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Educação UNISINOS

On-line version ISSN 2177-6210

Educação. UNISINOS vol.23 no.4 São Leopoldo Oct./Dec 2019  Epub July 06, 2020

https://doi.org/10.4013/edu.2019.234.07 

Dossiê: Educação em Contextos Híbridos e Multimodais

Ecologias conectivas: a qualidade transorgânicas das interações nos ambientes-redes

Connected Ecologies: transorganic qualities in network environments’ interaction

Maximo Felice1 

Beatrice Bonami2 

1Universidade de São Paulo (USP) massimo.atopos@gmail.com

2Universidade de São Paulo (USP) beatrice.br@usp.br


Resumo

Últimas gerações de conexão construíram um tipo de ecologia conectiva e transorgânica. Os vários tipos de conexão e diferentes sensores expressam formas de um outro tipo de ecologia e de uma condição habitativa que não está mais limitada a uma rede de informações transmitidas por computadores. A Internet não é mais uma rede técnica e não é mais apenas uma rede de pessoas e cidadãos: é advento de uma nova conexão planetária, diferente daquela que uniu o conhecimento da inteligência humana ao mundo. As novas formas de conexão estão digitalizando a biosfera, nos transformando de cidadãos e habitantes de nações em habitantes de galáxias de bits. As formas de conexão entre territórios, coisas, pessoas e dados influenciam a mesma ideia de educação e as práticas de ensino, transformando a mesma prática de repasse de informações entre humanos e textos em práticas habitativas e conectivas.

Palavras-chave: Rede digitais; Ecologia comunicativas; Conexão; interação; Educação

Abstract

Latest generations of connection have built a kind of transorganic and connective ecology. The various types of connection and different sensors express forms of another kind of ecology and a living condition that is no longer limited to a network of information transmitted by computers. The Internet is no longer a technical network and is no longer just a network of people and citizens: it is the advent of a new planetary connection, different from the one that united the human intelligence knowledge to the world. The new forms of connection are digitizing the biosphere, transforming us from nations’ citizens into bit galaxies’ habitants. The forms of connection between territories, things, people and data influence the same idea of education and teaching practices, transforming the same practice of passing information between humans and texts into habitative and connective practices.

Keywords: Digital networks; Communicative ecologies; Connection; Interaction; Education

Introdução

Mas então a complexidade se apresenta com os traços inquietantes do emaranhado,

do inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza

E. Morin - Introdução ao Pensamento Complexo (2015)

O pensamento sobre o tema “Educação” comumente detém-se a questões que permeiam o acesso equitativo a um aprendizado de qualidade. A partir da década de 1990, as questões acerca do ensino têm abrangido aspectos da tecnologia digital e pensar os dispositivos somente em seu aspecto técnico pode expressar uma insuficiência sobre o potencial de empoderamento cidadão que essas tecnologias podem oferecer. Aparentemente, a tecnologia digital tem a potencialidade de construir estruturas interativas para que o indivíduo possa se observar diluído em um ecossistema. Do ponto de vista educativo, significa abandonar distinções tecnicistas da digitalização, subvertendo as habilidades instrumentais em um pensamento amplificado sobre a potência da rede mundial.

Com o avanço cronológico da modernidade e pós-modernidade, esse viés antropocêntrico de interpretação foi colocado em cheque, congregando ao caráter social a ação de outros actantes. Nesse contexto, a própria prática e pensamento sobre a comunicação se altera, já que partia do princípio e dos mecanismos transmissores de mensagens de humano para humano e passa a agregar outros focos de rede que fogem ao olhar humanista.

Essa discussão concentra-se sobre uma crítica ao pensamento cartesiano do direcionamento comunicativo e da ação humana, por assim dizer. Parece que a ecologia das mídias não é mais suficiente para descrever a complexidade do agir comunicativo3, sugerindo que se aborde uma ecologia da comunicação nem humanocêntrica nem mídiacêntrica. Segundo Prigogine (1996), a concepção antropocêntrica construiu o imaginário do habitar na cultura ocidental, caracterizado pela suposta separação entre sujeito e ambiente. Essa ideia foi posta em discussão também por algumas descobertas realizadas na primeira metade do século passado, as quais colocaram em evidência a impossibilidade de separar o sujeito observador do ambiente circundante.

A complexidade de habitação se apresenta como uma ecologia, sendo complexidade aqui como Morin (2015) a descreve, sobre uma palavra que exprime a incapacidade de definir o simples e é oposta à totalidade. O pensamento complexo pode ser dito como multidimensional, tendo como base um tecido de associações heterogêneas que constituem o mundo fenomênico. Trata da reintegração (ou reagregação como dito por Latour) entre a consciência antropocêntrica e ecossistêmica, assumindo a dicotomia entre equilíbrio e desequilíbrio como fonte de energia para direcionar a ação que é, segundo Morin (2015), a lógica das coisas vivas. É um ambiente que se formula como um sistema auto-eco-organizado, o qual aparenta denotar a organicidade e complexidade de actantes.

Redes Digitais e novas culturas ecológicas

“Quando falamos do social quantos somos? Quem somos?”

B. Latour - Reagregando o Social (2012)

Na obra A quarta revolução, como a infoesfera está transformando o mundo (2014), Luciano Floridi nos alerta sobre as qualidades disruptivas das transformações da nossa época:

As novidades não geram mais uma fratura inicial destinada a se recompor de forme estável num modelo sucessivo mais ou menos com o mesmo resultado. […] Uma nova filosófica da história, que entenda dar conta da nossa época em quanto fim da história e início da hiper-história, deve claramente desenvolver uma nova filosofia da natureza, uma renovada antropologia filosófica […] O convite a repensar o presente e o futuro de forma cada vez mais tecnologizada requer uma nova filosofia da informação que saiba investir cada aspeto da nossa condição hiper-histórica […] Devemos renovar e redesenhar o nossos vocabulário conceptual e a forma através da qual significamos e compreendemos o mundo (Floridi, 2014, p. 59).

A nossa época nos proporciona uma alteração qualitativa da realidade cuja dimensões e significados não podem ser entendida e expressadas inteiramente através das categorias filosóficas e da linguagem produzida pela nossa cultura ocidental. Historicamente herdamos a nossa concepção do mundo de tradição que baseia sua episteme na separação do humano, da natureza e da técnica. A ideia de sociedade, inspirada pelos desenvolvimentos das ciências sociais em época moderna, é baseada na ontologia aristotélica que relata o social como formado exclusivamente pelo conjuntos de “socius” e o indivíduo como um animal político, o único ser vivo que através sua capacidade racionais e relacionais, é capaz de administrar e controlar o mundo ao seu redor.

Nós acordamos no fim do milénio passado como diante de um pesadelo. Perante a crise ecológica, o aquecimento global e a consequente consciência da possível próxima extinção da espécie humana, advertimos a falta de referências teóricas para compreender e analisar tais processo de transformação. De forma análoga, perante a difusão de formas de inteligência automatizada, das interações em plataformas e em blockchain, a nossa narrativa baseada na centralidade do humano e na sua autopoiética que o pensava como uma entidade independente das tecnologias e do meio-ambiente, nos apareceu como um conto de fadas. Nossa contemporaneidade é caracterizada por duas grandes transformações, duas mudanças radicais que começaram a influenciar e alterar as políticas e práticas de governos, empresas e organizações de todos os cantos do planeta.

Por um lado, o surgimento de uma nova cultura ecológica, gerada pela teoria de J. Lovelock (Teoria de Gaia) que, após a descoberta da influência do substrato geológico na regulação e manutenção dos equilíbrios climáticos, começa a descrever nosso planeta não mais como um globo terrestre, mas como um organismo vivo. Por outro lado, o advento de uma nova arquitetura de informação, não mais baseada em mídia, emissores, conteúdos e canais, mas organizada em redes e ecologias interativas que possibilitam a construção colaborativa de conteúdos e informações, apenas se forem habitadas. Em seguida do processo de confecção das coisas (internet das coisas), do gerenciamento algorítmico das relações nas redes sociais digitais, depois da organização não humana dos fluxos infinitos de dados (big data) e das formas de sensorização de superfícies e ecossistemas, o processo de digitalização deixou de ser apenas um fenômeno comunicativo para se tornar algo inédito.

Mais que um processo de virtualização, mas uma transformação de coisas, de estradas, de relações, de bosques, rios e cidades, em dados, desencadeou uma dimensão informatizada da realidade caracterizada por dinamismos digitais, baseada em processamento algorítmicos e por processos automatizados de fluxo de dados e informações. Em outras palavras, a dimensão da realidade e seus diferentes tipos de interação, assumiram uma natureza informativa e informatizada. A combinação dessas duas transformações qualitativas alterou nosso social não apenas em algo mais complexo, estendendo seus limites muito além da dimensão conhecida, mas contribuindo para inserir nele, como membros e atores interativos, os dispositivos conexão, dados, software, algoritmos, clima, florestas, rios, biodiversidade etc. A introdução do conjunto de entidades não-humanas como membros e atores vivos do nosso social, constitui o pretexto e a oportunidade para o re-questionamento de sua própria morfologia e, sobretudo, para repensar a mesma ideia ocidental de sociedade (societas).

A redução da arquitetura social aos indivíduos influenciou, não apenas nossa concepção de relacionamentos, mas, também, afetou as relações entre nós, os humanos, e o meio ambiente, determinando a consideração deste último como algo externo ao social, inanimado, objeto, matéria prima e paisagem. Mesmo no decorrer da história do desenvolvimento das ciências sociais, o significado e a mesma arquitetura da sociedade mantiveram, ainda que complexificando, sua estrutura antropomórfica.

Dentro destas disciplinas a arquitetura da sociedade e sua estrutura foram descritas, em suas diferentes interpretações, como a totalidade de relações e organizações fundadas por seres humanos, emanações de seus interesses, obedientes aos seus conceitos simbólicos e seus significados culturais, consequências do conjunto de regras desenvolvidas por estes ou expressão de suas formas de poder. No entanto, mesmo dentro deste paradigma, compartilhada pelos principais autores destas disciplinas, houve vozes discordantes e interpretações alternativas.

Entre estes, um dos mais famosa é certamente a única elaborada por Michel Serres, que, em diferentes obras, rejeita a ideia ocidental do caráter antropomórfico do social, baseada na distinção entre o homem e o meio ambiente. No Contrato natural, o filósofo francês defende a necessidade de superar a concepção iluminista de social antropomórfico, baseada na centralidade do humano. A crítica desenvolvida por ele não se voltou apenas para a concepção do social, mas para a ideia de ecologia dentro da qual, na tradição ocidental, está inserida:

Esquecemos a palavra ambiente (...) isso pressupõe que nós humanos estamos no centro de um sistema de coisas que gravitam ao nosso redor, umbigo do universo, proprietários e donos da natureza. Isso lembra uma época passada em que a terra colocada no centro do mundo refletia nosso narcisismo, esse humanismo que nos promove como único entre a diversidade de coisas (...) é, portanto, necessário, mudar de direção, abandonar o destino imposto da filosofia de Descartes (...)ou morte ou simbiose. (Serres, 2005, p. 90)

Continuando na mesma linha teórica, um de seus alunos, Bruno Latour, desenvolverá uma crítica precisa da ideia de sociedade através da formulação de duas questões principais:

Em vez da prisão social conceitual herdada da sociologia, sem nunca aprofundá-la em seu significado original". , aparece outro significado social, mais próximo do seu significado etimológico, que se refere à associação e vinculação ", neste -" O social não é mais composto de sujeitos, assim como a natureza não é mais composta de objetos [...] Quando falamos do social quantos somos quem somos? (Latour, 2005, p. 105)

No contexto das redes digitais transorgânicas e dentro das ecologias hiperconectadas de Gaia, as questões colocadas por Latour à sociologia ecoam fortemente, assumindo o sentido de uma urgência conceitual. Em nossa contemporaneidade, é necessário repensar a ideia de inclusão social, além dos seres humanos, os dados, os dispositivos que nos conectam às redes, as diferentes entidades que compõem a biosfera e toda a superfície conectada através de circuitos de informação digital.

Restringindo a discussão aos seres humanos e seus interesses, sua subjetividade, seus direitos, parecerá, em poucos anos, tão estranho quanto parece hoje ter limitado, no passado e por muito tempo, o direito de votar aos escravos, aos pobres e as mulheres.(Latour, 2005, p. 120)

Além do questionamento da ideia ocidental de sociedade torna-se necessário repensar a mesma composição do comum, isto é, a mesma ideia de ecologia produzida pela nossa tradição filosófica. As últimas gerações de conexão conectaram na rede, não apenas pessoas e tecnologias (redes sociais), mas também objetos (internet das coisas - IoT) territórios (sistemas informativos geográficos - GIS), biodiversidade e qualquer tipo de superfície (internet of everything), transformando todos os aspectos da realidade em dados e bits (Big Data).

Hoje, a Internet não é mais uma rede de computadores e assumiu dimensões globais, digitalizando parte da biosfera e criando uma quantidade incalculável de dados e conectando, através deles, as diferentes dimensões do globo. Os vários tipos de conexão e as diferentes formas de sensorização que hoje se estendem além das fronteiras da tecnologia e alcançam as florestas, o fundo do mar, os outros planetas e as estrelas, expressam as formas de outro tipo de ecologia e uma condição de alojamento que não está mais limitada a uma rede de informações transmitidas por computadores. A Internet não é mais uma rede técnica e não é mais apenas uma rede de pessoas e cidadãos: nos deparamos com o advento de uma nova conexão planetária, mas diferente daquela que uniu o conhecimento da inteligência humana ao mundo, conforme elaborado por Obra de P. Levy. As novas formas de conexão que se estabelecem após a Internet e que estão digitalizando a biosfera, estão nos transformando de cidadãos e habitantes de cidades, países e nações em habitantes de galáxias de bits. (Di Felice, 2017, p. 40).

Esse processo alterou nossa condição habitativa, disseminando um novo tipo de ecologia conectiva que se caracteriza como uma arquitetura reticular, dentro da qual cada integrante é, ao mesmo tempo, composto pelo conjunto de arquiteturas de rede informativas e produtor das mesmas, de acordo com o princípio emergente de ¨complexidade recursiva¨. Os movimentos ecologistas contemporâneos, a difusão do consumo e das culturas orgânicas, a pesquisa e a difusão de alternativas energéticas a partir de fontes renováveis, são expressões de uma profunda alteração de nossas condições de vida, que passou de uma dimensão política nacional e geográfica, para uma forma ecológico-informativa e interativa.

Ecologias Transorgânicas

"O meio ambiente deixou de ser um receptáculo neutro para nossas atividades”

(De Kerckove, 2012)

A relação entre as novas culturas ecológicas, ligadas à teoria de Gaia, e os processos de conexão produzidos pelas redes digitais, é mais estreita do que é comumente pensado e não se refere, apenas, à difusão de informações da consciência ecológica e à disseminação da cultura da sustentabilidade. O processo de digitalização parece propor o advento de uma interação que ocorre, não apenas no nível da linguagem humana, mas através da sinergia dos dados e informações emitidos em redes ecológicas interativas. A temperatura da água do oceano, o nível da espessura das geleiras, as alterações climáticas, são fenômenos que só podemos perceber e acompanhar através dos dispositivos de monitoramento digital e do conjunto de sensores que continuamente transmitem informações, dando voz a entidades não-humanas, através da elaboração de uma linguagem própria.

Essas informações tornam-se imagens e dados, que não expressam uma linguagem alfabética, mas algorítmica, alfanumérica e digital. Dessa forma, o surgimento de uma nova ecologia que conecta e permite a interação de diferentes entidades (humanas, minerais, animais, plantas etc.) está relacionada à ocorrência de um novo tipo de linguagem que reúne diferentes ¨alfabetos¨ - o dos dados, o dos códigos alfanuméricos, o dos algoritmos, o das imagens e das animações, etc. -, que deslocam a vida para além da dimensão antropomórfica da natureza e da ecologia alfabética. Como observado por D. De kerckhove "O meio ambiente deixou de ser um receptáculo neutro para nossas atividades. Como também é feito de informação, está se tornando inteligente e, através da mídia, visível" (De Kerchove, 2012, p. 82).

Evidencia-se a expressão de uma condição habitativa que não é mais urbana apenas, nem fisicamente definida, no qual o espaço e o meio ambiente não mais expressam as formas de uma paisagem externa, mas o conjunto de componentes informatizados, vivos e interagentes que compõem uma rede de redes.

Perceber a ecologia não mais como um ambiente, mas como um conjunto de redes que produz diversidade por meio da dinâmica autopoiética, define um novo tipo de interação comunicativa e uma nova forma de vida que não pode mais ser descrita pelas categorias de fluxos de comunicação que partem de um centro em direção ao exterior, ou seja, na direção de entidades separadas dispostas ao redor. Ao contrário, a comunicação em rede, típica dessas realidades, permite a criação de circuitos e interações que manifestam conexões e vínculos nem internos nem externos, nos quais as diversas entidades, dispositivos, plataformas e o território estão imersos, numa dimensão conectiva que os envolve e que, ao mesmo tempo, os constitui. Nessa perspectiva, a prática comunicativa não é mais a do sujeito em direção à natureza, mas a expressão de uma complexidade ecológica transorgânica, composta por circuitos informativos e materialidades de vários tipos. Uma infoecologia cuja qualidade transorgânica expressa as dimensões hibridas do infovíduo e da infomatéria. Assim, a superação da concepção antropocêntrica do social e o desenvolvimento da concepção de uma ecologia não mais composta por sujeitos e objetos, torna contemporânea a ideia de uma forma comunicativa de habitar4 que, inspirada na concepção do habitar de M. Heidegger, descreve cada entidade, humano e não-humano, não a partir da sua natureza, mas a partir da sua coabitação e do seu "ser-ser" (o ato).

Nestas novas ecologias é importante repensar a ideia de ação cuja redefiniçao numa prospectiva de interação transorgânica resulta importante para os estudos e as consequentes aplicações no âmbito educativo. Repensar e redefinir o significado do agir num âmbito conectivo, nos permitirá de avançar na análise e na recolocação das práticas de interações no âmbito das ecologias de aprendizagem.

Literacias de Mídia e Informação e a Transliteracia

Com o advento das redes interativas digitais assistimos ao comparecimento de um inédito tipo de ação, não mais realizada pelo sujeito ator, apenas, mas desenvolvida em redes interativas, parecida a um “ato” (realizado tecnologicamente, desenvolvido em interações com dispositivos e circuitos informativos) capaz de estabelecer uma nova forma de contratualidade5, não mais apenas social e antropomórfica, mas resultante de dinâmicas plurais e colaborativas. A dimensão reticular do agir deve ser, portanto, pensada não a partir do conceito de ação que remete a um agir dinâmico e transitivo, mas a partir do ato, isto é, da forma imprevisível e intensa que se desenvolve em seguida das conexões. A etimologia grega da palavra αίων remete a um dúplice significado: o primeiro faz referência ao “ato”, de breve duração; o segundo indica a medula espinhal, enquanto morada da vida e origem da fertilidade. A substituição da ideia de ação com o ato nos permite pensar o agir como uma firma vital do ecossistema social que se exprime e advém através de suas conexões ecossistêmicas. A dimensão ecológica do ato conectivo nos direciona, portanto, para o advento de um agir reticular emergente que exprime sua qualidade principal no seu dinamismo interativo e, portanto, não na sua essência, nem em sua finalidade, mas na sua emergência conectiva e transorgânica.

A ação reticular apresenta-se, enfim, como um conjunto de atos oriundos de diversas naturezas e como um convite a adquirir a nossa própria humanização mutante, a partir da nossa perda conectiva6. A mudança da nossa ecologia e da ideia de ação são os pressupostos para a introdução de práticas de ensino não mais centrada no sujeito ator, como o centro do processo de aprendizagem. A este substituem-se redes interativas de inteligências e informações, capazes de produzir através sua interação, conteúdos e processos inovativos.

A reboque desse cenário de inteligências interativas, o campo da educação em intersecção com a comunicação e as tecnologias digitais passa a questionar quem está integrado na ação. O campo epistêmico pedagógico tende a nomear seus actantes humanos como o centro do dinamismo do conhecimento, enquanto que, em uma era de dados, falar do protagonismo unicamente antropocêntrico é se furtar da análise da influência de uma realidade construída por dados. Na tentativa de estudar essa área sob um outro espectro teórico, chegamos ao alvorecer da teoria das literacias, uma interpretação da educação que foge ao viés antropocêntrico.

Argumenta-se que nos últimos anos tem-se utilizado um outro termo para designação das habilidades do Século XXI: a palavra “literacias”. Aparentemente, os termos alfabetização e letramento não comportavam o devir tecnológico que se acompanhava com a digitalização, muito explicado pela visão periférica que ocupavam os não-humanos. É presumível que a tecnologia deixa sua dimensão instrumental em direção a uma perspectiva em que o humano não é capaz de controlá-la, pois ela se instaura como uma possibilidade de desvelar outras humanidades em um ecossistema auto-eco-organizado. É a crível revogação de um humanismo antropocêntrico, que ao criar um espaço de consciência ecológica abre a um novo tipo de inteligência conectiva.

Nossa inteligência emana de sujeitos humanos e não-humanos que habitam a informação ao mesmo tempo em que se habita o espaço físico. Como visto, o embarque pela tecnologia contemporânea conecta um sistema de entidades existentes e rastreáveis (pela emissão de informações). Com o digital é possível escutar a polifonia de actantes em rede que versam a melodia complexa da biosfera composta por humanos e não-humanos.

Na brochura “Diretrizes Políticas e Estratégicas em MIL”, de 2013, é feita a sumarização do processo da UNESCO em cunhar o conceito de Literacia Midiática e Informacional abordando a educação como forma de potencializar o cidadão, jovem ou adulto, a ser protagonista de seu próprio contexto e um sujeito ativo em sua comunidade ou sociedade.

No documento referenciado, é esclarecido que “literate” em sua covalência ao termo “alfabetização” ou “letramento” se refere à habilidade básica de escrever sobre uma superfície com uma caneta, pincel ou lápis para compreender a informação ali representada. Com o advento da prensa e a subsequente educação de massa e bem recentemente, a Internet, o conceito “literacy” foi reelaborado e expandido, se distanciando de seus sentidos originais, se referindo a novas habilidades e competências em um cenário de ação descentralizado.

As literacias nunca foram mais necessárias para o desenvolvimento; é a chave para a comunicação e para o aprendizado em todos os tipos de condições de acesso das sociedades do conhecimento (2013, p. 44).

Agora, “literacy” inclui a compreensão crítica associada com características dos formatos particulares de dados, bem como com o processo cognitivo, com o conhecimento e com atitudes e habilidades necessárias na sociedade do conhecimento do Século XXI. Em 2005, a UNESCO lançou uma nova acepção de “literacy”:

Literacia é a habilidade de identificar, compreender, interpretar, criar, e computar, usando materiais impressos e escritos associados em variados contextos. Ela envolve um aprendizado contínuo em possibilitar que indivíduos alcancem seus objetivos, desenvolvam seus conhecimentos e potenciais para participar de uma comunidade e da sociedade (UNESCO, 2013, p.45)

Nos últimos anos tem-se utilizado um outro termo para designação das habilidades do Século XXI: a palavra “literacia”. Algumas disparidades estão presentes na esfera do termo, que são frutos, também, da emergência do contemporâneo conectado em países com diferentes realidades econômicas, políticas e culturais. A UNESCO reconhece que não sabe o impacto que as tecnologias emergentes e sua potencial convergência pode ter em cada indivíduo no futuro, bem como sobre a comunicação e a construção das sociedades do conhecimento.

Bonami (2016) promoveu um estudo que cartografou desde 1948 até 2016 documentos da Organização das Nações Unidas (e suas divisões como UNESCO, UNAOC e UNICEF) que contribuíram na formulação do conceito de Literacia Midiática e Informacional. Segundo a autora, é crível sublinhar alguns dos principais pontos que se apresentaram como determinantes nesse processo de conceituação.

  • A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), principalmente em seus artigos 19º e 30º;

  • A Recomendação de 1974 que promove a educação em direitos humanos em uma dimensão global e crítica;

  • A Declaração de Grünwald (1982) que promove a formação dos professores em mídia educação;

  • A Declaração de Jomtiën (1990) que tem preponderância na promoção da erradicação do analfabetismo;

  • A Declaração de Toulouse (1990) que introduz e defende as literacias de mídia (ao invés de mídia educação) e define diretrizes para sua aplicação nos países;

  • A Declaração do Projeto 2000+ (1994) que enfatiza a importância das literacias científicas e tecnológicas;

  • A Recomendação de Viena (1999) que estabelece uma relação entre a mídia educação e os novos arranjos digitais e assinala a necessidade de uma Clearinghouse sobre esse tema;

  • A Recomendação de Sevilha (2002) que lança 5 áreas de desenvolvimento de políticas em mídia educação;

  • A Declaração de Praga (2003) que cita as literacias da informação em associação com a mídia e a ecologia digital;

  • As Cúpulas Mundiais da Sociedade da Informação em suas duas fases (2003 e 2005) que estabeleceram os desafios da sociedade da informação e a importância de se transformar o fosso digital em oportunidade digital;

  • A Declaração de Alexandria (2005) que assinala as literacias da informação como os faróis da sociedade da informação;

  • A Agenda de Paris (2007) que estabelece 12 recomendações para a mídia educação e toca na necessidade da interdisciplinaridade com a informação;

  • O Currículo de Formação de Professores em Literacia de Mídia e Informação (2008) que cita o termo literacia de mídia e informação (MIL) e direciona suas recomendações aos educadores;

  • O Encontro de Bangkok para Criação de Indicadores em MIL (2010) que define o conceito de literacia de mídia e informação e suas diferentes aplicabilidades em áreas do conhecimento;

  • O Fórum Internacional de Fez sobre MIL (2011) que versa sobre as MIL como um direito humano e no mesmo ano a Recomendação da IFLA propõe a incorporação das MIL no currículo formal;

  • A Declaração de Moscou (2012) que expande o espectro das MIL para além das TIC, e propõe como agente principal das MIL o diálogo intercultural;

  • O GAPMIL, lançado em 2013 na tentativa de unificar as iniciativas para que dialoguem entre si e no mesmo ano, o documento Diretrizes Políticas e Estratégicas em MIL que apresentam a ecologia das MIL para introduzir o conceito de transliteracy;

  • O Primeiro Fórum Europeu sobre MIL (2014), o ponto de partida dessa pesquisa, que afirma as MIL como habilidades do cidadão democrático e empoderado do Século XXI e estabelece a associação concreta com o diálogo intercultural; e

  • O Relatório da Global MIL Week de 2016, em São Paulo, que defende as MIL não como uma questão de tecnologia isolada, mas uma questão de cultura. Mapeou a existência de leis no Brasil, na Argentina, nas Bahamas, no México e na Jamaica e recomenda a criação de diretrizes políticas, recursos para implementação legal e a criação de plataformas de discussão sobre as MIL. (Bonami, p. 171, 2016)

Essa sumária progressão acima compõe as diferentes parcelas do conceito tal como ele se articula hoje. A literacia midiática e informacional se assinala através desses documentos e, presumivelmente, se constroem nesse processo. A UNESCO (2013) agrega o que ela nomeia como “Ecologia das Literacias de Mídia e Informação” e demonstram uma mandala de habilidades que são desenvolvidas conjuntamente com as MIL.

Fonte: UNESCO, 2013, p 189.

Figura 1 

A variedade de dimensões e leituras sobre essa perspectiva, contribuíram para a UNESCO expandir o termo de literacia de mídia e informação para o conceito de transliteracy (que pode ser traduzido como transliteracia). A discussão acerca do termo (entre alfabetização, letramento e literacia) é importante, para que sua articulação não seja inapropriada ou mesmo dicotômica, levando em consideração que o estudo do conceito tem como principal objetivo a capacidade de transmissão dos seus princípios e seu potencial social (humano e não-humano).

A profundidade e a complexidade do campo aparentam legitimar a discussão terminológica, que se apresenta como um diálogo transdisciplinar entre as áreas da Comunicação, da Educação e da Informação. Tal como proposto acima, esse diálogo é construtivo quando visa o fortalecimento dos princípios do termo e reforça os laços com outras áreas interdisciplinares.

O tópico da separação determinista entre as áreas de conhecimento da ciência é abordado por autores que, ao longo do Século XX, se dedicaram a investigar a dissolução das barreiras do conhecimento, na tentativa de estipular um fim para pelo menos um dos problemas fundamentais da Teoria do Conhecimento. Sob esta pauta, exploramos, novamente, o trabalho de Bruno Latour que se dedicou a questionar as raízes da palavra “Social” e o porquê da situação do Social e do Natural em polos opostos.

Como já foi citado nesse artigo, Latour inicia seu estudo questionando a questão da modernidade e, através de sua famosa frase “Jamais Fomos Modernos” (título de seu livro de 1994), adverte que por mais que a seta do tempo tenha progredido em sua força avassaladora, a esfera humana ainda se detém a comportamentos e demarcações conservadoras, por isso jamais se é moderno mesmo habitando a pós-modernidade. Segundo o autor, a modernidade veio para romper barreiras e reivindicar outras faculdades do pensamento que questionassem o conhecimento como um tratado lógico clássico.

O autor traça uma análise entre os trabalhos de Robert Boyle (fundador da ciência química) e Thomas Hobbes (fundador das ciências políticas) para demonstrar que as separações entre o Polo Social e o Polo Natural são infrutíferas. Explica que o método de observação/atenção aos fenômenos da natureza como uma lente da verdade não é suficiente, pois esses próprios fenômenos careciam de sua reprodução em um espaço inerte (o laboratório) para serem analisados distante das variáveis naturais, ou seja: mesmo fenômenos naturais são fabricados artificialmente.

Esse argumento é estendido para as ciências políticas, ponto em que Latour alega que a situação do homem em sociedade e de suas proposições (em forma de tratados e constituições) são também artificiais, já que são uma criação antropocêntrica que tentam assegurar o domínio da verdade. Latour coloca então o conceito de “verdade de fato” (matter of fact) e sua tentativa de entender o que se a conhece concretamente sobre a composição da verdade, já que aquilo que os humanos se dedicam a observar, é fabricado (seja na natureza ou na sociedade).

Latour desenha os Polo Social e Polo Natural como a herança da modernidade e descreve as tentativas da Era Pós-Moderna em romper com essas barreiras. Ele estabelece os trabalhos executados pela modernidade nessa tarefa: purificação, tradução, mediação e proliferação. Esses quatro trabalhos dizem respeito ao julgamento da essência dos objetos de estudo respectivos a cada área. Mas seu foco principal é sedimentado sobre o trabalho de proliferação de híbridos. Explica: durante o processo de purificação existiam objetos que não poderiam ser nem do polo social e nem do polo natural com características que ora se encaixavam em um polo, ora em outro.

Isso levou à formulação da categoria de híbridos, que por encaixarem em duas naturezas, não poderiam ser inclusos em nenhuma delas. Enquanto a modernidade estava devidamente ocupada com o serviço de purificação das essências, passou despercebida a proliferação dos híbridos, que alicerçaram o caminho para a pós-modernidade. Os híbridos são entidades que não podem ser nem caracterizadas como humanos (oriundos do Polo Social) ou objetos/não-humanos (oriundos do Polo Natural) e com sua proliferação tornou-se impassível o trabalho de purificação (por uma questão de alta quantitativa) e foi preferível o julgamento de suas ações antes que de sua essência.

A partir disso, Latour definiu como ator (ou actante) tudo que age e formulou a Teoria Ator-Rede. Posteriormente, inspirado na estrutura literária da obra de Thomas Kuhn, Bruno Latour concebe sua obra “Ciência em Ação” com foco na narrativa de revoluções científicas, estabelecendo os diferentes actantes envolvidos na construção de um fato científico. Latour lamenta o desinteresse generalizado na construção da ciência, alegando que pesquisadores e demais interessados estão demasiadamente comprometidos na defesa do fato científico, sobrando pouco tempo para estuda-lo. Contudo, reconhece a importância do estudo dos procedimentos metodológicos, alegando que somente através dessas regras é possível entender os adventos da ciência.

A questão da complexidade dentro do campo de conhecimento não depende de seu nível técnico ou científico. Outrossim da quantidade de associações que ele é capaz de desenhar. A concepção de complexidade trabalhada por Latour se assemelha com a de Edgar Morin, no qual o complexo é diretamente proporcional ao princípio orgânico de atuação: processos não lineares que obedecem a lógicas das coisas vivas. Essa narrativa pode ser chamada como a Ecologia da Ação dentro da Ciência.

Ecologia opera como um empréstimo metafórico das Ciências Biológicas. Essas relações consignadas entre os Campos do Saber aparentam auxiliar as narrativas de fenômenos que o homem tem, tradicionalmente, dificuldade em descrever. Utilizar a expressão “ecologia” é entender que o papel desempenhado pelo humano é relevante, porém nem sempre ocupa a centralidade do fato científico. Latour enfatiza essa característica quando se dedica a entender o quanto as agências de fomento são participativas nas revoluções paradigmáticas analisadas por ele e nelas operam humanos, leis, formulários, fundos de financiamento, entre outros actantes.

No tocante desse estudo, a ecologia de interações opera nas translações entre atos humanos e não-humanos, dados e diferentes ambientes informacionais. Nossa interpretação humanocêntrica sobre o processo educativo cai em desuso quando focamos a atenção naquilo que age e não naquilo que simplesmente acusa uma existência. No âmbito pedagógico se apresentam estudantes, educadores, conteúdos, materiais, ambientes físicos escolares, informações, redes digitais sociais, dados que influenciam cadastros sistêmicos e os planejamentos de aula. A integração dessas mais variadas naturezas nos leva a perceber que o ensino carece de um pós-olhar sobre suas categorias e até a questionar algumas de suas estruturas operacionais, como as disciplinas.

Entender quem ou o que são os actantes envolvidos numa certa área de conhecimento é de relevância questionável e o autor afirma que a atenção pode ser direcionada à força ou fragilidade dos laços que se estabelecem entre essas entidades, já que a “única questão em comum é aprender quais associações são mais fortes e quais são mais fracas. Nunca estamos diante de ‘ciência, tecnologia e sociedade’, mas sim de uma gama de associações mais fortes e mais fracas” (Latour, 2011, p. 221). Essa dinâmica de agregação e desagregação em torno do fato científico vai dar origem ao movimento de “translação” que, segundo Latour, é o deslocamento entre os domínios de conhecimento ou, como o próprio autor coloca, entre a ciência, tecnologia e sociedade.

Agora deve estar claro por que usei a palavra translação. Além de seu significado linguístico de tradução (transposição de uma língua para outra), também tem um significado geométrico (transposição de um lugar para o outro). Transladar interesses significa, ao mesmo tempo, oferecer novas interpretações desses interesses e canalizar as pessoas para direções diferentes. [...] O resultado de tais translações são um movimento lento de um lugar para outro (Latour, 2011, p. 183)

A translação se comporta como uma ação de deslocamento e aparenta alicerçar a noção de transdisciplinaridade. Partimos da interpretação de Latour na circunferência de ação do fato científico, é interessante percebermos como fatos, opiniões, objetos de estudo, pesquisadores e teorias navegam pelos rastros dinâmicos atribuídos entre as disciplinas da ciência. Segundo o autor, perceber que o ambiente em que se produz a ciência é orgânico (no sentido de seguir a lógica das coisas vivas) gera o acumulo do conhecimento.

Conclusão: incertezas finais

O panorama da hiperconectividade das redes em espaços informativos multidimensionais exige um novo conjunto das nossas habilidades e competências que leve em consideração a descentralização do ato humano. As novas arquiteturas de informação e interação oferecem uma experiência autônoma e libertária, fenômeno ilustrado pelas redes sociais, blogs e outras interfaces de produção de conhecimento disponíveis na rede digital mundial. Com isso, pesquisas defendem um divórcio das conotações industriais das mídias, informações e tecnologias digitais, em prol de serem trabalhadas como novas formas de raciocínio e extensão de actantes. Os novos fenômeno e perspectivas relatados nesse estudo exigem novas competências e habilidades e por isso é preciso encorajar os cidadãos a desenvolvê-las e os educadores a promove-las.

Hoje, pensar no ensino não é somente considerar a interface entre professor e aluno: é entender que as palavras designadas nesse processo carregam sentidos que podem dissimular as acepções da tecnologia e da construção coletiva do conhecimento. Da mesma maneira como se usa o prefixo “pós” para revogar categorias do humanismo, ou o termo “hibridismo” para abordar as agregações controversas de entidades indistintas, as expressões “alfabetização” e “letramento” carecem de um pós-olhar sobre seus significados. Seus sentidos enrijecidos levam à denotação de processos instrumentais de apreensão de mundo, deixando a extensão conectiva do sujeito como um fator subjetivo e não o objetivo principal.

É nesse caminho que introduzimos a teoria das “literacias” como uma visão descentralizada do desenvolvimento de habilidades que aprimoram ações humanas e não-humanas em arquiteturas de interação de dados. Na mesma senda, articulamos as transliteracias como a possibilidade de dissolução da categorização do conhecimento para o desenvolvimento do campo do saber da educação em interação com a comunicação, a informação e as tecnologias digitais.

Pelo conceito de translação de Latour, reconhecemos a Educação como uma arquitetura informativa que favorece a multiplicação dos híbridos, se apresentando como a base da transdisciplinaridade.

O que se chama ‘conhecimento’ não pode ser definido sem que se entenda o que significa a aquisição do conhecimento. Em outras palavras, ‘conhecimento’ não é algo que possa ser descrito por si mesmo ou por oposição a ‘ignorância’ ou ‘crença’, mas apenas por meio do exame de todo um ciclo de acumulação (Latour, 2011, p. 343)

Respondendo parte da pergunta que inicia o estudo deste artigo, nós cientistas somos porta-vozes de nossos objetos de estudo. Latour questiona a separação estanque entre o sujeito pesquisador e o objeto pesquisado, alegando que essa expectativa não se cumpre, a não ser que o cientista não se envolva com seu experimento, o que poderia resultar em uma pesquisa de má qualidade. Quando se inicia um ciclo científico, Latour aconselha que o pesquisador se questione por quem ele está falando, já que ele é o representante daquilo que estuda. Cabe ao campo da educação se questionar: por quem estamos falando? Como estamos falando por eles? E por quê?

Referências

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DE KERCKOVE, D. 2012. A pele da cultura, S. Paulo, Annablume. [ Links ]

DI FELICE, M. 2017. Net-ativismo, da açao social para o ato conectivo, Ed. Paulus, Sao Paulo. [ Links ]

FLORIDI, L. 2014. Te fourth revolution, Oxford Press.. [ Links ]

LATOUR, B. 1994. Jamais Fomos Modernos. São Paulo: Ed 34. [ Links ]

LATOUR, B. 2005. Reassembling the social: an introduction to actor-network theory, New York, Oxford University Press. [ Links ]

LATOUR, B. 2011. Ciência em Ação. São Paulo: UNESP. [ Links ]

MORIN, E. 2015. Introdução ao Pensamento Complexo, Editora Sulina. [ Links ]

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SERRES, M. 1990. Le contrat Naturel , éditions François Bourin. [ Links ]

UNESCO. 2013. Diretrizes Políticas e Estratégicas. Relatório de Bangkok. [ Links ]

3Baseado na concepção de Jurgen Habermas sobre a materialidade do agir comunicativo.

4Referimos aqui a Di Felice (2012).

5Ver a respeito no texto de M. Serres (1990).

6Neste âmbito o centro internacional de pesquisa Atopos abriu um novo campo de estudo denominado net-ativismo. Nao um campo disciplinar mas um campo de forças, no sentido atribuído a este na física por Maxwell. Isto è, um campo no interior do qual convergem visões e interpretações diversas, oriundas das mais diversas disciplinas, que se proponham de abordar a descrição da qualidade da ação no âmbito das redes digitais e nas arquiteturas conectivas.

Recebido: 28 de Maio de 2019; Aceito: 01 de Novembro de 2019

1

Livre Docente na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo/ECA-USP. Diretor do Centro Internacional de Pesquisa Atopos.

2

Doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo/ECA-USP.

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