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Revista Práxis Educacional

versão On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.17 no.45 Vitória da Conquista abr./jun 2021  Epub 03-Maio-2022

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i45.8308 

DOSSIÊ TEMÁTICO: Educação e Cultura Digital na COVID-19

APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ TEMÁTICO EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL NA COVID-19

PRESENTATION OF THE THEMED ISSUE EDUCATION AND DIGITAL CULTURE AT THE COVID-19

PRESENTACIÓN DEL MONOGRÁFICO EDUCACIÓN Y CULTURA DIGITAL EN LA COVID-19

PRÉSENTATION DU DOSSIER THEMATIQUE ÉDUCATION E CULTURE NUMÉRIQUE AU COVID-19

Emanuel do Rosário Santos Nonato1 
http://orcid.org/0000-0002-2490-1730

Mary Valda Souza Sales2 
http://orcid.org/0000-0002-9488-0103

1Universidade do Estado da Bahia - Brasil; enonato@uneb.br

2Universidade do Estado da Bahia - Brasil; marysales@uneb.br


É com um misto de pesar e de sentimento de dever cumprido que apresentamos à Comunidade Científica o presente dossiê temático no qual trazemos à luz os estudos que pesquisadores em Educação do Brasil, Portugal, Espanha e Inglaterra têm desenvolvido sobre os desdobramentos da Pandemia da COVID-19 no campo da Educação a partir da inflexão teórica da Cultura Digital.

Não poderíamos começar este dossiê sem nos solidarizarmos com o incontável número de pessoas que choram a morte de pais, irmãos, filhos, parentes, amigos, colegas de trabalho e conhecidos, contados entre os já mais de 300.000 (trezentos mil) mortos no Brasil, e mais de 2.4000.000 (dois milhões e quatrocentos mil) mortos em todo o mundo. Por certo, cada um dos leitores tem uma história para contar, seja ela da dor da perda de alguém, do medo e da angústia pelo adoecimento de um ente querido e/ou da alegria de sabê-lo recuperado. Para todos o drama da pandemia se traduz hoje em nomes, em rostos, em marcas na própria história. Nunca foram apenas números, sempre foram pessoas, mas hoje os números retratam pessoas com rostos conhecidos, resumem histórias que nos tocam e implicam pessoalmente, vidas que importam ao país e às famílias.

Assim, este dossiê é dedicado aos mortos na Pandemia da COVID-19, àqueles que carregam as marcas dessas perdas dolorosas, a tantos outros que estão adoecidos, lutando pela vida em um cenário de profunda incerteza, e aos que se recuperaram e são testemunhas em primeira mão do trabalho valoroso, heroico mesmo, dos profissionais de Saúde cujas horas de luta em defesa de cada vida humana ameaçada pela Síndrome Respiratória Aguda Grave o Coronavírus 2 (SARS-CoV-2)1, patógeno causador da Doença do Coronavírus 20192 (COVID-19), já não se pode contar, menos ainda avaliar precisamente o valor daqueles profissionais de Saúde que tombaram vítimas da COVID-19 em virtude do fiel cumprimento de seu dever profissional.

Ao apresentarmos à Comunidade Científica esta coletânea de textos de vários pesquisadores brasileiros e estrangeiros, fazemos também como que um manifesto em defesa da Ciência como instrumento indispensável à construção de uma sociedade mais humana. A produção e a difusão do conhecimento científico continuam a ser os compromissos fundamentais da universidade e nossos como pesquisadores e membros desse corpo social. Contra todo discurso desqualificador da Ciência e dos cientistas, contra todo ataque à universidade pública - que nem sempre vem apenas dos mesmos que manejam discursos depreciativos contra a Ciência e a universidade, mas vem também de outros cuja retórica é até elogiosa, mas cujo cruel corte de recursos das agências de fomento, das universidades e dos institutos de pesquisa revela igual violência e desprezo pela Comunidade Científica -, respondemos com a resoluta continuidade do trabalho de pesquisa e produção de conhecimento científico. Nosso modo de protestar contra os ataques à Ciência e à universidade pública é persistir no rigoroso empreendimento da pesquisa científica, mesmo diante de condições as mais adversas. É, apesar dos pesares, continuar fazendo Ciência.

Embora a Saúde Pública seja a dimensão mais impactada pela COVID-19, todos os campos da vida humana também o foram. Nesse contexto, como pesquisadores em Educação, interessa-nos investigar os rebatimentos desse fenômeno na Educação e contribuir para o desenvolvimento da Educação a partir das condições objetivas impostas pelo contexto. Movidos por isso, propomos ao leitor um mergulho nas relações entre a Cultura Digital e a Educação no contexto da Pandemia da COVID-19.

Em primeiro plano, importa pontuar que a discussão sobre Cultura Digital em sentido lato, e Cultura Digital e Educação em sentido estrito, transcende a Pandemia da COVID-19. Capitaneada pela área da Comunicação, a discussão sobre Cultura Digital já estava bem posta muito antes da emergência da pandemia: a consciência de que a ‘sociedade em rede’ (CASTELLS, 2005) se tornara uma realidade pervasiva de tal modo constitutiva do modus vivendi da contemporaneidade que as práticas culturais a ela inerentes já estavam organicamente integradas à vida ordinária, malgrado o reconhecimento de que o acesso à infraestrutura tecnológica necessária à vida na sociedade em rede continuava assimétrico e continha enormes bolsões de exclusão ou subinclusão digital. A essa produção cultural articulada a partir de e em interseção com a sociedade em rede denominamos Cultura Digital. Destarte, o modo como a sociedade se organizou para responder aos desafios do distanciamento e isolamento sociais na Pandemia da COVID-19 reflete o grau de naturalização da Cultura Digital como lógica de produção cultural subjacente ao modo de reprodução da existência implementado na contemporaneidade. Gere (2008) sumariza o esforço na compreensão da Cultura Digital como o movimento de elaboração conceitual sobre as mudanças radicais promovidas pelas tecnologias digitais, acentuadamente em seu caráter ubíquo, na dinâmica da vida em sociedade. É a partir desse pano de fundo que analisamos o binômio Educação e Cultura Digital.

A Educação, não podendo se subtrair às contingências do momento histórico em que se insere, não podia se isolar da Cultura Digital como movimento e dos questionamentos que ela apresenta ao modo como a Educação estrutura seus processos pedagógicos. Kenski (2018) chama a atenção para o fato de que “a cultura digital transita em camadas virtuais distintas, com valores, com conceitos, conhecimentos, práticas, temporalidades e universalidades próprias” (p. 140), sem que isso exclua a coexistência com outras culturais distintas. Há uma transversalidade inerente à Cultura Digital que adensa a complexidade do fenômeno. É com esta complexidade que a Educação tem que operar no sentido de produzir processos pedagógicos alinhados com a Cultura Digital.

Não é um desafio pequeno. O campo da pesquisa em Educação e Tecnologias dedica-se a tensionar conceitualmente as relações entre esse binômio e tem apontado os enormes desafios da Educação no processo de enculturação digital que garanta a melhor apropriação das tecnologias digitais pela Educação e dos modos de produzir sentidos a elas inerentes. A pandemia, porém, representa um ponto de inflexão nesse processo, no sentido de que pôs em marcha um movimento de massificação do uso das tecnologias digitais nos processos educativos, bem como criou uma imersão de todo o universo da Educação na exclusiva utilização da mediação tecnológica3, em todos os seus níveis e dimensões. É sobre este fenômeno que os artigos que compõem este dossiê temático se debruçam, sobre o modo como a Cultura Digital foi apropriada na produção de alternativas pedagógicas à súbita e radical supressão da educação presencial em praticamente todo o mundo durante longos períodos, contínuos ou descontínuos, ao longa da pandemia ainda em curso.

Para abordar essa temática, reunimos 8 (oito) trabalhos que permitem uma compreensão profunda, embora não exaustiva, do fenômeno. Abre este dossiê o texto “Cultura Digital e Recursos Pedagógicos Digitais: um panorama da docência na COVID-19” de autoria de Emanuel do Rosário Santos Nonato (UNEB), Mary Valda Souza Sales (UNEB) e Társio Ribeiro Cavalcante (IFBaiano). A partir de um Survey com 502 (quinhentos e dois) docentes baianos, o artigo discute como a docência se reconfigurou no processo de Ensino Remoto Emergencial (ERE), mediante a investigação da apropriação de recursos pedagógicos digitais pelos docentes pesquisados. O texto oferece um retrato bastante sistemático do modo como os professores se reinventaram no ERE a partir das ferramentas disponibilizadas na/pela Cultura Digital.

Em seguida, trazemos o texto “Ensino Superior no contexto da pandemia do COVID-19: um relato analítico” de Lucila Pesce (Unifesp) e Ana Maria Di Grado Hessel (PUC-SP) que apresentam a docência no Ensino Superior na Pandemia da COVID-19 à luz de uma compreensão bakhtiniana e habermasiana dos processos pedagógicos. Dialogismo e Ação Comunicativa fundamentam o relato analítico das experiências de docência na pandemia das autoras e nos ajudam a compreender a Cultura Digital para além daquilo que ela aporta como aparato, penetrando nos tensionamentos conceituais que o digital nos oportuniza. O artigo é uma crítica à racionalidade instrumental como modo de apropriação da Cultura Digital na Educação.

Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida (PUC-SP) nos brinda com o artigo “Narrativa das relações entre Currículo e Cultura Digital em tempos de pandemia: uma experiência na pós-graduação”, em que discute os desdobramentos da Cultura Digital no Currículo da pós-graduação stricto sensu durante a pandemia. O texto articula o conceito de web currículo com o contexto da pandemia para demonstrar que a experiência vivenciada oportunizou práticas web curriculares dialógicas e reflexivos, com forte dimensão participativa entre todos os sujeitos envolvidos.

O artigo “Processos de comunicação digital no sistema educativo português em tempos de pandemia” de Ana Nobre (UAb), Ana Mouraz (UAb), Maria de Fátima Goulão (UAb), Susana Henriques (UAb), Daniela Barros(UAb) e José António Moreira (UAb) comunica a rica experiência da Universidade Aberta de Portugal na formação de professores para a transição do presencial para a docência online, mediante a construção de competências na área da Educação a Distância. O artigo nos permite tirar valiosas lições para as demandas formativas que, tanto aquém quanto além mar, exigem renovado compromisso dos sujeitos da Educação. Os resultados apontam para o fortalecimento da convicção de que a formação docente é elemento fundamental para a otimização dos processos pedagógicos na Cultura Digital.

Sara Dias-Trindade (UC) e Eniel do Espírito Santo (UFRB) apresentam os resultados do DIGCOMPEDU na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia no artigo “Competências digitais de docentes universitários em tempos de pandemia: análise da autoavaliação DIGCOMPEDU”. À luz das demandas por competências digitais no contexto da pandemia, os autores analisam os achados da pesquisa e oferecem pistas valiosas para a compreensão dos desafios a serem enfrentados para a implementação de uma Cultura Digital nas práticas pedagógicos na Educação Superior.

A partir da metodologia freireana dos Círculos de Cultura, Soraia Sales Baptista da Costa Machado (UNEB / UC), Graça dos Santos Costa (UNEB / UB), David Mallows (UCL) e Patrícia Lessa Santos Costa (UNEB) discutem a constituição de uma comunidade de prática na Educação de Jovens e Adultos na Pandemia da COVID-19 através da experiência problematizada no artigo “Indagações na/com a EJA no contexto de pandemia: uma experiência de círculo de Cultura Digital”. Trata-se de uma experiência densa em significados e que aborda a realidade educacional de uma modalidade bastante sacrificada no contexto da pandemia. Os Círculos de Cultura Digital são uma apropriação bastante ousada da proposta freireana que abre uma nova perspectiva no modo de produzir conhecimento na EJA.

O artigo “O habitar do ensinar e do aprender em tempos de pandemia e a virtualidade de uma Educação OnLIFE” de Eliane Schlemmer (Unisinos), Lisiane Cézar Oliveira (Unisinos) e Janaina Menezes (Unisinos) situa a proposta de Educação OnLIFE no contexto da pandemia, problematizando o ensinar e o aprender na constituição de redes de conhecimento a partir de uma compreensão de rede que se conforma mediante atos conectivos transorgânicos. O texto aponta para a inovação educacional e a reinvenção das instituições de ensino como desdobramentos das experiências vivenciadas.

Por fim, Alice Maria Figueira Reis da Costa (Rede FAETEC), Wallace Carriço de Almeida (UFRRJ) e Edméa Oliveira dos Santos (UFRRJ) nos brindam com o texto “Eventos Científicos Online: o caso das Lives em contexto da COVID-19” no qual os autores discutem as lives como espaços de produção de conhecimento no contexto da pandemia. Mais que apenas lives, os autores apresentam as lives como eventos científicos online propriamente ditos que reverberam o fenômeno da divulgação científica online na Cibercultura.

Os artigos reunidos neste dossiê oferecem, pois, discussões profundamente atuais, ao tempo em que se abrem a problemas estruturais que tocam em cheio a dinâmica da apropriação da Cultura Digital pela Educação e permitem inflexões conceituais que ultrapassam os limites da reflexão sobre os processos educativos na pandemia e contribuem para a construção do conhecimento mais alargado no campo da Educação e Tecnologias.

Com pesquisas ambientadas no contexto da pandemia, os autores nos permitem uma visada primeira das contribuições que a pesquisa em Educação pode oferecer à sociedade a partir da investigação dos fenômenos educacionais experimentados na Pandemia da COVID-19, analisando criticamente os movimentos pedagógicos implementados e desvelando os achados que poderão balizar o reposicionamento do fazer pedagógico no processo de retomada da normalidade nas instituições educacionais, a partir do conhecimento produzido pela investigação rigorosa dos caminhos trilhados no contexto da emergência sanitária que alterou radicalmente a rotina de todas as instituições educacionais do planeta.

Esperamos que tanto os pesquisadores em Educação quanto os demais docentes possam lucrar intelectualmente com a leitura deste dossiê que levanta o véu, ainda que não totalmente, da experiência vivenciada na Educação na Pandemia da COVID-19 e dá pistas sobre os impactos desse fenômeno no processo de enculturação digital na Educação. Boa leitura!

REFERÊNCIAS

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Vol. I. 8 ed. Tradução de Roneide Venancio Majer. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. [ Links ]

GERE, Richard. Digital Culture. 2 ed. London: Reaktion Books, 2008. [ Links ]

KENSKI, Vani Moreira. Cultura Digital. In: MILL, Daniel (Org.). Dicionário crítico de educação e tecnologias e de educação a distância. Campinas/SP: Papirus, 2018, p. 139-144. [ Links ]

SOBRE OS ORGANIZADORES:

1No original: “Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2”.

2No original: “Coronavirus Disease 2019”.

3Não se exclui a existência de formas de promoção de Ensino Remoto Emergencial sem uso de tecnologias digitais, mas trata-se de um fenômeno pontual, circunscrito a localidades específicas e condicionado pela absoluta ausência de infraestrutura tecnológica digital, o que não invalida a universalidade das tecnologias digitais como estratégia de promoção do Ensino Remoto Emergencial, tanto do ponto de vista quantitativo quanto do ponto de vista simbólico.

Recebido: 12 de Dezembro de 2020; Aceito: 03 de Fevereiro de 2021

Emanuel do Rosário Santos Nonato Doutor em Difusão do Conhecimento, UFBA; Universidade do Estado da Bahia, UNEB - Brasil; Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade - PPGEduC / UNEB; Vice-Líder do Grupo de Pesquisa Formação, Tecnologias, Currículo e Educação a Distância - ForTEC.

Mary Valda Souza Sales Doutora em Educação, UFBA; Universidade do Estado da Bahia, UNEB - Brasil; Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade - PPGEduC / UNEB; Líder do Grupo de Pesquisa Formação, Tecnologias, Currículo e Educação a Distância - ForTEC.

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