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Revista Práxis Educacional

versão On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.17 no.47 Vitória da Conquista ago. 2021  Epub 18-Fev-2022

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i47.7046 

Artigos

PAULO FREIRE: UMA LEITURA DE SEU PENSAMENTO SOCIAL E PEDAGÓGICO CRÍTICO A PARTIR DO SUL

PAULO FREIRE: A READING OF HIS CRITICAL SOCIAL AND PEDAGOGICAL THOUGHT FROM THE SOUTH

PAULO FREIRE: UNA LECTURA DE SU PENSAMIENTO SOCIAL Y CRÍTICO PEDAGÓGICO DESDE EL SUR

Sérgio Roberto M. Corrêa1 
http://orcid.org/0000-0002-9477-5485

1Universidade do Estado do Pará - Brasil srmoraescorrea@gmail.com


Resumo:

O pensamento do educador Paulo Freire pode ser lido sob ângulos e perspectivas diferentes em cada momento histórico e realidade sociocultural. Contudo, é no campo da tradição crítica da teoria social e educacional e na periferia do sistema dominante que seu pensamento viceja vigorosamente. No intuito de buscar contribuir com o revigoramento desse campo teórico crítico na atualidade, é que esse artigo procura apresentar outras possibilidades de leitura acerca do pensamento de Paulo Freire a partir do Sul, em particular a partir da noção de Sul Anti-imperial, presente no Pensamento Pós-Abissal de Boaventura Santos. Como fio de análise, coloco a seguinte questão: ao se posicionar Paulo Freire sob essa perspectiva do Sul, é possível fazer emergir outras leituras de seu pensamento pedagógico libertador e contribuir para o revigoramento de sua teoria crítica na atualidade? Esse texto se inscreve no bojo de um projeto de pesquisa, que está em andamento, que busca estabelecer um diálogo Sul-Sul entre o pensamento de Freire e o pensamento de Boaventura Santos, com foco nos temas da democracia e educação pública na atualidade da sociedade brasileira.

Palavras chave: Paulo Freire; Pedagogia Libertadora; Pensamento Pós-Abissal

Abstract:

The educator Paulo Freire’s thought can be read from different angles and perspectives in each historical moment and socio-cultural reality. However, it is in the camp of the critical tradition of social and educational theory and on the periphery of the dominant system that his thought thrives vigorously. In order to seek to contribute to the reinvigoration of this critical theoretical field today, is that this article seeks to present other possibilities of reading about Paulo Freire’s thought from the South, particularly from the notion of the Anti-imperial South, present in the Post-Abyssal Thought of Boaventura Santos. As a thread of analysis, I ask the following question: when positioning Paulo Freire under this perspective from the South, is it possible to make other readings of his liberating pedagogical thought emerge and contribute to the reinvigoration of his critical theory today? This text is part of a research project, which is underway, which seeks to establish a South-South dialogue between Freire’s thought and Boaventura Santos’ thought, focusing on the themes of democracy and public education in today's Brazilian society.

Keywords: Paulo Freire; Critical pedagogy; Post-abyssal thought

Resumen:

El pensamiento del educador Paulo Freire puede leerse desde diferentes ángulos y perspectivas en cada momento histórico y realidad sociocultural. Sin embargo, es en el campo de la tradición crítica de la historia social y educativa y en la periferia del sistema dominante donde su pensamiento prospera vigorosamente. Con el propósito de buscar contribuir con la revitalización de este campo teórico-crítico en la actualidad, es que este artículo busca presentar otras posibilidades de lectura sobre el pensamiento de Paulo Freire desde el Sur, en particular desde la noción de Sur Anti Imperial, presente en el Pensamiento Post Abisal de Boaventura Santos. Como hilo de análisis, planteo la siguiente pregunta: al posicionar a Paulo Freire bajo esta perspectiva desde el Sur, ¿es posible dar surgimiento a otras lecturas de su pensamiento pedagógico libertador y contribuir al fortalecimiento de su teoría crítica en la actualidad? Este texto es parte de un proyecto de investigación, que está en marcha, que busca establecer un diálogo Sur-Sur entre la apertura de Freire y el pensamiento de Boaventura Santos, centrándose en los temas de democracia y educación pública en la sociedad brasileña actual.

Palabras clave: Paulo Freire; Pedagogía crítica; Pensamiento post abisal

Introdução

O pensamento do educador Paulo Freire pode ser lido sob ângulos e perspectivas diferentes em cada momento histórico e realidade sociocultural. Contudo, é no campo da tradição crítica do pensamento social e educacional e na periferia do sistema dominante que seu pensamento viceja vigorosamente. No intuito de buscar contribuir com o revigoramento desse campo teórico crítico na atualidade, é que esse artigo procura apresentar outras possibilidades de leitura acerca do pensamento de Freire a partir do Sul, em particular a partir da noção de Sul anti-imperial, presente nas Epistemologias do Sul de Boaventura Santos (2010a; 2019a), as quais denunciam e sugerem caminhos alternativos outros ao “Pensamento abissal” e às “Pedagogias abissais”: Pensamento pós-abissal e Pedagogias pós-abissais (SANTOS, 2019b).

Como fio de análise, coloco a seguinte questão: ao se posicionar Paulo Freire sob essa perspectiva do Sul, é possível fazer emergir outras leituras de seu pensamento pedagógico libertador e contribuir para o revigoramento de sua teoria crítica na atualidade?

Esse texto se inscreve no bojo de um projeto de pesquisa, em andamento, que busca estabelecer um diálogo entre o pensamento de Freire e o pensamento de Boaventura, com foco nos temas da democracia e da educação pública na atualidade da sociedade brasileira1. Para fins desse texto, apresento alguns resultados iniciais desse estudo, focando no pensamento de Freire a partir dessa chave interpretativa do Sul. Por isso, esse texto não centra especificamente no debate da democracia e educação pública, tema futuro de próxima produção e publicação.

Esse texto, além dessa introdução e considerações finais, está organizado em duas seções temáticas. Na primeira seção “Apresentando e situando a noção de ‘Sul’ em Boaventura Santos”, exponho, em linhas gerais e breves, a noção de Epistemologias do Sul que dá base para esse conceito de Sul. Na segunda seção “Paulo Freire: um olhar de seu pensamento crítico a partir do Sul”, apresento o pensamento social e pedagógico crítico desse autor, procurando estabelecer a conexão e diálogo com essa noção de Sul, apontando uma outra possibilidade de leitura e interpretação do legado freireano na atualidade.

Ao tentar responder à questão levantada nesse texto, é possível identificar e situar Freire como um Intelectual Público do Sul e formulador de uma Pedagogia Crítica, que exprime uma posição anticapitalista, anticolonialista, antirracista e antissexista, que vai se tecendo e evidenciando, no movimento dialético de suas obras e que, por conseguinte, constitui-se como importante referência para a emergência de Pedagogias pós-abissais. Isso é fundamental tanto para reinventar e avançar no debate da democracia e da educação pública na atualidade da sociedade brasileira, quanto, sem dúvida, contribuir para a releitura desse Sul Global e dos desafios da emancipação social na contemporaneidade frente à onda conservadora e reacionária da extrema-direita que avança no mundo, em particular no Brasil.

Sob essa perspectiva, o debate teórico, epistemológico e metodológico (social e político) contemporâneo no tocante ao descentramento da produção do conhecimento do Eixo Norte (Europa e América do Norte) e, também, à desprovincialização do conhecimento no Eixo Sul (COSTA, 2006; SANTOS, 2006; 2010; MAIA, 2011) alcança um patamar relevante tanto para denunciar uma “invasão cultural” (FREIRE, 1982, 1987) e política hegemônica de conhecimento eurocêntrica silenciadora e excludente - que promove a não-existência e, por conseguinte, o esquecimento, o epistemecídio (SANTOS, 2001, 2004b, 2006b, 2010a, quanto para assinalar ou anunciar outros caminhos plurais e alternativos - síntese cultural e dialogicidade (FREIRE, 1982, 1987) e ecologia de saberes (SANTOS, 2001, 2004b, 2006c, 2010) - de produção e sociabilidades fora dos marcos euronortecêntricos (FREIRE, 1992, 1996, 2000, 2001; SANTOS, 2010a, 2019a). É, nesse horizonte, que busco identificar a contribuição do pensamento social e educacional de Paulo Freire.

Apresentando e situando a noção de “Sul” em Boaventura Santos

De entrada, é importante registrar que o cientista social Boaventura de Sousa Santos2 reconhece a relevância da contribuição do pensamento crítico educacional de Paulo Freire (assim como do sociólogo colombiano Fals Borda) e diz ser uma das grandes fontes, influências e referências para elaboração das Epistemologias do Sul, em especial o que ele vai denominar e sustentar de Pedagogias pós-abissais (SANTOS, 2019b).

Ao longo deste livro, e em livros anteriores, venho indicando o contexto histórico, social e político que justificou a emergência das epistemologias do Sul. No plano intelectual, elas não seriam possíveis sem duas propostas que revolucionaram a pedagogia e as ciências sociais no final da década de 1960 e ao longo da década de 1970: a pedagogia do oprimido de Paulo Freire e a investigação-ação participativa (IAP) de Orlando Fals Borda. Esses dois pilares portentosos contribuíram decisivamente para a formulação das epistemologias do Sul” (SANTOS, 2019b, p. 355-356) 3.

A geopolítica global Norte e Sul, em especial do conhecimento, é reveladora, como nos sugere Boaventura (2010a, 2019a) de “um pensamento abissal”, como expressão hegemônica do pensamento moderno ocidental, que demarca e impõe “as linhas cartográficas abissais” como estratégia e instrumento de dominação e legitimação.

O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal. Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha”. A divisão é tal que “o outro lado da linha” desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. A característica fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade da co-presença dos dois lados da linha. Este lado da linha só prevalece na medida em que esgota o campo da realidade relevante. Para além dela há apenas inexistência, invisibilidade e ausência não-dialéctica (SANTOS, 2010a, p. 31-32).

Conforme Boaventura (2001, 2004b, 2006b), essa produção social da não-existência assenta-se e é operada por esse paradigma hegemônico, figurado na Razão Indolente ou preguiçosa, que vem tornando inexistente, excluindo e invisibilizando um conjunto diverso e plural de saberes e experiências sociais. Ele (2004b, p. 779 a 788; 2007a) explica que essa Razão Indolente ocorre em quatro formas distintas: a “razão impotente”; a “razão arrogante”; a “razão metonímica” e a “razão proléptica”. O referido autor centraliza seu estudo crítico nas duas últimas: a Razão Metonímica, que opera estreitando o presente e a Razão Proléptica, que opera alargando, infinitamente, o futuro. Ele adverte que não existe uma “maneira única ou unívoca de não existir, porque são várias as lógicas e os processos através dos quais a razão metonímica produz a não-existência”. Ele destaca cinco lógicas ou modos de produção da não-existência: i) a monocultura do saber e do rigor do saber; ii) a monocultura do tempo linear; iii) a lógica da classificação social; iv) a lógica da escala dominante; e v) a lógica produtivista (SANTOS, 2004b, p. 779 a 788; 2007a).

Para o referido autor, esse paradigma dominante estreita o presente e alarga o futuro, impedindo tanto a possibilidade de outras alternativas de saberes, de interpretações e de explicações da sociedade emergirem e serem reconhecidas e validadas, como dificultando a construção de experiências alternativas. Nesse cenário contemporâneo da geopolítica desigual tanto do conhecimento, quanto social, política e econômica, Boaventura (2002, 2010a; 2019a) procura descortinar e destacar em seus estudos a continuidade histórica, as diferenças e contradições entre o Norte Global (o Centro, Desenvolvido, Rico) e o Sul Global (Semiperiferia/Periferia, Subdesenvolvida, Pobre).

Essas linhas abissais expressam profundas relações de dominação e opressão, de desigualdade e exclusão entre Nações, classes e grupos sociais, posto que, desde o processo histórico colonial, os países centrais do ocidente promoveram um silenciamento e invisibilização dos povos aí conquistados, seguido da espoliação e exploração de seus bens materiais e simbólico-culturais e da natureza. Um projeto de colonialismo eurocêntrico que se estende até hoje, acorrentando a memória e produzindo o esquecimento e que, em face da crise multidimensional em que o mundo se encontra, tende a se intensificar e expandir essas linhas abissais, colocando e classificando de um lado os humanos e, de outro, os subumanos, sendo, assim, importante diferenciar as exclusões sociais não-abissais das exclusões sociais abissais (SANTOS, 2019a)4.

É relevante observar, ainda, como adverte Boaventura, que essa relação de dominação e opressão, de morte da memória e (re)produção do esquecimento, de desigualdade e exclusão não se faz somente nesse nível de relação Norte-Sul, mas, também, internamente, em cada um desses polos. No caso do Sul, ele diferencia o Sul Imperial do Sul Anti-imperial, onde este reflete o lugar periférico dos povos, classes e grupos sociais subalternos, oprimidos; e aquele (Sul Imperial) expressa as classes e grupos sociais e instituições e organizações dominantes, que assumem uma postura de subserviência em relação ao Norte Global (reprodução de uma relação entre centro e periferia do sistema), reproduzindo, por conseguinte, uma relação histórica de patriarcalismo, colonialismo e um capitalismo dependente e (semi)periférico.

Por isso, para Boaventura, é preciso “Aprender que existe um Sul, aprender a ir para o Sul e aprender com o Sul” (1995) e, mais recentemente, “como é que se conhece a partir das perspectivas do Sul?” (2010b; 2012, 2019a). Assim, o autor (2010b, 2019a) usa a expressão Sul não no sentido geográfico, mas sim do ponto de vista epistêmico, metafórico, a fim de designar o “sofrimento humano” produzido e provocado pelos sistemas dominantes capitalista, colonialista e (hetero)patriarcal, o qual está no Norte e está no Sul da geopolítica global.

Daí as “Epistemologias do Sul” (ES), defendidas pelo autor (2010b, 2012, 2019a), serem assumidas como diversas (epistemologias), subalternas, insurgentes contra um projeto de dominação (capitalista, colonialista e patriarcal) e, por conseguinte, se posicionarem num campo contra-hegemônico, como expressão de um “pensamento pós-abissal”, posto que são conhecimentos oriundos das experiências de luta e resistência de povos e grupos sociais vítimas desses sistemas dominantes. As epistemologias do Sul, adverte o autor, só existem, porque existem as epistemologias do Norte. Para ele, não precisamos de alternativa, mas sim de “pensamento alternativo às alternativas”, o que exige um exercício de “desfamiliarização”, de descolonização epistemológica (da ciência) e descolonização do modo de ser constantes.

Ao procurar definir as epistemologias do Sul, Boaventura diz

[...] são um conjunto de práticas cognitivas e de critérios de validação do conhecimento a partir das experiências dos grupos sociais, que têm sofrido de uma sistemática com as injustiças do capitalismo, colonialismo e patriarcado. Portanto, é a partir desse sofrimento sistemático, que não tem uma cara, tem várias caras, que fazemos uma proposta alternativa, do ponto de vista epistemológico, porque cremos que o problema contemporâneo [quer Norte quer Sul] não é somente social, político e cultural, mas é, também, um problema epistemológico, é um problema do conhecimento [...]. Não há justiça social global sem justiça cognitiva global (SANTOS, 2012)5.

Nessa perspectiva, é preciso ir além tanto de uma relação estrita de dominação e opressão de classes, estrutural, quanto de uma relação de poder de dominação estritamente subjetivista, cultural. Para Boaventura, existem diversas experiências sociais e saberes e várias “constelações de opressão” que precisam sair do esquecimento, da invisibilidade e do silêncio e ganhar a cena pública. É preciso articular, inseparavelmente, o princípio da igualdade com o princípio das diferenças, o que é fundamental para ampliar o debate da reinvenção da teoria crítica, da emancipação social, da democracia (SANTOS, 2003; 2007; 2016; SANTOS; MENDES, 2018). Assim, a questão de classe continua relevante e atual, mas deve estar relacionada dialeticamente à questão étnico-racial, de gênero, geracional, territorial e ambiental, a fim de construir outros marcos interpretativos e outras possibilidades de contra-hegemonia a partir desse Sul Global. Portanto, as ciências humanas e sociais brasileiras (latino-americanas), suas pedagogias, dominadas por uma mirada eurocêntrica, precisam ser descolonizadas e reinventadas.

Sob essa perspectiva e chave interpretativa das epistemologias do Sul, Boaventura nos ajuda a reinventar a imaginação social e alargar essa tradição crítica do pensamento social do Sul Global, em particular latino-americano. Ao trazer à baila, por meio da Sociologia das Ausências, outros saberes, outras experiências sociais, processos e dinâmicas de opressão e dominação, que são ofuscadas por interpretações eurocêntricas positivistas, (neo)liberal e estruturalista de classe, o referido autor nos ajuda a promover uma ruptura epistemológica e vislumbrar outros processos de subjetivação, outros retratos da realidade social latino-americana, em particular a brasileira, fazendo emergir outras redes de sujeitos (inclusive, intelectuais acadêmicos e não-acadêmicos), saberes (Ecologia de Saberes)6 e experiências sociais, por meio de lutas e resistências plurais, que apontem para outras possibilidades de sociabilidades e subjetividades - uma Sociologia das Emergências. Como parte, ainda, desses procedimentos metodológicos das epistemologias do Sul, ele chama atenção para o Trabalho de Tradução intercultural e interpolítica ( SANTOS, 2010a, 2019a). Daí que, para Boaventura, as epistemologias do Sul, além de possibilitarem a emergência de uma diversidade epistemológica, possibilitam, também, a emergência de outras ontologias (SANTOS, 2010b, 2019a).

É com base nisso que Boaventura constrói e apresenta uma relevante crítica ao pensamento abissal e às pedagogias abissais e sobretudo, como contraponto, apresenta outros caminhos alternativos (contra-hegemônicos) possíveis, como o pensamento pós-abissal e as pedagogias pós-abissais (SANTOS, 2019b), reconhecendo os desafios que isso implica8. De certo modo, como aponta Boaventura, essas são “algumas linhas orientadoras” que ajudarão no descortinamento de novas instituições e pedagogias emancipatórias9.

As epistemologias do Norte traduziram-se em instituições de produção e de transmissão de conhecimentos, sistemas educativos e pedagogias, que produziram e reproduziram a linha abissal. [...] a longo prazo, as epistemologias do Sul deverão transformar profundamente as instituições e pedagogias existentes e promover a criação de outras. (SANTOS, 2019b, p. 351).

Nesses termos propostos, o debate teórico, epistemológico e metodológico (e político e social - ontológico) contemporâneo no tocante ao descentramento da produção do conhecimento do Eixo Norte (Europa e América do Norte) e, também, à desprovincialização do conhecimento no Eixo Sul (COSTA, 2006; SANTOS, 2006b, 2010a, 2019; MAIA, 2011), alcança um patamar relevante tanto para denunciar uma política hegemônica de conhecimento eurocêntrica segregadora e excludente, quanto para assinalar e fazer emergir outros caminhos plurais e alternativos de produção e sociabilidades a partir do Sul10.

Ao colocar nesses termos, é possível, portanto, identificar outros caminhos para se interpretar o Brasil, a posição e condição intelectual e a educação pública, pois essa concepção de pensamento pós-abissal se contrapõe àquela ocidentalocêntrica do pensamento abissal, que o toma de fora para dentro, enquadrando-o, rigidamente, ao seu suposto esquema teórico-conceitual “universal” e, por conseguinte, forjando uma imagem desconexa e distorcida da realidade social e educacional brasileiras. É, nesse horizonte, que venho propondo em minhas pesquisas um esforço de análise a partir das margens brasileiras, em particular das margens amazônicas11. Assim, a noção de “margens brasileiras” e, em particular de “margens amazônicas”, que venho propondo implica tanto um recorte epistemológico a partir da periferia intelectual e dos povos, classes e grupos sociais subalternos, que sofreram e sofrem com a não-existência, com o esquecimento e a invisibilidade produzidas pelos sistemas de dominação capitalista, colonial e patriarcal e pela racionalidade ocidentalocêntrica que procura legitimá-los; bem como político-social a partir da luta e resistência desses diversos sujeitos coletivos.

É nesses termos que proponho e sustento aqui a noção de “Intelectual Público do Sul”. Nessa perspectiva, Boaventura se autodenomina um “intelectual de retaguarda”. Ao se contrapor a perspectiva do “intelectual de vanguarda”, diz: “Pelo contrário, as epistemologias do Sul exigem um intelectual de retaguarda, intelectuais capazes de contribuir com o seu saber para o reforço das lutas sociais contra a dominação e a opressão em que estão empenhados” (SANTOS, 2019a, p. 10).

É sob essa perspectiva que entendo que Paulo Freire (como educador popular e intelectual das margens) pode, também, ser lido como um “Intelectual Público do Sul”, dando uma relevante contribuição para o alargamento da teoria crítica da educação e do debate da emancipação social. Essa é uma importante chave interpretativa e explicativa, para reconhecer e fazer avançar a imaginação social e educacional produzida no país sobre a realidade brasileira e seus dilemas em torno da educação pública face ao quadro de recrudescimento de autoritarismo, desigualdade e exclusão que envolvem a sociedade brasileira na atualidade.

Paulo Freire: um olhar de seu pensamento crítico a partir do Sul

Ao adentrarmos no pensamento social e educacional de Paulo Freire (1921-1997), é patente identificar um educador e intelectual posicionado publicamente e comprometido com as classes e grupos sociais oprimidos em defesa da humanização, da libertação, da democracia e educação pública, da emancipação social. Um educador e intelectual em movimento, em transformação e, por consequência, inacabado, que gostava de se situar e atuar historicamente a partir da realidade concreta, particular desses sujeitos e da periferia do sistema dominante, isto é, a partir das margens, mas sem perder a dimensão do conjunto da sociedade, posto que isso era uma das condições basilares para não formular um pensamento quer provinciano, quer mimético (eurocêntrico) e superficial da realidade e educação brasileiras (FREIRE, 1987; 1992; 1996; 2000; 2001).

Isso sugere, por conseguinte, conceber o seu pensamento encharcado pela história de seu tempo-espaço e em aberto, porque é marcado, como o próprio Freire (1987) gostava de dizer e advertir, pela “incompletude” da condição humana e pela sua condição histórico-social e cultural e, como tal, precisa ser reinventado a cada momento histórico, considerando a singularidade de cada realidade social e educacional. Compreender, portanto, o seu esforço e empreendimento teórico-metodológico e epistemológico crítico implica considerar e compreender, dialeticamente, a condição ontológica em que ele se movia como sujeito da história, num constante devir e contradição. Com base nesse entendimento, é importante considerar a observação de Scocuglia (1999a, p. 23), que identifica a existência de “vários” Paulo Freire no conjunto de sua obra. Para Streck (2011, p. 16), é um erro tentar determinar “uma ordem de importância nas obras de Paulo Freire ou uma espécie de “canon” das principais obras. A relevância e a significação serão dadas pelo encontro entre o leitor e a obra”.

Sob essa chave interpretativa de seu pensamento, é possível identificar um Freire que vai se tornando um desses grandes educadores e intelectuais que busca está atento ao seu tempo-espaço histórico e mobilizador de um conjunto vasto e plural de conhecimento, a fim de interpretar criticamente a realidade social, em particular a educação, denunciando, publicamente, seus problemas (o positivismo, a “educação bancária”) e anunciando outros caminhos possíveis (o inédito viável de uma educação problematizadora, humanista e libertadora) a partir de um olhar arguto e compromissado com as classes e grupos sociais “oprimidos”, populares, situados nas margens. Isto é, o seu rigoroso trabalho teórico, epistemológico e metodológico de interpretação da realidade social e educacional brasileira, a partir da própria singularidade dessa realidade, anda e se movimenta inseparável de seu interesse ético-político-afetivo de intervenção e transformação da sociedade e educação opressoras, excludentes e desiguais numa sociedade e educação emancipadoras e democráticas (FREIRE, 1987; 1992; 1996; 2000; 2001). Por isso, podemos situá-las num campo contra-hegemônico emergente das margens, do Sul.

Essas marcas já nos ajudam a traçar e identificar, de antemão, algumas características do profundo e complexo pensamento crítico freireano:

a) A formulação de sua teoria vai ganhando uma sólida base dialética, isto é, não segue um caminho linear ou evolutivo no sentido biológico e a-histórico do positivismo de explicar a realidade social e educacional, bem como não se deixa fixar e estreitar quer pela ortodoxia de um marxismo economicista, objetivista, quer por um subjetivismo culturalista.

A obra “Pedagogia do Oprimido” (1968), por exemplo, imprimi uma inflexão no pensamento freireano, um divisor de águas, começando a ganhar ênfase, em sua (re)formulação teórica, o marxismo. Santiago e Batista Neto advertem, todavia, que sua orientação crítica já vem se desenvolvendo desde “Educação e Realidade Brasileira” (1959), quando seu debate se centra na preocupação nacional-desenvolvimentista e muito influenciada pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), assumindo a educação papel fundamental nessa mudança da realidade brasileira (SANTIAGO; BATISTA NETO, 2016).

Em “Educação como Prática da Liberdade” (1965), a ênfase de seu pensamento recaí sobre outras bases teóricas: existencialismo cristão e personalismo. Daí que autores como Scocuglia (1999) entendem o pensamento de Freire por “fases”, sendo a primeira marcada pela sua posição nacional-desenvolvimentista, pela experiência de sua proposta de alfabetização em Angicos, no Nordeste, e pelo Plano Nacional de Alfabetização em 1963, do qual esteve à frente como coordenador; a segunda, marcada pelo exílio e que tem como marca o parto de “Pedagogia do Oprimido”; a terceira está relacionada com o processo de redemocratização do Brasil e de seu retorno para o país. Cabe, ainda destacar que esse exílio o levou a uma “andarilhagem” por diversos continentes e países e convivência com diversos povos, grupos e movimentos sociais, transpondo fronteiras e conhecendo outras marcas coloniais de dominação e opressão, mas, também, de luta por libertação, o que, evidentemente, vai influenciar no alargamento e reformulação de seu pensamento crítico na atualidade (FREIRE, 1978; 1982; 1987)12.

O pensamento freireano, assim, assenta-se em um constante movimento e transformação sócio-histórica da realidade social e educacional, condicionada pelas suas contradições e conflitos. A modernização brasileira (e da América Latina), como bem identificou a “teoria da dependência”, se deu (e se dá) de cima para baixo e, por conseguinte, sem romper com as suas estruturas arcaicas, o que marca profundamente sua singularidade de modernização conservadora e de capitalismo periférico e dependente. Essa é uma importante chave interpretativa que emerge do pensamento crítico latino-americano e que vai influenciar muito a intelectualidade da época e até hoje13, em particular a rede de pensamento decolonial14.

Portanto, o conjunto da obra de Freire precisa ser compreendido nesse movimento, em processo de transformação e inacabamento (aberta), entre permanências e mudanças, entre a manutenção e ressignificação de dados conceitos e a superação e invenção de outros (FREIRE, 1978; 1982; 1984; 1987; 1992; 1996; 2000; 2001)15, tendo em vista atualizar e refinar sua formulação e interpretação críticas e interferir na dinâmica do debate público e da realidade social e educacional, a fim de transformá-la e se inscrever como um intelectual público/educador de seu tempo histórico16.

A não compreensão do pensamento freireano nesse vir a ser levou e pode levar, ainda, como adverte Scocuglia (1999), a equívocos e obstáculos à tradução do pensamento de Freire.

d) com efeito, o corte realizado na obra freireana e a consideração das propostas iniciais como fixas têm, como consequência, o desconhecimento da indiscutível progressão do seu pensamento nos anos setenta e oitenta e a ignorância da sua práxis histórica. Os momentos preliminares da imensa trajetória prático-teórica de Freire devem ser compreendidos enquanto parte de um longo itinerário, no qual o autor conseguiu superar equívocos, ambiguidades e idealismos, submetendo-se à crítica e, especialmente, à autocrítica. (SCOCUGLIA, 1999, p. 22).

O pensamento de Freire veio a se constituir num vasto e plural campo de estudos e de pesquisas em nível nacional, regional e internacional, objetivando identificar a sua contribuição e a sua atualização. Nesses termos, seus intérpretes e comentadores, que movimentam, dinamizam e tencionam esse campo, escrevem e enunciam suas interpretações sob lugares, angulações e perspectivas diferentes, demarcando que não existe uma interpretação única e legitima do legado freireano. Esse é um legado que está em aberto e possibilitando interpretações diferentes e conflitantes e, portanto, um campo que, também, reflete disputas simbólicas, epistemológicas e políticas. Cito para exemplificar os debates em torno do marxismo, da pós-modernidade, do pós-colonialismo e do decolonialismo no tocante à reapropriação e a ressignificação do pensamento de Paulo Freire na atualidade, mas que não deixa de expressar, em se tratando desses dois últimos campos de investigação, um acerto de contas com a história das ideias, do conhecimento e dos subalternos.

b) Nesses termos, uma outra característica que vai ganhando mais corpo, forma e conteúdo no pensamento freireano é a indissossiabilidade entre teoria, afetos, ética e ação política, assumindo as relações e lutas de classes, lugar central em sua análise e posição como intelectual crítico (FREIRE, 1987; 1982). Freire vai formulando uma pedagogia da práxis sensível, que não separa sujeito do objeto, objetividade de subjetividade, conhecimento de sentimento, afetos, e teoria da ação política balizada pela ética. Sua defesa incondicional pela amorosidade, alegria e esperança humana e pela liberdade é um exemplo desse intelectual público sentipensante.

Essa noção de sentipensante é criada por Fals Borda (2003, p. 09) e por meio dela, ele articula, inseparavelmente, razão e sentimento, afetos, com vistas a guiar a vida por caminhos de esperança, alegria e emancipação, mas, também, para ajudar a enfrentar as grandes pedras e tropeços da vida. Ao abordar essa noção, identificando tanto Fals Borda como Freire nessa condição de “intelectuais sentipensante” e suas contribuições para a constituição de uma “Pedagogia Decolonial” na América Latina, Mota Neto (2018, p. 05) argumenta que se trata “de uma aposta na possibilidade de um outro perfil de educador, de investigador, de militante e de intelectual, em franca oposição à atitude fria e supostamente neutra do cientista positivista, tradicional e eurocêntrico”. Acrescento, nessa importante contribuição de Mota Neto, uma crítica a certas teorias críticas eurocêntricas, como o marxismo economicista, vulgar, que secundarizam a dimensão do afeto, do sensível, na produção do conhecimento e em projetos de emancipação social, haja vista que é preciso situar os afetos, também, no campo da política, das relações de poder de conformação ontológica e epistemológica.

Semelhante a esse conceito de sentipensar, Boaventura Santos (2019c), com base na importante contribuição de Patrício Arias (2016), também, destaca o conceito de Corazonar, que sugere “a cura do ser” e se contrapõe à colonialidade dos afetos; da dimensão sagrada da vida; da dimensão feminina da existência; e da sabedoria (ARIAS, 2016apudSANTOS, 2019c, p. 152). Nesse sentido, Santos defende a necessidade do “aquecimento da razão” como fundamental para se reinventar a teoria crítica e a emancipação social. Essa ideia, também, é uma importante chave para conceber o pensamento freireano e sua práxis educativa como sensível.

Isso marca um contraponto à defesa da neutralidade axiológica no campo da ciência e da pedagogia positivistas. Na perspectiva freireana de educação, ciência, pedagogia, afetos e política apresentam suas especificidades, mas são inseparáveis nesse processo de construção do conhecimento, da formação e da práxis educativa do ser mais e da emancipação social.

Em tempo algum pude ser um observador ‘acinzentadamente’ imparcial, o que, porém, jamais me afastou de uma posição rigorosamente ética (...). O meu ponto de vista é o dos ‘condenados da Terra’, dos excluídos (FREIRE, 1996, p. 10).

c) Nesse movimento e radicalização de sua posição teórica, epistemológica e política, sugiro situar Freire como um intelectual público do Sul, por excelência, posto que se posicionou criticamente em diversos momentos da história da sociedade brasileira (e, também, de distintos espaços do mundo: América Latina, Estados Unidos, Europa, África etc.), denunciando os dilemas e problemas sociais e educacionais de colonização, opressão e desumanização e anunciando outros caminhos alternativos de humanização, libertação e democracia.

d)

O Primeiro Mundo sempre exemplar em escândalos de toda espécie, sempre foi modelo de malvadez, de exploração. Pense apenas no colonialismo, nos massacres dos povos invadidos, subjugados, colonizados; nas guerras deste século [XX], na discriminação racial, vergonhosa e aviltante, na rapinagem por ele perpetrada. Não, não temos o privilégio da desonestidade, mas já não podemos compactuar com os escândalos que nos ferem no mais profundo de nós. (FREIRE, 1992, p. 12).

Ao identificar nas obras de Fals Borda e de Freire contribuições para a constituição de uma “Pedagogia Decolonial” na América Latina, Mota Neto (2018, p.5-6) diz que isso pode ser identificado em suas

[...] críticas contundentes à natureza colonialista da sociedade, da pedagogia e da ciência dominante; em suas apostas rumo a uma educação popular dialógica, intercultural, conscientizadora e pesquisadora; bem como em suas utopias rebeldes, subversoras e insurgentes17.

e) Ao demarcar essa posição como intelectual público do Sul, destaco a assunção renovadora e crítica do pensamento de Freire evidente na defesa e compromisso (teórico, epistemológico e ético-político) com os “oprimidos” e “excluídos” em defesa de uma educação humanista e libertadora e sociedade democrática (FREIRE, 1980, 1982, 1987, 1992, 1996). Ao se colocar nesses termos, Freire demarca seu encontro visceral com os movimentos sociais populares do campo e da cidade e de outros territórios, assim como esses movimentos sociais e povos encontram inspiração nesse educador para formular uma pedagogia do movimento (STRECK, 2009) e da educação do campo e da cidade (CALDART, 2004; FREIRE, 1991). Daí o valor que o movimento instituinte, advindo sobretudo desses movimentos sociais, ganha na interpretação de Freire e ajuda a fazer emergir e a revelar outras Pedagogias Humanistas e Libertadoras do Sul ou Pós-Abissais e reinventar a teoria crítica social e da educação.

Em “Outros Sujeitos, Outras Pedagogias”, Arroyo (2012) já nos chama atenção para essa necessidade de alargar e atualizar essas formulações críticas nesse horizonte de Pedagogias Pós-abissais. A denúncia de Freire sobre a desumanização, opressão e a exclusão que marcam a nossa sociedade já é uma denúncia de uma sociedade e um Estado que andam na contramão da democracia (FREIRE, 1992, 1996, 2000, 2001). A revelação por Freire dos “oprimidos” como sujeitos e a reformulação e alargamento de sua interpretação para outras formas de opressão e dominação na sociedade, para além daquela de classes, releva um Freire atento historicamente para as mudanças paradigmáticas teóricas e sociais, para a necessidade de ampliar os sentidos simbólicos e materiais da democracia e da educação pública advindos da emergência da luta de outros sujeitos na cena pública (FREIRE, 1992; 1996; 2000; 2001).

Um desses sonhos por que lutar, sonho possível, mas cuja concretização demanda coerência, valor, tenacidade, senso de justiça, força para brigar, de todas e de todos os que a ele se entreguem, é o sonho por um mundo menos feio, em que as desigualdades diminuam, em que as discriminações de raça, de sexo, de classe sejam sinais de vergonha e não de afirmação orgulhosa ou de lamentação puramente cavilosa. No fundo, é um sonho sem cuja realização a democracia de que tanto falamos, sobretudo hoje, é uma farsa. (FREIRE, 2001, p.25).

Daí identificar, também, na formulação teórica e epistemológica e posicionamento ético-político de Paulo Freire uma forte aproximação com essa ideia de Pedagogias Pós-Abissais. Temas e valores que continuam mais do que atuais para reinventar a emancipação social, a democracia brasileira e sua educação pública. Com isso, é possível identificar um diagnóstico da realidade social e educacional brasileira outro na teoria freireana, que promove rupturas epistemológicas e propicia um outro quadro interpretativo do país e de sua educação, bem como de intervenção pública, política a partir dos sujeitos “oprimidos” e “excluídos” e das margens.

f) Nesses termos, Freire aprende e reinventa o vigor dos clássicos e da sabedoria popular, porque não se rendeu e se confinou a nenhuma caixinha de conhecimento ou especialismo disciplinar, que produz um conjunto de dicotomias e simplifica a complexidade e diversidade do mundo real, gerando um mundo de ilusões.

Para Calado (2001), Freire pode ser considerado como um filósofo da educação, pois elaborou e alinhavou mais do que uma base metodológica de alfabetização de pessoas jovens, adultas e idosas. Ele conseguiu construir uma Teoria da Educação, fundada numa rede complexa de categorias e conceitos muito bem articulados e relacionados, que vem ajudando a revolucionar concepções e práticas educacionais no Mundo; ajudando a referenciar políticas educacionais progressistas. Ademais, essa matriz teórico-filosófica e epistemológica crítica do pensamento Freireano transpõe o território da educação, entrelaçando-se e tecendo-se com outros campos do saber (CALADO, 2001).

Freire teve um conjunto amplo e diverso de interlocutores (STRECK, 2011) e articulou campos de conhecimentos plurais para desenvolver sua teoria e seu rigor interpretativo da sociedade e da educação brasileiras e de outras realidades, assumindo as classes populares como um de seus principais interlocutores. Esse diálogo com os clássicos, todavia, não se deu de forma a reproduzir e reforçar uma produção mimética eurocêntrica de conhecimento, e sim, no sentido de contribuir com uma produção de conhecimento que desse visibilidade ao que se produz na periferia do sistema dominante desigual, em suas margens; bem como seu diálogo com as classes populares não se converteu em um populismo18. É, nesse sentido, que podemos identificar nesse legado freireano uma contribuição para aquilo que Boaventura cunhou como “ecologia de saberes” e, por consequência, para a necessidade da descolonização e democratização do conhecimento tendo em vista a democratização da sociedade, da ciência e da educação.

g) Nesse sentido, Freire pode ser situado como um clássico no campo da educação e no campo da interpretação social da realidade brasileira (latino-americana e de outras regiões do Sul Global). Por isso, um educador e intelectual intérprete do Sul, posto que seu esforço, ao denunciar um paradigma de sociedade e educação desumana, colonial, capitalista, racista, patriarcal, sexista está dialeticamente ligado à denúncia de um paradigma teórico e epistemológico, também, dominante eurocêntrico (FREIRE, 1987; 1992; 2000; 2001), que vai para além de sua fronteira nacional, não obstante reconheça que cada uma tem sua especificidade, e, também, sua relação com a ordem mundial.

h) Por isso, é possível denominar Freire como um intelectual público do Sul transfronteiriço, que vai se tornando, fazendo-se, através de sua andarilhagem pelo mundo na convivência e aprendizado com esses diversos povos, classes, grupos e movimentos sociais subalternos. Ao romper essas fronteiras, quer sejam elas geográficas e culturais, quer sejam elas epistêmicas, Paulo Freire, portanto, jamais rompeu seu compromisso com as classes e grupos sociais populares e com os princípios e ideais de humanização e libertação da sociedade e educação. Ao contrário, esses vão se reinventado como o próprio Freire. Assim, por meio dessa sua andarilhagem, é possível sugerir, também, uma transnacionalização epistêmica do Sul, a partir do Sul e com o Sul, bem como uma reinvenção de fazer uma práxis sensível e ético-política da educação conformando, assim, uma importante aproximação com as Epistemologias do Sul, com o pensamento e pedagogias pós-abissais.

i) Nesse horizonte, Freire, atento historicamente ao seu tempo-espaço, torna-se, também, um artesão popular da utopia (CALADO, 2000), porque não se rende ao ideário hegemônico neoliberal e à cilada epistemológica e política do pós-modernismo celebratório, fragmentário e distópico tão comuns (e problemáticos) no quadro hegemônico da sociedade, da racionalidade e da educação contemporâneas (FREIRE, 1992; 1996; 2000; 2001). Esse revigoramento do pensamento social e educacional críticos de Freire passa necessariamente tanto pela coragem e lucidez de se situar historicamente, o que exige, inclusive, autocrítica quer dos nossos instrumentos teóricos críticos, quer de nossas experiências políticas históricas e recentes; quanto passa, também, pela nossa sensibilidade de reinvenção da esperança e da alegria como afetos potentes, que se contrapõem à pós-verdade, à melancolia de nosso tempo distópico presente, portador do terror, do medo, da tristeza e da impotência, marcas de regimes autoritários, que procuram instrumentalizar e controlar os corpos, mentes, sentimentos e a ação.

Sobre isso, cabe muito bem a advertência de Freire em sua Pedagogia da Indignação (2000, p. 54).

Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às vezes demoradas. Implica luta. Na verdade, a transformação do mundo a que o sonho aspira é um ato político e seria uma ingenuidade não reconhecer que os sonhos têm seus contra-sonhos.

Por isso, para reinventar a esperança e a alegria na busca da emancipação social e educacional, do inédito viável, na atualidade, é importante, sim, desvelar e reconhecer que vivemos tempos de “contra-sonhos” e de situações-limite tanto em termos de imaginação social como de ação política e social no campo contra-hegemônico, para, assim, buscar inventar outras imaginações sociais e possibilidades em coerência com nosso tempo presente do Sul. É isso que faz, adverte Freire (1992, p.10), a esperança, como “necessidade ontológica”, não se tornar uma esperança vã - caminho para o fatalismo e imobilismo -, mas uma esperança crítica, existencial e histórica, um “sonho possível”, em que pensar, agir, ser, existir e sentir ganham sentido de potência19, de ser mais, mesmo em face de tempos tão trágicos como o que vivemos, em particular na sociedade brasileira com o avanço do autoritarismo. Esse é um dos desafios da educação popular na atualidade.

Contudo, cabe mais uma observação de Freire já feita lá em Pedagogia da Esperança (1992, p. 10).

Não quero dizer, porém, que, porque esperançoso, atribuo a minha esperança o poder de transformar a minha realidade e, assim convencido, parto para o embate sem levar em consideração os dados concretos, materiais, afirmando que minha esperança basta. Minha esperança é necessária, mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos da esperança crítica, como o peixe necessita da água despoluída.

Não obstante os tempos históricos e gêneros literários distintos, faço aqui um diálogo dessa passagem de Paulo Freire com um trecho do poema “Os ombros suportam o mundo” de Carlos Drummond de Andrade (2009), os quais têm em comum, como ideia-mestra, a necessidade existencial e histórica da renovação da esperança em face da tragédia humana. “Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação” (ANDRADE, 2009, p. 99).

Considerações Finais: Um pensamento pedagógico crítico do Sul, atual e em aberto

Ao posicionar o pensamento de Paulo Freire sob essa perspectiva do Sul, em uma aproximação com as formulações de Boaventura Santos, foi possível identificar e fazer emergir aqui outras leituras de seu pensamento social e pedagógico críticos e procurar contribuir para o revigoramento de sua teoria crítica. Sob essa perspectiva e ângulo de análise, foi possível identificar e situar Freire como um Intelectual Público do Sul e formulador de uma Pedagogia Crítica do Sul, que, em muito, se aproxima e dialoga com as Epistemologias do Sul, contribuindo, assim, tanto para ampliar a crítica ao pensamento social e pedagógico abissal eurocêntricos, quanto para apontar possíveis caminhos para um pensamento social e pedagógico pós-abissal.

É sob essa perspectiva que Paulo Freire pode, também, ser lido, dando uma relevante contribuição para o alargamento da teoria crítica da educação e do debate da emancipação social. Essa é uma importante chave interpretativa e explicativa, para reconhecer e fazer avançar a imaginação social produzida no país sobre a realidade brasileira e seus dilemas em torno da educação pública. Essa chave interpretativa ajuda a jogar outras luzes sobre as margens brasileiras, em particular aqui a periferia intelectual, bem como a periferia dos povos, das classes e grupos sociais subalternos dos brasis profundos do Brasil. Freire não somente reconhece essas margens da realidade brasileira como existentes e vivas, mas como interpeladoras, interlocutoras e portadoras de utopias, de trilhas desconhecidas. Freire aprendeu com essas margens a desvendar outros brasis esquecidos e em silêncio e invisíveis, bem como aprendeu a escrever outros caminhos possíveis com essas margens e a partir delas.

Ao colocar nesses termos, é possível, portanto, assinalar outro caminho para interpretar o Brasil, em particular o tema da educação popular e do pensamento pedagógico na atualidade, pois essa mirada a partir do Sul se contrapõe àquela eurocêntrica, que o toma de fora para dentro, enquadrando-o, rigidamente, ao seu suposto esquema teórico-conceitual “universal” e linear e, por conseguinte, forjando uma imagem desconexa e distorcida da realidade social e educacional. É sob esse viés que intelectuais públicos do Sul e formuladores de uma pedagogia crítica do Sul, como o educador Paulo Freire, podem ser situados para nos ajudar a encontrar algumas pistas, sinais e brechas, para revitalizar a teoria crítica, bons afetos, a utopia em busca de uma sociedade e educação pública democráticas face ao quadro de recrudescimento de autoritarismo, de medo e melancolia e de distopia que envolve o Brasil.

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SOBRE O AUTOR:

1Esse projeto intitula-se “Democracia e Educação Pública no Brasil na atualidade: um estudo a partir do diálogo entre as Epistemologias do Sul e o Pensamento Freireano”. Ele encerra seu período de vigência em dezembro de 2020.

2Santos já desenvolve pesquisa no Brasil, desde sua tese de doutorado (1973). Mais recentemente, ele coordenou o “Projeto Alice - Espelhos estranhos, lições imprevistas: Definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências do Mundo”, o qual resultou em diversas publicações de livros (individuais e coletivos) e de artigos científicos em periódicos de grande conceituação e circulação.

3Sugiro consultar, ainda, as aulas de Boaventura no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal; seu Projeto Universidade Popular e Movimentos Sociais (UPMS) e seu último livro “O Fim do Império Cognitivo (2019), em particular o capítulo 11, Parte III (Pedagogias pós-abissais), intitulado “Pedagogia do Oprimido, investigação-ação participativa e epistemologias do Sul”.

4A pandemia da Covid-19 vem provocando o desdobramento de outras crises (econômica, social, política) e/ou até mesmo acentuando crises que já vinham ocorrendo em alguns países, como o Brasil, exprimindo uma crise multidimensional. Assim, essa pandemia só vem escancarar as desigualdades nessa relação Norte e Sul e no interior de cada um desses polos e revelar a acentuação das exclusões abissais.

5Essa fala foi feita durante uma aula do autor no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, em Portugal, em março de 2012, que teve como tema as “Epistemologias do Sul”.

6Boaventura (2006b, 2007a) chama atenção para se pôr a vista esses conhecimentos e experiências sociais ausentes e invisíveis, através dessa Sociologia das Ausências, tendo como base cinco Ecologias: Ecologia de Saberes; Ecologia das temporalidades; Ecologia do reconhecimento; Ecologia das Transescalas; e Ecologia das Produtividades.

8O tema da educação é um dos que ocupam a agenda de pesquisa e prática de Boaventura. Um de seus importantes textos é: “Para uma pedagogia do conflito” (1996). Um outro é uma entrevista na revista Educação e Realidade (2001) e um livro sobre a universidade (2010). Consultar sobre esse tema, com base no pensamento do autor, o livro de Oliveira (2008) e os artigos de Candau (2008, 2016).

9Para o alargamento desse tema e debate, sugiro a leitura do Capítulo 12 da Parte III do referido livro (2019b).

10É importante destacar, aqui, a contribuição e relevância desse debate emergente acerca da Teoria do Sul no pensamento social brasileiro. Sobre isso, consultar Maia (2011). Uma outra contribuição para o pensamento social brasileiro é de Costa (2006), por meio dos estudos pós-coloniais.

11A noção de “margens”, que aludi às classes e grupos sociais excluídos, não é nova. A literatura e teoria social imprimem-lhe perspectivas e sentidos diversos. A teoria marginal é uma delas. Contudo, procuro imprimir uma leitura e sentido outro para esse termo a partir das epistemologias do Sul e de outras referências que se inscrevem nesse debate do Sul Global, em particular da América Latina.

12Sobre isso, sugiro consultar Mota Neto (2016, 2018).

13Sobre esse assunto, sugiro consultar Martins (2009, 2007).

14Sobre isso, consultar Lander (2005).

15Sobre isso, ver “Educação e realidade brasileira” (1959); “Educação como Prática da Liberdade” (1965); “Pedagogia do Oprimido” (1968); “Ação Cultural para Liberdade e outros escritos” (1976); “Cartas a Guiné Bissau” (1980); “Pedagogia da Esperança...” (1992); “Política e Educação” (1993); “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa” (1997) etc.

16Sugiro, aqui, consultar algumas obras de Freire escritas em diálogo com outros autores, demarcando, dentre outros aspectos importante, a construção coletiva do conhecimento, a animação do debate público e a renovação de intepretação da sociedade e educação (FREIRE; FAÚNDEZ, 1985; FREIRE; GADOTTI; GUIMARÃES, 1985).

17As perspectivas “Pós-colonial” e “Decolonial” (em particular da “Pedagogia Decolonial”) têm dado uma grande contribuição para atualização e reinvenção do legado freireano. Essas ideias que apresento aqui se inscrevem dentro desse debate, dialogando, mas demarcando nuances e angulações diferentes.

18Como parte do movimento recente de extrema direita no mundo, em especial no Brasil, o “negacionismo” da ciência e dos fatos históricos tem elegido a teoria crítica, em especial “o marxismo cultural” como inimigo a ser abatido. E nesse movimento de pós-verdade, o pensamento de Paulo Freire tem sido perseguido pelo governo Bolsonaro e acusado, falsamente, de “doutrinário”.

19Ainda que vivendo em tempos e espaços históricos bem diferentes, penso que é possível encontrar e buscar um diálogo entre Freire e Espinosa relacionando os conceitos de Potência (em Espinosa) e Ser mais (em Freire), ambos estabelecendo relação entre afeto, conhecimento da verdade e política como busca da liberdade. Isso é um indicativo, ao meu ver, de um relevante caminho de pesquisa.

SOBRE O AUTOR:

7Em sua mais recente obra, Boaventura (2019a, p. 41) assinala que os “instrumentos principais das epistemologias do Sul são: a linha abissal e os vários tipos de exclusão social que cria; a sociologia das ausências e a sociologia das emergências; a ecologia de saberes e a tradução intercultural; a artesania das práticas.

Recebido: 16 de Julho de 2021; Aceito: 22 de Agosto de 2021

Sérgio Roberto M. Corrêa Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (PPGCS-UFCG); Universidade do Estado do Pará - Brasil; Grupo de Estudo e Pesquisa em Pensamento Social e Educacional das Margens Amazônicas

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