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vol.16 número43FORMACIÓN INICIAL DE PROFESORES Y LA PRÁCTICA SUPERVISADA: ¿EXPERIENCIA FORMATIVA?INTERNACIONALIZACIÓN DE LA INVESTIGACIÓN Y PRODUCCIÓN DE CONOCIMIENTO EN EDUCACIÓN DEL CAMPO DEL ÁREA DE EDUCACIÓN DE LA REGIÓN NORESTE (2013-2020) índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
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Revista Práxis Educacional

versión On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.16 no.43 Vitória da Conquista dic. 2020  Epub 24-Nov-2023

https://doi.org/10.22481/rpe.v16i43.6285 

DOSSIÊ TEMÁTICO: Formação inicial de professores em contextos escolares e binômio teoria/prática nos estágios supervisionados

O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO: INTERFACE ESCOLA/UNIVERSIDADE MEDIADA POR ALUNOS ESTRANGEIROS

SUPERVISED CURRICULAR INTERNSHIP: SCHOOL/UNIVERSITY INTERFACE MEDIATED BY FOREIGN STUDENTS

PRÁCTICAS CURRICULARES SUPERVISADAS: INTERFAZ ESCUELA/UNIVERSIDAD MEDIADA POR ESTUDIANTES EXTRANJEROS

Ana Cristina de Moraes1 
http://orcid.org/0000-0002-8650-8272

João Pereira da Silva2 
http://orcid.org/0000-0001-7328-9974

Maria Cleide da Silva Ribeiro Leite3 
http://orcid.org/0000-0003-4054-7257

1Universidade Estadual do Ceará - Brasil cris.moraes@uece.br

2Universidade Estadual do Ceará - Brasil jopesil99@hotmail.com

3Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - Brasil arapiuna@yahoo.com.br


RESUMO

Este texto investiga as contribuições e os desafios do Estágio Curricular Supervisionado do curso de licenciatura em Letras da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB, na formação inicial de professores estrangeiros. O advento da UNILAB, na Região do Maciço de Baturité, estado do Ceará, oportuniza a integração de estudantes nesta localidade, principalmente vindos do continente africano e asiático que formam a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP. Seu projeto de formação inicial de professores oportuniza essa integração especialmente por meio do Estágio Curricular Supervisionado. Nestas circunstâncias, selecionamos estudantes estrangeiros do curso de licenciatura em Letras como colaboradores da pesquisa, por meio desse Componente Curricular. Os estagiários em foco atuaram em duas Escolas públicas de Ensino Médio situadas nas cidades de Redenção e Acarape. Para realização da investigação, recorreu-se a abordagem qualitativa, o método estudo de caso e a análise documental do Projeto Pedagógico do Curso de Letras - PPC, aliada com técnicas de entrevista e observação. Os resultados detectaram fragilidades na organização didático-pedagógica do PPC do Curso de Letras, em razão da ausência de orientações especificas ou qualquer indicativo norteador de programas ou ações acadêmicas voltadas aos estagiários estrangeiros. Concluiu-se que esses estudantes enfrentam desafios variados na mediação pedagógica do Estágio Supervisionado, sobretudo, no período da regência, evidenciados nos costumes, atitudes e gestos, e no uso da própria língua, dada a caracterização linguística do estagiário estrangeiro no país de origem.

Palavras chave: Diversidade Afro-Brasileira; Estágio Supervisionado; Formação Inicial

ABSTRACT

This text investigates the contributions and challenges of the Supervised Curricular Internship of the degree in Letters course of the University of International Integration of Afro-Brazilian Lusophony - UNILAB, in the initial training of foreign teachers. The advent of UNILAB, in the Baturité Massif Region, state of Ceará, provides the integration of students in this locality, mainly from the African and Asian continent that form the Community of Portuguese-speaking Countries - CPLP. Its initial teacher training project provides this integration especially through the Supervised Curriculum Internship. In these circumstances, we selected foreign students from the degree course in Letters as collaborators of the research, through this Curricular Component. The trainees in focus worked in two public high schools located in the cities of Redemption and Acarape. To conduct the investigation, the qualitative approach, the case study method and the documentary analysis of the Pedagogical Project of the Course of Letters - PPC, allied with interview and observation techniques were used. The results detected weaknesses in the didactic-pedagogical organization of the PPC of the Course of Letters, due to the absence of specific orientations or any guiding indication of academic programs or actions aimed at foreign interns. It was concluded that these students face varied challenges in the pedagogical mediation of the Supervised Internship, especially in the regency period, evidenced in customs, attitudes and gestures, and in the use of their own language, given the linguistic characterization of the trainee in the country of origin.

Keywords: Afro-Brazilian Diversity; Initial Training; Supervised Internship

RESUMEN

Este texto investiga las contribuciones y impugnaciones de la Pasantía Curricular Supervisada del curso de Letras de la Universidad de Integración Internacional de la Lusofonía Afrobrasileña - UNILAB, en la formación inicial de profesores extranjeros. El advenimiento de UNILAB, en la región del macizo de Baturité, estado de Ceará, proporciona la integración de los estudiantes en esta localidad, principalmente del continente africano y asiático que forman la Comunidad de Países de Lengua Portuguesa - CPLP. Su proyecto inicial de formación del profesorado proporciona esta integración, especialmente a través de la Pasantía de Currículo Supervisado. En estas circunstancias, seleccionamos a estudiantes extranjeros del curso de grado en Letras como colaboradores de la investigación, a través de este Componente Curricular. Los aprendices en foco trabajaban en dos escuelas secundarias públicas ubicadas en las ciudades de Redemption y Acarape. Para llevar a cabo la investigación, se utilizó el enfoque cualitativo, el método de estudio de caso y el análisis documental del Proyecto Pedagógico del Curso de Letras - PPC, aliado con técnicas de entrevista y observación. Los resultados detectaron debilidades en la organización didáctica-pedagógica del PPC del Curso de Letras, debido a la ausencia de orientaciones específicas o cualquier indicación guía de programas académicos o acciones dirigidas a pasantes extranjeros. Se llegó a la conclusión de que estos estudiantes se enfrentan a desafíos variados en la mediación pedagógica de la Pasantía Supervisada, especialmente en el período de regencia, evidenciado en costumbres, actitudes y gestos, y en el uso de su propia lengua, dada la caracterización linguística de la práctica en el país de origen.

Palabras clave: Diversidad Afro-Brasileña; Entrenamiento inicial; Pasantía supervisada

Introdução

A escola e a universidade são duas instituições de extrema importância na formação dos profissionais que pretendem trilhar o caminho do magistério. Entre essas duas entidades, cria-se um círculo de idas e vindas, principalmente da escola, onde o aluno começa e sai para ingressar na universidade com a possibilidade de retornar a escola na condição de estagiário de docência. Inicialmente, observador, depois estagiário com mediação supervisionada com o intuito de galgar qualificação para atuação profissional na docência.

Tardif (2008) aponta-nos pistas para a formação inicial e propõe que seja construído um repertório de saberes baseado no estudo dos saberes práticos dos professores, como forma de fundamentar a formação universitária dos alunos. Propõe ainda a composição de um conjunto de saberes úteis ao trabalho docente, com uma real articulação entre teoria e prática. Em linhas gerais, esse autor sugere que criemos uma epistemologia da prática, sendo que o componente curricular Estágio Supervisionado alinha-se muito bem com essa perspectiva:

A finalidade de uma epistemologia da prática profissional é revelar esses saberes, compreender como são integrados concretamente nas tarefas dos profissionais e como estes os incorporam, produzem, utilizam, aplicam e transformam em função dos limites e dos recursos inerentes às suas atividades de trabalho. Ela também visa compreender a natureza desses saberes, assim como o papel que desempenham tanto no processo de trabalho docente quanto em relação à identidade profissional dos professores. (TARDIF, 2008, p. 256).

Com base num cenário formativo que intenta o constructo dessa epistemologia da prática (THERRIEN, 2010) por meio do Estágio, fruto de reflexões permeadas por uma pesquisa1, este artigo foi delineado. Tendo em vista que os modos de intervenção educativa referem-se a uma “[...] racionalidade constituída de conhecimentos, motivos e intencionalidades que condicionam a postura do mediador perante o aprendiz, delineia-se uma racionalidade conceituada como pedagógica e estruturante dos processos de formação [...]” (THERRIEN, 2010, p. 308). Nesse caminho de busca epistemológica, esta pesquisa teve como objetivo investigar as contribuições e os desafios do Estágio Curricular Supervisionado do Curso de licenciatura em Letras da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB, para a formação inicial de docentes estrangeiros.

Criada pela Lei N° 12.289/2010, a UNILAB, tem como premissa o desenvolvimento regional e a integração entre o Brasil e os países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP, sobretudo os países africanos e o Timor Leste. O advento da UNILAB trouxe, assim, para a região do Maciço de Baturité pessoas de origem estrangeira.

Mediante a situação e a real possibilidade do projeto de formação de docentes, surgiu à ideia de investigarmos o Estágio Curricular Supervisionado, com os alunos estrangeiros em razão do movimento diásporo. Os estudantes africanos deixam o seu continente de origem, e se deslocam ao Brasil em busca de qualificação profissional e formação acadêmica.

A legalização do fluxo migratório estudantil vem acontecendo nos termos de cooperação internacional, fundamentados no Decreto presidencial nº 7.948/2013 conforme o Ministério das Relações Exteriores, junto ao Ministério da Educação - MEC - e as Instituições de Ensino Superior - IES. Ao concluir a formação inicial, os estudantes africanos retornam aos países de origem com finalidade de contribuir com o desenvolvimento local, através da sua atuação profissional.

Neste contexto, a formação inicial de futuros professores da UNILAB ganhou relevância social e se tornou importante fenômeno de investigação dado às experiências culturais e a realocação do espaço temporal dos estudantes estrangeiros. Como objeto desta investigação, priorizamos a participação dos estudantes estrangeiros por constituir um diferencial no Estágio Supervisionado. Considerando ser este componente curricular um espaço que tem oportunizado robustez a formação, a produção do conhecimento e a disseminação cultural.

Desta feita, o Estágio Supervisionado nas licenciaturas da UNILAB tem aproximado estudantes, brasileiros, africanos e do Timor Leste como um componente curricular que fomenta conhecimentos a ação do futuro professor. O que tem fortalecido a parceria entre a escola e a universidade, ressignificando os processos de ensino e de aprendizagem.

Considerando as escolas de Ensino Médio de Acarape e Redenção um campo de pesquisa e a parceria existente com a UNILAB, buscamos saber quais as contribuições e os desafios do Estágio Curricular Supervisionado do Curso de licenciatura em Letras para a formação Inicial de docentes estrangeiros.

Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa de natureza qualitativa por meio de um estudo de caso múltiplo. Participaram da pesquisa três (03) estudantes estrangeiros do Curso de Letras, selecionados conforme o critério de serem de países diferentes: Angola, Guiné Bissau e Timor Leste. A pesquisa foi realizada em duas escolas públicas de Ensino Médio, uma localizada na cidade de Acarape e a outra no município de Redenção, isto é, municípios sede da UNILAB. Utilizamos como técnica de coleta, a entrevista semiestruturada e a observação para o registro das evidências, além de fazermos a análise documental no Projeto Pedagógico do Curso de Letras - PPC.

Desta feita, o trabalho foi estruturado da seguinte forma: marco teórico com as categorias centrais, o percurso metodológico que respaldou a pesquisa e por fim, os resultados e as discussões conclusivos.

O Estágio Curricular Supervisionado como suporte da formação docente

O Estágio Curricular Supervisionado tem se configurado um ponto de encontro entre a pesquisa, o ensino e a extensão, ao ser desenvolvido nas Escolas de Ensino Médio da região do Maciço de Baturité. Constituindo-se, numa oportunidade de qualificação para a profissão docente. Assim, tem permitido reflexão e aprendizagem aos professores e futuros docentes em meio às práticas cotidianas.

Pimenta e Lima (2017) sustentam que o estágio é um dos mecanismos que possibilitam um estreitamento entre aqueles que ainda não exercem o magistério com outros que já possuem experiência na atividade docente. O estágio vem proporcionar uma nova vivência ao estudante que pretende adentrar em uma sala de aula. Para tanto, faz-se necessário que esse estudante busque desde a graduação uma forma reflexiva de perceber o elo estabelecido entre a teoria e a prática e que a sala de aula possa ser um campo de pesquisa, pois dessa forma:

A prática pela prática e o emprego de técnicas, sem a devida reflexão, podem reforçar a ilusão de que há uma prática sem teoria ou uma teoria desvinculada da prática. Essa compreensão tem sido traduzida, como se estivesse desvinculada de uma visão de mundo, de educação e de docência. (LIMA, 2012, p.28).

Para Lima (2012), é de extrema importância compreender o professor como um intelectual em um processo contínuo do conhecimento, há uma necessidade de se ter a educação como um processo de crescimento da humanidade, considerando o contexto histórico situado, criando possibilidades para que a teoria ilumine a prática de forma reflexiva ao ponto que esta se torne ressignificada.

Pimenta e Lima (2017) remetem-nos a uma reflexão muito relevante em relação ao estágio como campo de pesquisa. Segundo as autoras, essa situação ocorre em grupos isolados, o que nos faz entender que precisamos fortalecer nossas bases com o objetivo de propiciar uma melhor formação.

Lima (2012) considera que tirar do papel a proposta de ensinar com pesquisa é um desafio. Concordamos plenamente com o que diz a pesquisadora. Na verdade, conseguir fazer as duas coisas simultâneas, tornam-se mais que um desafio. O professor quando no exercício de sala de aula, parece limitado diante de muitas situações enfrentadas no dia a dia. Conciliar a pesquisa e a rotina da sala parece coisas muito distintas e difíceis de serem executadas. A sala de aula é um vasto campo de pesquisa, portanto conforme enfatiza a autora, essas ações precisam ser bem planejadas. Os estagiários necessitam dar um retorno para a universidade para que juntos aos professores e demais pesquisadores possam estreitar a relação entre escola e ensino superior que às vezes demonstram certo distanciamento.

Lima (2012) sintetiza o Estágio como sendo o espaço junto à pesquisa que por excelência é o momento propício para a reflexão mais apurada acerca da carreira docente. É a hora de o futuro profissional rever conceitos, perceber se é realmente essa profissão que quer abraçar para sua vida. É o momento oportuno de compreender o que é ser professor, na condição que poderá acertar, errar e, principalmente, a certeza de um eterno aprendiz da magnífica profissão de ser educador, multiplicador de saberes e responsável por ajudar a realizar grandes sonhos de variadas pessoas, que muitas vezes, nem acreditam que são capazes.

O Estágio Supervisionado conforme Lima (2012) é um tempo de aprendizagens ligadas ao Projeto Pedagógico de um determinado Curso e dessa forma se classifica um componente curricular estrutural. É um eixo de sustentação da formação que faz uso de mediações culturais, característico da produção do conhecimento sobre a docência. O Estágio Curricular Supervisionado possibilita a práxis docente, saberes didáticos e a construção de conhecimento pedagógico (LIMA, 2012).

O referido componente curricular possibilita a base para que estudantes de licenciatura se apropriem dos fundamentos teóricos e metodológicos das políticas públicas do contexto escolar, refletindo suas fragilidades e potenciais. Com isso, “O estágio como reflexão da práxis possibilita aos alunos que ainda não exercem o magistério aprender com aqueles que já possuem experiência na atividade docente” (PIMENTA; LIMA, 2017, p. 103). Ainda de acordo com as respectivas autoras, o Estágio Supervisionado é parte integrante da formação do futuro professor, visto que ele considera a escola e seu campo de atuação como objeto de análise, reflexão e investigação.

O Estágio Supervisionado tem proporcionado uma nova vivência ao estudante que pretende adentrar em uma sala de aula. Para tanto, faz-se necessário que esse estudante busque na formação inicial uma base sólida para o estabelecimento do elo entre a teoria e a prática transformando a sala de aula num campo de pesquisa.

Nesse sentido, na UNILAB, em especial no curso de Licenciatura em Língua Portuguesa,

O momento do estágio supervisionado é um espaço de formação de professor, propiciador de reflexão e de sistematização de pesquisa sobre a prática. Isso quer dizer que a prática pedagógica não é concebida apenas como um momento de aplicação de um conhecimento científico e pedagógico, mas também como espaço de criação e reflexão em que novos conhecimentos são constantemente gerados e modificados (UNILAB, 2017, p. 41).

Percebemos o quanto este momento formativo - o Estágio - que a universidade instituiu curricularmente é essencial ao nosso tornar-se docente, como reforça Buriolla (2011, p. 17):

[...] o estágio prático é essencial à formação do aluno [...], enquanto lhe propicia um momento específico de sua aprendizagem, uma reflexão sobre a ação profissional, uma visão crítica da dinâmica das relações existentes no campo institucional, apoiados na Supervisão enquanto processo dinâmico e criativo, tendo em vista possibilitar a elaboração de novos conhecimentos.

A composição de novos conhecimentos é uma realidade concreta no processo de Estágio. Esta etapa da formação docente, por sua vez, configura-se como treinamento para o exercício da práxis profissional, onde se articulam elementos teórico-práticos vislumbrando-se uma perspectiva de transformação social.

Assim, o Estágio Supervisionado deve formar os estudantes de licenciatura fornecendo-lhes saberes e conhecimentos necessários para atuação no ambiente escolar, ou seja, para a inserção deste, no campo profissional (PIMENTA; LIMA, 2017).

O desenvolvimento do Estágio Supervisionado bem articulado com a dimensão investigativa contribui para a compreensão pedagógica, uma vez que “a especificidade da formação pedagógica, tanto inicial como contínua, não é refletir sobre o que se vai fazer, nem sobre o que se deve fazer, mas sobre o que se faz” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p. 84).

O Estágio Supervisionado favorece aos estagiários, futuros professores saberes e aprendizagens variadas. Pimenta e Lima (2017) asseveram que o Estágio Supervisionado é um “[...] espaço de convergência das experiências pedagógicas vivenciadas no decorrer do Curso e, principalmente, ser uma contingência de aprendizagem da profissão docente, mediada pelas relações sociais historicamente situadas.” (PIMENTA; LIMA 2017, p. 96).

Para Gomes (2011), ao refletir sobre suas práticas, o professor se municia de material teórico para construir seu próprio conhecimento, passando a descontruir práticas arraigadas e a trilhar um olhar crítico a partir dos fundamentos da literatura incorporados. Nesta perspectiva, o estágio é um terreno fértil para que os futuros professores iniciem sua identidade profissional. Pimenta e Lima (2017) afirmam que o estágio é a primeira experiência profissional do professor.

Neste sentido, é preciso compreender que o processo formativo na formação inicial começa a definir o futuro profissional para o ingresso desde cedo no magistério. Preparando-o para o enfrentamento das dificuldades no cotidiano escolar, como também para as incertezas no início da carreira (NÓVOA, 2017).

A formação inicial dos professores deve assegurar uma base sólida de conhecimento científico e cultural, que garanta a qualidade do ensino público. Para Nóvoa (2017) não é possível formar professor sem a presença de outros professores. Isso requer melhoria nos programas que beneficiem a formação docente, enfatizando a aproximação da universidade com a escola. Nóvoa (2017) diz que a formação docente, deve se articular com outras instâncias para que o docente possa obter avanços intelectuais e, consequentemente, os resultados exitosos em sua carreira profissional.

Nesta via de articulação a UNILAB vem promovendo ações, projetos e programas, voltados à política de interiorização do ensino e da aprendizagem, referenciados na realidade local do Maciço de Baturité e, de forma integrada, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP - viabilizando novas possibilidades de pensar as relações de cooperação entre África, Ásia (Timor Leste) e Brasil, permitindo um debate sobre descolonização literária e os estigmas de subdesenvolvidos para aqueles que falam, literalmente, a mesma língua.

Formação Inicial de Professores e a Diversidade Cultural Afro-Brasileira

Partindo-se do pressuposto da integração, a UNILAB tem se articulado para o desenvolvimento local, em âmbito regional, nacional e internacional na perspectiva intercultural, interdisciplinar, o que tem possibilitando aos estudantes de Letras atividades de pesquisa, extensão, intercâmbios e vivências reais à cultura afrodescendente e indígena com estudantes nativos e alunos estrangeiros dos países parceiros da CPLP conforme segue.

Com isso, faz-se necessário retomar alguns aspectos históricos em relação à cultura afro-brasileira e africana. De acordo com Nogueira (2008) desde a criação da Lei 10.639/2003, a qual teve por finalidade introduzir o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana no currículo escolar da Educação Básica, bem como do Parecer nº. 1/04 do CNE que estabelece as Diretrizes Curriculares das Relações Étnico-Raciais, suscitam um grande desafio lançado, uma vez que não se muda em pouco tempo tudo que foi implantado, tudo que foi inserido em mais de cinco (05) séculos da história que constitui os pilares de nosso povo.

Para o autor, corrigir um sistema eurocêntrico que caracterizou por todos esses séculos o sistema pedagógico brasileiro, não se trata apenas de uma simples mudança de foco, mas de um programa de políticas públicas voltadas com toda a atenção para um plano pedagógico pensado, refletido e planejado com as diferentes realidades enfrentadas pelo povo brasileiro. Assim, deixa bem claro o historiador, quando afirma:

É preciso desenvolver políticas de ações afirmativas e de reparos, tendo em vista as diferentes contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, dos descendentes de asiáticos, africanos e europeus. A ampliação do foco dos currículos escolares para a diversidade, em sentido lato, objetiva a construção de uma educação plural em consonância com uma sociedade multicultural e pluri-étnica. Uma reeducação das relações étnico-raciais é o que propõe o documento Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. (NOGUEIRA, 2008, p. 234)

É de grande valia perceber que foi com base nessa proposta de pluralizar e diversificar a cultura que a UNILAB surge com um extraordinário propósito de interligar os países que constituem a CPLP, visando uma integração e uma cooperação de cunho internacional sob a liderança brasileira.

No entanto, de acordo com Nogueira (2008), para que o sucesso das políticas públicas de Estado, voltadas para o reconhecimento e valorização da identidade cultural e para a história do povo negro no Brasil, possa acontecer na realidade, depende de uma série de fatores que vão desde as condições ideais de ensino e aprendizagem para todos os brasileiros, percorrendo os diferentes níveis e etapas de ensino, como também um conjunto de ações e estratégias planejadas no âmbito das políticas públicas educacionais, as políticas patrimoniais e os movimentos sociais.

Para o autor se faz necessário uma reeducação das relações étnico-raciais com um propósito de pensar e agir diferente, no sentido de que se possa ir além dos muros da escola. Na verdade, esse processo de reeducar requer conscientização, condições justas de trabalho, qualificação e valorização profissional.

Para Ferreira (2008), além da implementação da lei que estabelece as Diretrizes Curriculares das relações étnico-raciais nas escolas, a qual vem representar uma ação positiva em relação à pluralidade cultural e étnica, trouxe para discussão, de uma forma enfática, a qualidade de ensino e a formação docente. Dessa forma, a situação absorve indícios mais delicados por se tratar de questões raciais. Infere-se que uma melhor qualidade de ensino transita por uma melhor formação dos profissionais da educação. Aqui, não nos referimos somente aos professores, mas à toda equipe que compõe e integra a escola. Segundo Ferreira (2008), o mito de que a democracia racial se sobrepõe no Brasil precisa ser desfeita e cabe justamente à equipe de profissionais que trabalha na escola primar por esse feito.

Quando o assunto se refere à diversidade cultural, pluralidade e questões étnico-raciais, a preocupação com a formação não fica restrita somente ao professor, que sem dúvida precisa manter seu aperfeiçoamento contínuo, mas como toda equipe pedagógica e demais membros da escola, incluindo as diferentes realidades que estão presentes em todo ambiente escolar. Os próprios alunos vêm de situações bem distintas, o que em alguns casos, requer toda uma preparação da equipe para lidar com situações adversas, inclusive trabalhando constantemente o processo de conscientização de todos.

Ferreira (2008) ainda ressalta que muitos professores não tiveram em sua base de formação conhecimentos acerca da história africana, da cultura do negro no Brasil e a história do negro de um modo geral. Isso provoca um desafio exacerbado, considerando que leis são implantadas com o objetivo de propiciar melhorias em relação às alterações curriculares existentes, no entanto, o problema persiste, pois, se trava um grande duelo entre a legislação e a quebra de mitos da democracia racial existente no Brasil.

No contexto em discussão se evidencia um problema de formação para quem já se encontra habituado com o ambiente escolar, quando não se tem programas voltados para a formação continuada desses profissionais. Imagina-se a situação vista e vivenciada por futuros docentes que pretendem adentrar no magistério, tendo que se deparar com a diversidade cultual e a pluralidade que os rodeiam.

O currículo de formação inicial docente: integração teórico-prática em foco

Abraçando a concepção de Professor Reflexivo - que é uma apropriação que Schön (2000) faz das ideias de John Dewey - tem-se que o currículo é entendido como algo que se constitui na prática, sendo escrito e reescrito pelo professor; é o fruto de sua reflexão sobre a própria prática e, desta forma, a separação entre desenvolvimento e implementação do currículo torna-se sem sentido. Novamente vemos uma aproximação entre currículo e formação de professores, pois esta é contínua e se dá na reflexão sobre o próprio trabalho.

Nessa direção, os momentos de exercício do Estágio Supervisionado como componente curricular obrigatório na formação inicial são extremamente propícios a reflexão-na-ação (SCHÖN, 2000), que integra os saberes teóricos e práticos e possibilitam, assim, a ampliação da percepção e vivência deste movimento integrado.

Schön (2000; 1997) defende que a prática reflexiva envolve reflexão, análise e problematização da realidade. Ele cria os conceitos de Conhecimento-na-ação, Reflexão-na-ação e Reflexão sobre a reflexão-na-ação como instrumentos de análise. Em sua visão, os professores desempenham papel ativo na formulação do currículo e isso se torna parte de sua formação profissional.

A noção de reflexividade no âmbito da formação profissional proposta por Schön (2000), que defende um ensino/aprendizagem prático-reflexivo em que os educadores, tanto nas ações cotidianas como no desenvolvimento de pesquisas, aprendem no calor da ação e, concomitante a isso, refletem sobre essa ação, ressignificando-a e transformando-a continuamente. Em sua perspectiva, para dotar de rigorosidade as intervenções profissionais, os educadores “[...] terão que estudar sua própria prática” (SCHÖN, 2000, p. 237). E é este esforço de aprofundamento de estudo sobre a própria prática que buscamos concretizar.

Em consonância com a proposta de formação de professores apontada por Schön (2000), observamos que Ferraço (2008) critica e problematiza a ideia de currículo como prescrição e a própria formação continuada de professores que, muitas vezes, é permeada por essas prescrições. Este autor expõe a necessidade de considerarmos a diversidade de possibilidades presentes no cotidiano escolar como elementos formativos e interventivos. Com essa perspectiva, o mesmo sugere que focalizemos os sujeitos que compõem a escola em sua dimensão interrelacional, dentro do contexto sociocultural em que esta escola se situa. Ele defende a valorização das histórias de vida desses sujeitos que se exercem de modo entrelaçado e com variados sentidos. Sendo que essas histórias constituem o cotidiano escolar, criando saberesfazeres e aprofundando os sentidos que cada um atribui a esse cotidiano.

Em relação à interconexão entre teoria e prática no âmbito da formação profissional, Ferraço (2008, p. 09-10) afirma ainda que “[...] são os referenciais teóricos adotados que precisam ser submetidos, numa permanente tentativa de diálogo, aos saberesfazeres dos sujeitos pesquisados”. Nesse sentido, ele defende uma formação alicerçada pela prática da pesquisa. Além disso, acreditamos que além da submissão desses referenciais, toda uma logística a favor da liberação (redução de horas/aula de trabalho para dedicar-se a estudos e investigações) e do desejo de envolvimento do professor para fazer pesquisa é fundamental. É nesse sentido que o referido autor afirma: “[...] estar próximo desses sujeitos da pesquisa implica a possibilidade de juntos, buscarmos alternativas de transformação da realidade” (p. 10). Essa aproximação com os campos de pesquisa e com seus respectivos sujeitos pode garantir um salto qualitativo nas análises acadêmicas, evitando-se afirmações generalizantes, fictícias e até arbitrárias.

Partindo dessas premissas, o Projeto Pedagógico do Curso de Letras Língua Portuguesa da UNILAB enfatiza a importância da articulação entre teoria e prática, o que poderá favorecer aos licenciandos:

  • ( a aplicação e a transformação do componente teórico em prática pedagógica;

  • ( o aperfeiçoamento da prática pedagógica, estimulando a reflexão crítica e a pesquisa;

  • ( a autonomia intelectual para a construção de conhecimentos teóricos e práticos;

  • ( o desenvolvimento de competências e habilidades para resolver situações-problema;

  • ( as reflexões sobre abordagens, métodos e técnicas de ensino de língua portuguesa como língua materna e língua adicional e de ensino de literatura na educação básica (UNILAB, 2017, p. 40).

A Universidade, portanto, busca a indissociabilidade teoria e prática, estimulando a perspectiva do estágio com pesquisa, com foco na resolução de problemas que se apresentam no cotidiano das escolas de educação básica no contexto brasileiro, bem como buscando refletir sobre o contexto de atuação dos estudantes advindos dos PALOP.

A aproximação com os estudantes estrangeiros da UNILAB, que estão realizando seus estágios em escolas de Redenção-Ceará, tem sido esclarecedora e formativa ao analisarmos aspectos da relação UNILAB-escolas no âmbito do componente curricular Estágio Supervisionado.

Zeichner (2008) é outro pesquisador que trabalha dentro desta mesma linha de raciocínio. Esse autor desenvolve uma formação reflexiva com estudantes, portanto uma formação inicial que já tem um caráter de reflexão. Quanto aos professores em serviço, defende o uso da Pesquisa-ação, visto que esta permitirá uma produção de conhecimentos relevantes que poderão ser ferramentas importantes para reformas curriculares. Este pesquisador tem uma perspectiva crítica em relação ao potencial transformador da pesquisa reflexiva, dizendo que a reflexão não é positiva em si, pois ela precisa estar associada à ampliação da justiça social e à ampliação das possibilidades na vida dos alunos. Percebe-se, então, um caráter mais político no trabalho de Zeichner (2008, p. 545).

A formação docente reflexiva, que realmente fomenta o desenvolvimento profissional, deveria somente ser apoiada, em minha opinião, se ela estiver conectada a lutas mais amplas por justiça social e contribuir para a diminuição das lacunas na qualidade da educação disponível para estudantes de diferentes perfis, em todos os países do mundo. Assim como no caso da reflexão docente, o desenvolvimento profissional e a transferência de poder para os professores não devem ser vistos como fins em si mesmos.

Zeichner (2008) defende uma formação reflexiva na perspectiva de uma atuação e militância política mais ampla, na defesa de políticas e investimentos educacionais. Suas pesquisas revelam que há, em diversos contextos, uma persistência da racionalidade técnica (limitando a reflexão ao campo da sala de aula) sob o slogan do ensino reflexivo, deixando de lado, muitas vezes, o contexto em que o trabalho do professor se situa e isso, para ele, precisa ser evitado.

Percurso Metodológico

A pesquisa científica em educação tem contribuído para novas descobertas acadêmicas e profissionais, tem mobilizado saberes e acionado a produção do conhecimento, favorecendo a construção da identidade docente e a sua transformação crítica por meio das práticas educacionais.

Com este norte de investigação, recorremos ao rigor científico, para traçar cuidadosamente o caminho metodológico que melhor interaja e se aproxime do fenômeno estudado. Como afirma Minayo (2001, p. 17): “nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática”.

Neste sentido, o percurso metodológico escolhido para a realização desta investigação, priorizou a dimensão qualitativa em razão de sua adequação as análises de fenômenos complexos (YIN, 2005). Na pesquisa qualitativa a ênfase recai sobre os processos e não sobre o produto, é “um campo interdisciplinar que preconiza uma abordagem multimetodológica, uma perspectiva naturalista e uma compreensão interpretativa da natureza humana” (ANADÓN, 2005, p. 11). Preocupando-se, portanto, com os problemas sociais e por isso ultrapassa a análise estatística para uma mudança social, buscando compreender os fenômenos e não simplesmente explicá-los.

O desenho metodológico contemplou o método estudo de caso, por se tratar do caso dos estudantes estrangeiros do Curso de licenciatura em Letras da UNILAB, no espaço de análise no Estágio Curricular Supervisionado. Conforme Yin (2005), o estudo de caso pode ser compreendido como uma investigação empírica; sua essência é esclarecer um fenômeno contemporâneo da vida real. Tem o propósito de reunir o máximo de informações e o seu detalhamento de forma sistemática, sem perder de vista o caráter científico do fenômeno. Desta forma, permite a apreensão da totalidade em uma análise múltipla das dimensões que envolvem o caso, “é uma estratégia adequada ao se examinar acontecimentos contemporâneos” (YIN, 2005, p. 20).

Como estratégia de aproximação com a realidade a ser investigada, recorremos a entrevistas semiestruturadas e a observação. De acordo com Gil (2007, p. 117), “a entrevista é uma das técnicas de coleta de dados mais utilizada no âmbito das ciências sociais”. A entrevista favorece a interação direta entre o investigador e os entrevistados. Segundo Minayo (2001, p. 57), “a entrevista é o procedimento mais usual do trabalho de campo”.

As evidências foram coletadas por meio da técnica de observação. A observação permitiu reunir informações não trazidas nas entrevistas, evidenciou percepções não explicitadas pelos estagiários na mediação prática de sala de aula.

De acordo com Lüdke e André (1986), o percurso da observação precisa ser sistemático, o que requer um planejamento e uma preparação rigorosa por parte do investigador/observador. A verificação in loco permitiu o registro das impressões, dos sentimentos e das emoções complementares ao processo investigativo, facilitando a compreensão e a interpretação do fenômeno estudado no momento de análise dos dados.

Além da observação e da entrevista semiestruturada, realizamos uma análise documental no Projeto pedagógico do Curso de Letras. Segundo Luke e André (1986), a análise documental é aquela realizada em documentos, contemporânea ou retrospectiva, considerada cientificamente autêntica. Esta estratégia metodológica favoreceu identificar no PPC ausência de aspectos específicos voltados aos estrangeiros para a realização do Estágio Supervisionado no Curso de Letras conforme será delineado.

O Estágio Supervisionado e a Formação no Curso de Letras da UNILAB: resultados e discussões

O estudo investigou as contribuições e os desafios dos estudantes estrangeiros no Estágio Supervisionado do Curso de Letras como área da formação inicial do professor. O Curso de Letras da UNILAB disponibiliza oferta anual de 80 vagas e carga horária de 3.200 horas, e duração de 09 semestres. Tem como premissa a qualificação dos licenciandos para atuação na Educação Básica (UNILAB, 2017).

O objetivo principal da referida universidade é promover ensino, pesquisa e extensão de alto nível com perspectiva intercultural, interdisciplinar e crítica no que se refere à Língua Portuguesa e às Literaturas em Língua Portuguesa, buscando contribuir para a integração entre o Brasil e os demais países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e para o desenvolvimento econômico e social desses países.

O Curso de Letras apresenta-se com (quarenta e quatro) componentes curriculares entre optativos e obrigatórios, dentre os quais destacamos o Estágio Curricular Supervisionado, responsável pela formação de professores, totalizando uma carga horária de 400 horas. De acordo com o PPC do referido curso, o Estágio Supervisionado é

realizado em escolas de educação básica e em cursos livres de português como língua adicional. Nesse sentido, o estágio integra o elenco dos componentes curriculares obrigatórios da licenciatura em Letras/Português Língua Materna e Língua Adicional, devendo realizar-se a partir do quinto semestre do curso (UNILAB, 2017, p. 41).

Neste texto trazemos uma síntese dos resultados, esclarecemos que a pesquisa abordou um universo mais amplo e obedeceu a uma rigorosa organização metodológica. Sob a concepção qualitativa relativa mantivemos o anonimato dos entrevistados como forma de preservação de suas respectivas identidades. Desta forma, os participantes foram identificados pela nacionalidade, conforme veremos na sequência. Perguntamos aos estudantes selecionados o que significava para eles o Estágio Supervisionado.

É uma disciplina que proporciona-me vivenciar de uma forma mais efetiva a relação teoria-prática, em que posso relacionar os conhecimentos teóricos que tenho aprendido na minha graduação de letras ao contexto do ambiente escolar (TIMORENSE).

O Estágio Supervisionado [...] é conhecer a parte prática da docência... os teóricos que a gente vai estudar ao longo da nossa formação [...] e quando chega o momento de estágio, relacionarmos aquilo que é teoria com a prática, [...] a imaginação é muito grande quando chegamos na realidade é completamente diferente e eu entendo isso faz parte de vivenciar como vai ser a futura profissão” (ANGOLANA).

Os formandos trouxeram aprendizagens do estágio voltadas à profissionalização como futuro professor. Independente da nacionalidade, os entrevistados deram ênfase aos conhecimentos proporcionados pelo Estágio Supervisionado, asseverando ser este “Um componente curricular obrigatório nos cursos de formação inicial de professores como facilitador do desenvolvimento docente e aproximação com a profissão e com os profissionais da educação” (LIMA, 2012, p. 123). Isto é, o Estágio Curricular Supervisionado é identificado com algo que faz parte da formação para a vida profissional.

O Estágio Supervisionado no Curso de Letras Língua Portuguesa da UNILAB é compreendido como singular momento na formação acadêmica, que prepara o licenciando para a futura atuação profissional, sendo espaço

de problematização da realidade, de superação de dificuldades, de proposição de soluções e também de construção de novos desafios acadêmicos e profissionais. Isso porque esse momento é passageiro e incompleto, pois somente com o real exercício da docência é que a prática é apreendida de maneira renovada (UNILAB, 2017, p. 40-41).

Nesse sentido, os licenciandos foram impelidos a refletir sobre as contribuições do Estágio na formação inicial:

Posso citar a possibilidade de observar e presenciar situações ou eventos ocorridos do período do estágio, que por sua vez contribui para se refletir e projetar minha atuação enquanto futuro professor de Letras-língua portuguesa (TIMORENSE).

É pesquisar sobre a docência em si e a partir do estágio supervisionado eu consigo entender de fato, perceber e vivenciar na parte prática (ANGOLANA).

Os participantes destacaram as potencialidades do Estágio, possíveis tensões como aprendizagem encontrada na cultura acadêmica e na cultura escolar. Esta potencialidade de aprendizagem foi identificada na análise documental do PPC/UNILAB (2017). O documento assentado nos princípios de apoio e ajuda mútua, postula a criação e consolidação de espaços formativos, para a produção e disseminação do conhecimento.

Nesta perspectiva, Moraes (2016), acerca da formação inicial de professores, busca definir o estágio como importante componente curricular dos cursos de formação de professores que tem proporcionado aprendizagens a docência e aos processos pedagógicos. Considerando, assim, uma prática vital na formação inicial do docente capaz de articular conhecimento teórico-prático. Neste sentido, definimos o estágio como um dos mecanismos que possibilitam aprendizagens, dos que não exercem o magistério, como também, dos que já possuem experiência na atividade docente. Vejamos esse movimento na pergunta que investigou os desafios. Foi dito:

Posso citar duas dificuldades para esse processo: i) carga horária excessiva da disciplina de Estágio em Letras tanto para a área de Língua Portuguesa quanto para a de Literatura e; ii) a dificuldade de se conciliar as muitas atividades do Estágio ao próprio tempo do estagiário (GUINEENSE 1).

Primeira coisa é a realidade de eu ser estrangeira e não saber como funciona o sistema de ensino aqui no Brasil [...] para os alunos é compreender o que eu falo [...] quando é só observação, não tem problema, mas na regência já tive dificuldades (GUINEENSE 2).

Nos aspectos aclarados pelos entrevistados, destacam-se fatores desde o acúmulo de atividades ao uso da comunicação conforme apontado na fala da última entrevistada. Fatores estes relacionados à universidade e a escola. Neste sentido, Lima (2008) chama a atenção para os desafios e contradições presentes na relação Escola e Universidade, “[...] duas instituições de ensino, cada uma trazendo valores, objetivos imediatos, cultura e relações de poder diferentes, com o objetivo de realizarem um trabalho comum: a formação de professores” (LIMA, 2008, p. 198).

Em perspectiva semelhante Barreiro (2015), define o Estágio como um momento de apropriação de conhecimentos teóricos para vivenciar aprendizagens no chão da sala de aula. Concordamos com a autora, pois o Estágio Supervisionado em seu fluxo formativo traz contribuições relevantes norteando o futuro profissional, no percurso de aproximações teóricas, nos primeiros contatos a realização do projeto de regência na escola.

Considerações finais

A universidade tem o papel de qualificar os professores para a sua atuação na escola e a escola por sua vez tem o papel de formar os estudantes a partir da qualificação recebida no decorrer de seu processo formativo.

Quando se pensa a formação docente permeada pelas práticas de Estágio Curricular Supervisionado, levamos em consideração o antagonismo a um currículo meramente teórico e o vinculamos a uma perspectiva que articula essa formação aos mais diferentes sentidos de prática.

A problemática estabelecida é que esse currículo suposto como teórico é também ele uma representação, precária e contingente, do currículo da formação de docentes enunciado em muitas instituições brasileiras, sendo que esse aspecto tende a contribuir para desmobilizar politicamente a teoria, uma vez que a localiza como fora da ação política, na medida em que a política é fortemente vinculada à atuação prática. Por esta representação, são avigoradas as dicotomias entre teoria e prática e entre teoria e política, sendo, dessa forma, desmobilizadora de propostas curriculares que vejam o investimento (aquisição) na formação teórica como também de grande importância para a formação docente.

Por meio de toda essa discussão, sugerimos, como proposição mais contextualizada e que envolva os docentes em formação inicial como protagonistas dos próprios processos de formação profissional um conjunto de políticas educacionais que lhes garantam a autonomia e a condição - de tempo, de orientação acadêmica, de estímulos vários - para que estes sujeitos assumam as propostas para a viabilização dessa formação, especialmente tomando por base de fundamentação o campo do Estágio.

A pesquisa possibilitou contribuições ao desenvolvimento do Estágio Supervisionado no Curso de Letras da UNILAB ao investigar o caso de estudantes estrangeiros; elucidou, com isso, contribuições e desafios enfrentados por estes.

Dentre as contribuições, trazidas pelo Estágio Supervisionado estão aprendizagens, conhecimentos e saberes potencializados nos processos de estudos, observação e mediação pedagógica. Dentre os desafios foram destacados diversos fatores desde a carga horária do próprio estágio, acúmulo de atividades, choque cultural, desconhecimento da realidade educacional brasileira, inclusive, a incompreensão dos falantes estrangeiros com os nativos no cotidiano da regência.

Em relação à análise documental no PPC do Curso de Letras da UNILAB, sobre o Estágio Supervisionado, concluímos que o documento prioriza o desenvolvimento do senso crítico e ético e propõe uma educação étnico-racial, sinaliza para a integração da cultura afro-brasileira no cotidiano escolar tomando-os como aspectos necessários à mudança do tecido social. No entanto, não identificamos fatores e/ou mecanismos de prevenção/orientação voltados às necessidades dos estagiários estrangeiros. A fragilidade detectada no PPC compromete as ações de prevenção ao fenômeno do epistemicídio2 no acolhimento da diáspora africana.

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SOBRE OS AUTORES:

4 Pesquisa realizada no Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino - MAIE - da Universidade Estadual do Ceará - UECE, através do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino - PPGE.

5Em linhas gerais, epistemicídio é um termo comumente utilizado para referir-se a destruição de saberes e de culturas não compreendidas ou apropriadas pela cultura branca/ocidental. É uma nuance do colonialismo instaurado pela disseminação do imperialismo europeu sobre os povos da Ásia, África e Américas. De acordo com Germano (2017, p. 34), em relação “ao mundo colonial, a ação de uma epistemologia da força, portanto, silenciou ou exterminou experiências e saberes das populações não europeias, produzindo, (...) tanto o genocídio quanto o epistemicídio, a violência epistêmica e, por extensão, a injustiça cognitiva”.

Recebido: 16 de Abril de 2020; Aceito: 19 de Agosto de 2020

1

Ana Cristina de Moraes Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestra em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora Adjunta da Universidade Estadual do Ceará (UECE. Lotada na Faculdade de Educação de Itapipoca-CE - FACEDI. Grupo de pesquisa: Investigações em Arte, Ensino e Historia - IARTEH.

2

João Pereira da Silva Mestrando em Educação (MAIE/UECE). Licenciado em Letras, Professor da Educação Básica, lotado na CREDE 08 - Escola de Ensino Médio Franklin Távora. Grupo de Pesquisa: Investigações em Arte, Ensino e Historia - IARTEH.

3

Maria Cleide da Silva Ribeiro Leite Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Ceara (UECE), Licenciatura em Pedagogia pela UECE e Letras português e Espanhol pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Grupo de Pesquisa: Laboratório de Estudos, Pesquisas e Extensão no Ensino Médio (LEPEEM) e Juventude, Educação Profissional e Trabalho (JEPTRA).

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