proposed by Kastrup for production and data analysis. As a main result, the Ecosystem of Innovation in Education in the hybrid and multimodal context is presented as a way to rethink the modality of the stricto sensu post-graduate course and its sustainability. It is also proposed the re-signification/enlargement of the understanding of the place of the poles, as spaces of learning and articulation with the community/society.

Keywords: Distance Learning; Multimodal and Hybrid Culture; Reticular, connective and atopic epistemology; Ecosystem of Innovation

Introdução

Vivemos e convivemos ao habitar, e-habitar e co-habitar um mundo constituído pelo hibridismo. Essas diferentes formas de habitar se traduzem num conceito estratégico para pensar e descrever as transformações desse tempo e sociedade e também a nossa condição perceptiva da forma de sentir, o que leva ao conceito de Atopia, de uma forma não mais antropomórfica de habitar. (Di Felice, 2009, p. 291).

A atopia não é um novo tipo de espaço, nem um território simulacro, nem poderia ser definida inteiramente como uma pós-territorialidade, no sentido único da superação das formas físicas e geográficas do espaço. Melhor seria defini-la como a substituição destas por uma forma informativa digital e transorgânica, cujos elementos constitutivos são as tecnologias informativas digitais, os ecossistemas informativos elaborados pelos sistemas informativos geográficos e territoriais e as redes sociais, compostas pela fusão de elementos inteligentes e pelas formas híbridas do dinamismo das linguagens transorgânicas.

Esse habitar, no âmbito do aprender, ocorre cada vez mais em contextos multimodais, que coengendram a modalidade de educação presencial física e a online. É nesse contexto que os atuais sujeitos da aprendizagem se desenvolvem, constituindo uma cultura própria, em congruência com esse espaço-tempo histórico-social.

Classificar e polarizar as gerações ou as culturas em analógica ou digital e, as modalidades educacionais em presencial física ou online, dificulta a compreensão da complexidade envolvida na comunicação, interação, relações e aprendizagens que ocorrem numa perspectiva transcultural, reticular, conectiva e atópica. Para compreender as mudanças que estão ocorrendo, basta observar crianças e adolescentes para os quais essa separação não faz sentido, pois nasceram e se desenvolvem em meio a diferentes tecnologias e formas de presencialidade, que se entrecruzam em tempos e espaços distintos no seu cotidiano. Segundo Moreira (2018), o fim da distinção entre o off-line e o on-line e a proposição do neologismo onlife, é defendido no Onlife Manifesto - Being Human in a Hyperconnected Era3 (2015), ao referir-se a uma nova realidade hiperconectada, onde se afirma: Dualism is Dead! Long Live Dualities!

É da análise desse contexto, na relação com nossas vivências como formadores de professores e pesquisadores, aliado a resultados de pesquisas e, das possibilidades que surgem com a atual legislação, que tem origem a motivação desse artigo, que se contextualiza na pesquisa intitulada: "Ecossistemas de Inovação na Educação na Cultura Híbrida e Multimodal".

O objetivo é problematizar/compreender como a cultura híbrida e multimodal contribui para pensar a modalidade da pós-graduação stricto sensu (PGSS), enquanto ecossistemas de inovação, tendo como pressuposto a epistemologia reticular, conectiva e atópica.

A fim de alcançar o objetivo foi proposto o delineamento metodológico a seguir.

Delineamento Metodológico

A pesquisa, de natureza qualitativa, do tipo exploratória e descritiva, faz uso do método cartográfico de pesquisa-intervenção, proposto por Passos, Kastrup e Escossia (2009), Passos, Kastrup e Tedesco (2014) para produção e análise de dados.

A cartografia é um método para acompanhar processo por meio de pistas que orientam o trabalho do cartógrafo, no lugar de regras a serem aplicadas. “As pistas que guiam o cartógrafo são como referências que concorrem para a manutenção de uma atitude de abertura ao que vai se produzindo e de calibragem do caminhar no próprio percurso da pesquisa - o hódos-metá da pesquisa.” (Passos, Kastrup e Escossia, 2009, p. 13).

A atenção cartográfica é definida como concentrada e aberta, caracterizando-se por quatro variedades: rastreio, toque, pouso e reconhecimento atento. O rastreio é a exploração/varredura do campo, aqui composto por documentos legais; modelos de EaD; pesquisas e as construções teóricas desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa Educação Digital - GPe-dU UNISINOS/CNPq4. Trata-se de um voo, cuja a atenção é aberta e sem foco. Um olhar amplo em busca de pistas, algo que o toque, para além da busca de informação. O toque aciona o processo de seleção, é a primeira significação, a primeira análise sobre a seleção. É caracterizado por uma rápida sensação de foco, quando algo toca, chama a atenção, fazendo-o entrar em estado de alerta. O movimento que se refere a um ponto definido da atenção - foco - é o pouso, parada, zoom nas pistas, escolha/definição, indica que o elemento selecionado precisa ser olhado analiticamente. Isto é, "o gesto do pouso indica que a percepção, seja, ela visual, auditiva ou outra, realiza uma parada e o campo se fecha, numa espécie de zoom. Um novo território se forma, o campo de observação se reconfigura.” (Kastrup, 2009, p. 43). Nesse artigo consiste nas pistas que a partir dos movimentos anteriores irão compor o artigo. O quarto e último movimento é o reconhecimento atento de Bergson, que se caracteriza por uma atitude investigativa sobre o pouso, sobre o que chamou a atenção do cartógrafo. É a reconfiguração do território da observação e representa a análise propriamente dita, dando origem aos resultados. O objetivo do cartógrafo é cartografar um território que não habitava, compreender os planos de força - plano movente da realidade das coisas, que nele atuam - e, produzir conhecimento ao longo do percurso de pesquisa, o que envolve a atenção e, com ela, a própria criação do território de observação. (Escóssia e Tedesco, 2009), sendo que a análise se dá no processo de produção do dado - no movimento da cartografia.

A fim de atingir o objetivo, a metodologia, a partir dos quatro movimentos da atenção do cartógrafo, envolveu as seguintes etapas: análise dos principais modelos de EaD; análise dos documentos legais; análise dos resultados das pesquisas e das construções teóricas, desenvolvidas pelo GPe-dU; desenho do Ecossistema de Inovação na Educação, em contexto híbrido e multimodal, as quais são a seguir desenvolvidas.

Possíveis Modelos Pedagógicos Virtuais para a modalidade de EaD

Conceber a educação, hoje, remete-nos a novos e atuais processos sociais e culturais, sustentados numa cultura em rede, implicando-nos na inevitabilidade de integrar o processo de ensino e de aprendizagem no cotidiano dos indivíduos e de potenciar as sociabilidades aí existentes (Moreira; Ferreira; Almeida, 2013).

Tratando-se da apropriação da web social, qualquer conclusão precisa ser considerada transitória e momentânea, pois as frequentes evoluções destes espaços geram mudanças rápidas. No entanto, e apesar deste fluxo constante nos impelir para a relatividade dessas conclusões, resultados de investigações permitem-nos afirmar que os ambientes digitais em rede, configuram-se como ecossistemas vivos favorecendo as conexões entre os participantes na rede e aprendizagens interativas; possibilitam que os conteúdos sejam organizados em nós da rede para acesso rápido; e facilitam a partilha de materiais, de conhecimento e de experiências de aprendizagem colaborativa e participativa (Allegretii et al., 2012)

A educação na rede exige que se equacione o processo pedagógico de forma diferente. No entanto, a mudança não deve ser vista só do ponto de vista tecnológico, mas sobretudo em termos de mentalidade e de prática. Esta realidade implica alteração cultural, pois obriga a repensar os papéis dos professores e dos estudantes, e a relação entre eles. Baseados na necessidade de acompanhar os desafios desta sociedade contemporânea, em rede e digital, quer em espaços com acesso restrito e reservados, quer em espaços abertos com mais “respiração”, torna-se premente modelos pedagógicos com princípios e linhas de força bem definidas, que apontem possibilidades de exploração e integração da tecnologia, para promover a apropriação eficiente em ambientes de aprendizagem blended, híbridos e multimodais (Moreira, 2018).

Neste contexto Modelo Pedagógico Virtual refere-se a uma construção multidimensional, que representa uma visão de aprendizagem e que possui uma arquitetura pedagógica, linhas de força e princípios teóricos em consonância com uma ou mais teorias educativas. Neste sentido, assume-se como um quadro geral de referência das atividades educativas e, simultaneamente, como um instrumento organizador das práticas de ensino e de aprendizagem em ambientes online.

A arquitetura pedagógica de um modelo envolve: i) aspetos organizacionais, relativos aos objetivos educacionais, à organização da comunidade virtual onde se definem os papéis de cada “ator” e à sistematização do ecossistema de aprendizagem; ii) aspetos metodológicos, referentes às atividades, à interação e à avaliação; iii) aspectos tecnológicos, relacionados à definição do ambiente virtual e suas funcionalidades ou ferramentas de comunicação; iv) conteúdos entendidos como qualquer tipo de ferramenta, recurso tecnológico, objeto de aprendizagem ou software.

Adotando o conceito de Modelo Pedagógico Virtual destacamos pela sua atualidade, adaptabilidade e pertinência, o modelo de Community of Inquiry (Garrison; Anderson; Archer, 2000), o modelo de e-moderating (Salmon, 2000) e o modelo da Universidade Aberta de Portugal (Pereira et al., 2007) que, concretiza alguns dos princípios estruturantes destes dois modelos, e vai além criando uma “identidade” própria que inaugurou um modo diferente de entender o ensino superior, fortemente dominado pela valorização da integração social e comunitária dos estudantes, do acompanhamento personalizado da sua aprendizagem e do respeito pelo contexto específico da experiência de vida individual. Tudo isso, fazendo uso de uma dimensão que marca hoje, fortemente a existência humana: o fenómeno da rede.

O Modelo Pedagógico Virtual da Universidade Aberta de Portugal, especificamente concebido para ambientes digitais, baseia-se nos princípios do ensino centrado no estudante, baseado na flexibilidade de acesso à aprendizagem (conteúdos e atividades), na interação diversificada quer entre estudante-professor quer entre estudante-estudante, quer ainda entre o estudante e os recursos e, num ensino promotor de inclusão digital (Pereira et al., 2007). Para além destes princípios, e considerando que o modelo delineado pressupõe a possibilidade de evolução, de acordo com os novos desenvolvimentos que se vão prefigurando, este modelo possibilita a criação de experiências educacionais de cariz humanista, democráticas, horizontais e problematizadores, em que os atores envolvidos criam, de forma dialógica, o conhecimento e um diálogo relacional marcadamente horizontal, onde se visualiza o reconhecimento do outro que se enriquece com a inter-relação; porque "ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo" (premissas freirianas); e procura promover uma aprendizagem promotora de multiliteracias.

A seguir discute-se a legislação brasileira de EaD, no que se refere a possibilidade da proposição de PGSS na modalidade EaD.

Pós-Graduação Stricto Sensu (PGSS) na modalidade EaD em discussão

A oferta de cursos na modalidade EaD, no Brasil, foi prevista no Art. 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº 9.394/1996. Em 2017, o MEC, por meio do Decreto nº 9.057, atualizou a legislação e regulamentou a EaD em todo o território nacional. As alterações referem a criação de polos de EaD pelas próprias instituições e, o credenciamento de instituições para EaD sem exigir credenciamento prévio para a oferta presencial. O decreto passa também a regulamentar a oferta de EaD para o ensino médio e para a educação profissional técnica de nível médio e, abre a possibilidade de ofertas de PGSS em EaD, sendo essa retomada no parecer CNE/CES no: 462/2017.

Art. 3o As instituições credenciadas para a oferta de cursos a distância poderão propor programas de mestrado e doutorado nesta modalidade.

§ 1o As atividades presenciais previstas no projeto dos cursos de que trata o caput poderão ser realizadas na sede da instituição ofertante, em polos de educação a distância ou em ambiente profissional, regularmente constituídos conforme o disposto na Portaria Normativa MEC no 11/2017, atendendo aos requisitos da organização da pesquisa adotada pela instituição e em conformidade com a legislação e as normas vigentes da pós-graduação stricto sensu.

§ 2o Caberá à Capes a definição dos procedimentos avaliativos referentes aos cursos de mestrado e doutorado na modalidade de Educação a Distância (EaD). (Brasil, 2017, p.5)

Em dezembro de 2018, o MEC/CAPES emite a portaria No 275, regulamentando a oferta de PGSS (mestrado e doutorado, acadêmico ou profissional) na modalidade EaD, cuja titulação terá validade nacional. Deixa claro que eventuais disciplinas ofertadas em EaD, em cursos presenciais já reconhecidos, não configuram um curso EaD, pois essa possibilidade é facultada às IES desde 2016 e prevista em legislação. (Brasil, 2018).

A portaria refere a obrigatoriedade de atividades presenciais (estágios obrigatórios, seminários integrativos, práticas profissionais e avaliações presenciais; pesquisas de campo e; atividades relacionadas a laboratórios, quando se aplicar), as quais poderão ser realizadas na sede da(s) instituição(ões), em ambiente profissional ou polos de EaD, sendo a criação desses de competência da instituição de ensino já credenciada para a oferta na modalidade, estando condicionada a autorização da Capes, por meio de instrumento específico. (Brasil, 2018).

Entende-se que há um equívoco em relação ao conceito de presencialidade, que se mantem desde regulamentações anteriores. Qual a natureza da presença que desejamos num processo formativo, senão a presença relacional, que se estabelece na interação? Essa presença está, necessariamente, vinculada a um corpo constituído por átomos, o qual precisa estar fisicamente presente no mesmo tempo e espaço? O que dizer da presença de natureza digital, constituída por bits, que possibilita estar presente digitalmente, por meio da interação via prop, avatar, personagem, perfil em mídia social, telepresença por webcam, holograma, dentre outras formas de presença possíveis na contemporaneidade? (Schlemmer, 2010; 2013; 2014).

Essas atividades não poderiam ser ofertadas também na modalidade EaD ou ainda multimodal? Como justificar a obrigatoriedade de serem presenciais, por exemplo, quando se trata de áreas como a Educação que forma mestres e doutores para atuar também na modalidade EaD? Não seria fundamental ter a vivência na modalidade EaD ou da multimodalidade, uma vez que é necessário desenvolver essas competências docentes? No que se refere a pesquisa de campo, não é raro que esse campo seja o campo digital, cuja pesquisa é realizada nos meios digitais, nesse caso, como ficaria? Quanto aos laboratórios, o que dizer dos laboratórios digitais, laboratórios em Mundos Virtuais em 3 Dimensões (Schlemmer, 2014) ou ainda em Realidade Virtual?

Outra questão que merece atenção se refere a separação, polarização das modalidades, na tentativa de purificação dos híbridos (Latour, 2012), uma vez que vivemos, convivemos, aprendemos e desenvolvemos atividades profissionais num mundo que é híbrido e multimodal.

Um dos pontos positivos da portaria se refere a possibilidade de ambientes profissionais se constituírem enquanto espaços para a realização de atividades presenciais. No entanto, isso nos leva a problematizar qual o lugar que ambientes profissionais existentes somente no digital, como o caso das empresas pontocom, terão nesse contexto.

Quanto aos cursos de PGSS na modalidade EaD, a portaria explicita se tratar de cursos novos, os quais sofrerão todo o processo de avaliação, conforme legislação, acrescidas de exigências relacionadas a natureza da modalidade (Brasil, 2018). Portanto, mestrado doutorado já existentes, não poderão ser ofertados na modalidade EaD.

Os cursos poderão ser propostos individualmente ou de forma associativa. No caso do curso ser proposto de forma associativa, a diplomação será realizada pela instituição coordenadora ou pelas associadas, desde que credenciadas pelo MEC para ofertar EaD. (Brasil, 2018). Essa possibilidade representa um avanço na área, principalmente em se tratando da PGSS.

A portaria refere que o corpo docente dos Programas PGSS na modalidade EaD deverá ser composto por docentes permanentes, podendo incluir outras categorias, obedecendo a legislação atual. Participações esporádicas enquanto conteudista, conferencista, membro de banca de exame ou coautor de trabalhos não configuram um profissional como integrante do corpo docente do programa. (Brasil, 2018).

Quanto ao acompanhamento e avaliação de cursos, a portaria explicita que será de responsabilidade da CAPES, por meio de nota e de acordo com as regras previstas para o ciclo de avaliação, conforme legislação vigente. Refere ainda, que haverão comissões específicas para avaliação, formadas por especialistas em EaD. A avaliação fará uso de critérios que cumpram os preceitos da Portaria, garantindo a qualidade da formação, os quais serão definidos nos Documentos de Área de Avaliação. (Brasil, 2018).

Nas Disposições Finais e Transitórias, a portaria explicita que somente será possível propor doutorado na modalidade EaD após a conclusão do primeiro ciclo avaliativo da implementação do correspondente programa de mestrado nessa modalidade, tendo o mesmo obtido reconhecimento e no mínimo nota 4 na CAPES. (Brasil, 2018).

Kenski (2017), chama atenção para a indissociabilidade entre a pesquisa e o ensino no Mestrado e Doutorado e afirma a importância de grupos de pesquisa em EaD para o processo de implantação de cursos de PGSS a distância, em função dos conhecimentos e experiências já desenvolvidas nessa modalidade. É nesse contexto que acreditamos que a trajetória de pesquisas desenvolvidas pelo GPe-dU, especialmente vinculada PGSS pode contribuir.

A seguir será abordada a problemática dos polos de EaD, numa relação com os Centros Locais de Aprendizagem (CLAs), criados pela Universidade Aberta de Portugal.

Dos polos de EaD aos Centros Locais de Aprendizagem

No Brasil, um dos elementos previstos em legislação e que se constitui como propulsor da disseminação e interiorização de ofertas EaD, é a criação de Polos, os quais, conforme referido anteriormente, é de competência da IES credenciada para EaD. (Brasil, 2018).

Polo de EaD ou Polo de Apoio Presencial, é o local físico, geograficamente localizado, no país ou no exterior, credenciado pelo MEC, que possibilita o desenvolvimento descentralizado de atividades pedagógicas e administrativas vinculadas aos cursos e programas ofertados na modalidade EaD. São nesses Polos que os estudantes participam de atividades presenciais (tutoria, estágios, seminários, prática profissionais e de laboratório, avaliações de defesas de trabalhos, bem como pesquisas de campo, quando se aplicar) incluindo as obrigatórias, definidas em legislação, fazendo uso da infraestrutura física e tecnológica para comunicação com a instituição ofertante e/ou participantes do respectivo processo de formação. (Brasil, 2017, 2018).

Segundo Andrade (2010), os polos de EaD se constituem enquanto elementos propulsores do acesso, permanência e sucesso no ensino superior. Esse espaço pode ser melhor utilizado dependendo do modelo pedagógico do curso. O autor refere que a criação de Polos de EaD contribui para deslocar a polêmica questão da presencialidade, tanto dos professores, quanto dos estudantes, compreendida como vinculada somente a presença física, corpórea.

Em Portugal, a Universidade Aberta (UAb), criou uma rede de Centros Locais de Aprendizagem (CLA), em funcionamento desde 2008, com objetivos e um modelo distinto dos polos já descritos existentes no Brasil.

A rede dos CLA da UAb, no âmbito da sua missão de responsabilidade social e acadêmica, é composta por dezessete polos que resultam da criação de parcerias com as autarquias e a sociedade civil. Este modelo organizacional inovador e sustentado está intimamente ligado às dinâmicas locais, sendo que a sua estrutura em rede visa a inclusão sociocultural, profissional e educativa das populações afastadas dos grandes centros urbanos e apoia-se no trabalho concertado dos seus coordenadores com as instâncias centrais da UAb. Deste modo, os CLA facilitam o suporte logístico e instrumental aos estudantes residentes na sua área de intervenção e são responsáveis pela coordenação e organização do processo de avaliação presencial, da divulgação da oferta educativa e formativa da UAb e do seu Modelo Pedagógico Virtual®.

Não assumindo o papel de extensões de ensino da UAb, os CLA estão vocacionados para valorizar as especificidades das comunidades em que se inserem, através da promoção de iniciativas culturais, científicas e académicas realizadas em colaboração com entidades locais e regionais, nacionais e internacionais, públicas e privadas (Caeiro, Moreira & Henriques, 2018, p. 52).

Trata-se de um projeto que assume simultaneamente e de forma complementar duas linhas estratégicas. Uma das linhas prende-se com a ação no âmbito da dinâmica da rede dos CLA com as estruturas locais e a sua aproximação e articulação com a UAb. A outra remete para a dimensão da pesquisa e ação na área de desenvolvimento local e societário em estreita articulação com a plataforma de centros de investigação da UAb que a Unidade Móvel de Investigação em Estudos do Local (ELO) representa. Desta forma, cabe à ELO promover, coordenar e desenvolver investigação no âmbito das problemáticas do local, em estreita colaboração com centros de investigação de diferentes universidades nacionais e internacionais e com outros agentes locais envolvidos em cada projeto.

A coordenar este projeto está a Unidade de Desenvolvimento dos Centros Locais de Aprendizagem (UMCLA) que desde a sua criação, através do Despacho 7/R/2007, se encontra na dependência direta da Reitoria da UAb. São atribuições da UMCLA: definir de estratégias de desenvolvimento dos CLA e de formação dos seus coordenadores; promover parcerias com entidades e organismos diversos; mediar a presença da UAb em eventos de natureza cultural e científica; participar em observatórios e conselhos consultivos locais; realizar estimativas de custos associados ao funcionamento dos CLA; supervisionar os CLA e monitorizar a ação dos respetivos coordenadores, no campus virtual da UAb.

Para além disso, esta unidade criada pelo despacho reitoral 400/R/200, enquanto estrutura que desenvolve investigação no âmbito das problemáticas do local, procura prioritariamente identificar, localmente, objetos de estudo e de intervenção preferencial nas áreas territoriais de inserção dos CLA, com o intuito de transformar o conhecimento científico em matéria que possa contribuir para promover a competitividade e o desenvolvimento dos territórios.

Tendo, ainda, em consideração que a ELO funciona, também, como uma plataforma que pode e deve estabelecer parcerias com unidades de investigação que identifiquem como objeto de estudo as áreas territoriais de inserção dos CLA foram, recentemente estabelecidas, parcerias com centros de pesquisa nacionais e internacionais.

Com esta tónica na pesquisa, claramente esta ideia de CLAs corporiza aquilo que é a missão da Universidade Aberta, não só no que diz respeito à docência, mas também a nível desta pesquisa e, ainda, a nível da transferência de conhecimento para a sociedade, desenvolvendo, ações de extensão universitária de natureza sociocultural no território e para o território.

A partir da experiência da UAb Portugal e da portaria MEC/CAPES No 275/2018, propõe-se ressignificar a compreensão dos polos, em pelo menos dois sentidos: 1) enquanto lugar de interface entre a instituição educacional e a comunidade, no sentido de uma escuta cuidadosa, a fim de identificar as necessidades em termos de conhecimento/formação que podem ser supridas pela instituição, a partir das competências existentes ou ainda, construídas em parceria com a própria comunidade; 2) enquanto espaço de aprendizagem efetivo na composição do curso, legitimado por um conhecimento específico, no caso principalmente dos polos que se configuram como ambientes profissionais, os quais podem compor na oferta realizada.

A seguir discutiremos algumas das construções teóricas-epistemológicas e resultados das pesquisas desenvolvidas por Schlemmer e por Moreira, as quais subsidiam as proposições realizadas nesse artigo.

Educação na sociedade/cultura blended, híbrida e multimodal

As relações culturais, sociais e pedagógicas contemporâneas têm sofrido grandes alterações impulsionadas, sobretudo pela apropriação das TD, que rompem hábitos e comportamentos até então considerados inabaláveis. Devido à penetrabilidade nas diferentes esferas da vida dos indivíduos a aceleração tecnológica assume, um papel não negligenciável na complexidade dos ecossistemas de aprendizagem, quer sejam presenciais ou analógicos, quer sejam digitais ou virtuais. Ignorar estes cenários de rápida transformação, onde os “seres” móveis, nómadas, acelerados, fluídos e leves vão ganhando cada vez mais espaço (Bauman, 2001; Franklin, 2017; Lipovetsky, 2016) será descurar o seu potencial de modernização, de mobilidade e de internacionalização. O resultado é uma ecologia de aprendizagem e uma arquitetura de rede que não pode ser controlada a partir de nenhum centro de decisão e é composta por milhares e milhares de nodos.

As visões populares das TD tendem a exagerar tanto na promessa como no risco. Nem a educação online em redes digitais vai substituir os professores, nem a internet vai influenciar negativamente os estudantes. A ênfase não deve recair na tecnologia, mas sim nas condições que afetam a apropriação tecnológica. Para maximizar os benefícios da inovação tecnológica importa alterar a forma como se pensa a educação. É este mix, este híbrido, de uma sociedade presencial e digital que nos conduz ao conceito de blended.

É neste campo que alcançamos o conforto da presença física e exploramos todo o potencial das aprendizagens em rede, mediadas pelas tecnologias. Desengane-se quem procura nesta modalidade transformar as aprendizagens online em extensões das aprendizagens presenciais. Mas desengane-se, também, quem procura nesta modalidade transformar as aprendizagens presenciais em extensões das aprendizagens online. Confuso? Na realidade, nem por isso, porque uma modalidade não deve ser uma mera extensão da outra, a coexistência destas realidades analógicas e digitais afirma-se como a configuração deste século XXI onde o blended, o híbrido e o multimodal ganham cada vez mais espaço (Monteiro, Moreira & Lencastre, 2015).

O híbrido é compreendido a partir de Latour (1994), como constituído por múltiplas matrizes, pressupondo a não-separação entre cultura/natureza, humano/não-humano, os quais são explicados por meio das relações. Os híbridos emergem como intermediários entre elementos heterogêneos - objetivos e subjetivos, individuais e coletivos. São formas que “se conectam ao mesmo tempo à natureza das coisas e ao contexto social, sem, contudo, reduzir-se nem a uma coisa nem a outra” (p.11).

No âmbito das pesquisas desenvolvidas pelo XXX, o híbrido é compreendido a partir do fluxo das ações, interações e comunicação entre atores humanos (AH) e atores não humanos (ANH) que ocorrem em espaços geográficos e digitais, pela presença física e digital5, por meio de diferentes tecnologias analógicas e digitais integradas6, num imbricamento de diferentes culturas. Dessa forma, o híbrido constitui-se em redes e fenômenos indissociáveis, que interligam naturezas, técnicas e culturas. Já o conceito de multimodalidade, implica integrar a modalidade presencial física e a modalidade online, a qual pode hibridizar elementos de eletronic learning (e-learning), mobile learning (m-learning), pervasive learning (p-learning), ubíquos learning (u-learning), immersive learning (i-learning) e, ainda, gamification learning (g-learning) e Game Based Learning (GBL). No p-learning e u-learning, as informações estão dispersas, integrando espaços geográficos e digitais, acessadas por dispositivos móveis, conectados a redes de comunicação sem fio. O conceito de ubiquidade indica que tecnologias de localização (GPS, sistemas de navegação, sistemas de localização de pessoas), tecnologias de identificação (etiquetas RFID e QR Code, marcadores) e sensores, placas microcontroladoras (arduíno), entre outros, potencializam a aprendizagem situada, disponibilizando ao sujeito informações “sensíveis” ao seu perfil, necessidades, ambiente e demais elementos que compõe seu contexto de aprendizagem, podendo incluir o próprio corpo, por meio de wearables, em qualquer lugar e a qualquer tempo. A ubiquidade colabora então para integrar os aprendizes a contextos de aprendizagem e ao seu entorno, permitindo formar redes presenciais físicas e digitais entre pessoas, objetos, lugares, situações ou eventos (Schlemmer, 2010; 2016). Nesse contexto é possível falar, a partir de Di Felice (2009), de uma epistemologia reticular que

[...] descreva os processos agregativos não a partir de um determinismo analógico e sistêmico, ou seja, como a soma do conjunto de relações comunicativas entre os diversos aparatos de um mesmo sistema, mas como as dimensões conectivas e emergentes de um novo tipo de complexidade. Pensar a forma rede significa assumir uma importante transformação epistêmica que marca a passagem de uma lógica de complexidade estrutural-sistêmica para uma lógica reticular, hologramática (E. Morin) e conectiva. (p. 14)

Essa lógica reticular, hologramática e conectiva integra espaços urbanos e pós-urbanos constituindo ambientes híbridos, fluidos, interligados por rede de relações que se estabelecem dinamicamente no viver e no conviver, num habitar denominado por Di Felice (2009) de habitar atópico, o qual se refere a um relacionar-se, a um comunicar, que se caracteriza pelas interações em rede de diferentes coletivos humanos e não humanos, tecnológicos digitais e territoriais. O habitar atópico “configura-se assim como a hibridação, transitória e fluida, de corpos, tecnologias e paisagens, e como o advento de uma nova tipologia de ecossistema, nem orgânica, nem inorgânica, nem estática, nem delimitável, mas informativa e imaterial” (p. 291).

Essa construção téorico-epistemológica, aliada as sessões anteriormente apresentadas e a emergência de pensar a modalidade da PGSS numa perspectiva inovadora, forneceu elementos para que fosse possível pensar o ecossistema de inovação na PGSS em contexto híbrido e multimodal, o qual é apresentado a seguir.

Ecossistemas de inovação na educação em contexto híbrido e multimodal

Compreender o que é e como se constitui um ecossistema, implica novo entendimento do que é social, o qual buscamos em Latour (2012). Para o autor o social é a rede de AH e ANH, onde ator é qualquer pessoa, coisa, (quase) objeto, instituição que produz agência - àquele que tem a propriedade de produzir efeito na rede (ainda que indiretamente), de ser actante. A compreensão de agência está relacionada aos AH e ANH simetricamente, os quais participam das ações e provocam transformações na rede, em movimento. Dessa forma, o não-humano deixa de ser considerado somente como um artefato, cuja significação é atribuída pelo humano, e passa a ter agência, pois, participa das ações nas situações cotidianas e provoca transformações. Os ANH também interferem nos acontecimentos, na criação de significados, atuando na esfera reflexiva e simbólica.

A partir dessa compreensão do que é social, a Rede é entendida como algo vivo, mutável - fluxos, circulações, alianças e movimentos de uma série de elementos animados e inanimados - e não como entidade fixa, reduzida a um conjunto de atores. Refere-se a transformações, translações, deslocamentos, portanto, bem distinta da tradicional compreensão de rede, enquanto forma ou estrutura. Para Latour (2012), a rede é o movimento associativo que forma o social, sendo antes um instrumento de análise, do que objeto dela.

Di Felice, Torres e Yanaze 2012, referem que um dos aspectos qualitativos que a compreensão de redes nos impõe se refere:

as suas características Atópicas, isto é, a sua forma em devir e não sistêmica, devido justamente a contínua interação e alteração em suas partes que a projetam em uma condição de ruptura perene do seu nível de equilíbrio. Condição essa que torna inviável pensar a rede das redes como um sistema superior composto pela soma dos subsistemas (redes inferiores). Um conjunto de redes informativas nos revela, portanto, em seu alto nível de interações, um novo tipo de complexidade que se exprime melhor através de uma lógica conectiva e ecossistêmica. (Di Felice, Torres e Yanaze 2012, p. 89).

A partir do que propõe Latour (2012), Di Felice, Torres e Yanaze (2012) poderíamos compreender ecossistemas como redes de redes de relações conectivas?

Na perspectiva de ecossistema enquanto redes de redes de relações conectivas a compreensão de interação muda, pois, não mais se supõe a preexistência dos dois termos (organismo e meio, sujeito e objeto) que interagem, mas sim, entende-se a interação como constituição de si e do meio, o que pressupõe autoengendramento (Passos, 2015). Isso nos possibilita compreender, fundamentados em Maturana e Varela, o ecossistema, para além de um sistema vivo, como um sistema cognitivo. Entendendo a cognição não como representação de uma realidade externa ou como resultado de um acontecimento interno de um ecossistema, mas sim, como resultado de uma organização circular. Um organismo vivo responde aos estímulos do ambiente alterando-se e, a partir de tais alterações, muda seu comportamento, criando, assim, um sistema de respostas ao meio ambiente, o que é denominado pelos autores como sistema de aprendizagem. Capra (1996), faz referência a um ecossistema inteligente, compreendido como a interconexão entre os sistemas cognitivos-perceptivos e as arquiteturas informativas, superando a concepção instrumental da mídia e, apontando para uma nova percepção ecológica na qual os elementos, a ambivalência e a tecnologia da informação são partes integrantes do sistema cognitivo, inaugurando uma nova prática do habitar. Diferentemente da complexidade sistêmica, a forma-rede apresenta-se como uma série infinita de redes interagentes de forma que para o autor, entender ecossistemas será, em última análise, entender redes.

O seu caráter cognitivo da rede, a arbitrariedade de sua forma, a não linearidade, a sua propensão à saída do eixo, sua estrutura reticular e interativa e sua não-externalidade a tornam uma arquitetura ao mesmo tempo interna e externa a nós, isto é, um ecossistema do qual fazemos parte como membros e não apenas como observadores independentes, são alguns dos elementos que diferenciam a lógica reticular ou ecossistêmica da lógica sistêmica. (Di Felice, Torres e Yanaze 2012, p. 90)

Dessa forma, não se trata de AH e ANH isoladamente, mas das relações e processos que se constituem a partir dessa nova compreensão de interação, de cognição, de rede e de social. Isso nos ajuda a entender um ecossistema como um movimento que conecta redes entre AH e ANH, ou seja, um movimento reticular e conectivo que, na atualidade, se constituem em espaços urbanos e pós-urbanos, no contexto de uma cultura híbrida e multimodal.

Assim, pensar Ecossistemas de Inovação na educação na cultura híbrida e multimodal, implica em analisar o aspecto relacional que os constitui, o que envolve AH e ANH, incluindo os dispositivos técnicos, as arquiteturas digitais, considerando os objetos tecnológicos e as estruturas comunicativas que possibilitam que uma rede comunicativa relacional se constitua enquanto ecossistema. Dessa forma, Latour e Serres nos auxiliam ao trazer o hibridismo para a interação, numa simbiose entre natureza, técnica e cultura. Isso nos possibilita pensar nos diferentes atores intervenientes que agem e inter-agem, produzindo e recebendo interferências constantes, constituindo alianças. Ou seja, emerge dai, segundo os autores, uma nova relação simbiótica, que se afasta tanto do paradigma tecnocêntrico, quanto antropocêntrico, contribuindo para o surgimento de cultura planetária e ecossistêmica.

Resultados e Discussões

Como resultados compreendemos que numa realidade hiperconectada não há mais sentido separar as modalidades educacionais em presencial e a distância, tratando-as de forma dualista. Fato esse que ignora as novas significações do conceito de presencialidade e as formas de se fazer presente no meio digital, o que leva a um outro equívoco que é o modelo denominado “semipresencial”, ora como pode o estudante estar “semi” presente? O que temos são diferentes formas de estar presentes, as quais se relacionam a natureza do meio: presença física, corpórea, face-a-face, quando o espaço é geográfico e; presença digital, quando o espaço é digital. Ainda vinculada a presencialidade está a incompreensão quanto ao tipo de presença necessária num contexto educacional, que é a presença relacional, aquela que se estabelece em movimentos de interação, o que independe de uma presença corpórea. Quanto a compreensão de distância o mesmo equívoco se repete, de que distância estamos falando? Da geográfica? Mas o que dizer das diferentes TD, as quais nos permitem estar juntos de forma digital?

Nesse contexto, está também a crítica à centralidade dos modelos na transmissão de informação, no conteúdo, o que leva a uma padronização e uma massificação do ensino. Em nome de um desenho instrucional, ignoram-se os avanços das neurociências, os estudos da cognição, as teorias de aprendizagem contemporâneas, privilegiando uma forma de comunicação um-para-muitos, minimizando o potencial das TD para que novas formas de comunicação se estabeleçam, mais reticulares e conectivas, que possibilitem maior autonomia, autoria, colaboração e cooperação entre os estudantes para a produção do conhecimento e construção de conceitos. Desconsidera também quem é o estudante, a sua cultura, o seu contexto de aprendizagem, as especificidades das diferentes áreas do conhecimento, num tempo em que se fala na personalização e na construção de diferentes percursos de aprendizagem.

Problematiza-se ainda a redução dos modelos ao EaD ao e-learning, deixando de considerar o m-learning, p-learning, u-learning, o i-learning, o g-learning e o GBL, dentre outros. Além disso, evidencia-se uma falta de clareza conceitual quanto aos conceitos de hibridismo e multimodalidade, conceitos que embora estejam engendrados, não são sinônimos.

A educação é um sistema aberto, não linear e não hierarquizado, por meio do qual as pessoas aprendem em diferentes contextos e espaços, em processos conectivos de interação em rede. Assim, no lugar de modelos a serem aplicados, propomos pensar em diferentes desenhos multidimensionais, construídos a partir de uma análise: de quem é o sujeito que aprende e como aprende, do contexto sócio-cultural, das especificidades das diferentes áreas do conhecimento; das potencialidades e limites das diferentes tecnologias, subsidiados pelos estudos das neurociências, da cognição e por teorias de aprendizagem contemporâneas, a partir de uma epistemologia reticular, conectiva e atópica. Esses privilegiam o desenvolvimento de práticas pedagógicas intervencionistas, agregativas e inovadoras, que potencializam a inventividade em espaços urbanos e pós-urbanos, priorizando a flexibilização, de forma a propiciar a articulação de estudo com trabalho e convivência social.

No que se refere a PGSS, entendemos que a portaria MEC/CAPES No 275/2018, representa avanços ao ampliar e interiorizar ofertas; ao possibilitar a submissão de propostas de cursos novos de forma associativa, prevendo a titulação por todas as instituições proponentes, o que pode representar uma possibilidade efetiva também de internacionalização dos programas; ao compreender que ambientes profissionais podem se constituir em espaços para a realização de atividades presenciais, embora não faça referência àqueles que só existem de forma digital, tais como organizações pontocom, os quais poderiam também ser considerados. Entretanto, observou-se que alguns equívocos permanecem, como a dualidade e a polarização das modalidades, a redução da compreensão de presencialidade à presença física, o que se manifesta na obrigatoriedade de atividades presenciais, desconsiderando casos, por exemplo, onde o estágio obrigatório, os seminários integrativos, a pesquisa de campo, os laboratórios poderiam ser justamente online ou ainda multimodal. Como formar mestres e doutores que atuarão nessas modalidades sem que vivenciem na integralidade da sua formação também essas modalidades, a fim de desenvolver competências?

Entende-se que com essa abertura, precisaremos ser suficientemente inventivos na proposição de cursos inéditos que atentem principalmente para a empregabilidade e para potencial de inovação que essa formação poderá aportar, instigando a invenção de novos negócios/mercados e espaços de trabalho.

Quanto aos polos de EaD, a forma como são compreendidos não dá conta da complexidade envolvida nos processos de ensinar e aprender numa cultura que é híbrida e multimodal. Dessa forma, o conceito de CLAs, adotada pela Uab Portugal, contribui significativamente para que possamos ressignificar o conceito de Polos de EaD no Brasil.

Nesse contexto, apresentamos o desenho do ecossistema de inovação na educação (Figura 1), o qual foi se constituindo nas últimas pesquisas desenvolvidas pelo GPe-dU, portanto, emerge na PGSS, mais especificamente na pesquisa. Por meio desse desenho é possível pensar a modalidade da PGSS, num contexto híbrido e multimodal, tendo como pressuposto a epistemologia reticular, conectiva e atópica e, compreendendo os polos e espaços profissionais, enquanto espaços de aprendizagem e escuta/articulação com a comunidade/sociedade, portanto, como espaços urbanos, articulados a espaços pós-urbanos. O desenho fornece ainda, elementos para pensar formas de sustentabilidade ecossistêmica.

Fonte: elaborado pelos autores

Figura 1: Ecossistema de Inovação na Educação 

O Ecossistema de Inovação na Educação emerge no GPe-dU, por meio da leitura da sociedade e interação na comunidade (contexto), a qual origina a pesquisa. Essa, por sua vez, por meio da prática de pesquisa, se configura numa atividade curricular da PGSS (ensino PGSS) e estabelece uma vinculação com a graduação, pelas bolsas de iniciação cientifica (pesquisa) e atividades acadêmicas (ensino na graduação), sendo que ambas, por meio da pesquisa, se articulam na Inserção(ação) Social, em espaços escolares e não escolares. Essas geram demandas relacionadas a extensão, graduação e pós-graduação (LS e SS).

Com a perspectiva da ressignificação dos Polos de EaD em CLAs, esses também realizam a Leitura da Sociedade (contexto) e podem demandar da pesquisa, ensino e extensão. O governo e a iniciativa privada são parceiros contribuindo na Inserção(ação) Social. Nessa a Inserção(ação) Social pode-se potencializar StarUPs Sociais (MAKER-easy-se e Transforme o Mundo) com os estudantes, professores e comunidade que participaram da pesquisa e que desejam continuar vinculados. A criação das StarUPs Sociais pode ser viabilizadas a partir de editais e da doação de equipamentos da pesquisa e da iniciativa privada e podem ou não, continuar vinculadas à pesquisa, tendo a parceria dos CLAs.

Considerações Finais

A partir do objetivo da pesquisa que consistiu em problematizar/compreender como a cultura híbrida e multimodal contribui para pensar a modalidade da PGSS, enquanto ecossistemas de inovação, tendo como pressuposto a epistemologia reticular, conectiva e atópica, concluímos que:

O hibridismo potencializa ações e interações entre AH e ANH, por meio de tecnologias analógicas e digitais integradas, em espaços urbanos (geográficos) e espaços pós-urbanos (digitais, formados pelas redes sociotécnicas), nos quais a presencialidade pode ser física ou digital, envolvendo diferentes culturas.

A multimodalidade engendra a modalidade presencial física e a online, possibilitada por diferentes TDs, interligadas por redes de comunicação, utilizando também dispositivos móveis, os quais podem potencializar a aprendizagem pervasiva e ubíqua. Tecnologias de localização, de identificação, sensores, placas microcontroladoras podem estar presentes em locais, objetos, roupas e acessórios, compondo com MDV3D, Realidade Virtual, Realidade Aumentada, Realidade Misturada, games e processos gamificados na constituição de espaços de convivência e aprendizagem híbridos e multimodais.

Em decorrência dessa realidade hiperconectada, a relação da sociedade com o ambiente, com o conhecimento e com a aprendizagem, bem como com as instituições educacionais, são profunda e constantemente ressignificadas, o que nos desafia a pensar nesse sujeito que se desenvolve nesse contexto, constituindo uma cultura própria, em congruência com esse espaço-tempo histórico-social e, portanto, na educação, em diferentes níveis, incluindo a PGSS.

É nesse desafio que tem lugar o Ecossistema de Inovação na Educação apresentado, um ecossistema híbrido e atópico - constituído por sistemas informativos que coengendram espaços urbanos e pós-urbanos, de forma reticular e conectiva. Esse ecossistema tem como premissa a sustentabilidade e a responsabilidade social, na medida em que a partir da pesquisa, num movimento de inserção/ação social, articula a leitura da sociedade e o conhecimento científico, buscando também a parceria do governo e iniciativa privada o que, por sua vez, demanda ensino em diferentes níveis e extensão, criando uma cultura de confiança e pertencimento. Essa leitura da sociedade pode ser realizada em parceria com os CLAs, os quais produzem pistas geográficas, vivas e online que possibilitam criar as Bibliotecas Vivas, subsidiando a pesquisa e o desenvolvimento de ações que possam contribuir efetivamente para a transformação social.

Referências

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3Disponível em https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-319-04093-6.pdf

4Disponível em http://gpedu.com.br/

5perfil em mídia social, personagem em jogo, avatar em metaversos, telepresença por webcam ou ainda, por holograma.

6de forma que juntas favoreçam formas de comunicação e interação textual, oral, gráfica e gestual.

Recebido: 26 de Março de 2019; Aceito: 01 de Novembro de 2019

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Professora-pesquisadora titular Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS. Doutora em Informática na Educação e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. Líder do Grupo de Pesquisa Educação Digital - GPe-dU UNISINOS/CNPq.

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Professor Auxiliar no Departamento de Educação e Ensino a Distância da Universidade Aberta, Portugal/UAb. Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Coimbra/UC. Investigador Integrado e Coordenador do Núcleo de Estudos da Pedagogia no Ensino Superior no Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra/UC.

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