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Revista Práxis Educacional

versión On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.17 no.46 Vitória da Conquista jul./sept 2021  Epub 24-Dic-2021

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i46.8667 

Artigos

O MOVIMENTO DE UM ETHOS PROFISSIONAL NUM CURRÍCULO DE FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

THE MOVEMENT OF A PROFESSIONAL ETHOS IN A TRAINING CURRICULUM IN PHYSICAL EDUCATION

EL MOVIMIENTO DE UN ETHOS PROFESIONAL EN UN CURRÍCULO DE FORMACIÓN EN EDUCACIÓN FÍSICA

Glaurea Nádia Borges de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0002-3269-1614

Marcos Garcia Neira2 
http://orcid.org/0000-0003-1054-8224

1 Universidade do Estado da Bahia - Brasil - gnoliveira@uneb.br

2 Universidade de São Paulo - Brasil - mgneira@usp.br


Resumo:

Com um gesto teórico-metodológico de viés pós-estrutural, esboçado por uma mobilização cartográfica do conceito foucaultiano de dispositivo, o presente artigo problematiza o currículo de um curso de formação em Educação Física constituído a partir de um modelo generalista. Impelidos pelo interesse em perscrutar o funcionamento e os efeitos de um ethos profissional que enuncia a unicidade integradora de uma trajetória formativa e a vincula à aquisição de um vasto repertório de habilidades profissionais, requeridas pela atuação tanto em contextos escolares quanto não escolares, deslocamo-nos sobre um plano discursivo composto pelo projeto curricular do curso e por narrativas de professores, egressos e alunos concluintes. Defrontamo-nos, então, com um mecanismo disjuntivo, que perturba, implode e fratura, por intermédio de suas próprias investidas, a matriz profissional que esteia o dispositivo curricular, deslindando-nos a condição contingente e indômita de um currículo.

Palavras chave: Currículo; Formação em Educação Física; Formação docente.

Abstract:

With a theoretical-methodological gesture of post-structural bias, outlined by a cartographic mobilization of the Foucaultian concept of device, this article problematizes the curriculum of a training course in Physical Education based on a generalist model. Impelled by the interest in examining the functioning and effects of a professional ethos that enunciates the integrative unity of a formative trajectory and links it to the acquisition of a vast repertoire of professional skills, required by acting in both school and non-school contexts, we moved on a discursive plan composed of the course's curriculum project and narratives from teachers, graduates and graduating students. We are faced, then, with a disjunctive mechanism, which disturbs, implodes and fractures, through its own attacks, the professional matrix that supports the curricular device, unraveling the contingent and indomitable condition of a curriculum.

Keywords: Curriculum; Physical Education training; Teacher training.

Resumen:

Con un gesto teórico-metodológico de sesgo postestructural, perfilado por una movilización cartográfica del concepto foucaultiano de dispositivo, este artículo problematiza el currículo de un curso de formación en Educación Física basado en un modelo generalista. Impulsados por el interés en examinar el funcionamiento y los efectos de un ethos profesional que enuncia la unidad integradora de una trayectoria formativa y la vincula a la adquisición de un vasto repertorio de competencias profesionales, requeridas para actuar tanto en contextos escolares como extraescolares, caminamos sobre un suelo discursivo compuesto por el diseño curricular del curso y por narrativas de docentes, graduados y estudiantes. Nos enfrentamos, entonces, a un mecanismo disyuntivo, que perturba, implosiona y fractura, a través de sus propios ataques, la matriz profesional que sostiene el dispositivo curricular, desentrañando la condición contingente e indomable de un currículo.

Palabras clave: Currículo; Formación profesional en Educación Física; Formación docente.

Primeiras palavras

Encontramo-nos imersos no universo curricular e formativo da Educação Física. Nele, somos infundidos por enunciados que, insistentes e esganiçados, numa modulação quase sentenciosa, apregoam modos de ser, agir e pensar necessariamente desejáveis para os profissionais da área, alinhavados à determinação de como hão de ser levadas a cabo as práticas que conduzirão os sujeitos à encarnação de tais modos.

[...] é necessário preparar os futuros professores para serem promotores do seu próprio desenvolvimento profissional e, para isso, os autores que defendem a epistemologia da prática reflexiva ressaltam a necessidade de desenvolver a capacidade reflexiva e investigativa do professor, para que assim possam entender a complexidade que envolve a prática educacional. Desse modo, a formação inicial em Educação Física precisa ter uma organização curricular que permita a apropriação dos conhecimentos necessários por meio do conhecimento-na-ação [...] e da investigação-ação [...], que levam o professor ao autoconhecimento (BARBOSA-RINALDI, 2008, p. 200-201, grifos nossos).

Independentemente do curso, é necessária uma política de formação para o campo da saúde que possibilite ao profissional/professor de EF [Educação Física] dialogar com os cenários de práticas, seja na escola, na atenção básica à saúde ou na iniciativa privada. Ou seja, é preciso aproximar o processo formativo dos movimentos micropolíticos da vida [...] - locais em que atuarão na relação sujeito-sujeito, mas que resguardam singularidades devido às suas particularidades (OLIVEIRA, GOMES, 2019, p. 17, grifos nossos).

E, assim, como ponto de partida, sugere-se compreender o pensamento curricular e o processo da produção do conhecimento na Educação Física. Nesta constituição, reitera-se que o currículo parte de uma compreensão que envolve a apropriação e assimilação individual e particular, social e global do conhecimento historicamente acumulado na sociedade, sendo necessária a superação de currículos prescritivos de viés normativo e racionalista para dar lugar à construção coletiva de um currículo emancipatório, que reconheça e estabeleça o potencial crítico dos sujeitos educacionais (ARAÚJO, 2020, p. 111, grifo nosso).

Destacamos a necessidade de todas as disciplinas que compõem o currículo [de formação em Educação Física] pensarem a formação para atuação profissional. Desse modo, devem possibilitar e incentivar momentos em que os alunos exercitem a função docente e desenvolvam a capacidade de articular os diferentes saberes aprendidos durante o curso (POLETO; FROSSARD, SANTOS, 2020, p. 550, grifos nossos).

[...] é necessária e possível a construção de uma formação multidisciplinar a partir da cultura corporal, rigorosa teoricamente e, ao mesmo tempo, ampliada para além dos conhecimentos técnicos instrumentais demandados pelos campos de intervenção profissional (FURTADO, 2020, 129, grifo nosso)

É necessário tratar o conhecimento técnico-prático com fundamento das Ciências Humanas na formação em EF. O professor de EF que não detém como igualmente importante o fundamento advindo das ciências humanas torna-se um técnico sem critério teórico-metodológico de formação humana para orientar sua prática profissional. Pensar, por exemplo, arranjos metodológicos com disciplinas que retratam esse fundamento, perpassando todo o currículo, pode ter uma representação bastante significativa na formação do professor de EF. Cabe considerar que, para além de um bom profissional, tecnicamente preparado, está se formando um ser humano para atender outros seres humanos. Tal base de formação humana no campo acadêmico-científico só pode ser fundamentada pelas ciências humanas (AZEVEDO; DIAS, 2020, p. 148, grifos nossos).

Trata-se, assim, de asseverar a necessidade, a falta a ser preenchida, sem hesitações. Até aí, nenhuma novidade, a julgar pelo fato de que, como prática integrante do campo educacional, a formação em Educação Física é legatária do discurso pedagógico moderno, cujo marco inaugural situa-se, precisamente, na pressuposição de um sujeito que deve ser guiado a um estado de aperfeiçoamento, que lhe subjaz como destino e lhe é inescusável, bem como na definição do caminho a ser percorrido para a consecução desse estado. O que nos suscita espanto é a tenacidade com que esse querer ordenatório tem se materializado, a persistência assumida por essa entonação de mando sobre o que se tem de fazer para que os futuros profissionais ajam de determinadas formas consideradas mais autênticas e mais corretas, e, principalmente, a naturalidade com que temos encarado essa retórica, esse imperativo do dever que tipifica não apenas os currículos de formação, mas, igualmente, o debate acadêmico que os toma como objeto.

Foucault (2013b), ao tomar a aufklärung kantiana como alvo de interlocução, fita a modernidade preferindo considerá-la não sob a perspectiva do tempo, do chronos, ou simplesmente como um período histórico, mas convidando-nos a compreendê-la como um ethos, na acepção grega conferida a esse termo; um ethos como expressão de uma atitude de modernidade, “[...] um modo de relação que concerne à atualidade; uma escolha voluntária que é feita por alguns; enfim, uma maneira de pensar e de sentir, uma maneira também de agir e de se conduzir que, tudo ao mesmo tempo, marca uma pertinência e se apresenta como uma tarefa” (FOUCAULT, 2013b, p. 341-342). Inspirados pelo pensador francês, talvez possamos ensaiar uma mirada equivalente, de intentos todavia muito mais modestos, com a qual nos é possível argumentar que os currículos de formação em Educação Física são, eles mesmos, portadores de um ethos, de uma atitude, na medida em que sua ação é marcada por um certo modo de proceder. No mesmo passo, esses currículos também proclamam aos sujeitos formas de se conduzir relativas à profissão de que aqui se trata. Em síntese: o ethos desses currículos é caracterizado, justamente, pela projeção de ethos singulares de profissionalidade. Projeção que se imbrica com o discurso acadêmico-científico, carregando consigo porções generosas de absolutismo.

Ao nos reconhecermos acossados pelo dogmatismo desse ethos curricular, não pretendemos afirmar que a formação em Educação Física deva desobrigar-se de apontar direções. Afinal, além da especificidade diretiva própria de qualquer prática educativa, uma formação sem critérios ou largada à sorte é um dos fatores que ajudam a explicar a dificuldade de atuação de professores de Educação Física em face da complexidade da escolarização contemporânea, como demonstrou Neira (2017). A questão que se põe em causa não é, pois, de mera recusa a um ethos curricular que fabrica ethos profissionais no plano da formação em Educação Física, mas de problematização dos seus modos de realização.

Endereçamo-nos, então, ao currículo de um curso de Educação Física de uma universidade pública do estado da Bahia, um currículo de feitio generalista, ao qual interrogamos: se formar professores/profissionais de Educação Física implica a corporificação de uma atitude prescritiva sobreposta pelo desejo de uma atitude profissional, como essa relação tem mobilizado esse currículo e, sobretudo, que efeitos ela tem produzido?

Um gesto teórico-metodológico (ou um modo de problematizar o currículo) em quatro proposições

Primeira proposição: vislumbremos o currículo como um dispositivo. Dispositivo é uma ferramenta conceitual que tomamos de empréstimo da oficina foucaultiana (FOUCAULT, 2012; 2013c; 2017). Com ela, julgamos ser crível articular os três domínios do pensamento de Foucault - saber, poder e sujeito -, articulação aqui estabelecida por intermédio de três acenos: assumindo as próprias elaborações de Foucault sobre o dispositivo; incorporando nesse conceito, por nossa conta e risco, um deslocamento que carreia o pensamento foucaultiano da noção de saber-poder em direção à noção de governo pela verdade, o que nos insta a pensar essa articulação como sendo, também, uma conexão entre verdade, governo e subjetivação; recorrendo ao auxílio de outros dois autores da seara filosófica, Deleuze (1990) e Agamben (2009), uma vez que ambos, em momentos distintos, interpelaram o trabalho de Foucault acerca da ideia de dispositivo, reafirmando nela as três dimensões da analítica foucaultiana.

Numa breve formulação desse conceito, Foucault dirá que o dispositivo é uma rede na qual se entretecem o dito e o não dito, ou “[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas” (FOUCAULT, 2012, p. 244). Esses diversos elementos encadeiam-se de maneira estratégica, colocando em ação nexos de saber-poder que produzem sistemas de aceitabilidade e acarretam efeitos veridictivos, subjetivadores e de condução de condutas. Assim, a rede - se adotarmos o mesmo termo que Foucault (2012) -, o novelo ou conjunto de linhas em constante mutação - se nos apropriarmos da descrição particular de Deleuze (1990), - a trama ou o emaranhado - se assim preferirmos -, despontam como figuras moventes que nos facultam pensar as relações de força que forjam uma realidade e exibem as suas condições de funcionamento.

Um currículo entendido como um dispositivo não clama por esquadrinhamento, mas para que nos embrenhemos num cosmo em que operam disciplinas, conhecimentos, métodos, recursos didáticos, formas de avaliação, artifícios organizacionais, rotinas, fazeres, modelos de comportamento, exercícios de autoridade, corpos, vivências... Sob essa ótica conceitual, reitera-se a ambiência de uma vertente da teorização curricular que se convencionou chamar de pós-crítica1, segundo a qual o currículo se nos mostra como uma prática de significação, cujas possibilidades emergem da linguagem e das circunstâncias históricas. Um engenho fabricado, de função regulatória, em perene disputa, que dá vida a modos singulares de agir, sentir, falar e enxergar o mundo e o próprio eu, investindo-os - investimento sem qualquer garantia - nas experiências que se esculpem na sua dinâmica fronteiriça (PARAÍSO, 2005; LARROSA, 2011; LOPES; MACEDO, 2011; SILVA, 2011; POPKEWITZ, 2011; LOPES, 2013). No âmbito da formação em Educação Física, isso implica dizer que um dispositivo curricular, no amálgama de suas linhas, narra a profissão a partir de uma discursividade alegadamente verdadeira e a projeta com certos contornos e nuances, concebendo, autorizando e interditando arquétipos de profissionalidade. Posta em marcha, sua missão derradeira, a de erigir subjetividades trajadas com os modelos profissionais credenciados, encontra-se paradoxalmente enredada à imprevisibilidade de seus acometimentos.

Segunda proposição: atuemos cartograficamente ao tecer a trama de um dispositivo curricular. No campo da geografia, a cartografia é uma técnica de elaboração de mapas, os quais representam graficamente um território já definido. Observa-se, desenha-se, copia-se, reflete-se o território. Na geofilosofia deleuzo-guattariana (DELEUZE; GUATTARI, 1995), entretanto, a cartografia é o princípio de uma imagem de pensamento - o rizoma - em que a composição e a habitação de um território são fenômenos síncronos. Donde o mapa deixa de ser uma réplica, constituindo-se como uma produção dinâmica, múltipla, insuportável, que se modifica na medida em que irrompe e que desaparece tão logo se substancializa. É-se, então, parte do território que se fabula, num movimento que faz determinadas coisas aparecerem e falarem. Coisas que se atravessam. Sem origens, sem núcleos, sem fins.

Materializar a economia de intensidades de um dispositivo, situá-la num horizonte do pensável, puxar e entretecer seus fios consiste, ao menos nesta pesquisa, numa tarefa de cunho cartográfico. Em uma alquimia arriscada, aliamos a noção de dispositivo à de cartografia para forjarmos um gesto analítico que se traduz, portanto, na ideia de que agimos cartograficamente sobre/com um dispositivo.

Terceira proposição: caminhemos sobre um plano de discursividades. O solo em que se perfaz nossa jornada é composto por um conjunto de materiais que foram eleitos, gestados e agrupados mediante uma montagem à guisa de uma manufatura artesanal, ao cabo da qual pusemo-nos sobre uma planície discursiva multiforme que nos possibilitou engendrar o nosso mapa-dispositivo. Dele, por ora, apresentamos algumas peças. Numa labuta como essa, de natureza conceptiva, construir o chão sobre o qual se desloca é também parte do ato investigativo. Denominemos esse chão como nosso corpus empírico, o suporte gerativo de nossas análises, constituído pelo projeto curricular do curso e por narrativas de professores, egressos e alunos concluintes, produzidas com o auxílio de diferentes procedimentos2.

Quarta proposição: contemos uma história, da qual somos também um personagem. Nosso mapa-dispositivo é urdido por uma história, que fala da visita a um curso de Educação Física. Para que o leitor nos acompanhe, fornecemos algumas indicações concisas, que tornam tangíveis as marcas e a presença dos encontros que nos arrastaram. Os vestígios docentes podem ser identificados em trechos contíguos à sigla PROF, os vestígios discentes situam-se em extratos sucedidos pela sigla ALN e os sinais da condição de profissional egresso, formado pelo curso, estão em passagens do texto seguidas da sigla EGS. Quando, por fim, as marcas evocam o projeto curricular, elas carregam consigo o acrônimo PC.

Uma profissionalidade unificada-fendida

O ano é 2018. Desembarcamos no sertão baiano, em uma cidade quente, que vive a maior parte dos seus dias sob a ardência do sol, numa quentura que parece acalorar o convívio entre as pessoas. Ali, aguarda-se ansiosamente o regresso da chuva. Ela pouco concede a honra de sua visita, mas, quando chega, faz a vegetação esturricada verdejar-se lindamente, protagonizando um espetáculo capaz de desentranhar lágrimas. Lugar em que a fartura de uns, muitas vezes ostentada, coexiste com a privação de outros, e onde o conservadorismo de uma tradição oligárquico-cristã tem tido que se entender, cada vez mais, com as lufadas intempestivas de formas de existência e de práticas culturais que não se curvam às fórmulas homogeneizantes a sancionar a ocupação dessa terra. Se lá é bem custoso chegar, pode ser um regalo deixar-se ficar. E assim o fizemos.

O curso-currículo que visitamos originou-se em 1999 e foi reformulado entre os anos de 2003 e 2004. Em 2021, após uma segunda reformulação, transcorrida durante 2019, passa então a vigorar com uma nova configuração. Para os fins de nossa empreita investigativa, interessou-nos a forma como o currículo esteve organizado desde 2004, como uma licenciatura com caráter generalista, que mantinha, em última instância e ainda que com algumas modificações, o modelo formativo segundo o qual o curso foi criado, amparado pela Resolução nº 03/1987 (BRASIL, 1987), do já extinto Conselho Federal de Educação (CFE). Trata-se de um arranjo curricular que, delimitado por um único percurso formativo, avoca-se capaz de preparar e habilitar os sujeitos para atuar profissionalmente em dois contextos, um deles identificado pela instituição escolar e o outro abrangendo diferentes espaços que se aglutinam sob o predicado comum de não serem escolas (clubes, academias e demais espaços voltados aos cuidados com a saúde, ao desempenho esportivo e à promoção do lazer).

Após algum tempo de convivência, notamos que algo estrondeava. Para aqueles que integravam o curso, falar dele, descrevê-lo, defini-lo, valorá-lo, era, amiúde, fazer referência à sua configuração curricular.

Esse curso possui componentes curriculares que dão base para que o aluno atue no âmbito da atividade física e saúde e no âmbito da educação básica. Particularmente, eu acho interessante esses dois focos que o curso possui. Eu sou a favor da unificação do curso (EGS 1).

E a gente entra aqui muito assim, achando que nessa graduação a gente vai sair capacitado para trabalhar em todas as áreas. Infelizmente, não é. Pelo menos eu não me sinto capacitado, justamente por isso, pelo curso ser tão amplo (ALN 1).

E o bom do currículo, de ter matérias voltadas para o não formal e para a licenciatura, o bom disso é para te dar um norte do que realmente você quer. Talvez haja pessoas aqui que entraram na licenciatura e se identificaram com o campo não formal, e talvez haja pessoas que entraram pensando no campo não formal e se identificaram com a licenciatura (ALN 2).

Esse arranjo generalista atuava como um leitmotiv das narrativas acionadas no dispositivo curricular, na medida em que colocava em ação uma operação de significação que expunha a robustez contraída por uma pretensão formativa nutrida pela expectativa da unidade. Daí desponta o ethos profissional alçado à condição de verdade que rege o fluxo desse currículo, ethos que aqui compreendemos como uma profissionalidade unificada-ampliada, exatamente por reunir em um mesmo itinerário de formação as diferentes frentes que alargam o universo de trabalho da Educação Física.

Quando lá estivemos, tal arranjo também se achava discursivamente inscrito numa concepção de formação denominada “licenciatura ampliada”. Defendida por um segmento crítico da Educação Física, a licenciatura ampliada é o emblema de um movimento que refuta a diferenciação da área em cursos de licenciatura e bacharelado, por entender que essa diferenciação subordina a formação aos ditames do capitalismo. Nessa refutação, confronta-se o aparato legal que, no alvorecer deste século, passou a regulamentar a formação dos profissionais do campo, constituído, fundamentalmente, pela Resolução nº 07/2004 (BRASIL, 2004) - principal motivo de contestação desse movimento -, aprovada na Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE/CES), e pela Resolução nº 01/2002 (BRASIL, 2002), aprovada no Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE/CP). A Resolução CNE/CP nº 01/2002 instituiu as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica em cursos de licenciatura, enquanto a Resolução CNE/CES nº 07/2004 fixou normas específicas para os cursos de Educação Física3.

No início de nossa andança, chamou-nos a atenção o elo que se estabelecia entre o curso e a licenciatura ampliada, sobretudo porque o curso, em seu projeto curricular, não se definia a partir dessa alcunha. Fomos então impelidos a explorar as veredas que fizeram abrolhar as condições que tornaram possíveis esse atrelamento, mas esse é um quinhão da história que não será contado aqui. Ele pode ser encontrado em outro texto (OLIVEIRA, 2020), para quem se interessar.

“Então, a Educação Física, ela é, assim, uma área muito ampla, né?” (ALN 3). “A gente acredita que a gente está entrando num curso e que a gente vai poder trabalhar no que a gente quiser” (ALN 4). “A gente entrou num curso de Educação Física que a gente pensou que dava muitas possibilidades, e aí, aquilo encanta” (ALN 5). Um curso de muitas possibilidades, que oportunizaria aos profissionais que nele se formam trabalhar onde quisessem, admitindo-se ser a Educação Física uma área muito ampla. Uma crença quebradiça, que vinha pelejando para manter-se como viga de sustentação do dispositivo curricular. Para animar esse modo abrangente de projetar a profissão, extensivo aos sujeitos que a exercem, o currículo do curso organizava-se a partir de um conjunto de conhecimentos, consubstanciados em disciplinas, que eram direcionados à intervenção da Educação Física na escola e fora dela. Quer dizer, ao convidar os sujeitos a “exercer, de forma contextualizada, uma função educadora de maneira ampliada, tanto na área escolar [...] quanto em outras” (PC), o currículo oferecer-lhes-ia um prado de saberes equitativamente distribuídos entre as demandas das respectivas esferas de trabalho.

Apostando nessa lógica de ordenação de saberes - por vezes paramentada de números, mas que é, sobretudo, uma lógica simbólica -, o currículo dedicava-se a produzir um procedimento somatório, de união, de agregação. Procedimento que, no entanto, estava condicionado ao jogo de forças do dispositivo. E é aí, na instabilidade dos processos, que a soma conciliadora, tão almejada, transmuta-se numa divisão apoquentadora e não predita.

“Querendo ou não, professor é referência para a gente, né?” (ALN 6). Na engrenagem do dispositivo curricular, a atuação docente é uma peça basilar, o cilindro de um motor a princípio regido por regras de integração de saberes e universos de trabalho; é ela a responsável pela tradução de uma verdade formativa. Mas professores não são meros transportadores da verdade anunciada. Tampouco são individualidades autônomas, nucleadas, fundadoras de uma vontade racionalizada que seria imposta aos rumos do currículo. Suas experiências tanto fazem parte da miríade de agências e efeitos que se entrecruzam na superfície lisa do dispositivo, quanto ressoam as estridências discursivas do campo da Educação Física, historicamente constituído por polarizações. Ciências humanas e sociais versus ciências biológicas, teorias críticas versus teorias não críticas, educação versus saúde... Eis apenas alguns exemplos das fronteiras que ditam os lugares a serem ocupados pelos profissionais da área, com ganas que frequentemente beiram o maniqueísmo. Perpassados por toda essa ordem de coisas, e nela situados como sujeitos da profissão, os docentes do curso ministram suas disciplinas, coordenam seus projetos, fazem suas pesquisas, organizam seus grupos, disputam espaços institucionais e arrebanham pupilos. Agindo no plano político da condução de condutas, do governo de uns pelos outros, eles instam modos de ser, pensar e agir, influenciando o percurso formativo trilhado pelos alunos.

Ao que tudo indica, as ações docentes, instaladas na zona cinzenta entre uma profissionalidade que se insinuava como verdade e os sujeitos que ela buscava aliciar, não faziam assomar a unidade, mas a dissensão provinda de uma divisão interna - divisão esta que, de outro ângulo, já fora avistada por Pereira (2014). No entremeio em que se localizavam tais ações, o ethos de uma profissionalidade unívoca já não convencia, ou produzia um convencimento gradativamente enfraquecido, donde a verdade inicialmente objetivada no currículo começa a ruir e a se transfigurar, porquanto aqueles que deveriam portar-se como seus agentes primários não eram (mais) por ela cativados.

Nesse movimento, o dispositivo curricular, igualmente trespassado pelos abalos que lhe são provocados pelas ingerências do sistema formado pelos Conselhos Federal e Regionais de Educação Física (CONFEF/CREFs)4, vai rachando-se, cindindo-se, e aquilo que se apresentava como “escola e não escola” converte-se em “escola x não escola”, uma cesura que passa a dar o tom ao andamento da maquinaria curricular em causa. O ethos unificado-ampliado, sedimentado numa gramática curricular pretensamente congraçadora, não foi capaz de apaziguar ou estancar embates próprios da Educação Física. Ao penetrarem o curso, esses embates contraíam uma forma ímpar e ajudavam a produzir um binarismo bastante enrijecido: de um lado da moeda, imperava uma verdade que pronunciava a Educação Física como uma profissão a ser exercida na escola; do outro lado, uma verdade que concedia o pertencimento da Educação Física a outras órbitas, ordenadas por sentidos deveras dissímeis daqueles que conformam a semântica da instituição escolar. “É como se tivesse um curso de bacharel e um de licenciatura em uma só turma. Os alunos e professores se dividem, perdem-se muitas das vezes e, o pior, entram em conflitos” (EGS 2).

Não, os professores não são os culpados pelas fendas do dispositivo curricular. E as fendas não são um sacrilégio. Se há disjunções que malograram uma racionalidade unificadora, o que nos interessa é a cinesia e não a responsabilidade da prática docente nesse terreno rompido. Uma prática agenciada entre intensidades múltiplas, com capacidade para sugestionar os rumos dos caminhos percorridos pelos sujeitos em formação, ainda que não possa determiná-los em termos cabais.

Pouco nos estranha o dissenso a sobejar na coexistência entre estas duas verdades, a da Educação Física que é da escola e a da Educação Física que não é da escola, e a mimese dessa forma de binarismo em relação aos binarismos constitutivos da área. Mas há, nesse cisma, uma espécie de retesamento reducionista, que tende a simplificar as dissidências e polarizações da Educação Física por intermédio de formulações discursivas que demasiado se concentram na tônica dos ambientes de trabalho e pouco se preocupam com outros elementos que os transpassam, como aqueles que concernem às questões de caráter epistemológico. E quando porventura consideram esses elementos outros, tais formulações inclinam-se a constringir os liames que os relacionam aos campos de atuação profissional.

Então, eu acredito que esse seja um dos conflitos da área, que é esse conflito enquanto área das ciências biológicas, ciências da saúde, contra esse viés mais crítico e pedagógico. Então, eu me posiciono dessa maneira. Eu acredito que a Educação Física tem esse viés crítico, pedagógico, e que ela deve ser construída a partir dessa perspectiva dentro do espaço escolar. Esses conflitos, desde a graduação, eu já tinha me dado conta [...]. Isso ficou mais acentuado ainda para mim e também fez com que eu fizesse as minhas escolhas de atuação profissional, optando por ir para a área mais crítica mesmo, para a área pedagógica e para a área acadêmica dentro das perspectivas da educação (EGS 3).

A escola é-nos exibida, então, como sinônimo de uma esfera da Educação Física cujos fundamentos encontram-se, nomeadamente, nas ciências humanas e sociais, o que, por sua vez, determinaria uma conduta crítica (Educação Física escolar = ciências humanas e sociais = atitude crítica). O mundo profissional situado além dos muros da escola, em contrapartida, ao ser comprimido no imaginário de promoção da saúde, mostra-se atado aos pressupostos elaborados pelas ciências biológicas e à produção de um modo de ser, agir e pensar que seria, sem opção, não crítico ou acrítico (Educação Física não escolar = ciências biológicas = atitude não crítica).

Se a feição bipartida que se deflagra nesse dispositivo curricular não é completamente original, posto que reverbera divergências próprias do campo acadêmico-profissional, ela aí se demonstra mais propensa a estratificar-se, justamente num dispositivo que se queria uno e harmônico. Vemo-nos, portanto, ante uma espécie de fluxo de mutação veridictiva, que converte uma verdade inicialmente desabrochada como verdade-unidade em uma verdade bifurcada.

A reboque da bifurcação então gestada, ativam-se outros movimentos igualmente disjuntivos, os quais afiguram um curso de licenciatura que não tem se ocupado, ou não tem dado conta, daquilo que seria a principal finalidade de um curso de formação assim denominado: a preparação dos seus futuros profissionais para a lida com os desafios da educação básica e da escola contemporânea.

A gente entra aqui com um currículo que abrange mais a área não formal do que a área formal. [...]. A gente tem um currículo que abrange mais a área do bacharel e, ao mesmo tempo, o nome que o nosso curso recebe é o nome de licenciatura. E foi no decorrer do curso, com as coisas acontecendo, que a gente veio se dar conta de como é o nosso currículo, e que falta faz a parte pedagógica para a área que a gente precisa, que a gente recebe um diploma, que é a licenciatura. [...]. Eu tenho a consciência de que o meu currículo não me dá respaldo suficiente para que eu atue na licenciatura, exatamente por a grade curricular não atender ao que eu preciso para estar dentro de uma escola.

[...]

E quando a gente fala que o curso é licenciatura e não dá respaldo para a licenciatura, é exatamente porque 70% do nosso currículo é para a área não formal. [...]. A gente tem componentes em maior quantidade para a área não escolar, isso é notório (ALN 7).

E a gente passa muito tempo aqui, então, tecnicamente, se é um curso de licenciatura, eu tenho que sair daqui, digamos que, pronta para ser professora. Os outros cursos que eu fizer fora disso é especialização, é aperfeiçoamento. Mas o tempo que a gente passa na graduação seria para capacitar a gente para sair daqui professores, porque é um curso de licenciatura. Mas acho que ainda é muito frágil dos dois lados, por ter essa divisão dentro de um curso de licenciatura, essa divisão de ter muitas disciplinas. [...] Só que os componentes do bacharel continuaram. E aí complicou um pouco a área da licenciatura, porque deixou muito fragilizada. Então, a gente não sai daqui totalmente capacitado para a licenciatura, por conta dessa divisão que fragiliza muito (ALN 8).

Eu até entendo as pessoas que falam “ah, eu gosto das duas áreas”, mas na hora de você se dedicar, é muito difícil você se dedicar às atividades específicas do bacharel e, por outro lado, às atividades mais pedagógicas. Isso nos confunde, particularmente me confunde... durante esse percurso, até nos projetos em que a gente ingressa, nos cursos extras que a gente faz. E aí, a gente chega assim no final da graduação, confuso, sentindo falta de muitos componentes... eu falo particularmente para a área da licenciatura [...] (ALN 9).

Mas haveria nesse contexto, também, um curso de bacharelado em Educação Física? Não. Entretanto, o bacharelado é corporificado, trazido como presença, em que pese o projeto curricular não o mencionar quando demarca as propriedades e os fitos do curso. Essa outorga de vida a uma modalidade de formação que não está prevista no currículo desponta como mais um indício de que os efeitos do funcionamento do dispositivo em muito se dessemelham dos desejos de unidade e abrangência projetados.

A despeito de sugerir uma organização de saberes que se arroga justa, equitativamente distribuída entre os requisitos para o exercício da profissão em espaços escolares e não escolares, o currículo é visto como desproporcional, desarmonioso, em desequilíbrio, pois - é o que nos dizem - privilegia conhecimentos encaminhados à formação do bacharel e relega aqueles que dizem respeito à formação do licenciado. Essa acusação de desproporcionalidade é outra coisa que nos intriga. Ao olharmos para o projeto curricular, tanto as delimitações epistemológicas quanto a tentativa de identificar endereçamentos declarados às diferentes instâncias de atuação profissional são-nos crivos sobremaneira vacilantes, ademais estéreis, para qualquer inferência sobre a distribuição dos conhecimentos. É que, per se, a organização das disciplinas e a distribuição dos saberes no currículo não são justas ou injustas, proporcionais ou desproporcionais, pois qualquer justeza ou disparidade nessa disposição depende da ação performativa do dispositivo. É por intermédio dessa ação que se franqueia a condução das disciplinas ou por ambos os caminhos, ou exclusivamente por um deles, ou mais por um do que por outro. “[...] Não é bem a disciplina, é o trato da disciplina aqui dentro da universidade” (ALN 10).

Sentidos decorrem do modus faciendi do conhecimento e não simplesmente de seu conteúdo. Isso decerto está relacionado ao empreendimento tradutório da atividade docente e ao lugar que ela ocupa no platô de magnitudes que traciona o dispositivo. Tal relação, porém, não explica tudo. Sigamos duas pistas do pensamento foucaultiano, que nos ajudam a indagar a “equivocidade do querer-dizer” (CORAZZA, 2001, p. 12) desse currículo. Com a primeira delas, atinamos, como já o fizeram Oliveira e Neira (2019), para o deslocamento que as análises de Foucault efetuam na concepção de conhecimento. Se os nexos de saber-poder se instituem pela discursividade e instituem discursividades, o ato de conhecer também possuirá um caráter discursivo. Ou seja, se os discursos são “práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam” (FOUCAULT, 2008, p. 56), ou “uma violência que fazemos às coisas, [...] uma prática que lhe impomos em todo caso” (FOUCAULT, 2014a, p. 50), então não há, como dirá também Foucault (2013a), nenhuma afinidade prévia, nenhuma ligação necessária, nenhuma cumplicidade ou semelhança entre o conhecimento e as coisas a serem conhecidas. O deslocamento ocorre ao se colocar em xeque a concepção representacional do conhecimento, um dos pilares da modernidade ocidental, segundo a qual conhecer consistiria em representar o real existente a priori, acessando-o, decifrando-o, nomeando-o, por meio da linguagem, e tornando-o inteligível ao pensamento. Conhecer seria alcançar a verdade das coisas, em sua legibilidade desde sempre ofertada. Despejar o conhecimento do edifício da representação e da verdade, passando a alojá-lo sob o teto da produção e da arbitrariedade, é, portanto, uma das operações que Foucault nos leva a executar. Submetido a essa operação, qualquer currículo, mesmo que se esforce, não permanecerá incólume.

Mas o que esse outro modo de conceber o conhecimento tem a dizer, especificamente, ao currículo de formação em Educação Física? Na medida em que conhecer não é da ordem da descoberta ou da revelação, mas da invenção e do artefato, conhecer a Educação Física enquanto profissão, seja ela uma profissão da escola ou de fora dela, pressupõe um processo que ao invés de desvendar o que a Educação Física é, a partir de duras lentes de saber disponibilizadas antecipadamente, adentra o próprio jogo linguístico da sua feitura, tomando os saberes legitimados como ferramentas de uso contingente e não decretório. Daí que as fronteiras disciplinares podem ou não ser destrancadas, cruzadas, realocadas, mantidas, a depender das regras e condições do jogo de verdade - portanto, jogo de linguagem - que está em ação. É essa urdidura que fará com que o currículo se conforme de uma determinada maneira, como aquela que o transforma num curso de licenciatura que abriga, dentro dele, um bacharelado concorrente.

A segunda pista pode ser encontrada num dos momentos de inflexão do trabalho de Foucault, quando, na década de 1980, ele encaminha-se da noção de saber-poder à ideia de governo pela verdade. Ao tomar o problema do eu na relação entre governo e verdade, Foucault (2014b) forja um instrumento conceitual que visa dar conta de uma verdade que sobre-excede o conhecimento como utensílio para o exercício do poder e que se manifesta de uma maneira que não é exatamente da índole do conhecimento. Uma verdade em sentido lato, que não se limita ao conhecimento, ainda que possa, também, ser emitida por meio dele. Essa verdade aparece como parte de uma espécie de “ritual de manifestação da verdade” (FOUCAULT, 2014b, p. 7), que Foucault designa com um vocábulo fictício, alêthourgia/aleturgia, elaborado a partir do adjetivo alêthourguês, empregado por Heráclides, gramático grego da Antiguidade, para qualificar alguém que diz a verdade. Com esse termo, aleturgia, Foucault (2014b, p. 8) reporta-se ao “[...] conjunto de procedimentos possíveis, verbais ou não, pelos quais se revela o que é dado como verdadeiro em oposição ao falso, ao oculto, ao indizível, ao imprevisível, ao esquecimento”, e afirma que “[...] não há exercício do poder sem algo como uma aleturgia”. O que por ora nos toca destacar nessa elaboração foucaultiana é que com o uso analítico do conceito de aleturgia, o pensador francês buscará

[...] dizer, de uma maneira bárbara e áspera, que o que se chama de conhecimento, isto é, a produção do verdadeiro na consciência dos indivíduos por procedimentos lógico-experimentais, não é mais que, no fim das contas, uma das formas possíveis de aleturgia. A ciência, o conhecimento objetivo, não é mais que um dos casos possíveis de todas as formas pelas quais podemos manifestar o verdadeiro (FOUCAULT, 2014b, p. 8, grifos nossos).

O conhecimento científico, referendado no universo da Educação Física e acolhido nos currículos de formação, não é, destarte, a única forma pela qual se manifestam as verdades da profissão. As linhas de sentido por ele fornecidas - linhas de visibilidade e enunciação, diríamos, com Deleuze (1990) - são, de fato, importantes forças a intervir na modelação de alegorias profissionais - ou de linhas de objetivação e subjetivação, se reportarmo-nos novamente à Deleuze (1990) -, mas não existe autossuficiência do conhecimento nesse encargo. Em seu relacionamento com a verdade, o conhecimento apresenta-se sob a dupla condição de não reprodutibilidade do real e não exclusividade na manifestação do verdadeiro. Em outras palavras, o papel exercido pelo conhecimento no âmbito da formação não pode ser o de revelar, por decalque, qualquer suposta verdade da profissão, já que ele não a carrega intrinsicamente consigo, mas a produz em ato contínuo; nem o de dizer, sozinho e de véspera, tão somente pelo modo como são selecionados e dispostos os seus conteúdos, o que significa ser um professor/profissional de Educação Física, porque há outras forças que também interferem nesse mecanismo que, em suma, é um mecanismo performativo, mecanismo que cria aquilo que nomeia na ação iterada de colocá-lo em discurso.

Caminhando pelos arredores, ouvimos alguém dizer: “O aluno chega ao final do curso, pensa em ser tudo, ou que pode atuar em todos os campos profissionais, menos enquanto professor da educação básica e professor da disciplina escolar Educação Física (EGS 4)”. Ao que esbraveja um professor:

Você está num curso de licenciatura, que tem uma perspectiva e tal, mas o menino não está nem aí para a escola. O universo escolar não faz parte das preocupações dele. [...]. Ou seja, a gente está num curso de licenciatura convencendo, tentando convencer o aluno a ir para a escola. Eu acho isso o cúmulo. Nenhuma outra área é assim. Num curso de licenciatura em História, você vai convencer o sujeito a dar aula? Num de Língua Portuguesa, você precisa convencê-lo a ir dar aula? Ele sabe que ele vai dar aula. E no nosso, não. Tem um leque de opções. Falam assim: “olha, não, não quero saber disso não, porque eu vou dar aula em academia, já defini isso”. E muitos alunos fizeram isso ao longo das suas formações. E o que é pior, passada essa formação, o aluno se vê licenciado e com prerrogativas de atuar na escola. Faz concurso, às vezes passa... ou eles podem até estudar circunstancialmente para aquele concurso. E são essas pessoas que vão ocupar os espaços nas nossas escolas (PROF 1).

O fracasso de suas investidas subjetivadoras quando entabuladas na direção da escola é uma outra circunstância fabricada no dispositivo curricular, com a qual ele tem tido que se haver. Fracasso que se perfaz num curso que, malgrado os seus talhos, devota-se, em última instância, a formar professores. Fracasso não absoluto, pois há também quem diga: “A minha área é a licenciatura, é para a sala de aula que eu quero ir” (ALN 11).

Muitas vezes, a rejeição à escola se transfaz numa jornada profissional que por razões outras, contrárias a um querer, desemboca nesse lócus de trabalho. Em muitos casos, são razões assaz objetivas, que não devem ser menoscabadas, como a necessidade de conseguir um emprego ou condições de trabalho minimamente dignas.

Eu posso passar o curso inteiro negligenciando aqueles componentes pedagógicos, porque eu quero, eu sou apaixonada pela área não formal, e eu quero atuar nela. Só que aí, eu saio daqui e vou querer trabalhar na área não formal, mas tem o Conselho que me impede de trabalhar nessa área. Então, eu estou precisando de emprego, o que é que eu vou fazer? Eu acho emprego na escola, eu vou para a escola (ALN 12).

No avançar de suas rachaduras, o dispositivo produz, ainda, um traço que, ao entrecruzar-se com a concreção de uma licenciatura que não cumpre a função de licenciatura, realimenta a conotação de um currículo esgarçado, corroído, que não responde às expectativas que lhe são depositadas precisamente porque, em sua tentativa de fazer-se uma totalidade unitária, parte-se em dois grandes fragmentos e termina por não suprir satisfatoriamente a nenhum deles.

Essa divisão acaba fragilizando os dois lados. Porque é um curso de licenciatura... não que eu saia daqui já com... digamos assim... na verdade, eu não consigo sair daqui totalmente licenciada, nem bacharel, porque os dois lados saem frágeis, entendeu? (ALN 13).

E a gente não está preparando nosso aluno nem para a licenciatura, nem para uma área fora da licenciatura. [...]. O currículo não está contemplando nem a licenciatura, nem o bacharelado. E se ele não contempla uma coisa nem outra, qualquer coisa serve (PROF 2).

O fantasma de um bacharelado no interior de um curso de licenciatura. Um curso de licenciatura que não é exatamente uma licenciatura. Também não é um bacharelado. Uma licenciatura que titubeia ao fomentar subjetivações implicadas com a docência e com a escola. Um curso que pretende dar conta de formar profissionais para atuar dentro e fora da escola, transmutado num curso que produz nos sujeitos a sensação de não estarem suficientemente preparados nem para uma coisa, nem para outra. Trincando-se de forma incongruente, a maquinaria curricular prefigura-se como uma teia embaraçada, crivada por um grande corte, através do qual a profissão é irresolutamente avistada. Um currículo oficialmente não dividido, “que tem uma confusão muito grande em relação a essa separação de licenciatura e bacharelado” (ALN 14). Em esgotamento, a matriz de um sujeito-profissional pleno é sobreposta por imagens outras, que mobilizam as subjetividades com ímpetos dispersos.

E então?

Ao interpelarmos a contextura de um currículo de formação em Educação Física, fomos propelidos por um problema de pesquisa pensado desde o lugar em que se está, nascido da imanência da lida com as coisas que nos afetam. O mapa que tracejamos a partir desse problema mantém-se “[...] aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza [...]” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 22). Por conseguinte, até poderíamos desenhá-lo, mas talvez sejamos mais fiéis à nossa postura metodológica se mantivermos sua visibilidade franqueada aos olhos de cada leitor.

Em nosso trajeto, vimos um ethos profissional uno desfazer-se no mesmo compasso em que tentava se legitimar. Se essa fratura geradora de dois mundos da Educação Física não deve ser considerada um evento exclusivo desse dispositivo curricular, uma vez que retumba antagonismos característicos do próprio campo e, por isso, decerto possa ser entrevista em outras glebas formativas, aqui, a sua singularidade se deve, em grande medida, ao fato de ser ela uma espécie de efeito inconformado, relutante, que intercorre de uma ofensiva explicitamente conciliadora e partidária de uma profissionalidade unívoca. É como se o dispositivo se autossabotasse, fazendo com que nos apercebamos do quão inóspita e defectível pode se tornar uma tentativa de silenciamento das diferenças. Quando sufocadas, elas se enrijecem e gritam.

A cisão desse ethos profissional e a forma como isso age sobre a engenharia curricular não nos servem como insumos para denunciar o insucesso desse dispositivo, demonizando a sua suposta compleição deteriorada e apontando-lhe uma glória reparadora. Servem-nos, isto sim, à afirmação da impossibilidade de se represar a correnteza de significados que dá existência à nossa área, do que decorre a igual impossibilidade de apagarmos nossas divergências. Por mais que queiramos, não nos será factível dizer, de uma vez por todas e para sempre, que a Educação Física é isso, somente isso e nada mais que isso; tampouco abarcar, numa só alegoria profissional, sentidos múltiplos que, claro, permeiam-se, mas sobretudo se rechaçam. Qualquer empenho que busque a candura do apaziguamento totalizante, seja num modelo de formação generalista, seja em cursos específicos de licenciatura e bacharelado - porque neles também se empreendem contendas, às vezes silenciosas, às vezes estridentes -, propende à frustração. Alguma coisa sempre escapa por entre nossas fronteiras frouxas e borradas. Alguma coisa sempre as tensiona e nelas penetra. Alguma coisa dentro delas sempre se torna uma outra coisa, completamente não vaticinada.

Numa crítica não prospectiva, que nos afasta tanto da acusação quanto do prenúncio, fazemos um convite ao debate curricular em torno da formação em Educação Física: desarmemo-nos e duvidemos de nossas próprias certezas. Interroguemo-nos, então: na forma como temos estremado nosso território e organizado nossos cursos, as dissimilitudes e os conflitos que nos investem - que são, em si, inevitáveis -, têm se prestado ao amortecimento ou à intensificação das experiências formativas dos sujeitos, do seu vigor de agir e pensar? O que seria mais produtivo para ativarmos na Educação Física a faculdade da insurgência, assumi-la em seu desentendimento movente ou sucumbi-la ao essencialismo vegetativo de uma coisa só?

Não há nada de inequívoco ou retilíneo naquilo com o que nos deparamos nesse curso. Linhas tortuosas de um novelo enleado. Ao fim e ao cabo, esse itinerário - ou essa história, como propusemos - fala-nos da condição indômita de um currículo. Condição trágica, porquanto nos põe a peregrinar por estradas incertas, sem destinos tangíveis, arrancando-nos aquelas pósteras promessas de redenção tão comumente professadas pelos currículos e ferrenhamente abraçadas por nós. Condição virtualmente potente, no entanto, pois é justamente ela, em sua inconstância e indeterminação, que nos permite, de nossos lugares e com nossas razões, forçar as estruturas curriculares a se abrirem a novas maneiras de nos (des)entendermos com o presente de nossa profissão, questionando suas práticas e seus encargos. Nossos currículos de formação em Educação Física são, tal qual todo e qualquer currículo, uma inesgotável e mutante aporia, e é por isso que, estando neles, podemos eticamente reelaborar o nosso comprometimento com a dignidade da vida, num ato sem trégua.

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SOBRE OS AUTORES

3 Ainda que a ideia de teorização pós-crítica permita compreender algumas características mais gerais das discussões agrupadas sob essa denominação, há aí questões e orientações teóricas distintas, com distanciamentos importantes. Trata-se, pois, de uma classificação a ser utilizada com cautela.

4No caso dos professores e egressos, recorremos a entrevistas, relatos orais gravados em áudio e relatos escritos. Com os alunos concluintes, realizamos uma roda de conversa, que também pode ser designada como um grupo de discussão. A pesquisa foi realizada com a anuência da instituição e o consentimento dos sujeitos participantes.

SOBRE OS AUTORES

5As diretrizes curriculares nacionais para a formação em Educação Física são agora definidas pela Resolução CNE/CES nº 06/2018, ao passo que a formação de professores da educação básica tem a Resolução CNE/CP nº 02/2019 como seu atual documento norteador. Essas resoluções, contudo, não integram nosso escopo de análise, uma vez que, dado o marco temporal da pesquisa, ainda não exerciam seus efeitos legais sobre o contexto investigado.

6Na última década, o sistema CONFEF/CREFs tem imposto um acirrado cerceamento ao universo de trabalho da Educação Física, diligenciando-se para imiscuir-se em todos os espaços de atuação. A intensificação das ações de fiscalização do Conselho, que se alastraram por quase todos os estados da federação, associada à inscrição da insígnia “Atuação Educação Básica” nas cédulas de registro profissional daqueles que cursaram a licenciatura já sob a vigência da Resolução CNE/CES nº 07/2004, perpetraram, para os licenciados da área, uma determinante interdição a qualquer contexto de trabalho que não fosse a escola. Como corolário dessa conjuntura persecutória, egressos e alunos reclamam do curso a promessa não cumprida de acesso irrestrito ao mercado de trabalho que lhes fora prenunciada.

Recebido: 10 de Maio de 2021; Aceito: 30 de Maio de 2021

Glaurea Nádia Borges de Oliveira Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do Departamento de Educação/Campus XII da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (PPGEd/UESB). Pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar (GPEF/FEUSP), vinculado à Faculdade de Educação da USP, e do Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão Educacional Paulo Freire, vinculado à UNEB.

Marcos Garcia Neira Livre-Docente em Metodologia do Ensino de Educação Física e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Titular da Faculdade de Educação da USP. Líder do Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar (GPEF/FEUSP), vinculado à Faculdade de Educação da USP.

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