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Revista Práxis Educacional

versão On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.17 no.47 Vitória da Conquista ago. 2021  Epub 01-Fev-2022

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i47.8608 

Artigos

TRANSGRESSÃO E MUDANÇA DE UM CURRÍCULO INEXISTENTE PARA ENSINO DE LÍNGUAS ADICIONAIS PARA CRIANÇAS

TRANSGRESSION AND CHANGE OF A NON-EXISTING CURRICULUM FOR TEACHING ADDITIONAL LANGUAGES TO CHILDREN

TRANSGRESIÓN Y CAMBIO DE UN CURRÍCULO NO EXISTENTE PARA LA ENSEÑANZA DE IDIOMAS ADICIONALES A NIÑOS

Mariana Guedes Seccato1 
http://orcid.org/0000-0002-7062-464X

1Universidade Estadual de Londrina - Brasil mariseccato@gmail.com


Resumo:

O presente texto tem como objetivo principal refletir sobre a elaboração de diretrizes para o ensino de línguas adicionais nos primeiros anos do ensino fundamental brasileiro. Atualmente, diretrizes nacionais consolidadas para o ensino de outras línguas existem a partir do 6º ano do ensino fundamental. A principal atenção nas reflexões aqui trazidas pontua a necessidade de pensar em currículos, conteúdos programáticos e diretrizes que se baseiam nos princípios da responsabilidade linguística e pedagógica. Para tanto, utilizo pressupostos teóricos da obra Pedagogia do Oprimido, de Freire, para embasar que a elaboração de qualquer direcionamento em âmbito educacional deve garantir a equidade de oportunidades. Diminuindo, assim, as possibilidades de relações opressivas que anulam posicionamentos, visões e ações dentro das escolas. Abordo a associação entre linguagem e pertencimento ao mundo como prescrição à consideração das diversidades e compreensão do que é diferente, atribuindo ao currículo escolar a responsabilidade de discorrer sobre o direito a todos de aprender em situações contextualizadas.

Palavras chave: Línguas Adicionais; Crianças; Currículo

Abstract:

The main objective of this text is to reflect about the development of guidelines for the teaching of additional languages ​​in the first years of Brazilian elementary education. Currently, consolidated national guidelines for the teaching of other languages ​​exist from the 6th year of elementary school. The main attention in the reflections brought here points to the need to think about curricula, syllabus and guidelines that are based on the principles of linguistic and pedagogical responsibility. To do so, I use theoretical assumptions from Freire's Oppressed Pedagogy to support the fact that the elaboration of any direction in the educational field must guarantee equal opportunities. Thus reducing the possibilities of oppressive relationships that cancel positions, views and actions within schools. I approach the association between language and belonging to the world as a prescription for considering diversity and understanding what is different, attributing to the school curriculum the responsibility to discuss the right of all to learn in contextualized situations.

Keywords: Additional Languages; Children; Curriculum

Resumen:

El objetivo principal de este texto es reflexionar sobre el desarrollo de pautas para la enseñanza de idiomas adicionales en los primeros años de la educación primaria brasileña. Actualmente, existen pautas nacionales consolidadas para la enseñanza de otros idiomas a partir del sexto año de la escuela primaria. La atención principal en las reflexiones aquí planteadas apunta a la necesidad de pensar en planes de estudio, programas y directrices que se basen en los principios de la responsabilidad linguística y pedagógica. Para ello, utilizo supuestos teóricos de la Pedagogía del Oprimido de Freire para apoyar el hecho de que la elaboración de cualquier dirección en el campo educativo debe garantizar la igualdad de oportunidades. Reduciendo así las posibilidades de relaciones opresivas que cancelen posiciones, puntos de vista y acciones dentro de las escuelas. Abordo la asociación entre lengua y pertenencia al mundo como prescripción para considerar la diversidad y entender lo diferente, atribuyendo al currículum escolar la responsabilidad de discutir el derecho de todos a aprender en situaciones contextualizadas.

Palabras clave: Idiomas adicionales; Niños; Curriculum

Introdução

Antes de iniciar minha abordagem, reitero minha honra em poder participar da elaboração de uma obra que homenageia Paulo Freire. Para mim, e certamente para tantos educadores, símbolo de luz e esperança, que alumbra momentos de inseguranças e de breu que surgem diariamente nas vidas de professores, que tentam ensinar em um país ainda regido por políticas opressoras que produzem discursos discriminatórios velados que chegam às escolas. A missão é desmistificá-los, empoderando, exaltando e ensinando aos alunos que a boniteza se encontra nas individualidades, nos conflitos que geram reflexão, na capacidade de entender o que acontece e de ser crítico.

Ao iniciar minhas considerações explico o título em tom irônico do presente trabalho, já que proponho a transgressão e a mudança de algo que fisicamente não existe. Elucido, assim, a possibilidade de repensar a formulação do conteúdo programático das escolas brasileiras no ensino de línguas adicionais nos anos iniciais do Ensino Fundamental, carente de regulações e orientações oficiais em âmbito nacional. Porém, a prática existe e a organização, decisão, aplicação dos conteúdos ficam sob responsabilidade direta dos professores, que muitas vezes não são formados de forma suficiente a lidar com as questões linguísticas e pedagógicas que essa etapa de ensino demanda.

Enfatizo que não tenho a intenção de generalizar questões importantes que circundam essa discussão. Por exemplo, não pontuo que a inexistência de um documento nacional que embase o ensino de línguas adicionais nessa etapa de escolarização possa ser algo negativo em todos os contextos, pois, alguns municípios apresentam essas diretrizes, que muitas vezes conseguem representar o contexto local de forma democrática e contextualizada. Ao mesmo tempo, diretrizes nacionais oficiais podem gerar possibilidades de formação docente, produção e aquisição de materiais didáticos e expansão de políticas linguísticas que reforcem a identidade de uma população nacional heterogênea e multilíngue.

Justifico o tom ‘ensaístico’ de minha escrita, já que aqui represento muitos professores de línguas adicionais que, por algum momento, já experimentou a solidão durante a preparação de seus conteúdos, ou durante suas reflexões sobre a importância ou não daquela turma, naquela escola, naquela cidade ter que aprender outro idioma. Ao buscar alento durante esses momentos de solidão, me deparo com Paulo Freire, após ter concluído minha graduação em um curso de Letras. Lecionava Língua Inglesa (LI) no ensino fundamental I de uma escola pública, de um pequeno município do interior do estado de São Paulo. Percebo que meus alunos, em sua maioria, filhos de agricultores não se identificam com a necessidade de aprender inglês. Tampouco conseguem se envolver nas atividades de um material comprado pela prefeitura de uma grande rede nacional, que pouco representava a realidade da natureza, dos alimentos, dos hábitos e atividades que esses alunos desenvolviam em seus cotidianos.

Ao iniciar, então, a busca dos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas do município, não encontrei justificativas nem contextualizações para o ensino de LI para as crianças. Os gestores também não sabiam justificar. Então, comecei a pensar em quantas línguas e linguagens poderiam ser ensinadas, se condizentes à realidade de meus alunos. Assim como uma apresentação e abordagem diferente da LI poderia ser eficaz em seus contextos de atuação. Talvez, para mim, a conclusão mais significativa pode ter sido a de considerar quantas crianças poderiam estar sendo oprimidas por meio do ensino de uma língua global hegemônica que, ao invés de os representar, reforçasse as relações de poder e de omissão das individualidades.

Assim, justifico como norte de minhas considerações as ideias de Paulo Freire em sua obra Pedagogia do Oprimido, para refletir sobre a possibilidade de criação de uma diretriz nacional para o ensino de línguas adicionais na primeira etapa da Educação Básica. Enfatizo o conceito de Educação Dialógica e Diálogo de Freire, que parte do pressuposto de que a instauração de uma educação problematizadora se constitui por meio do diálogo e como cerne da educação como Prática da Liberdade.

Dessa forma, discuto sobre a estruturação de um documento que, por meio dialógico busque a elaboração de conteúdos programáticos que representem os agentes que podem transformar e/ou serem transformados e suas relações com o mundo.

Ensino de Línguas adicionais nos primeiros anos do fundamental I sob perspectiva plurilíngue

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) estabelece a língua inglesa como componente curricular obrigatório a partir do sexto ano do ensino fundamental, sem tratar sobre o ensino da língua nos anos iniciais da etapa. Consequentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não define parâmetros para a formulação de propostas pedagógicas destes anos escolares iniciais. Apesar da não obrigatoriedade, aulas de línguas adicionais nos primeiros anos da educação básica são realidade recorrente em colégios brasileiros.

Acredito que a oferta de ensino de uma língua adicional nas séries iniciais poderia fortalecer a crença de que o contato com outras línguas promova o desenvolvimento da competência intercultural das crianças, já que qualquer língua é constituída de “crenças culturais, comportamentos e significados” (ELLIS, 2004). Assim, descentraliza-se a ideia de que o desenvolvimento das habilidades linguísticas seja o único foco de ensino de uma língua adicional.

Segundo Musharraf (2015), os idiomas são ferramentas que conectam pessoas globalmente e as ajudam a adquirir conhecimento. É uma decisão crítica a escolha de um idioma ou um conjunto de idiomas para inclusão no currículo de uma maneira que possibilite o desenvolvimento pessoal, comunitário e nacional.

Entendendo que o papel formador do ensino de língua adicional está intimamente relacionado ao objetivo de propiciar o desenvolvimento integral da criança, alguns profissionais como Moon (2000), Cameron (2001) e Philips (2003) reforçam que esse ensino deve contribuir para o crescimento intelectual, físico, emocional e sociocultural da criança.

Para tanto, corroboro Rocha (2012), que enfatiza a educação linguística plurilíngue como abordagem que abrange a possibilidade de formar indivíduos que compreendam a heterogeneidade no uso de qualquer linguagem, presente em seus aspectos contextuais, sociais, culturais e históricos. Assim, é importante pensar em diretrizes que objetivem as diversas maneiras de organizar, categorizar e expressar a experiência humana e de realizar interações sociais por meio da linguagem. Como consequência, forma-se indivíduos linguisticamente sensíveis às características das línguas adicionais em relação à língua materna e em relação aos usos variados de uma língua na comunicação cotidiana.

A autora apresentou, a meu ver, de forma bastante clara e completa os principais focos e características centrais de uma formação plurilíngue em língua inglesa, que eu retenho importante durante o contato de qualquer língua adicional. São características que, a meu ver, deveriam ser primordiais na concepção de um currículo integrado e transformador. Por isso, as represento no quadro abaixo:

Quadro 1: Formação plurilíngue em línguas adicionais 

Objetivos (trans)formadores - construção da cidadania crítica, ética e protagonista
Situada; Incentiva o cruzamento de fronteiras
Aberta, dinâmica e potencializadora
Diversidade
Dialógica, plurilíngue, transcultural
Primariamente reflexiva e agentiva
Complexidade e conflito
Agência maximizada; expressões autorais
Relacional
Crítica e transformadora
Aprendizagem situada e propositada
Questionamento e desenvolvimento de (multi/trans) letramentos de forma colaborativa

Fonte: Rocha (2012)

A educação plurilíngue se contrapõe à educação linguística tradicional que se baseia em formação de objetivos estritamente instrumentais, é descontextualizada e restrita aos padrões, é estática, fechada e previsível, se direciona à unicidade; é monológica, monolíngue e monocultural; é primariamente receptiva; tende à simplificação e similaridade; é repetitiva; hierárquica; apolítica e acrítica; seus conhecimentos são fragmentados e é pautada na assimilação e acúmulo de informações.

Enfatizo a característica da educação plurilíngue e transformadora centrada na diversidade. Assim como Freire, em Pedagogia do Oprimido, clama pela ruptura da educação bancária opressora, limitante e portadora de um falso saber, a educação plurilíngue objetiva a compreensão da contextualização das linguagens dos indivíduos, permitindo uma leitura crítica do mundo. Freire acredita na criticidade enquanto problematização do mundo. Os indivíduos críticos agem por meio de suas relações dialéticas com o mundo. Assim, são capazes de compreender suas formas de atuar e posicionar diante da realidade, libertos de dominações são agentes transformadores.

A Linguística Aplicada Crítica como norteadora à elaboração de um currículo plurilíngue

Diante da consideração de uma educação linguística plurilíngue e da exposição de suas características torna-se de extrema relevância abordar o foco que Freire estabelece entre o homem, a língua e a política, em prol de sua libertação e agência, já que segundo o autor “A ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto.” (FREIRE, 1994, p.11). Sendo assim: “Ao Povo cabe dizer a palavra de comando no processo histórico-cultural. Se a direção racional de tal processo já é política, então conscientizar é politizar. E a cultura popular se traduz por política popular; não há cultura do Povo, sem política do Povo.” (FREIRE, 1994, p.15).

Desloco a discussão sobre a relação entre língua, conhecimento de mundo e política para a Linguística Aplicada Crítica (LAC). Segundo seu precursor, o estudioso Alastair Pennycook (2001)1, a aprendizagem de línguas deve se estancar de ações que consolidem as desigualdades sociais, dificultando uma reflexão crítica sobre os fatos do mundo. Para tanto e, corroborando Freire, o pesquisador reforça a necessidade de assumirmos projetos políticos que desvalidem abordagens “associais, apolíticas e a-históricas” (Pennycook, 1990, p.43).

Pressuponho a importância das relações feitas pelo estudioso entre as questões referentes às línguas e o dimensionamento de cinco políticas, sendo essas: Política do Conhecimento, Política da Língua, Política do Texto, Política da Pedagogia, Política da diferença.

Ao tratar sobre Política do Conhecimento, Pennycook a relaciona com as questões críticas da linguagem, partindo do pressuposto, assim como Freire (1994), de que todo conhecimento é político. Dessa forma, é necessária uma problematização da ideia de língua como reflexo da sociedade ou como ferramenta de manipulação ideológica. Sustenta-se fortemente a relação entre língua, conhecimento e sociedade.

Em uma abordagem restrita e limitadora, a linguagem é considerada estrutura independente de seus usuários e da sociedade em que vivem. Em uma abordagem crítica, representada pelo estudioso na LAC, usar uma língua significa se posicionar ideológica e politicamente e assumir uma postura de conhecimento que carrega em si as características identitárias dos usuários. Portanto, na LAC a língua não desempenha uma função de modelo, mas de prática social, já que o conhecimento se torna possível através da língua, tanto o conhecimento quanto a língua são definidos como meios que permitem e transformam as relações sociais.

Assim, o autor se opõe ao ostracismo liberal em que os conhecimentos produzidos em âmbito linguístico são tidos como desconectados de questões políticas mais amplas. Também não considera a autonomia anarquista como abordagem crítica da linguagem já que segrega os estudos linguísticos de questões políticas, apesar de valorizar as políticas de esquerda. O mesmo vale para o modernismo emancipatório que, apesar de tentar associar os estudos linguísticos a uma política de esquerda, não acredita que o conhecimento pode levar à emancipação, postulando um domínio ideal.

Considera-se assim, a visão da LAC como prática problematizadora que aborda a língua incondicionalmente relacionada à política e ao poder, inerentes a questões de raça, classe, gênero, etnia, sexualidade.

Ao se referir à Política da Língua, Pennycook (2001) retém que as áreas de estudos como a Sociolinguística e as Políticas Linguísticas não apresentam visões críticas e transgressivas sobre a linguagem, dessa maneira, não são consideradas concepções de estudos pertencentes à LAC. Para Pennycook, os trabalhos considerados pela LAC são aqueles que trazem consigo a ideologia pós-colonialista, que questiona e supera as histórias e ideologias existentes em prol da criação de outros tipos de conhecimento.

Importante salientar o papel da língua como política, que tem como função primordial a negação de posturas estáticas e a consciência de que a língua quando utilizada como instrumento de opressão pode ser voltada contra ela mesma.

A LAC desenvolve uma teoria que permite a descrição da língua como algo que vá além de meras sugestões de mudanças, mas que enfatiza a relevância da apropriação e uma visão de língua como ferramenta que produz e ao mesmo tempo reflete as ações sociais.

Talvez a consideração mais relevante sobre a política da língua, segundo a LAC é que a língua deixa de ser vista como reflexo somente da realidade e passa a ser considerada instrumento de ação, mudança e resistência: “Se é a língua que produz a hegemonia e reproduz os discursos coloniais, é por meio dela que se deve lutar para subverter os discursos e práticas hegemônicas do colonialismo.” (FREITAS; ROCHA, 2012, p.232).

Sobre a política do texto, o autor elucida três áreas de pesquisa que podem trazer a possibilidade de mudança para os tratamentos tradicionais das línguas. Primeiro é abordado o letramento crítico como prática social que utiliza a leitura e a escrita como instrumento de mudança social, diversidade cultural, equidade econômica e emancipação política. Segundo o autor, não basta abrir novas situações ou contextualizar prática de letramento. É essencial politizar essas práticas e desenvolver críticas e concepções que tenham como objetivo a transformação social.

Depois, a análise do discurso crítica que se baseia na desconstrução de ideologias que já foram pré-estabelecidas e fixadas. Transforma essas ideologias em pensamentos que mostram como os discursos estão relacionados diretamente à sociedade. Por fim, a consciência crítica sobre a língua. Pontua-se a necessidade de fazer com que os alunos sejam capazes de avaliar criticamente as convenções linguísticas, que, a maioria das vezes apenas reproduzem consentimentos dominantes e universais.

Ao tratar da relação entre Pedagogia e política, Pennycook (2001) pauta-se em cinco domínios. O primeiro é o contexto da sala da aula, imprescindível à compreensão de que as relações sociais e ideológicas que ocorrem nesse ambiente são reflexos das relações que ocorrem na sociedade. Depois, questões de estrutura, agência e resistência, pois para se desenvolver um trabalho crítico é necessário, antes de tudo, identificar estruturas ideológicas que limitem a capacidade de refletir e de agir. Reprodução social e cultural na educação: Pennycook (2001) afirma que as escolas têm funcionado muito mais como ambientes que apenas reproduzem as ações sociais, ao invés de ambientes que transformam realidades sociais.

O autor enfatiza a pedagogia crítica ao abordar o desenvolvimento das próprias vozes dos alunos, a fim de evitar abordagens que explorem a exclusão e a marginalização dos alunos no ambiente escolar. Ele também elucida a ética pós-modernismo, reforçando que o trabalho com a linguagem não deve ser compreendido como um código de princípios morais que guiam o nosso comportamento, mas como uma forma de pensar e agir resultante de relações sociais, culturais e políticas mais amplas.

Quanto à política da diferença, Pennycook (2001) enfatiza três concepções primordiais. O engajamento com as diferenças, em que a aprendizagem de línguas deve adotar uma postura crítica ao considerar as diferenças existentes na sala de aula; a emergência do corpo, entendendo-o como um lugar onde as diferenças e identidades estão marcadas e a tomada de uma postura transdisciplinar, compreendendo a educação linguística como um campo de investigação híbrido. Não basta só dialogar com outras áreas de estudo, mas considerar as áreas de estudos pós-coloniais, feministas, antirracistas, queer, que permitem uma relação mais ampla e crítica das relações sociais.

Por meio da concepção de política da diferença enfatiza-se que essas estão atreladas aos nossos corpos e a educação linguística traz os corpos para o centro das teorizações sobre linguagem e educação, onde se considera todos os aspectos fisicamente notados da vida como raça, gênero, deficiência etc. O corpo é uma superfície onde as identidades estão registradas.

Em relação à sala de aula, uma postura crítica estabelecida pelos professores de línguas é o reconhecimento de que a língua em questão, as diversas identidades e a vida social se interrelacionam o tempo todo.

As ideologias de um currículo dialógico

Segundo Freire (1994), a educação libertadora, transformadora e transgressiva inicia-se não no contato entre professores e alunos, mas começa antes: durante o processo de preparo das aulas e dos conteúdos. Segundo o estudioso, a dialogicidade inicia-se nas questões que o educador propõe em torno do conteúdo programático:

Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição - um conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a revolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada. (FREIRE, 1994, p. 54)

Dessa maneira, para Freire, a relação dialógica entre professor e aluno inicia-se nas associações que o educador se propõe a fazer entre o objeto de ensino e o mundo de seus alunos. Ainda segundo o autor, um conteúdo programático estruturado, terminado e imposto sem algum critério de associação torna-se instrumento gerador de opressores e oprimidos que desconhecem em concomitância a importância de seus posicionamentos no mundo. Recorro assim a Apple (2006) que discute a relação entre cultura e economia e o funcionamento da ideologia, considerando a escola enquanto instituição peculiar. O estudioso parte de um posicionamento crítico para articular as relações de classe, raça e gênero na escola, discutindo como as instituições educacionais atuam para reproduzir valores ideológicos bem como tipos de conhecimento que mantêm arranjos políticos, econômicos e culturais.

Para Apple, os conflitos sobre o que ensinar, para além de questões educacionais, seriam também ideológicos e polítios, logo teriam de levar em conta a inserção da educação na natureza real de relações de poder cambiantes e desiguais. O conhecimento é o centro das preocupações, numa análise da tentativa de criar um falso consenso social e político. Segundo ele, são necessárias algumas questões centrais para os estudiosos de currículo, como: ‘De quem é o conhecimento?’; ‘Quem o selecionou?’; ‘Por que é organizado e ensinado dessa forma?’; ‘E a este grupo em particular?’; ‘Quem se beneficia com o conhecimento ensinado?’;’As vozes de quem são ouvidas?’.

Apple acredita que não discutir qual conhecimento acaba por perpetuar o papel do currículo de seleção e exclusão dos alunos da escola. Segundo o autor, as desigualdades não são acidentes, são regularidades que podem ser reforçadas pelo não conhecimento do motivo pelo que se ensina. Portanto, discutir essas questões gera possibilidade de combate à noção de neutralidade dos conhecimentos escolares e, consequentemente, a criação de uma relação não determinista com a realidade econômica e a reprodução das desigualdades de classe.

Assim como Freire (1994) pontua que a organização do conteúdo programático parte ‘da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo...’, Apple (2006) acredita que o currículo não deva ser lugar de reprodução, mas é um lugar de produção, onde o papel do educador não é aquele de impor sua visão de mundo, mas dialogar sobre as diferentes formas de ação na sociedade. Somente assim, segundo ele, seria possível superar os modelos mecanicistas de explicação entre as relações de educação e economia que circundam as práticas de produção dos nossos currículos por especialistas nem sempre preparados a atingir a linguagem do povo.

Apple recorre ao conceito de currículo oculto, que representa, ‘(...) as normas e valores que são implicitamente, mas eficazmente, ensinados nas escolas e sobre os quais o professor em geral não fala nas declarações de metas e objetivos.” (APPLE, 2006, p.127). Por meio da abordagem ‘informal’ desses valores, cria-se a oportunidade aos educadores de desenvolverem uma visão de ajustamento do conteúdo imposto, que muitas vezes pode descontextualizar da realidade do aluno.

Assim, para Apple (2006) é crucial entender o processo envolvido no currículo, desde a criação, a seleção e distribuição do conhecimento escolar, para que haja a possibilidade de intersecção das dinâmicas de classe social, gênero e raça.

Enquanto pesquisadora da linguagem, imagino a impossibilidade de abordar um currículo que direciona o trabalho dialógico dos conteúdos programáticos sem remeter à natureza dialógica da linguagem, fruto do pensamento bakhtiniano. Dessa maneira, sustento a ideia de dialogismo contínuo que apoia as ideias de alteridade e de um sujeito sempre em construção, que confronta, vivencia, que torna suas as palavras dos outros, e se apropria das alheias.

Segundo Bakhtin (1988 [1934-35]), é a partir da interação verbal (oral e escrita), imersa em um incessante processo de constituição e ruptura entre o Eu e o Outro, ou seja, fundamental mente marcada pelo dialogismo, que surge a consciência do indivíduo como ato sociocultural e ideologicamente situado.

Em sua visão, as relações sociais ocorrem entre sujeitos cultural e historicamente constituídos por meio da linguagem. Assim, a linguagem materializa-se na comunicação dialógica dos que a usam, situados em um espaço e tempo determinados e imersos em um universo de signos.

Ao me orientar sob as perspectivas bakhtinianas, entendo que todos os sentidos que produzimos de forma dialética e dialógica, na interação constituída de inúmeros sentidos, é um processo que se apoia na interrelação entre o passado e o presente, criando uma relação conflituosa e dinâmica que orienta a constituição do sujeito, de forma singular que expressa as suas diversas vozes.

Nessas vozes, por sua vez, estão imbricadas todas as pluralidades dos discursos, que por meio da linguagem, constituem os sujeitos situados historicamente e os possibilita a apreender a realidade e a enunciarem o mundo.

Diante da perspectiva da palavra usada como elemento vivo na ‘fala real’, há a contraposição da ideia de palavra, oração, frase, em seus sentidos estruturais e linguísticos. O enunciado assume sua relevância como unidade concreta da comunicação verbal. Assim, retomando a característica singular e única dos enunciados, nenhuma palavra, oração, ideia pode ser repetida, reiterada e duplicada, pois o enunciado ocorre dentro das circunstâncias axiológicas que o caracterizam, por isso, é historicamente único.

Na minha opinião, a contribuição do entendimento enunciativo do discurso de Bakhtin, para o ensino de línguas adicionais para crianças, pauta-se na articulação entre a realidade e atuação linguística dos indivíduos. Um posicionamento contrário à natureza autônoma, estática, normatizada, restrita e idealizada, característica das vertentes estruturalistas no tratamento das línguas.

Assim, a possibilidade de construção de uma educação linguística democrática torna-se maior diante dos seguintes objetivos, segundo Van Ek e Trim (1984):

Ampliar as possibilidades de comunicação do aprendiz para além de sua comunidade linguística e fazer com que ele entenda que há uma heterogeneidade (contextual, social, cultural e histórica) no uso de qualquer linguagem. Assim, o aluno precisa entender que em determinados contextos, momentos históricos, em outras comunidades, pessoas comunicam-se de formas variadas.

Fazer com que o aluno entenda que há várias possibilidades de organizar, categorizar e expressar a experiência humana e de realizar interações sociais por meio da linguagem. Enfatizando que as diversidades da linguagem são sociais e mutáveis.

Estimular a sensibilidade linguística do aluno quanto às características das línguas adicionais diante da própria língua materna e às diversas possibilidades de utilização da língua em seu cotidiano.

Ampliar a confiança do aluno por meio de experiências significativas e positivas ao enfrentar desafios do dia a dia, adaptando-se, conforme necessário às diversas possibilidades de usos da linguagem, seja dentro ou fora de suas comunidades.

Educação multicultural e linguagem

Após discorrer sobre a essencial relação dialógica entre os indivíduos e o mundo a fim de desenvolver o pensamento crítico sobre linguagem e suas amplas e diversas formas de acontecimento e interpretação, recorro à necessidade de posicionamento e compreensão das inúmeras culturas. A educação multicultural pode ser uma das chaves para o desenvolvimento de conteúdos programáticos que representem a totalidade de possibilidades de atuações dos indivíduos que se encontram no processo educativo.

Para Freire (1994), a discussão e inclusão de aspectos culturais nos conteúdos ampliam a possibilidade de abordagens em um programa educativo.

Na proporção em que discutem o mundo da cultura, vão explicitando seu nível de consciência da realidade, no qual estão implicitados vários temas. Vão referindo-se a outros aspectos da realidade, que começa a ser descoberta em uma visão crescentemente crítica. Aspectos que envolvem também outros tantos temas. Com a experiência que hoje temos, podemos afirmar que, bem discutido o conceito de cultura, em todas ou em grande parte de suas dimensões, nos pode proporcionar vários aspectos de um programa educativo. (FREIRE, 1994, P.3).

Naiditch (2007), define cultura como características e conhecimento de um grupo particular de pessoas, envolvendo língua, religião, culinária, hábitos sociais, interação, padrões de comunicação, expressões artísticas. Assim como os padrões de comportamento compartilhados, os construtos cognitivos e compreendidos por meio dos processos de socialização. Para ele, o desenvolvimento da identidade de um grupo é promovido por padrões sociais estabelecidos pelo próprio grupo

Segundo o autor, para compreender o conceito de cultura é necessário entender que a cultura é a soma total de experiências, conhecimentos, habilidades, crenças, valores, e interesses representados pela diversidade de alunos e adultos em nossas escolas. Embora a cultura seja muitas vezes definida e percebida pelas escolas como a celebração de pessoas importantes, religiões, tradições e feriados, assim como uma apreciação dos costumes de diferentes grupos, ela deve ser entendida como algo a mais.

Ou seja, a cultura inclui as experiências cotidianas, pessoas, eventos, cheiros, sons e hábitos de comportamento que caracterizam os alunos e a vida dos educadores. Cultura molda o senso de quem ele ou ela é e onde ele ou ela se encaixa na família, comunidade e sociedade.

Sua definição inclui três importantes elementos na descrição e compreensão da cultura: a cultura é adquirida, um indivíduo adquire cultura como um membro de uma determinada sociedade, e a cultura é uma interação complexa de elementos (concretos e abstratos).

Pessoalmente retenho que a contribuição mais valiosa de Naiditch (2007) é sobre a consideração que faz em estabelecer que a definição de cultura não pode ser constituída sem o entendimento das diversidades. Segundo ele, só é possível definir cultura reconhecendo a diversidade. A diversidade é o compromisso com o reconhecimento e apreciação da variedade de características que torna os indivíduos únicos em uma atmosfera que promove e celebra a realização individual e coletiva.

A essência da diversidade, segundo o estudioso, se encontra nas instâncias de quem somos (raça, gênero, idade, etnia, religião, orientação sexual, aspectos físicos); o que aprendemos (bagagem educacional, experiência profissional, crenças, situações familiares, origem geográfica, responsabilidades assumidas); como conduzimos a vida (aprendizagens, ensinos, aceitações, entendimentos, inovações, integridade), e como interagimos (responsabilidades, apreciações, respeito, empoderamento, trabalho em equipe, mudanças positivas, flexibilidade, oportunidades, inclusão, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, comunidade, negócios).

Dessa forma, a diversidade é importante porque em nosso país, nos locais de trabalho e nas escolas, cada vez mais consistem em várias culturas, grupos raciais e étnicos, bem como diversas línguas, experiências de vida e histórias.

Recorro novamente a Naiditch (2007) que utiliza o termo lacuna de desempenho referindo-se se a qualquer disparidade significativa e persistente no desempenho ou realização educacional entre diferentes grupos.

A lacuna de desempenho pode se tornar uma consequência longamente negativa pela falta de consideração das diversidades. Principalmente relações desequilibradas e opressivas entre os seguintes grupos: alunos brancos x minoritários; estudantes masculinos x femininos (lacuna de gênero); estudantes de famílias e comunidades de alta e baixa renda; alunos sem deficiência e alunos com deficiência física ou de aprendizagem; alunos cujos pais obtiveram um diploma universitário e alunos cujos pais não obtiveram um diploma universitário (esses alunos são frequentemente chamados de primeira geração se decidirem se matricular na faculdade); estudantes nativos e estudantes de outros países.

Do ponto de vista educacional, as lacunas podem ser igualmente cruéis: status de minoria dando origem a racismo, preconceito, estereotipagem, preconceito étnico e predisposições institucionalizadas, como a tendência nas escolas de diminuir o nível acadêmico e as expectativas para as minorias ou inscrevê-las em cursos menos desafiadores, que podem afetar negativamente o desempenho educacional (ameaça de estereótipo). Escolas de baixa qualidade, ensino ineficaz, superlotação de alunos, escola dilapidada, instalações e recursos educacionais inferiores, programas e oportunidades economicamente desfavorecidos nas escolas e nas comunidades.

Pensar e agir sob o ponto de vista de uma educação multicultural é estruturar uma educação ou ensino que incorpora as histórias, vozes, textos, valores, crenças e perspectivas de pessoas de diferentes culturas, etnias, socioeconômica, linguística, gênero, origens.

Banks e Banks (1995) definem a educação multicultural como oportunidades educacionais iguais para alunos de diversas raças, grupos étnicos, de classe social e culturais. Um dos objetivos mais importantes da educação multicultural é ajudar todos os alunos a adquirir conhecimentos, atitudes e habilidades necessárias para funcionar de forma eficaz em uma sociedade democrática pluralista e interagir, negociar e se comunicar com as pessoas de diversos grupos, a fim de criar uma comunidade cívica e moral que trabalha para o bem comum.

Assim, aprender sobre outras culturas nos ajuda compreender diferentes perspectivas dentro do mundo em que vivemos. Aprender sobre outras culturas nos ajuda entender (e questionar) nossas perspectivas dentro do mundo em que vivemos.

Educação culturalmente e linguisticamente responsiva

Após elucidar os preceitos dialógicos e multiculturais em âmbito educacional, os posiciono na esfera da linguagem, mais especificadamente do ensino de línguas adicionais para crianças. Parto do pressuposto Freireano de que linguagem, pensamento e ação se constituem e atuam em concomitância na sociedade:

É que a linguagem do educador ou do político (e cada vez nos convencemos mais de que este há de tornar-se também educador no sentido mais amplo da expressão) tanto quanto a linguagem do povo, não existe sem um pensar e ambos, linguagem e pensar, sem uma realidade a que se encontrem referidos. Desta forma, para que haja comunicação eficiente entre eles, é preciso que educador e político sejam capazes de conhecer as condições estruturais em que o pensar e a linguagem do povo, dialeticamente, se constituem. (FREIRE, 1994, p.56).

Acredito que somente por meio da articulação entre cultura, diversidade e linguagem seja possível pensar em diretrizes pedagogicamente e linguisticamente responsivas. Segundo Lynch (2011) pedagogia culturalmente responsiva é uma abordagem centrada no aluno, em que suas características culturais únicas são identificadas e nutridas para promover o desempenho do aluno e uma sensação de bem-estar sobre seu lugar cultural no mundo.

Dessa forma, é possível utilizar o conhecimento cultural, as experiências anteriores e estilos de atuação de diversos alunos para tornar o aprendizado mais apropriado e eficaz para eles, por meio do ensino centrado em seus pontos fortes. Essa abordagem de ensino ajuda todos os alunos a adquirir mais conhecimento sobre a diversidade cultural, e usar as heranças culturais, experiências e perspectivas de alunos etnicamente diversos como recursos instrucionais para melhorar suas oportunidades de aprendizagem e resultados.

A educação linguística responsiva aborda aspectos da LAC no que tange à validação da língua materna no processo de aprendizagem de uma língua adicional, criando possibilidades de aprendizagem de ambas, em que as crianças consigam estabelecer vínculos de uso e de valor entre as duas ou mais línguas. Assim, torna-se possível a construção de pontes entre a língua, a cultura em casa, na escola e na comunidade, dando vida à socialização da linguagem.

Organização de um currículo integrado para o ensino de línguas adicionais para crianças

Parto novamente da ideia de Freire (1994) sobre a necessidade de integração entre o conteúdo a ser ensinado e a realidade dos agentes no processo educacional.

Daí que, para esta concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade comece, não quando o educador-educando se encontra com os educandos-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo programático da educação. (FREIRE, 1994, 53)

Por isso, trago as ideias de Hernandez (1998) sobre a formulação de um currículo integrado que nega a apresentação dos conteúdos escolares em campos isolados, que favorecem um distanciamento das transformações sociais, das mudanças dos saberes e nas vidas dos alunos.

Segundo o autor, nos encontramos sempre em uma situação social em processo de mudança. A pós-modernidade em que vivemos gera um leque de oportunidades de reflexões sobre as esferas econômica, política, social, cultural, artística e pessoal, que se organizam de forma diversa nos diferentes contextos.

Para Hargreaves (1996), a pós-modernidade é uma questão social que apresenta algumas características, como: situações econômicas que dependem de fluxos especulativos mais do que da economia produtiva; homogeneização das opções políticas e econômicas; transnacionalização e transculturação dos valores e dos símbolos culturais, devido à mundialização dos meios de informação e comunicação; as transformações no emprego, refletidas no aumento das diferenças entre os tipos de trabalho; a progressão no volume de produção de informação; a primazia do imperativo tecnológico.

Os desafios que as escolas enfrentam passam a se circunscrever em torno da necessidade de selecionar e estabelecer critérios de avaliação. Decidir o quê aprender, como e para quê. Prestar atenção ao internacionalismo, e o que traz consigo de valores de respeito, solidariedade e tolerância. O desenvolvimento de capacidades cognitivas pessoais e sociais. Saber interpretar as opções ideológicas e de configuração do mundo.

O currículo integrado possibilita a formação dos estudantes por meio da organização dos conteúdos escolares a partir de grandes temas que permitem não somente explorar os campos do saber, mas ensinar aos alunos uma série de estratégias de busca, ordenação, análise, interpretação e representação da informação, que lhes permitirá explorar uma série de outras questões de forma mais autônoma.

Ao transpor a ideia de currículo integrado na esfera de ensino de línguas adicionais para crianças, focalizo a ideia social do conceito de currículo e de materialização pedagógica por meio de escolhas de gêneros considerados importantes para a formação do aluno em toda a sua riqueza e diversidade, buscando relacionar as atividades da sala de aula com as que as crianças exercem na sociedade.

Antes de tudo, é importante reconhecer a formação global da criança, de aprender pelo movimento, pela vivência de práticas que a levem a experimentar o mundo, a construir sentidos por meio das cores, cheiros, sons, imagens. Todas as formas pelas quais a linguagem também acontece e se materializa.

Acredito que abordar a educação linguística na infância, tendo como objeto o estudo das línguas adicionais, pode ser uma grande oportunidade de estabelecer relações de igualdade social, por meio do ensinamento das diversidades, das infinitas possibilidades de comunicação e do entendimento de que tudo se relaciona e se completa.

Dessa maneira, acredito que a estruturação de diretrizes nacionais sobre o ensino de línguas adicionais para crianças deve se direcionar à criação de currículos integrados, que permitem a representação da realidade de todos os agentes envolvidos no processo educativo.

Impossível não abordar, conceituar e me vestir das falas de Freire. Seu amor ao próximo e sua luta pelo direito de igualdade e acesso à educação verdadeira, contextualizada e significativa é impreterível na estruturação de qualquer política educacional, diretrizes e práticas docentes.

As relações opressoras existem e muitas vezes se reforçam. Contudo, a escola e a linguagem, uma enquanto instituição e outra enquanto fenômeno social, deveriam ser os únicos lugares em que a dominação não existisse. A língua é instrumento de libertação, de mistura de vozes e plurissignificações que a escola deve acolher, organizar e ensinar.

REFERÊNCIAS

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SOBRE A AUTORA:

1Pennycook propõe uma articulação para usar a Língua Inglesa como instrumento de reflexão dos contextos sociais em que está sendo utilizada, ou ensinada. A Língua Inglesa é foco de seus estudos por representar, na maioria das vezes, uma ferramenta hegemônica e colonizadora sobre o entendimento do mundo. Porém, desloco suas reflexões para todas as línguas adicionais, pois acredito que o processo de aprendizagem de qualquer outra língua pode empoderar ou oprimir, dependendo da perspectiva em que é apresentada.

Recebido: 18 de Julho de 2021; Aceito: 03 de Agosto de 2021

Mariana Guedes Seccato Pós-doutoranda em Estudos da Linguagem - UEL; Professora de Língua Inglesa no Colégio Celtas de Votuporanga - SP; Membro do Grupo de Pesquisa FELICE: Formação de Professores e ensino de línguas para crianças; Membro do Grupo de Pesquisa GIEL: Grupo Interdisciplinar de Estudos da Linguagem.

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