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Revista Práxis Educacional

versão On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.17 no.47 Vitória da Conquista ago. 2021  Epub 18-Fev-2022

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i47.8739 

Artigos

ÉTICA, DECOLONIALIDADE E MIGRAÇÃO À LUZ DO PENSAMENTO FREIREANO

ETHICS, DECOLONIALITY AND MIGRATION IN THE LIGHT OF FREIREAN THOUGHT

ÉTICA, DECOLONIALIDAD Y MIGRACIÓN A LA LUZ DEL PENSAMIENTO FREIREANO

Rubens Lacerda de Sá1 
http://orcid.org/0000-0003-2555-0079

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - Brasil rubens.sa@unifesp.br


Resumo:

Dissertar sobre o pensamento de Paulo Freire é um privilégio e uma responsabilidade, pois se trata de uma tarefa árdua apreender as nuances e a riqueza de suas ideias e ideais, bem como relacioná-los com a realidade social. Dito isso, e tendo aceito esse desafio, pretendo neste ensaio alinhavar os princípios da Ética ao longo da história, à proposta decolonial e aos movimentos de migração observados na contemporaneidade. Todos esses serão banhados no pensamento freireano expressos na sua obra Pedagogia da autonomia (66ª ed., 2020). Falar em Ética implica em compreender modos particulares de ser e de estar no mundo, com a humanidade e pela humanidade. Pensar a decolonialidade enquanto movimento de fronteira a partir de uma condição de subalternidade implica compreender o tripé crítica, crise e criticidade e o mundo a partir do próprio mundo com suas epistemes e contradições. Enveredar pelas trilhas do fluxo migratório implica em relações de alteridade e na percepção de responsabilidade pelo outro para além de fronteiras políticas e geográficas. Por fim, imergir essas três categorias no pensamento filosófico de Paulo Freire significa a disposição de assumir o compromisso de ser gente mais gente (última frase do livro!). Este ensaio enseja uma tarefa enorme, mas que despretensiosamente me proponho a iniciar um diálogo a ser construído com meus leitores.

Palavras chave: Decolonialidade; Ética; Migração; Pedagogia da autonomia

Abstract:

Pen down Paulo Freire's thought is both a privilege and a responsibility, as it is an arduous task to apprehend the nuances and richness of his ideas and ideals, as well as to relate them to social reality. Having said that and having accepted this challenge, in this essay I intend to align the principles of Ethics throughout history, to the decolonial proposal and to the migration movements observed in contemporary times. All of these will be bathed in Freire's thought expressed in his work Pedagogia da autonomia (66th ed., 2020). Speaking of Ethics implies understanding particular ways of being and being in the world, with humanity and in behalf of humanity. Thinking about decoloniality as a frontier movement based on a condition of subordination implies understanding the tripod critical, crisis and criticality and the world from oneself’s world with its epistemes and contradictions. To embark on the paths of the migratory flow implies rapports of alterity and the perception of responsibility for the other beyond political and geographic boundaries. Finally, to immerse these three categories in Paulo Freire's philosophical thinking means the willingness to assume the commitment to be more empathic (final phrase of the book!). This essay gives room to an enormous task, but one that I unpretentiously propose to start in a dialogue to be built with my readers.

Keywords: Decoloniality; Ethics; Migration; Pedagogia da autonomia

Resumen:

Hablar del pensamiento de Paulo Freire es un privilegio y una responsabilidad, puesto que es una ardua tarea aprehender los matices y la riqueza de sus ideas e ideales, así como relacionarlos con la realidad social. Dicho esto y habiendo aceptado este desafío, en este ensayo quisiera alinear los principios de la Ética a lo largo de la historia, con la propuesta decolonial y con los movimientos migratorios observados en la época contemporánea. Todo ello estará bañado por el pensamiento de Freire expresado en su obra Pedagogia da autonomia (66ª ed., 2020). Hablar de Ética implica comprender formas particulares de ser y estar en el mundo, con la humanidad y por la humanidad. Pensar la decolonialidad como un movimiento de frontera basado en una condición de subordinación implica comprender el trípode crítico, la crisis y la criticidad y el mundo desde el mundo mismo con sus epistemes y contradicciones. Emprender los caminos del flujo migratorio implica relaciones de alteridad y percepción de responsabilidad por el otro más allá de las fronteras políticas y geográficas. Finalmente, sumergir estas tres categorías en el pensamiento filosófico de Paulo Freire significa la disposición de asumir el compromiso de ser mas humano (¡la última frase del libro!). Este ensayo da lugar a una tarea enorme, pero que sin pretensiones propongo iniciarlo un diálogo a construir con mis lectores.

Palabras clave: Decolonialidad; Ética; Migración; Pedagogia da autonomia

Abrindo o bate-papo

Há exatos trinta dias, 25 de março de 2021, uma amiga muito querida, a Dra. Ester Maria de Figueiredo Souza, entrava em contato comigo, por telephone, propondo-me um desafio: falar da contribuição do trabalho de Paulo Freire para a questão da migração na contemporaneidade e, por conseguinte, ofertar um texto para o Dossiê 100 anos de Paulo Freire em perspectiva internacional: um legado imensurável para a Educação e a vida.

No início da proposta eu cogitei a recusa, pois admito não ter estudado até então as obras de Paulo Freire com a dedicação e a profundidade que o pensador merece. Mas, como se tratava de um desafio (e eu nunca corro deles!), não podia me furtar a aceitá-lo embora isso significasse muitas horas dedicadas a compreender parte do cerne do pensamento freireano. Após conversar com outra amiga muito querida, a Dra. Mariana Guedes Seccato, e ter uma aula introdutória ao pensamento de Freire, consegui traçar as linhas que me orientariam nesse trilhar, nesse mergulho na bela obra desse pensador aclamado nos quatro cantos do planeta.

Como ressaltei1 no resumo que abre este texto, preferi aprofundar tanto quanto fosse possível, embora reconheça que ainda há muito caminho a percorrer, em apenas uma obra. Embora a Pedagogia do oprimido fosse o texto freireano mais óbvio por ser a opressão, por imposição, frequentemente uma condição quase que sine qua non dos migrantes, optei por pensar nesse grupo como um, dentre muitos, que buscam a emancipação e a autonomia como uma condição para o ser e estar no mundo. Partindo, então, desse pressuposto foi possível também alinhar a categoria ética e a proposta decolonial a esse grupo e banhá-los, como anuncio, no pensamento de Paulo Freire a partir da obra que tomo como referência.

Tenho absoluta ciência de possíveis e eventuais deslizes, e até desvios, conceituais e taxonômicos da filosofia freireana, mas se os faço, asseguro que é com total ingenuidade e nunca com a intenção de desqualificar ou macular a proposta do patrono da educação brasileira. É por essa razão, antecipada no resumo, que este ensaio enseja um início de um diálogo, certamente muito profícuo, com meus leitores, meus parceiros mais experientes - para referenciar Vygotsky (1984). Ademais, por e ao assumir essa dinâmica textual, submeto este ensaio, na acepção de Foucault (1969), ao escrutínio do leitor. Assim, arremato a abertura deste texto da maneira que sempre gosto de fazer: Mwen swete ou yon lekti ekselan!

Comecemos falando de Ética

Em algum momento nesse texto já fiz breve referência à Ética, bem como à Decolonialidade e a Migração, como categorias e não como conceitos. A razão para essa escolha lexical é por pensar no vocábulo conceito como algo mais provavelmente finito, teorizado, acabado e que conta com um começo, um meio e um fim. Por outro lado, pensar em categorias me remete a algo fluido e maleável em um esforço de apreender e compreender a dinamicidade da sociedade e da vida social marcada por seus aspectos mais singulares.

Adiro a esse constructo a partir do empréstimo da percepção marxista de que a realidade é opaca e que os discursos que a sustentam precisam ser desvelados. Para Marx (2008), a sociedade é contraditória e com contradições que são produzidas no tecido societal. Por conseguinte, é papel das categorias partirem do plano real, do pensamento, para explicitar e desvelar as contradições produzidas na sociedade evitando, desse modo, que essas se tornem promotoras de desumanidades. Entretanto, isso não é possível somente com foco na descrição da realidade, com o contentar-se apenas em perceber a superficialidade de sua aparência.

Na propositura crítica de Marx (2011) a compreensão da sociedade por meio de categorias mais simples e fluidas é necessária porque essas formam parte do todo social que é complexo e multifacetado mas, ao mesmo tempo, vinculado à realidade produtora de sentidos e significados espaço-temporais diferentes. São tais categorias que permitirão o entendimento das convergências e divergências das atividades humanas e sua percepção de si e do mundo.

É nesse ponto que estabeleço a relação com a Ética. Podemos pensar em diferentes perspectivas éticas como, por exemplo, as tradicionais e as emergentes (Egido, 2020). As primeiras abarcam, dentre outras, a microética, a procedimental, a formal e a burocrática. A segunda inclui a macroética, a prática, a social e a emancipatória. Ambas as perspectivas têm como objetivo o estabelecimento de fronteiras que contribuam para o bem-viver e a feliz existência em comunidade, pois se orientam por valores, conduta e princípios em comum.

Não é minha pretensão exaurir todas as nomenclaturas, classificações, aplicações, etc. desse campo de conhecimento. Tampouco tenho a intenção de trazer à roda de conversa todos os que se ocuparam do tema ao longo da história da humanidade. Partindo de uma escolha pessoal, gostaria de estabelecer uma breve linha do tempo de como a Ética, enquanto campo de saber, transitou pela história e assumiu diferentes nuances até a filosofia freireana.

Na filosofia clássica, Sócrates entendia que ser socialmente ético implicava na aderência a costumes, valores e obrigações universais fundadas na razão e que regeriam a conduta geral tendo a felicidade como um fim das ações humanas. Valendo-se da maiêutica, ele já prenunciava que o ser ético era algo que poderia ser flexível e mutável visando ao viver juntos. Propunha que o autoconhecimento, a aversão ao caos e à desordem e a submissão seria o primado do agir ético que deveria favorecer o coletivo em detrimento do individual.

Platão transcende seu antecessor por desvincular a ética da realidade empírica e das relações e comportamento humano em favor do mundo inteligível e utópico e da busca da perfeição que, muitas vezes, escapa ao controle do ser humano. Por conta disso, sua proposta de ética pautava-se pelo individualismo e razoabilidade na tomada de decisões. Recomendava a suspeição de julgamentos vinculados a uma ética universal, pois ele concebia que os seres humanos possuem um código moral eterno e inscrito em sua alma que valida suas ações individuais. Assim, ele entendia que uma vez alcançada a felicidade pessoal e plena, o indivíduo refletiria isso no ambiente social que se tornaria inevitavelmente ético.

Aristóteles, por sua vez, empenhou-se pelo equilíbrio entre uma proposta ética e outra. Na percepção aristotélica, a ética deveria ser realista e empirista em contrapartida à uma visão idealista, pois o material e o espiritual deveriam conjugar-se para o alcance da felicidade, da bondade, etc. Para ele, esse esforço em busca da virtuosidade e do bem de todos os homens era uma ação prática vinculada à escala humana. Portanto, a ética deveria ser um hábito e uma prática constante das virtudes individuais e coletivas que, com base na razão, nos valores, na moralidade e leis compartilhadas e estabelecidas, regeriam as condutas e a organização social.

Nosella (2008, p. 257) considera que ao pensarmos em ética a partir da filosofia clássica, logo a associamos à moral. Entretanto, não podemos deixar escapar que Ética, do grego éthos, é um ramo da filosofia que se relaciona com valores e responsabilidades sociais e, portanto, com o modo de ser no mundo, ao passo que, moral, vincula-se aos hábitos, costumes e normas de conduta na sociedade, ou seja, com o modo de estar no mundo. Para Kant (1995) o foco da conduta ética deve aderir com mais força à moral, do latim mores, que se relaciona mais à ação e à prática baseadas na razão e na experiência pessoal ao propiciar ao ser humano autonomia para criar suas próprias normas de conduta. Kant (1999) diz que “a razão manda como se deve agir” (p. 20) e, por conseguinte, o homem deve substituir a autoridade imposta pela autoridade da razão individual como guia do seu viver. A racionalidade cognitiva pode ser ética e produtiva tornando o homem livre para estabelecer seus próprios critérios de alteridade para distinguir ou mesmo depreciar seu próximo. Com base nessa linha de raciocínio, Kant conceitua o imperativo categórico, ou seja, o homem age do modo como melhor lhe convém e trabalha para que sua regra se transforme na lei geral.

Até aqui destaquei que a Ética, enquanto conjunto de saberes, baseia-se em um conjunto de direitos e deveres individuais ou coletivos que se relacionam em essência mais à razão. Como contraponto e para seguir com nosso bate-papo, trago à baila o pensamento ético de Emmanuel Levinas e sua proposta para a Ética do outro. Por conta de sua experiência pessoal e histórica, enquanto descendente de judeus, Levinas (2008) relata que viveu e sentiu na pele os horrores do holocausto que foram o ápice de trinta anos de movimentos totalitários de direita e de esquerda, de genocídios e de duas guerras mundiais que marcaram a história humana com barbáries, sofrimento e dor abrigadas na razão para explicar as atrocidades.

Em oposição à ética kantiana (e descartiana, embora não a tenha trazido à conversa!) cuja centralidade residia na razão individual, soberana e autônoma para explicar e justificar as ações humanas, Levinas propõe a compreensão da ética à luz do outro2 com quem mantenho uma relação de alteridade enquanto o considero como meu semelhante. Do latim alteritas que significa ser o outro, a propositura de Levinas faz sentido porque a manutenção da relação de alteridade com meu semelhante é fundamental para que eu me coloque no lugar do outro possibilitando que eu demonstre empatia, entenda e sinta suas dores e angústias, seja acolhedor, compassivo, etc. Mais ainda, ser ético no sentido levinasiano faz com que eu extrapole nessa relação de alteridade e me sinta responsável pelo outro ao ponto de passar a considerá-lo como alguém superior em relação a mim.

Por fim, mas nunca como menos importante, trago Paulo Freire com sua proposta filosófica de uma ética universal do ser humano para juntar-se a nossa conversa sobre o tema. Penso que Levinas avançou muito ao desvincular sua Ética daqueles que eu trouxe nesse texto, a saber, alguns filósofos clássicos, Kant e, por esbarro, René Descartes (2013). No entanto, minha compreensão alinha-se à de J. J. Zitkoski (2020) quando penso que Paulo Freire avançou ainda mais e em outras e diferentes direções ao desenhar caminhos éticos que visem ao benefício ad aequitas e alterem coletivamente os modos de ser e estar no mundo.

Freire (2020) inicia sua argumentação salientando que sua proposta não guarda relações com uma ética vexatória e calcada em atos de perversidade sobretudo para com os minorizados. Ele reforça que “é preciso deixar claro que a ética de que falo não é a ética menor, restrita, do mercado, que se curva obediente aos interesses do lucro” (p. 17). Tal ética menor funda-se no pragmatismo político que contribui para o estabelecimento e manutenção de ideologias fatalistas que atrofiam milhões de seres humanos. Faz isso por promover de modo reiterado práticas de verticalização de interesses que sustentam atos de perversidade e que aprofundam diferenças.

Essa ética menor denunciada por Freire é, na verdade, uma expressão de “malvadez da ética” e “transgressão da ética” (p. 19) inclusive em termos morais. O filósofo ressalta que esse projeto ideológico esconde-se na globalização neoliberal que é, por natureza, excludente e desvalorizadora de pessoas. Em palavras de Freire (2020, p. 21), essa “ideologia fatalista, imobilizante, anima o discurso neoliberal [que] anda solto no mundo [e que] com ares de pós-modernidade, insiste em convencer-nos de que nada podemos contra a realidade social”.

Após discorrer sobre essa ética menor a ser transgredida, Freire apresenta sua proposta de instauração da ética universal do ser humano. Seu objetivo é incentivar a reflexão que visa à horizontalidade das relações humanas que compõem o tecido societal. Em sua palavras, ele diz que “quando falo, porém, da ética universal do ser humano estou falando da ética enquanto marca da natureza humana enquanto algo absolutamente indispensável à convivência humana” (2020, p. 19) visando à responsabilidade coletiva que possibilitará que essa convivência seja marcadamente humanizada, democrática, crítica e progressista.

Ética universal do ser humano, para Paulo Freire, é pois um constructo que faz parte de um processo social, cultural, político, geográfico, econômico, histórico, etc. que vai sendo construído e se desenvolvendo enquanto expressão da própria natureza humana que tem inerente em si uma “vocação ontológica para o Ser Mais” e que não é em absoluto “um a priori da História” (p. 19) sem tornar-se, contudo, ingênuo e idealista. Essa ética não coaduna com modismos universalizantes e que relativizam a ética promotora do bem viver coletivo.

Em outras palavras, Freire (2020) nos convida a gentificar-se, a gostar de ser gente, gente que se posiciona contra toda e qualquer forma de desengentificação ou de esvaziamento do ser humano, a gostar de ser gente que “se insere e não é apenas objeto, mas também sujeito [e ator protagonista!] da história”, pois entende que sua “presença no mundo não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente” (p. 53).

Como últimas palavras sobre essa temática, posso asseverar que a proposta para Ética de Paulo Freire converge com o que teoriza Enrique Dussel em sua Ética da libertação (1993; 1994). Não é meu objetivo discorrer sobre esse filósofo, mas apenas sugerir ao leitor outras possibilidades de leituras que complementem o que estou ensaiando neste texto.

Mas, voltando a Dussel (1992), este ressalta em sua teoria que há um esforço para opacar a realidade (resgato Marx aqui!) e, por conseguinte, velar e encobrir o sofrimento do outro com o fito de negar, inferiorizar, descivilizar, barbarizar e inumanizar os semelhantes para, em derradeira instância, subjugá-los e explorá-los através de relações de poder assimétricas e opressivas (encaixe-se aqui o repertório bibliográfico foucaultiano!). Em sua proposta, Dussel nos instiga à reflexão sobre as tratativas entre eu e o outro quais sujeitos que compõem o cenário social visando ao debate de questões relacionadas à exclusão social.

Por conseguinte, Emmanuel Levinas e Enrique Dussel conversam com Paulo Freire e juntos se opõem à racionalidade ética e individualista que se exime da responsabilidade pelo outro. Conjeturo que em uma mesa de bate-papo, os três assinariam o que Freire poetiza nas duas últimas frases que concluem a obra de referência a este texto: “Não nego a competência, por outro lado, de certos arrogantes, mas lamento neles a ausência de simplicidade que, não diminuindo em nada seu saber, os faria gente melhor. Gente mais gente”. (2020, p. 143).

Vamos seguir a conversa com a Decolonialidade

Falar em decolonialidade e alinhá-la ao pensamento de Paulo Freire é um exercício prazeroso e instrutivo, pois a episteme freireana se contrapõe a separação ontológica entre anthropos e humanitas, sendo o primeiro visto como mais genérico, talvez nem tão humano e, portanto, passível de dominação, ao passo que o segundo sinaliza para o plenamente humano. A necessidade desse pensamento decolonial remonta a sua história; história essa que nos faz “escrever gritando [e] gritando escrever” em palavras de Catherine Walsh (2019, p. 93), por causa dos “sentimentos de frustração, indignação, raiva, dor e horror” diante de atrocidades.

Para falar da história dessas atrocidades colonialistas, ouso um esforço de resenhar o belíssimo tratado de Ramón Grosfoguel (2016). Ao discorrer sobre a necessidade do desenho do pensamento decolonial, esse sociólogo porto-riquenho destaca que a história do processo de colonização foi marcada por genocídios, a saber, contra os judeus e muçulmanos, contra os povos indígenas do continente americano seguido pelos aborígenes na Ásia, contra os africanos aprisionados e depois escravizados e, por fim, contra as mulheres.

Enrique Dussel (2008) mostra com sua filosofia que a proposta cartesiana foi a força motriz para justificar as atrocidades da colonização. O cartesiano “penso, logo existo”, ou seja, o ego cogito é fruto da ideia que soberaniza a racionalidade do homem na produção de conhecimento e, portanto, assume um lugar ontológico que se sobrepõe a qualquer divindade. Essa egopolítica universalista e idolátrica do pensamento ocidental transforma o ego conquiro na própria essência e condição para a existência do ego cogito. Em outras palavras, a lógica da pretensa divindade racional do homem cartesiano faz com que ele se creia o soberano universal e, portanto, sinta-se na obrigação para conquistar outras terras e povos a fim de que, na sua arrogante divindade, possa purificar ontológica e epistemologicamente os não-puros. Esse movimento origina o ego extermino qual resultado da insurgência a essa egopolítica.

Os judeus e muçulmanos foram os primeiros alvos dessa proposta cartesiana no séc. XVI, pois foram expulsos de suas terras pelo Estado espanhol em favor dessa egopolítica genocida dos hábitos, costumes, cultura, memória, saberes e espiritualidade promotora de discriminação religiosa e antissemita. Assim, a matriz colonizadora operava com a destruição da espiritualidade e dos conhecimentos dos povos conquistados. Isso faz muito sentido quando revistamos a construção da dinâmica do pensamento filosófico cartesiano.

O movimento seguinte dos imperialistas ibéricos assume novos contornos e discursos após a criação desse “sistema-mundo-moderno-colonial”, aponta Grosfoguel (2016, p. 35). A episteme que começa a dominar o cenário colonizador à época inclui não somente a questão dos saberes e da espiritualidade, mas também passa pela determinação de raça, pelo ser ou não ser gente-humano no sentido freireano. Maldonado-Torres (2008, p. 217) conta que com a definição de Cristovão Colombo dos habitantes originários das Américas como sendo gente sin secta, “a referência aos indígenas como sujeitos sem religião os remove da categoria humana … como sujeitos não completamente humanos no mundo”.

Essa lógica racista de argumentação espanhola enseja a discussão quanto a se esses povos indígenas, bárbaros a serem cristianizados, possuem ou não uma alma. Compreender isso, para os espanhóis, determinaria se os indígenas eram ou não humanos. Logo, se eles poderiam ou não ser escravizados sem que isso se constituísse em um pecado contra Deus. Ou seja, se os indígenas não tivessem uma alma, não seriam considerados humanos e, portanto, o colonizador poderia escravizá-los e tratá-los como animais na atividade extrativista colonial. Esse debate culmina no julgamento de Valladollid em 1552 que, conforme Grosfoguel (2016), “a monarquia imperialista espanhola decidiu que os ‘índios’ possuíam alma [e] que era um pecado, aos olhos de Deus, escravizá-los”. Isso libertou os indígenas da escravização.

Partindo dessa compreensão, os colonizadores partem para o continente africano onde repetem o mesmo processo de racialização iniciado com os indígenas americanos, mas que com o acréscimo do elemento cor à essa lógica consolidada em Valladollid, os negros africanos foram declarados como sem alma e, logo, selvagens e subumanos ou não-humanos. Desta forma, os colonizadores estavam justificados, aos olhos de Deus, de escravizar os africanos. Qual ápice da genocida lógica cartesiana do ego cogito, ego conquiro e ego extermino, Grosfoguel (2016, p. 41) afirma que a “velha discriminação antissemita medieval emaranhou-se com o novo imaginário racial moderno” formando o “antissemitismo racial”. Na Europa, essa mesma dinâmica e lógica genocida foi aplicada às mulheres cujos saberes eram considerados uma ameaça, ressalta Grosfoguel (2016, p. 42), à “estratégia de consolidação do patriarcado centrado na cristandade” sendo, portanto, “queimadas vivas, acusadas de bruxaria, nos primórdios da Modernidade, nos séculos XVI e XVII”.

À luz do que sintetizei, todos esses povos - judeus, muçulmanos, indígenas, africanos, mulheres - e tantos outros ao longo da história da colonização foram (e ainda são!) considerados inferiores, não-gente, subumanos, embora façam parte da estrutura social que continua sendo, segundo Maldonado-Torres (2008), racista e sexista. Com esse resumo histórico em mente, penso que é proveitoso estabelecer uma diferença entre colonização/colonialismo e sua história até o surgimento, ou a percepção, da colonialidade e os movimentos de descolonialidade e decolonialidade em contraposição aos anteriores.

Inicialmente, vale ressaltar que colonização se trata de um processo, ato ou efeito de ocupação de um território para além das fronteiras nacionais originárias que tem como objetivo a exploração e a dominação político-administrativa e econômica. Esse processo produziu o colonialismo enquanto sistema de dominação e exploração da colônia subjugada. No período colonial moderno, os principais impérios colonizadores foram Espanha, Portugal, Holanda, França e Reino Unido e, embora atualmente nenhum país reconheça a posse e o controle político-administrativo sobre territórios além de suas fronteiras geográficas como sendo uma colônia, ainda há resquícios no mundo contemporâneo dessa antiga prática.

No entanto, há um certo consenso entre os estudiosos do tema, e.g.Strang (1991), Hobsbawm (1995), Mignolo (2011), Rothermund (2015) e Jansen & Osterhammel (2017), ao apontar as mudanças ocasionadas pelo fim da guerra-fria e a queda do muro de Berlim como um dos marcos do fim do colonialismo moderno. Mignolo (2011) reforça que essa mudança é irreversível porque há um movimento centrífugo de desocidentalização e decolonização do pensamento moderno que impulsa a desvinculação dessa matriz de poder colonialista. Nas décadas após a segunda guerra mundial, dezenas de nações na Ásia, África, Caribe, etc. consolidaram seu protagonismo ao reformatar e reestruturar a geopolítica mundial ainda que esse colapso contemporâneo da supremacia colonial nem sempre tenha sido pacífico.

Não obstante ao (quase?!) fim do colonialismo moderno, enquanto sistema de dominação político-administrativa e exploração de riquezas, a classe dominante que segue em sua insistência no universalismo nortecêntrico traz à baila um novo modo de colonização que Aníbal Quijano (1991, 1993, 2002, 2010), sociólogo peruano, nomeia de colonialidade de poder. Essa nova matriz, qual herança da colonização/colonialismo, insiste em reafirmar seu poder através dos processos de dominação de raça e racialização social tal qual pensou Descartes. Edgardo Lander (2005), Nelson Maldonado-Torres (2006), Ramón Grosfoguel (2008), Walter Mignolo (2010), e outros, discorrem sobre essa matriz que se desmembra em outras dimensões, e.g. epistemológicas, colonialidade do saber, e ontológicas, do ser.

Por conseguinte, é imperioso que seja operada um lógica para desmonte dessas colonialidades. Inicialmente teorizado como descolonial, o trabalho para luta contra essas colonialidades, assumiu como pensamento a decolonialidade. Como assevera Catherine Walsh (2009), a supressão do “s” em descolonial representou uma mudança na sistematização da proposta decolonial, pois a ideia não é desfazer, desconstruir, desmantelar, desconsiderar ou tentar reverter a herança, as marcas e o momento colonial como se conseguíssemos afundar, metaforicamente falando, as caravelas do colonizador. O pensamento decolonial sugere uma tomada de posição a favor da identificação, visibilização, transgressão e reconstrução por meio de alternativas locais da lógica colonial agora expressa pelas colonialidades.

Essa é exatamente a lente utilizada por Paulo Freire. Ao falar da autonomia, ele está preocupado com os que são historicamente invisibilizados, minorizados, subalternizados, silenciados, oprimidos e alijados do processo histórico e social por forças hegemônicas. Paulo Freire (2020, p. 16) está falando dos que são submetidos à conversão para a condição de “esfarrapados do mundo, condenados da Terra e excluídos” do ser-estar ética e dignamente no mundo. Tais ações desumanizadoras convertem corpos e mentes em sujeitos amorfos para serem subjugados, violados e eliminados em casos de insurgência. Freire alude ao mesmo processo de genocídio ontológico e epistemológico ensejado pela lógica cartesiana. Ele fala de ausência de humanidade para “os que queimam igrejas de negros porque, certamente, negros não têm alma. Negros não rezam. Com sua negritude, os negros sujam a branquitude das orações” (2020, p. 37) em alusão ao julgamento de Valladolid que já abordei neste ensaio.

Na obra que trago à roda para nossa conversa, Freire (2020, p. 42) retoma a questão ética e, ao meu ver, ressalta que a ausência de um pensamento decolonial implica em perpétua exclusão histórica porque em seu argumento o filósofo reforça que a “assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a outredade do não eu, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu”. Deste modo, entendo que ao levar em consideração o outro pelas vias do movimento decolonial implica em assumir a história em nossas mãos. Implica em valorizar as diferentes formas de saber e conhecer, de viver, de existir. Implica na reconstrução de alternativas orientadas axiológica, ontológica e epistemologicamente. Em outras palavras, ecoando Freire (2020, p. 53), ser e estar na sociedade implica em “gostar de ser gente”, pois “minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas de quem se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história”.

Alinhando o pensamento decolonial freireano ao mito da modernidade alertado por Enrique Dussel (1992), não se pode perder de vista que a dinâmica social da pretensa modernidade nada mais é do que “violência em estado bruto”, dita por Fanon (1961, p. 47). O discurso que se propala é que o sofrimento e a barbárie a que são submetidos os oprimidos é um preço necessário a ser pago para que haja modernização. O sujeito-objeto colonialista é, segundo Dussel (1992, p. 86) a “causa culpável de sua própria” condição e, assim, atribui-se ao “sujeito moderno, plena inocência em relação ao ato de vitimar” ao considerado inferior e subdesenvolvido. Esse argumento abre, então, caminho para o pensamento assistencialista.

Por isso que Freire (2020, p. 78) alerta sobre os perigos dessa lógica de pensamento e diz que “políticas assistencialistas anestesiam a consciência oprimida e prorroga, sine die, a necessária mudança da sociedade” e, pior ainda, impõem de forma arrogante certas categorias de “saber como verdadeiros” (p. 79). Por conseguinte, a não aderência a esse mito da modernidade, enquanto contraponto do pensamento decolonial, impede que o sofrimento do outro seja justificado pelo discurso assistencialista e de salvação de muitos incautos e indefesos ao transformar os vitimados em culpados e os agressores em redentores. É preciso decolonizar essa teoria. Em suas palavras, Paulo Freire (2020, p. 77) diz que é preciso “desafiar os grupos populares para que percebam, em termo críticos, a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta. Mais ainda, que sua situação concreta não é destino certo ou vontade de Deus, algo que não pode ser mudado”.

Embora o interesse da classe dominante seja pela inibição do pensamento decolonial, Freire (2020, pp. 96, 97) aponta para a Educação como uma ferramenta para “intervir no esforço de reprodução da ideologia dominante” e no seu papel como “desmascaradora [dessa] ideologia”. A Educação pode decolonizar propondo reforma e reestruturação do pensamento e da visão do entorno social do alunado. Entretanto, Freire também alerta contra a Educação “imobilizadora e ocultadora de verdades” que age contra a proposta decolonial e a favor do mito da modernidade que discuti brevemente no parágrafo anterior. Para tanto, diz ele que é preciso mudar a “estrutura do pensamento” que se crê o “único certo e irrepreensível” que não escuta “quem pensa e elabora seu discurso de outra maneira” (p. 118).

O pensamento decolonial advoga em favor da diversidade, da horizontalidade, da polinização de saberes, da preocupação ética e ontológica, da desmarginalização da periferia, da aceitação das muitas cosmovisões sociais e da rejeição tácita à sanção da ignorância de quem quer que seja, para referenciar Gayatri Chakravorty Spivak (1985). As ideologias que operam na sociedade contemporânea têm o poder e por objetivo ocultar o esforço decolonial valendo-se das colonialidades, suas ferramentas e seu modus operandi para docilizar sujeitos e mentes. Freire (2020, p. 123) alerta que tais ideologias nos acometem de uma “miopia que nos dificulta a percepção clara e nítida da penumbra” que nos impede de ver e ler a realidade. Essa miopia neoliberal promove verdades distorcidas, tais como o discurso de que é inútil o esforço decolonial já que vivemos “um destino que não se pode evitar”, e.g. “a robustez da riqueza de uns poucos e a verticalização da pobreza e a miséria de milhões” (p. 125).

Entendo que ainda há muito, muito a ser dito sobre decolonialidade e o pensamento de Paulo Freire. Estou ciente de que a referência freireana neste ensaio apenas pincela o que o filósofo vislumbra em sua obra sobre a temática desta seção. Estou certo de que em muitos outros textos de sua vasta bibliografia e pedagogias, e.g. do oprimido, da tolerância, da esperança, da pergunta, da libertação, etc. Paulo Freire contribui muito para o pensamento decolonial, emancipatório e ético. No entanto, estou satisfeito com que abordei até aqui e espero ter contribuído ao meu leitor para novas possibilidades de freirear!

Chegou o momento de tratar de Migração

Preciso iniciar esse bate-papo resgatando em Freire (2020, p. 16) os “esfarrapados do mundo, condenados da Terra e excluídos” que se adequa à categoria migrantes3. Esses sujeitos são negativa e invariavelmente considerados ignorantes, mal-sucedidos e incapazes. Porém, o movimento freireano de busca pela humanidade nos ajuda a perceber que a opressão a que são submetidos os migrantes não corresponde ao seu destino final. O processo de desumanização dessa população é historicamente construído e encoberto sob um manto de hospitalidade.

Hospitalidade essa que se consubstancia, de fato, na hostipitalidade derridiana, bem como no unheimlich e heimlich freudiano, ou seja, um movimento pendular e dialético de estranheza, hostilidade, familiaridade e acolhimento que, ao fim e ao cabo, são apenas uma escusa para a inferiorização da cultura e dos saberes dos migrantes, assim como para sua invisibilização e subalternização até que seja possível expurgá-los do local de acolhida já que são, na verdade, considerados inimigos dos que se pretendem anfitriões4.

Uma combinação de dados5 da UN Refugee Agency (UNHCR), La oficina del Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Refugiados (ACNUR), do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), do Observatório das Migrações Internacionais (ObMigra), da Polícia Federal do Brasil (PF), etc. pode nos ajudar a entender o fluxo migratório na atualidade6. Os dados mais recentes apontam para 3,6% da população mundial em condição de migração, ou seja, 281 milhões de migrantes internacionais que representa um acréscimo de 4,5% em relação ao ano de 2019 o que indica 11 milhões a mais de migrantes. Dessa cifra 48% são mulheres com suas crianças e que têm como principais destinos os países que lhes possa oferecer melhores condições de trabalho e de sobrevivência. Estados Unidos e Alemanha são os destinos que respondem por 1/4 desse fluxo migratório internacional.

O Brasil registrou nos últimos vinte anos um fluxo de 1.5 milhão de migrantes vindos de mais de 200 países, mas tendo a América Latina e a África como destaques e, dentre esses, o maior número de migrantes são da Venezuela, Haiti e Bolívia. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019)7 apenas 4,1% dos municípios brasileiros possuem serviços de apoio aos migrantes. Outro triste dado é que, do universo de 5.570 municípios do país, em apenas 58 existem abrigos para acolhimento de migrantes, somente 75 têm algum mecanismo público de apoio voltado aos migrantes, não mais que 48 municípios em 11 estados disponibilizam cursos de Português brasileiro para essa população e serviços públicos em outras línguas é oferecido somente em 25 municípios distribuídos em 12 estados, porém nenhum desses em qualquer capital do Sudeste, embora São Paulo e Rio de Janeiro figurem entre as principais portas de entrada ao país por meio de seus aeroportos.

É possível perceber na contemporaneidade o redesenho e a diversificação do fluxo migratório. Trata-se de um movimento que acontece com muita velocidade e de modo fluido e complexo, pois esses deslocamentos afetam a vida não só dos migrantes e daqueles parentes e amigos que ficam em suas terras de origem mas, também aqueles que os acolhem. No caso dos migrantes, eles veem o local de destino como o seu eldorado, a realização de sonhos que, em sua maioria, passam apenas pela questão de condições de trabalho e sobrevivência.

Gostaria de exemplificar a situação dos migrantes trazendo à roda de conversa com Paulo Freire a situação dos migrantes bolivianos em São Paulo. Já abordei esse tema em diferentes momentos, e.g. Sá (2014; 2016; 2017; 2018; 2020b), e sob enfoques variados. A Bolívia foi um país cuja trajetória à independência foi marcada por inúmeros obstáculos que envolviam instabilidade política e fragmentação étnica, social, geográfica, além da pobreza. No entanto, a Bolívia tem sido notada na vitrine do mundo por conta da reconfiguração política ao colocarem em xeque o projeto neoliberal nos últimos anos, do surgimento e politização de movimentos sociais indígenas, das mobilizações e lutas populares e dos giros que têm redirecionado questões econômicas, de democracia e inclusão social no país.

Embora a Bolívia tenha emergido da condição de marginalidade no cenário mundial, ainda possui marcas bem latentes dos muitos processos migratórios de saída experienciados pelo povo boliviano. Seu destino inclui tanto países do norte global, e.g. Estados Unidos e Espanha, como países do hemisfério sul, e.g. Argentina, Chile e Brasil. Visto que em muitos casos os migrantes bolivianos encontram-se em situação de indocumentação nos países que os acolhem não é possível estimar com exatidão o contigente real. No Brasil, estima-se que sejam uns 250 mil migrantes bolivianos e, em sua maioria, estejam na cidade de São Paulo e seu entorno. A principal razão para sua vinda para cá está relacionada a questões econômicas.

Esse fluxo migratório produz muitos efeitos. Figuram implicações éticas relacionadas com a relação que se estabelece entre os brasileiros e os bolivianos. Há igualmente questões que envolvem uma lógica colonialista e decolonial, embora ambos os povos sejam do Sul. Assim, tentarei alinhar alguns dados extraídos de narrativas escritas e visuais de uma pesquisa com migrantes bolivianos, Sá (2016; 2018), com excertos do pensamento freireano.

Trago tais imagens, pois ecoo Peter Burke (2017, p. 124, 125) quando ele diz que as narrativas visuais enriquecem textos escritos que “ficariam muito empobrecidos se a historiografia fosse obrigada a se basear apenas neles”. Por conseguinte, acredito que as narrativas visuais nos permitem ler as entrelinhas de histórias individuais e coletivas e nos permitem entender significados ocultos e ausências uma vez que “comunicam rápida e claramente os detalhes de processos complexos” que seriam mais morosos e vagos se baseados apenas em textos.

Paulo Freire (2020, p. 75) diz que “ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. A acomodação em mim é apenas caminho para inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade”. Trago um exemplo disso.

Narrativas de Juan

Fonte: Sá (2016)

Usei essa citação de Freire para ilustrar como a estereotipagem, o preconceito e a discriminação podem impedir os migrantes bolivianos de serem inseridos na sociedade que os acolhe. Juan optou por escrever um pequeno texto explicando o que sentia em relação à migração. No texto descreve que seu processo de adaptação ocorre inclusive em relação aos preconceitos quando diz “uno se va acostumbrando”, mas reforça que “la identidad llevo en la sangre de boliviano”. Na narrativa imagética, Juan indica esse movimento de ambiguidade que o migrante vive, entre ficar em sua terra e não ter que se adaptar a “nuevos costumbres del nuevo país” ou migrar a outro lugar em busca de melhores condições de vida. Por isso que diante de situações como essas que, para Paulo Freire (2020, p. 75), o agir eticamente exige dos brasileiros “não estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas”; é preciso “decisão, escolha, intervenção na realidade” para ser hospitaleiro, ipso facto.

A narrativa seguinte é de Carolina que sente saudade de sua terra por causa das frustrações que vive no Brasil. Freire (2020, p. 77) diz que, se nós, os anfitriões, quisermos mudar sentimentos como esse de Carolina, precisamos entender que “a mudança implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação”.

Narrativas de Carolina

Fonte: Sá (2016)

Para Carolina, sua estada no Brasil a empobrece, pois “salí de casa con zapato y volvi con chinelo”. Trata-se de um sentimento despertado por causa de sua condição de migrante e das experiências vividas. Espero que o Brasil, como país acolhedor, corrija esse curso em benefício desses migrantes que, para Freire (2020, p. 77), estão entre “a população espoliada e sofrida”. Carolina, em sua narrativa visual, faz com que eu me lembre de Rancière (1996, p. 37) que, embora falasse dos plebeus da antiguidade, aplico ao migrante que, como Carolina, “não fala, não tem nome (…) não tem inscrição simbólica” na sociedade; não está incluído, apenas “distribui seu corpo na visibilidade e invisibilidade e põem em concordância os modos de ser, os modos de fazer e os modos do dizer que convém” à sociedade que os recebe.

Vinculada a essa ideia, Paulo Freire, mais adiante nessa obra, trata do estabelecimento da divisão entre os de cá e os de lá e, em seguida, discorre sobre as implicações dessa relação. Penso que a narrativa de Jose pode ser útil para ilustrar esse derradeiro ponto que apresento.

Narrativas de Jose

Fonte: Sá (2016)

Freire (2020, p. 80) alerta que “importante ter sempre claro que faz parte do poder ideológico dominante a inculcação nos dominados da responsabilidade por sua atuação”. Em outras palavras, os dominantes, de cá, querem fazer crer os dominados, de lá, que qualquer coisa que saia errado em seu processo de migração é culpa dos de lá e nunca dos de cá, i.e., é responsabilidade e culpa dos migrantes e não do país anfitrião que os acolhe. Em Sá (2016, pp. 221, 222) declarei que Jose ficou profundamente decepcionado porque “o seu ‘jeito de ser’ boliviano havia sido afetado pelo jeito do Brasil” e ele não se dava conta disso até viajar de férias à Bolívia e ser confrontado pelos demais familiares. Sentia-se constrangido porque “apesar de ter o idioma, não falava e se expressava como seus tios e primos”. Foi acusado de ser de lá, do Brasil, e seus familiares de cá, da Bolívia. No entanto, quando estava no Brasil não sentia de cá mas sim de lá. Por fim, Jose conclui que “sou estrangeiro no país que moro e no país que nasci”, ou seja, ele se sente duplamente excluído socialmente.

Esse sentimento de exclusão, de culpabilização, de falha é refletido em sua narrativa visual em que ele tenta unir as bandeiras do Brasil e da Bolívia em um esforço para criar um país que o acolha, de fato. Freire (2020, p. 81) diz que essa condição coloca esses migrantes no grupo de “legiões de ofendidos que não percebem a razão de ser de sua dor na perversidade do sistema social em que vivem, mas na sua incompetência”. No caso de Jose é triste ver que ele se sente culpado por esse não pertencimento a lugar algum. De fato, como assevera Freire (2020, p. 129), a própria condição de migrante impõe “um poder de persuasão indiscutível [que] anestesia a mente [e] distorce a percepção dos fatos e acontecimentos”.

No Brasil, foi aprovada, em 24 de maio de 2017, a Lei nº 13.445, que passou a ser nomeada de Lei de Migração, cujo objetivo é assegurar aos migrantes a gentificação freireana, o acesso a condição de ser humano ético e socialmente incluído na sociedade acolhedora. Paulo Freire reforça a importância e a necessidade de buscarmos a superação de todos os tipos de intolerância, estereotipagem, preconceito, discriminação, etc. visto que essas ações fazem parte do processo neoliberal de desumanização, de degentificação. No caso dos migrantes, é preciso conhecer, aprender e ensinar coletivamente para e com a diversidade do bem-viver. Estou certo de que isso é possível no Brasil e no mundo, já que vivemos um intensificado e imprevisível fluxo migratório que deve nos instigar a paulo-freirear na relação com o outro.

Vou ficando por aqui

Reconheço que a obra de Paulo Freire que uso como referência para esse texto não trata especificamente da condição do migrante, nem de decolonialidade ou diretamente de ética. Igualmente, reconheço que posso ser acusado de ter criado um colcha de retalhos com o pensamento freireano ao retirar algumas de suas ideias do contexto original e usá-las de modo irrestrito neste ensaio. Sim, foi isso mesmo que fiz! No entanto, se o fiz foi porque esse filósofo não amarra seu pensamento a ninguém ou a alguma coisa. Sua filosofia é da vida e para vida e, por conseguinte, pode banhar diferentes espaços a fim de eliminar a aridez. Ora, se o próprio Paulo Freire deixou fluir seu pensamento, eu não posso me arrogar a aprisioná-lo.

Antes de enviar a versão final desse texto pedi a um literato, amigo e parceiro, Moisés Carlos de Amorim, que desse uma olhadela no meu ensaio. Ele gentilmente o fez e ao falar do que escrevi sobre Ética sugeriu que eu incluísse o pensamento de Mikhail Bakhtin na roda, pois esse filósofo da linguagem russo pensa a Ética tal como Levinas e Freire. Eu concordo com o Moisés, mas me faltariam páginas para esse bate-papo que, certamente, seria muito produtivo. Meu amigo também sugeriu que eu fizesse uma reflexão crítica sobre os opostos freireanos gentificação e degentificação acerca da modernidade colonial em contraponto “ao projeto de exploração, inferiorização e desumanização de negros, índios, mulheres, etc.” (palavras do Moisés!). Também concordo com a observação desse amigo querido, mas novamente me falta o fôlego para essa empreitada. Quiçá possamos estabelecer a meta de um texto futuro escrito a quatro mãos com reflexões a partir da Linguística e da Literatura.

Bem, encerro este ensaio com gratidão pelo convite da querida Ester Figueiredo, com o incentivo de outra querida, a Mariana Seccato e com o olhar do parceiro, Moisés Amorim. É igualmente justo pagar tributo à leitura atenta e crítica de dois orientandos que logo mostrarão, com suas pesquisas, a que vieram: Isabel Mecias e Vitor Elói dos Santos. Assim, encerro com a tranquilidade e a sensação de ter crescido epistemológica, mas principalmente ontologicamente ao pensar mais no outro em nossa relação de alteridade, em valorizar mais a pluralidade e localidade de saberes, em refletir mais no ser e estar no mundo sem demarcações de diferenças. Como diz Freire, com o compromisso de ser gente mais gente!

Despeço-me de meus leitores, então, com um poema bem freireano e que sintetiza muito bem toda a discussão que ensejei neste ensaio. Espero que gostem!

¿Qué pasaría…?

¿Qué pasaría si un día

despertamos dándonos

cuenta de que somos mayoría?

¿Qué pasaría si de pronto

una injusticia, sólo una,

es repudiada por todos,

todos los que somos, todos,

no unos, no algunos, sino todos?

¿Qué pasaría si en vez de

seguir divididos nos

multiplicamos, nos sumamos

y restamos al enemigo que

interrumpe nuestro paso?

¿Qué pasaría si nos

organizáramos y al mismo

tiempo enfrentáramos

sin armas, en silencio,

en multitudes, en millones de

miradas la cara de los

opresores, sin vivas,

sin aplausos, sin sonrisas,

sin palmadas en los hombros,

sin cánticos partidistas?

¿Qué pasaría si yo pidiese

por ti que estás tan lejos,

y tú por mí que estoy tan lejos, y ambos por

los otros que están muy

lejos y los otros por

nosotros aunque estemos lejos?

¿Qué pasaría si el grito

de un continente fuese

el grito de todos los continentes?

¿Qué pasaría si pusiésemos

el cuerpo en vez de lamentarnos?

¿Qué pasaría si rompemos

las fronteras y avanzamos

y avanzamos y avanzamos

y avanzamos?

¿Qué pasaría si quemamos

todas las banderas para

tener sólo una, la nuestra,

la de todos, o mejor

ninguna porque no la necesitamos?

¿Qué pasaría si de pronto

dejamos de ser patriotas para

ser humanos?

No sé... me pregunto yo:

¿Qué pasaría…?

Mario Benedetti

Poeta uruguaio

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1Epistemologicamente redijo este texto na primeira pessoa do singular por entender que quaisquer proposições para concepção de conhecimento são construídas e orientadas subjetiva e ontologicamente (SÁ, 2021).

2Difiro do Outro lacaniano (1973), mais abstrato, e que se refere a um lugar, a linguagem, ao inconsciente, etc.

3Minha opção pelo vocábulo migrante está em alinhamento com o pensamento de Abdelmalek Sayad (2000) que ao falar sobre a circularidade nas migrações ressalta que toda i-migração é ao mesmo tempo e-migração.

4Recomendo Sá (2016; 2020a) para uma discussão mais ampla e aprofundada da condição dos migrantes.

6Agradeço a Lineth Hiordana Ugarte Bustamante pela cessão do embrião desses dados durante a palestra Saúde mental, interculturalidade e migração oferecida no Instituto Educação sem Fronteiras em 01 de maio de 2021.

7Estatística divulgada em 25/09/2019 e disponível para acesso em https://censo2021.ibge.gov.br

Recebido: 22 de Maio de 2021; Aceito: 19 de Julho de 2021

Rubens Lacerda de Sá Doutor em Linguística Aplicada, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - Brasil; Docente colaborador no Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde (UNIFESP); Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Estudos de Linguagem (GIEL/CNPq); E-

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