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Revista Práxis Educacional

versión On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.17 no.46 Vitória da Conquista jul./sept 2021  Epub 24-Dic-2021

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i46.8857 

Artigos

ANÁLISE DAS SUSTENTAÇÕES ORAIS DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA PNEE-2020

ANALYSIS OF THE ORAL ARGUMENTS OF THE PNEE-2020 DIRECT UNCONSTITUTIONALITY ACTION

ANÁLISIS DE LAS PRESENTACIONES ORALES DE LA ACCIÓN DE INCONSTITUCIONALIDAD DE LA PNEE-2020

Luiz Renato Martins da Rocha1 
http://orcid.org/0000-0002-2884-4956

Norma Abreu e Lima Maciel de Lemos Vasconcelos2 
http://orcid.org/0000-0002-4927-0760

Enicéia Mendes Gonçalves3 
http://orcid.org/0000-0003-3673-0681

Cristina Broglia Feitosa de Lacerda4 
http://orcid.org/0000-0002-3250-1374

1Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Brasil - luizrenatomr@gmail.com

2Universidade de Pernambuco - Brasil - normamvasconcelos@gmail.com

3Universidade Federal de São Carlos - Brasil - eniceia.mendes@gmail.com

4Universidade Federal de São Carlos - Brasil - cbflacerda@gmail.com


Resumo:

A Política Nacional de Educação Especial: equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida (PNEE-2020) foi instituída por meio do Decreto Nº 10.502 de 2020 no dia 01/10/2020, o Supremo Tribunal Federal - STF suspendeu a eficácia do Decreto em 01/12/2020. Seguiu-se e então um período de sustentações orais de movimentos contra e a favor do decreto, na tentativa de influenciar na decisão definitiva do plenário. O objetivo do presente estudo foi o de analisar os diferentes discursos expressos nas sustentações orais peticionados ao Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.590 que levou a suspensão da PNEE-2020. Ao todo 11 vídeos das sustentações orais foram transcritos e os discursos foram analisados utilizando-se o software de análise textual Iramuteq. Os resultados apontaram que os argumentos principais foram baseados na legislação brasileira e internacional, mas paradoxalmente, um mesmo trecho da lei foi utilizado tanto para defender a revogação quanto a manutenção da PNEE-2020. Concluiu-se que o processo evidenciou diferentes compreensões do que é educação inclusiva, dividiu o movimento de luta das pessoas com deficiência e enfraqueceu o movimento pela inclusão escolar no Brasil, uma vez há vozes polarizadas sobre o assunto e não há uma unificação dos ideários à serem alcançados.

Palavras chave: Educação Especial; Ação Direta de Inconstitucionalidade; Política Nacional de Educação Especial.

Abstract:

The National Policy on Special Education: equitable, inclusive and with lifelong learning (PNEE-2020) was established by Decree No. 10.502 of 2020 on 10/01/2020, the Federal Supreme Court - STF suspended the effectiveness of the Decree 12/01/2020. Then followed a period of oral arguments of movements against and in favor of the decree, in an attempt to influence the final decision of the plenary. The objective of the present study was to analyze the different speeches expressed in the oral arguments petitioned to the Supreme Court (STF) regarding the Direct Action of Unconstitutionality (ADI) nº 6,590 that led to the suspension of the PNEE-2020. A total of 11 videos of the oral arguments were transcribed and the speeches were analyzed using the Iramuteq textual analysis software. The results showed that the main arguments were based on Brazilian and international legislation, but paradoxically, the same section of the law was used both to defend the revocation and the maintenance of the PNEE-2020. It was concluded that the process showed different understandings of what inclusive education is, divided the movement of struggle of people with disabilities and weakened the movement for school inclusion in Brazil, since there are polarized voices on the subject and there is no unification of ideas about be achieved.

Keywords: Special Education; Direct Unconstitutionality Action; National Policy on Special Education.

Resumen:

La Política Nacional de Educación Especial: equitativa, inclusiva y con aprendizaje a lo largo de toda la vida (PNEE-2020) fue establecida por el Decreto No. 10.502 de 2020 el 01/10/2020, y el Supremo Tribunal Federal - STF suspendió la vigencia del Decreto en 01/12 / 2020. Luego siguió un período de alegatos orales de movimientos en contra y a favor del decreto, en un intento de influir en la decisión final del pleno. El objetivo del presente estudio fue analizar los diferentes discursos expresados en los alegatos orales solicitados al Tribunal Supremo (STF) en relación con la Acción Directa de Inconstitucionalidad (ADI) nº 6.590 que motivó la suspensión del PNEE-2020. Se transcribieron un total de 11 videos de los argumentos orales y se analizaron los discursos utilizando el software de análisis textual Iramuteq. Los resultados mostraron que los principales argumentos se basaron en la legislación brasileña e internacional, pero paradójicamente, el mismo artículo de la ley se utilizó tanto para defender la revocación como el mantenimiento de la PNEE-2020. Se concluyó que el proceso mostró diferentes entendimientos de lo que es la educación inclusiva, dividió el movimiento de lucha de las personas con discapacidad y debilitó el movimiento por la inclusión escolar en Brasil, ya que hay voces polarizadas sobre el tema y no hay unificación de ideas a ser logrado.

Palabras clave: Educación especial; Acción directa de inconstitucionalidad; Política Nacional de Educación Especial.

Introdução

No dia 01 de outubro de 2020 foi publicado o Decreto presidencial nº 10.502, que instituía a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, aqui denominada de PNEE-2020. Após sua publicação, o Partido Socialista Brasileiro - PSB, no dia 26 de outubro do mesmo ano, ajuizou ação sob a justificativa de que a PNEE-2020 violaria:

[...] frontalmente o preceito fundamental de direito à educação inclusiva ao prever a criação de escolas especializadas, classes especializadas, escolas bilíngues de surdos e classes bilíngues de surdos ao invés de fomentar a inserção dos alunos com deficiência nas escolas regulares e promover a convivência de pessoas com e sem deficiência (BRASIL, 2020d, p. 16).

Devido à solicitação do PSB ao Supremo Tribunal Federal - STF por meio de requerimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 6.590, com medida cautelar à PNEE-2020, o relator designado para tal, o Ministro Dias Toffoli, em 01 de dezembro de 2020 publicou decisão monocrática, concedendo a “[...] cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário, para suspender a eficácia do Decreto nº 10.502/2020, submetendo esta decisão à referendo na sessão virtual que se inicia no dia 11/12/2020” (BRASIL, 2020c, p. 26, grifo no original).

Nesse contexto, o presente estudo objetiva a análise das sustentações orais pelos amici curiae1 e pela advocacia-geral da união (AGU), no tocante à ADI ajuizada pelo PSB ao STF, com o objetivo de descrever e analisar os argumentos utilizados no embate entre os favoráveis e os contrários ao decreto nº 10.502/2020.

Cabe inicialmente, um esclarecimento sobre o objeto de análise do presente estudo, que se deve às sustentações orais dos amici curiae ou amigos da corte. De acordo com Ximenes (2010) amicus curiae não é parte do processo, mas sim, pessoa física ou jurídica que pode contribuir com informações e conhecimento no tema da lide, trazendo posicionamentos e aproximando as demandas dos cidadãos ao STF. Trata-se de uma possibilidade de determinados grupos da sociedade em se manifestar “[...] mesmo que não sejam partes legítimas para propor a ação. A finalidade precípua do amicus curiae é pluralizar o debate constitucional” (idem, p. 134).

O amicus curiae deve ser representado por um advogado, profissional habilitado pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, o que em certa medida, restringe um maior número de participações (ALMEIDA, 2019) além de ser uma exigência contraditória, uma vez que “[...] não se espera dos amici curiae que ofereçam argumentos jurídicos sofisticados - esse não tem sido, ao menos, o papel que lhe é atribuído” (idem, p. 686).

Para admissão na condição de amicus curiae, dois pontos são fundamentais: “[...] a relevância do tema debatido na ação e a representatividade dos postulantes. A partir da análise desses dois critérios, o tribunal tem delimitado os objetivos e a função dos amici curiae no processo constitucional brasileiro” (XIMENES, 2010, p. 134). Há situações em que ocorre o indeferimento da participação do amicus curiae, em decorrência do: “i) prazo; ii) defesa de interesse próprio; iii) ausência de utilidade dos amici; iv) problemas de representatividade e legitimidade; v) intercorrências processuais” (ALMEIDA, 2019; p. 691).

Um diferencial dos amici curiae da PNEE-2020, foi a realização da sustentação oral de forma virtual, com envio dos vídeos pelas entidades ao STF, em função da pandemia do Covid-19, implicando na necessidade do isolamento social, e por essa razão, não houve a sustentação oral de forma presencial, mas videogravada. Em outros tempos, [...] os amici curiae podem ser recebidos nos gabinetes dos ministros, juntar documentos e relatórios com suas petições e têm a capacidade de postular no processo” (ALMEIDA, 2019, p. 697).

O papel do amicus curiae é também o de prestar novas informações à corte, oxigenando os discursos, permitindo assim, no caso em estudo, uma aproximação da sociedade, de pessoas com deficiência e suas famílias no exercício da democracia. A escuta desses segmentos pode ser de grande valia para a construção do posicionamento dos ministros do STF na lide em questão.

Após ajuizamento da ação pelo PSB, uma série de instituições requereu o ingresso como amicus curiae na ADI nº 6590 em face do Decreto nº 10.502 de 2020. Ao todo, 30 instituições requereram participação da condição de amicus curiae, sendo que, 16 foram aceitas, destas, oito favoráveis à manutenção da PNEE-2020 e oito defendendo sua suspenção, considerando-a inconstitucional. Outras 14, não foram aceitas, sendo todas adeptas da suspenção da PNEE-2020. O Quadro 1 apresenta as instituições que tiveram seu pedido deferido para ingresso na ação na condição de amicus curiae e submeteram à apreciação do STF sua sustentação oral. Entre [colchetes] consta o número da movimentação do processo da ADI nº 6.590.

Quadro 1 Instituições deferidas como amicus curiae e que submeteram sustentação oral ao STF 

Instituição, data e hora do recebido do pedido para participação como amicus curiae Voto, data e hora da submissão da sustentação oral - petição eletrônica e nome do arquivo submetido
Manutenção Suspensão
Ministério Público do Estado de São Paulo [7]2, 23/10/2020 às 18:22:19 por Rafael de Alencar Araripe Carneiro3 [8]4. 08/12/2020 às 12:30:41 por Mário Luiz Sarrubbo [124], duração: 11min03s
Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiências - CRPD [9], 12/11/2020 às 10:22:15 por Diego Krainovic Malheiros de Souza [14]. 06/12/2020 às 09:50:19 por Rafael Koerig Gessinger [73], duração: 12min50s.
Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down - FBASD [15], 12/11/2020 às 19:45:41 por Rhomenig Oliveira de Souza [21]. 08/12/2020 às 23:59:16 por Ana Claudia Mendes de Figueiredo [140], duração: 9min31s
Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade - APABB [22], 15/11/2020 às 21:46:46 por Cahuê Alonso Talarico [28]. 08/12/2020 às 20:33:37 por Cahue Alonso Talarico [131], duração: 10min02s
Associação Paulista de Autismo - AutSP [37], 02/12/2020 às 23:18:27 por Camilla Cavalcanti Varella Guimarães Junqueira Franco [43]. 08/12/2020 às 19:24:14 por Camilla Cavalcanti Varella Guimarães Junqueira Franco [128], duração: 4min53s
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos - Feneis [44], 02/12/2020 às 23:46:52 por Bruno César Deschamps Meirinho [51]. 08/12/2020, às 00:34:30 por Bruno Cesar Deschamps Meirinho [123], duração: 13min38s
Instituto Alana [52] e RNPI - Rede Nacional Primeira Infância [52], 03/12/2020 às 13:19:12 por Thais Nascimento Dantas [66]. Instituto Alana: 08/12/2020 às 21:04:58 por Thaís Nascimento Dantas [132], duração: 6min50s RNPI: 08/12/2020 às 23:23:58 por Caio Leonardo Bessa Rodrigues [136], duração: 4min56s
Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores - GAETS [67], 03/12/2020 às 16:58:05 por Hélio Soares Júnior [70]. 08/12/2020 às 23:18:43 por Renata Flores Tibyriçá [172], duração: 6min54s
Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência - AMPID [109], 04/12/2020 às 15:32:27 por Thyago Bittencourt de Souza Mendes [113]. 08/12/2020 às 23:43:46 por Joelson Dias [138], duração: 9min22s

Fonte: Autoria própria com dados da ADI nº 6590 (BRASIL, 2020c).

No Quadro 1, dez instituições submeteram sustentação oral e petição ao STF, todas representando pessoas com deficiência. Destas, oito foram favoráveis à PNEE-2020 ser declarada inconstitucional e duas votaram pela sua constitucionalidade. Os vídeos em média tiveram uma duração de aproximadamente 8min, totalizando 1h29min59s de apresentação.

No

Quadro 2 , identificamos a sustentação oral realizada pela AGU, como parte interessada no processo e não como amicus curiae.

Quadro 2 Sustentação oral ao STF da parte intimada: Presidente da República, representado pela AGU  

Instituição, data e hora do recebido do pedido para participação como amicus curiae Voto, data e hora da submissão da sustentação oral - petição eletrônica e nome do arquivo submetido
Petição Advogado-Geral da União (AGU) [72], 03/12/2020 às 19:31:18 por Jose Levi Mello do Amaral Junior e Izabel Vinchon Nogueira de Andrade [74] Pela Manutenção da PNEE-2020. 08/12/2020 às 16:35:34 por Izabel Vinchon Nogueira de Andrade [126], duração: 6min28s.

Fonte: Autoria própria com dados da ADI nº 6590 (BRASIL, 2020c).

No Quadro 3, os pedidos para participação como amicus curiae também foram deferidos, no entanto, estes não submeteram suas sustentações orais, mas a petição escrita foi realizada e, em tese, levadas em consideração, uma vez que aparecem na capa do processo os nomes das instituições abaixo referenciadas.

Quadro 3 Instituições deferidas como amicus curiae e que não submeteram sustentação oral ao STF 

Instituição, data e hora do recebido do pedido para participação como amicus curiae Voto escrito
Movimento Orgulho Autista Brasil - MOAB [75], 03/12/2020 às 21:50:57 por Nadine Taleis [79]. Manutenção5 Sem informes da sustentação oral submetida para apreciação do STF
Instituto de Superação e Inclusão Social - ISI, [80], 03/12/2020 às 21:54:00 por Nadine Taleis [85]. Manutenção5 Sem informes da sustentação oral submetida para apreciação do STF
Instituto de Promoção das Pessoas com Deficiência Visual - IPPCDV [86], 03/12/2020 às 21:57:48 por Nadine Taleis [89]. Manutenção5 Sem informes da sustentação oral submetida para apreciação do STF
Associação Brasiliense de Deficientes Visuais - ABDV [90], 03/12/2020 às 22:01:14 por Nadine Taleis [95]. Manutenção5 Sem informes da sustentação oral submetida para apreciação do STF
Associação de Amigos do Deficiente Visual - AADV [96] 03/12/2020 às 22:06:41 por Nadine Taleis [100]. Manutenção5 Sem informes da sustentação oral submetida para apreciação do STF
Federação Nacional das Apaes [101], 04/12/2020 às 01:37:49 por Eduardo Vieira Mesquita [108]. Manutenção6 Sem informes da sustentação oral submetida para apreciação do STF

Fonte: Autoria própria com dados da ADI nº 6590 (BRASIL, 2020c).

As instituições que não obtiveram aceite de participação como amicus curiae, foram: Instituto Rodrigo Mendes, Conselho Federal de Psicologia, Federação das Fraternidades Cristãs de Pessoas com Deficiência do Brasil - FCD/BR, Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas - ABRAÇA, Human Rights Watch, Instituto Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Instituto Jô Clemente e Associação Turma do Jiló, Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd, Instituto Viva Infância, Coletivo Feminista Helen Keller, Educação e Mobilização Social - AVANTE, Conectas Direitos Humanos e Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (LEPED/FE/UNICAMP).

Foi possível verificar que, no deferimento dos amici curiae, o relator do processo buscou o balizamento dos votos, buscando equilíbrio, sendo oito de acordo com a ADI nº 6.590 e oito discordantes. Vale ressaltar ainda que cinco das instituições deferidas, e que eram a favor da manutenção da PNEE-2020, estavam representadas pela mesma advogada, sendo a mesma petição para todas elas. Conforme o Quadro 1, na movimentação [71] e [122] estão as instituições aceitas na condição de amicus curiae. Na movimentação [216] a Feneis solicita a inclusão de uma carta assinada por 44 doutores/as surdos/as de todo o país e pertencentes a diferentes instituições de educação, inspirada em carta enviada em 2012, ao então, ministro da educação: Aloizio Mercadante (STORTO et al, 2019).

Com o objetivo de analisar os argumentos usados nesses discursos procedeu-se uma análise textual das sustentações orais referentes ao processo de julgamento da PNEE-2020 no STF, via software Iramuteq.

Procedimentos Metodológicos

Esta pesquisa tem abordagem qualitativa e é de natureza descritiva, e realizou análise textual por meio do software Iramuteq. Trata-se de um software gratuito, ancorado no software estatístico R e na linguagem de programação python (SOUZA et al, 2018). “O IRAMUTEQ suporta diferentes análises de corpus textuais, que incluem aquelas mais simples, como a lexicografia básica (cálculo de frequência de palavras), além de análises complexas, como as multivariadas (CHD e AS)” (GARBIN et al., 2018, p. 80).

Os 11 vídeos no site do STF, sendo 10 de instituições amici curiae (referidos no Quadro 1) e um da AGU, foram copiados. Em seguida as falas foram transcritas, excluindo-se os trechos de formalidade, não relacionados diretamente à PNEE-2020. A transcrição das falas resultou em um texto com 25 páginas e cerca de 11 mil palavras.

Primeiramente foi feita uma limpeza eliminando parágrafos e símbolos gráficos como: aspas, apóstrofo, porcentagem, reticências e outros. Depois de toda a limpeza do texto, procedeu-se a linha de comando para cada um dos vídeos, que foi realizada da seguinte forma: **** *sust_1, que é a sustentação número 1, em consonância à capa do processo do STF e assim sucessivamente até o 11º vídeo, conforme Quadro 4.

Quadro 4 Instituições e a linha de comando do Iramuteq 

Sigla Instituição Sigla Instituição
Sust_1 AGU Sust_7 Instituto Alana
Sust_2 FBASD Sust_8 FENEIS
Sust_3 AMPID Sust_9 CRPD
Sust_4 RNPI Sust_10 AutSP
Sust_5 APABB Sust_11 Ministério Público do Estado de São Paulo
Sust_6 GAETS

Fonte: Autoria própria com dados da ADI nº 6590 (BRASIL, 2020c).

Após o preparo do texto, foi feita a inserção no Iramuteq e considerou-se todas as palavras que tivessem frequência igual ou superior a 15, uma vez que, abaixo desse valor, poderia ocorrer uma dispersão e a perda da identidade visual objetivada com o uso software. Assim, o corpus geral da análise foi constituído por 11 textos, separados por 326 segmentos de textos (ST), com aproveitamento de 260 ST (79,75%). Emergiram 11.391 ocorrências (palavras, formas ou vocábulos), sendo 2455 palavras distintas, e, 841 palavras que apareceram uma única vez.

O uso de softwares de análises textuais não é de forma alguma uma substituição dos pesquisadores e de suas interpretações, pois o software não analisa os resultados, mas sim, sistematiza-os, entregando um produto garimpado para favorecer o trabalho destes (ROCHA; MENDES; LACERDA; 2021). Além disso, o uso do Iramuteq permite “[...] um olhar atento e cuidadoso ao material, o que qualificou o processo de categorização e potencializou os resultados da pesquisa qualitativa” (idem, p. 15). Durante a menção das palavras, que compõem o corpus analisado, destacaremos algumas delas, colocando-as em itálico, por exemplo: a palavra Não, Decreto e outras.

Resultados e Discussões: análise das sustentações orais

As palavras mais recorrentes nos discursos proferidos foram a base para gerar os seguintes resultados: nuvem de palavras, análise de similitude e Classificação Hierárquica Descedente - CHD. A Erro! Fonte de referência não encontrada., apresenta as palavras que foram base para gerar as figuras subsequentes, acompanhadas de suas respectivas frequências.

Palavras e sua frequência nas sustentações orais  

Palavras Fr(n)
Não 117
Decreto 100
Pcd 76
Direito 73
Artigo 58
deficiência 55
Educação 52
Sistema 46
Inclusão 46
Inclusivo 45
Aluno 42
Ensino 41
educacional 40
convenção 32
educação_especial 31
Surdo 28
Escola 28
educação_inclusiva 26
Ambiente 26
sociedade 25
Inciso 24
constituição_federal 23
constitucional 23
Pessoa 22
escolar 21
geral 20
estabelecer 20
escola_especializada 20
adir 20
brasil 18
lei 17
inicial 17
igualdade 17
excelência 17
decisão 17
criança 17
aee 17
importante 16
garantir 16
respeito 15
política 15
pnee 15
norma 15
estado 15
escolas_especializadas 15
corte 15
brasileiro 15
apoio 15

Fonte: Autoria própria com dados das sustentações orais.

A final, chegou-se a 48 palavras mais frequentes, utilizadas nos discursos das sustentações orais ao STF, na figura do amicus curiae, bem como, da parte intimada no processo (AGU).

A nuvem de palavras é uma forma visual de identificar as palavras que mais aparecem, quanto maior a frequência, maior será sua representação gráfica/visual. Trata-se de um processo considerado simples, mas uma forma bastante imagética de compreender o que se analisa (KAMI et al, 2016). Assim, a nuvem de palavra agrupa as palavras devido a sua frequência no corpus analisado, ficando maior ou menor, a depender de quantas vezes ocorre, no caso em estudo, nas sustentações orais.

Fonte: Elaborada pelos autores com dados das sustentações orais da ADI nº 6.590/2020.

Figura 1 Nuvem de palavras das sustentações orais 

As palavras que compõem a nuvem de palavras são aquelas cuja frequência vai de 117 a 15. O maior destaque no texto, deve se as palavras: Não, decreto, direito, artigo, PcD, deficiência, educação, inclusão, sistema e afins. As palavras com mais frequência, basicamente se referem a grupos de palavras: 1) Relacionadas a legislação e termos jurídicos; 2) às pessoas público da PNEE-2020, exceto a superdotação ou altas habilidades, pois o foco dos discursos foi sobre a pessoa com deficiência e 3) ao ambiente escolar e outros.

As sustentações orais denotam a discussão em torno da PNEE-2020, se ela é inconstitucional ou constitucional, sendo que, cerca de 72% dos discursos analisados foram favoráveis a ADI nº 6.590. Ressalta-se que, o objetivo foi a análise das sustentações orais e não das petições escritas, assim, e duas sustentações foram descartadas por serem somente escritas.

A essência visual da nuvem de palavras, deixa os assuntos tratados com mais frequência em evidência e, deste modo, dá indicativos para quem a visualiza, do que trata a temática analisada. As palavras destacadas na composição da nuvem de palavras, deixa clara a tratativa de temática em epígrafe, em sua maioria, considerando a PNEE como inconstitucional.

A Figura 2 apresenta a análise de similitude, análise baseada na teoria dos grafos e produz gráficos da livraria “IGRAPH” do R (MARCHAND; RATINAUD, 2012).

Fonte: Elaborada pelos autores com dados das sustentações orais da ADI nº 6.590/2020.

Figura 2 Análise de Similitude dos discursos favoráveis e contra à PNEE-2020 

A Figura 2 contém a forma como as palavras se conectam e se interrelacionam, nos discursos de favoráveis e contra a PNEE-2020, com palavras com frequência até 15. Fica visível a divisão da figura em dois grandes grupos: a) relacionados à legislação/direito e b) a uma negação, seja da legislação, seja da PNEE-2020 ou da lide em questão.

No item ‘a’ sobre a legislação, há um tronco que trata sobre os direitos das pessoas com deficiência no Brasil, sob a égide da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência7, aprovada por meio do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, da garantia e da igualdade desses sujeitos, a esse respeito, a sust_3, endossa tal princípio, asseverando que:

[...] no mesmo viés a convenção da ONU e sobre os direitos da pessoa com deficiência em seu artigo 24, a garantia do direito à educação das pessoas com deficiência implica em não serem excluídas do sistema educacional geral sob alegação da sua deficiência, também em terem acesso ao ensino inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas [...]

Nesse mesmo viés, a Convenção e outros aparatos legislativos “[...] consubstanciam a imperatividade de adoção de um sistema educacional totalmente inclusivo para alunos com deficiência em todos os níveis e etapas do ensino obrigatório” (SUST_11).

Em outra raiz diretamente ligada as questões do direito, identificamos a educação, respeito e estado, no qual nas mais diversas legislações, é possível identificar a garantia ao “[...] ensino como direito de todos e em igualdade de condições tanto no que diz respeito ao acesso, como a permanência na escola [...]” (SUST_3), que mais uma vez, vai ao encontro do artigo 206 da constituição federal, ao preconizar os princípios do ensino no Brasil (BRASIL, 1988).

Na ponta inferior do grupo sobre os direitos, identificamos a questão dos artigos, incisos e constituição federal, uma vez que, a sustentação oral, em sua maioria, foi defendida com base na legislação existente no tocante às pessoas com deficiência. Decorrente de tais legislações, há uma raiz que trata do sistema educacional, inclusão/sistema geral, educação especial e os apoios, refletidas em sustentações como a sust_2: “[...] as pessoas com deficiência não podem ser excluídas do sistema educacional geral, sob alegação de deficiência, devendo ao contrário, receber o apoio necessário no âmbito do sistema educacional geral com vistas a facilitar sua efetiva educação” e na sust_5: “O artigo 24 da convenção, deixa claro que a pessoa com deficiência não pode ser apartada do sistema educacional geral, ou seja, do ensino regular”.

No outro grupo, a palavra em destaque é o Não e suas ramificações, ligadas a vários desdobramentos, como: escola especializada, inclusão, sociedade, política, decisão e outras. Há uma imperatividade no sentido de se defender o ideal desta ou daquela instituição, assim:

Para o ministério público de São Paulo, a decisão que deferiu a liminar para suspensão do aludido decreto, deve sim ser referendada pelo plenário desta egrégia corte, pois presente o Fumus boni juris8 e o periculum in mora9, pois, o decreto em questão na contramão da ordem constitucional vigente, contém dispositivos que incentivam a implementação de sistema educacional segregacionista, estabelecendo a possibilidade de criação e manutenção pelo poder público das antigas escolas especializadas, das antigas classes especiais (SUST_11).

Uma raiz maior, também está diretamente ligada ao Não, que é o texto do Decreto Nº 10.502 (PNEE-2020), que pelos discursos, em sua maioria, o consideram como inconstitucional/ADI10 nº 6.590 e novamente, as escolas especializadas aparecem. Assim, a sus_3 referenda que: “[...] o decreto ora impugnado é absolutamente incompatível com a ordem constitucional vigente, especialmente como vimos após a decisão desse próprio STF na ADI 5.357, certo que, a educação inclusiva e de qualidade é assegurada pela constituição federal”. E nesse sentido:

Por ser absolutamente inconstitucional o ato normativo impugnado na presente ação, por fomentar política pública que esvazia a luta da sociedade, os esforços oficiais pela inclusão no sistema educacional geral de alunas e alunos com deficiência é que a AMPID espera que a decisão cautelar que suspendeu os efeitos do decreto 10.502 de 2020, até o julgamento definitivo da presente ação, seja então confirmada por esta colenda corte, por seus próprios e jurídicos fundamentos (ibidem).

Por fim, outra raiz que se desmembra do Não, relaciona-se aos estudantes/aluno com deficiência, a educação inclusiva, ao ambiente e mais afastada, às pessoas surdas. Tal relação, pode ser evidenciada na sust_9, que esclarece que:

[...] a inclusão no entanto, não se confunde com uma modalidade específica de ensino, a inclusão é algo mais amplo, que a depender das circunstâncias pode exigir modelos e configurações diferentes, portanto, a escola especializada, bem como as escolas bilíngues para surdos, são sim um meio legítimo de educação especial inclusiva.

No geral, os discursos analisados, estão ligados a centralidade dada ao Não, ora pelo descumprimento da legislação, pela inconstitucionalidade da PNEE-2020, ora pelo entendimento de que a Educação Especial não deve ser segregacionista, mas sim, inclusiva, sob a égide das escolas bilíngues, como espaços legítimos das pessoas surdas, assim, vai se constituindo os discursos, ora pela suspenção do decreto, ora por sua manutenção.

Nos discursos daqueles favoráveis à manutenção da PNEE-2020 (agora analisando de uma forma mais pormenorizada), encontrando-se que, o ‘Não’, também teve grande centralidade, no sentido da não concordância à ADI nº 6.590, sob a argumentação de que a PNEE-2020 não é inconstitucional, como na sust_8 “[...] sustentamos perante vossas excelências, a posição primordial da nossa entidade, de que primeiramente este decreto 10.502 não é inconstitucional, essa é a posição defendida pela Feneis”. Nesse mesmo contexto, há duas raízes nos discursos com uma maior centralidade às questões relacionadas às pessoas surdas e termos como comunidade surda, linguístico, identidade e legislação, afastando esse público, das pessoas com deficiência, que se encontram em outra raiz. A esse respeito, a Feneis considera que: “[...] os surdos são uma comunidade linguística e essa característica é muito importante, ela é tão importante que há mesmo no debate da comunidade surda a ideia de que os surdos não são pessoas com deficiência e sim uma comunidade linguística minoritária” (ibidem, grifo nosso).

Outra questão são as pessoas com deficiência, seus direitos e a legislação (nacional e internacional) e a educação especial como sinônimo de educação inclusiva e, nesse contexto, a sust_1 pontua: “Em conclusão, a PNEE mantém a diretriz de que o ensino especial deve ser ofertado preferencialmente na rede regular de ensino, como preconizado no artigo 208, inciso 3 da carta constitucional [...]”.Ainda no tocante aos que se colocaram favoráveis à PNEE-2020, a sust_9 esclarece que: “[...] não devem tomar como fundamento uma visão radicalizada acerca do termo inclusão, visão esta que chega ao extremo de excluir do conceito de educação especial inclusiva, a modalidade da escola especializada”, ou seja, entende-se, ao menos a estes (favoráveis a PNEE-2020), que é radical pensar em educação especial sem ser está inclusiva e da qual exclui as instituições especializadas (MENDES,2019).

As sustentações orais contrárias ao Decreto Nº 10.502 de 2020 fundamentaram-se mais na legislação do que na defesa de interesses de determinados segmentos/grupos de pessoas com deficiência. A argumentação das sustentações cria ramificações em decreto, leis, artigos, incisos, a constituição federal, e outros. Os discursos estão alinhados à inconstitucionalidade presente no texto do decreto Nº 10.502 de 2020 e ao direito legal de um sistema de educação inclusivo, como por exemplo, na sust_10:

[...] o artigo 24 do decreto 6.949 garante um sistema inclusivo, educacional para as pessoas com deficiência e mais do que isso, no artigo 24, item 2, inciso A, C, D e E, preconiza quais são os mecanismos a serem adotados pela escola e pelo sistema escolar para que a pessoa com deficiência possa ser plenamente incluída.

Outros termos como acesso, inclusão, condição e igualdade, também prevaleceram nos discursos e demonstram o compromisso legal que o Brasil vem adotando em seu sistema jurídico no tocante às questões da escolarização de estudantes com deficiência. A sust_6 ao referir-se ao Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005 de 2014, declara que: “[...] na meta 4.8, garante a oferta da educação inclusiva, sendo vedada a exclusão do ensino regular sobre a alegação de deficiência, e com promoção da articulação pedagógica entre ensino regular e atendimento educacional especializado”.

Em síntese, as análises de similitude juntas e separadas, apontam discursos que ora se entrelaçam: pois de ambos os lados, tenta-se justificar questões legais para o que se acredita, ora se diferenciam: os que são a favor da suspensão da PNEE-2020 (maioria da análise), defende a inclusão como um direito inviolável e a não criação de um sistema paralelo/alternativo às pessoas com deficiência, como mencionado, por exemplo, no inteiro acordão que esclarece que a PNEE-2020 “[...] parece contrariar o paradigma descrito por claramente retirar a ênfase da Política de Educação Especial da inclusão no ensino regular, passando a apresentar esse último como mera alternativa dentro do sistema de educação especial” (BRASIL, 2021, p. 20). Por fim, sust_7 pontua que: “Assim não resta dúvida, o decreto presidencial ora em análise, é inegavelmente o retrocesso ao modelo que não é inclusivo e, portanto, é inconstitucional, viola a constituição federal”.

Em contrapartida, aqueles que foram favoráveis a PNEE-2020, trazem em seus discursos, com exceção da AGU, pautas que perpassam questões legislativas, mas também, questões pontuais de determinados grupos, pautas de estudos realizados/pesquisas sobre o processo de inclusão ou, ainda, casos exitosos de pessoas com deficiência em escolas especializadas, como na sust_9 em que menciona o “[...] medalhista paralímpico Mizael Conrado, eleito o melhor jogador de futebol de cegos do mundo”.

Procedemos ainda, a análise dos discursos, utilizando-se de outra forma a qual é possível pelo uso do Iramuteq, que é a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), “[...] que, além de permitir uma análise lexical do material textual, oferece contextos (classes lexicais), caracterizados por um vocabulário específico e pelos segmentos de textos que compartilham este vocabulário” (CAMARGO; JUSTO, 2013, p. 515). Nesse caso, o software classifica “[...] segmentos de texto em função dos seus respectivos vocabulários, e o conjunto deles é repartido com base na frequência das formas reduzidas (palavras já lematizadas)” (idem, p. 516).

Fonte: Elaborada pelos autores com dados das sustentações orais da ADI nº 6.590/2020.

Figura 3 Filograma das classes fornecidas pelo Iramuteq 

A CHD gerada foi constituída de seis classes de palavras. A classe 1 correspondeu a 18,9% do corpus, a classe 2, a 12,7 %; a classe 3, a 18,1%; a classe 4, a 21,9%, a classe 5, a 14,6% e a classe 6, a 13,8%.

A classe mais representativa de palavras foi a 4, e a palavra em maior destaque, faz menção a política - PNEE (2020) e a não constitucionalidade do decreto, sua implementação ao público a que se destina, entre outros. Na sust_11, temos trechos que qualificam a divisão feita pelo software:

Assim não resta dúvida, o decreto presidencial ora em análise, é inegavelmente o retrocesso ao modelo que não é inclusivo e, portanto, é inconstitucional, viola a constituição federal, especialmente o princípio da não discriminação e o direito a educação, que são garantidos como prioridade absoluta na infância e na adolescência.

Na sequência, temos a classe 3, que se destina a trazer os artigos, a convenção da pessoa com deficiência, constituição federal, incisos, obrigações etc.

Segundo o comitê sobre o direito das pessoas com deficiência, que realiza no âmbito da ONU o monitoramento das obrigações contraídas pelos Estados partes, por ocasião da assinatura da convenção, a educação inclusiva é um direito humano fundamental de todo o aluno (SUST_2).

Nesse mesmo contexto, segundo sust_6, a PNEE-2020 vai na contramão, por exemplo, da convenção e ainda, prevê o financiamento de dois sistemas, “[...] pois, ao invés de seguir buscando eficácia progressiva do artigo 24, que trata do direito à educação, fortalecendo o sistema inclusivo, reafirma a coexistência de um sistema segregado e inclusivo”.

Na classe 2, vemos a junção de palavras como: adaptação, garantia, permanência, acesso, apoio, pedagógico, etc. A sust_3 esclarece de forma profícua a análise realizada pelo Iramuteq:

[...] a garantia do direito à educação das pessoas com deficiência implica em não serem excluídas do sistema educacional geral sob alegação da sua deficiência, também em terem acesso ao ensino inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem e serem providenciadas as adaptações razoáveis, de acordo com as suas necessidades e ambiente que maximize o desenvolvimento acadêmico e social.

Na classe 1, temos as seguintes palavras descritoras: educação especial, escola especializada, modalidade, conceito, escola regular e outros. Na sust_11 vemos ancoradas algumas das questões apontadas na análise:

Para não aparentar estar promovendo a segregação, o decreto em questão confunde os conceitos e ainda dá as famílias a falsa ideia de que podem optar por um tipo de escola ou outra, no entanto, conforme se verifica pela redação de seus artigos, não será a família quem vai optar por uma escola comum ou uma escola especializada, mas sim uma equipe multiprofissional que levará em conta critérios não especificados e pior, com base na subjetividade da aferição de condições pessoais do aluno.

Na classe 5, palavras como: comunidade, surdos, linguístico, identidade, língua e outras, que são palavras mais relacionadas às pessoas surdas, principalmente, aquelas usuárias da Libras. Rocha, Mendes e Lacerda (2021) identificaram que: a “[...] PNEE-2020, apesar de dar destaque à educação bilíngue de surdos e concentrar várias partes do texto para esse fim, pouco propõe de efetivamente novo, se considerarmos o texto do Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005” (p. 14). Desse forma, a sust_8 esclarece que: “Os surdos reivindicam o conhecimento e a informação por meio da Libras, por meio do seu recurso linguístico constituinte, os surdos são uma comunidade linguística e essa característica é muito importante” e ainda, sobre esse público, que “Esse decreto não traz inovações relevantes, ele consolida conceitos e informações da legislação já existente, ao menos naquilo que toca os direitos da comunidade surda, o decreto não inova, o decreto avança em aspectos de regulamentação” (ibidem).

Por fim, temos a classe de palavras nº 6, que concentra palavras como: cumprimentos iniciais, ADI, cautelar, corte, suspender, deferir, e outras. Nessa senda, a sust_11: “[...] pontua o seu posicionamento e requer a essa egrégia corte a confirmação da liminar que suspendeu a eficácia do decreto 10.502 de 30 de setembro de 2020”.

É possível perceber nos discursos, uma forte ênfase ao Decreto nº 6949 de 2009, que Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e, como bem ressaltado, no Brasil possui status de emenda constitucional, em consonância ao artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal: “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (BRASIL, 1988).

Considerações Finais

Depois da imersão nas sustentações orais que levaram o STF à suspensão da PNEE-2020, analisar todos os recursos que o software Iramuteq sintetizou, de uma forma bastante visual, nos apontando assim, o quanto a utilização deste nas análises, qualifica o material, nos deixando assim, a par do que se tratavam os discursos que levaram a egrégia corte, à suspensão do Decreto nº 10.502.

Chama a atenção, o fato de que, nenhuma das sustentações orais fez menção às pessoas com altas habilidades/superdotação ou ao público-alvo da Educação Especial, ambos, público da PNEE-2020, o que pode caracterizar uma falta de olhar mais acurado para à política de forma macro ou ainda, a pouca representatividade que esses grupos tem na sociedade, uma vez que, não foram representados em nenhuma das petições para entrada no processo como amici curiae.

Os discursos ora convergem, ora divergem, o que é esperado para uma ADI, que de certa forma, seus feitos, impactam em toda uma nação, de pessoas com deficiência (diretamente) e sem deficiência (indiretamente), assim, a controvérsia é inerente à matéria do tema discutido. Nesse sentido, as análises apontaram para discursos bipartidos: 1) pessoas com deficiência (exceto pessoas surdas) e 2) as pessoas surdas. Além disso, os discursos parecem ter sido separados no software, naqueles com argumentos mais normativo/legislativo e aqueles de cunho mais pessoal ou histórico.

Na análise de similitude, foi possível ver as co-ocorrências presente no corpus, tanto daqueles que votaram a favor da PNEE-2020, quanto daqueles que votaram pela suspensão da mesma, em que todas as suas ramificações, tem cerne nos discursos produzidos nas sustentações orais e, ‘ao correr os olhos’ sobre a figura, há uma imediata noção do que se trata, mesmo que de forma superficial.

Na CHD, a divisão por classes de palavras, trouxe os percentuais de representatividade de cada classe de palavras e como elas estão interrelacionadas entre si e as palavras que são mais usadas em cada uma das classes, também foi um elemento importante para que o software pudesse compreender os discursos, ao separar de uns e aproximar de outros.

A PNEE-2020 foi a política de educação especial mais curta da história do Brasil, causando “[...] divisão dos movimentos sociais históricos que lutam pelos direitos dos estudantes PAEE, confrontando a comunidade surda, os movimentos dos familiares, os setores públicos e privados da Educação e Educação Especial (ROCHA; MENDES; LACERDA, 2021, p. 15). Com marcas tão conflituosas, imposições legais que contrariam tratados, até mesmo internacionais, resultaram no ajuizamento da PNEE-2020 para uma ADI, que por sua vez, em sessão plenária pelos ministros do STF, resolveram pela suspensão e os feitos da mesma, decisão publicada em dezembro de 2020.

Os discursos analisados nos deram uma perspectiva na defesa apresentada (via sustentação oral) de cada uma das instituições admitidas na condição de amici curiae ou no caso da AGU, que foi parte interessada no processo. Compreender o que estas acreditam sobre a Educação Especial e Educação Inclusiva, é ter a oportunidade de revisitar o movimento histórico e de luta da pessoa com deficiência na sociedade e, as várias formas como esses segmentos representativos argumentam, dão indícios de como, por vezes, o movimento é fragmentado e a forma como cada um destes grupos vai se colocando, revela individualidades, sem a devida observância às premissas em se articular como um movimento coeso e em prol de seu público.

O processo da ADI 6590 possui mais de 250 movimentações, desde o ajuizamento da ação até o deferimento pela corte da sua inconstitucionalidade, no tocante à PNEE-2020. Assim, a PNEE mais curta da história do Brasil, envolta por muitas discussões políticas, e que dividiu o movimento das pessoas com deficiência, com alto custos aos cofres públicos, foi declarada inconstitucional (ROCHA; MENDES; LACERDA; 2021).

Apesar disso, o PSB retornou ao STF para apresentar nova petição, sob a égide do descumprimento da medida cautelar proferida pelos ministros [255]11, solicitando a adoção de medidas para a preservação da autoridade da decisão da suprema corte e apresentando provas de que o MEC vinha descumprindo tais medidas. Assim, o relator solicitou informações à Presidência da República sobre o que foi alegado pelo PSB [259], que respondeu ao STF afirmando: “Todavia, em que pese o alegado pelo autor, a leitura atenta dos autos revela que não há qualquer prova da real ocorrência dos supracitados fatos, bem como do suposto descumprimento da medida cautelar apontado na petição (e-doc. nº 245)” (BRASIL, 2021, p. 19) [266] e [267].

Por fim, ressaltamos a necessidade de se construir, seja qual for a política, trocas constantes com o público a qual se destina, o que não foi o caso da PNEE-2020, além da inerente observância aos princípios legais. A temática em pauta não se esgota aqui, ela abre novos caminhos de pesquisas relativas às políticas públicas e ao uso de software de análise textual na qualificação do material.

REFERÊNCIAS

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SOBRE OS AUTORES:

1Amicus, para o uso da expressão no singular e amici, para o uso no plural.

2Essa primeira movimentação é referente a petição de ingresso como amicus curiae.

3Apesar de haver outras assinaturas nas petições (outros nomes), marcamos apenas que aparece no recibo de petição eletrônica.

4A segunda movimentação é referente ao recibo de petição eletrônica.

5Solicita que o vídeo da sustentação oral da MOAB, ISI, IPPCDV, ABDV e AADV (uma advogada para todos) que fosse apreciado pelo STF na sessão plenária, no entanto, não identificamos o vídeo nem o protocolo [234]. No movimento [246] apresenta defesa escrita pela manutenção da PNEE-2020, no dia 27/01/2021 às 14:34:38.

6Apresenta a solicitação para participação [101] e requere fazer sustentação oral na página 12, item c, mas não protocola tal.

7Adotaremos nesse momento, o termo ‘a Convenção’.

SOBRE OS AUTORES:

8Fumaça do bom direito.

9Perigo na demora.

10Que após a lematização do Iramuteq, a considerou como ADIR.

11O instituto Alana também faz petição de ação para o descumprimento de ação [269], após manifestação do PSB.

Recebido: 09 de Junho de 2021; Aceito: 20 de Junho de 2021

Luiz Renato Martins da Rocha Doutor em Educação Especial (UFSCar). Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Cornélio Procópio, Brasil. Departamento de Educação. Grupo de pesquisa Surdez e Abordagem Bilíngue.

Norma Abreu e Lima Maciel de Lemos Vasconcelos Doutora em Educação Especial (UFSCar). Universidade de Pernambuco, Garanhuns, Brasil. Curso de Pedagogia. Grupo de pesquisa Surdez e Abordagem Bilíngue.

Eniceia Gonçalves Mendes Doutora em Psicologia (USP). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Programa de pós-graduação em Educação Especial. Grupo de pesquisa em Formação de Recursos Humanos e Ensino em Educação Especial.

Cristina Broglia Feitosa de Lacerda Doutora em Educação (Unicamp). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Programa de pós-graduação em Educação Especial. Grupo de pesquisa Surdez e Abordagem Bilíngue.

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