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Revista Práxis Educacional

versão On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.17 no.47 Vitória da Conquista ago. 2021  Epub 18-Fev-2022

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i47.9431 

Artigos

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS EM DIÁLOGO COM PAULO FREIRE: UMA EXPERIÊNCIA EM TEMPOS DE PANDEMIA

YOUNG, ADULT AND ELDERLY LITERACY IN DIALOGUE WITH PAULO FREIRE: AN EXPERIENCE IN TIMES OF PANDEMIC

ALFABETIZACIÓN DE JÓVENES, ADULTOS Y MAYORES EN DIÁLOGO CON PAULO FREIRE: UNA EXPERIENCIA EN TIEMPOS DE PANDEMIA

Maria Eurácia Barreto de Andrade1 
http://orcid.org/0000-0001-9910-0527

Gilsélia Macedo Cardoso Freitas2 
http://orcid.org/0000-0002-2967-1612

1Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - Brasil mariaeuracia@ufrb.edu.br

2Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - Brasil gfreitas@ufrb.edu.br


Resumo:

O presente artigo trata-se de um relato de experiências na docência no ensino superior, em formato do ensino remoto, com o componente curricular optativo denominado “Diálogos sobre Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos”, através da plataforma Google Meet, cuja proposta se desenhou a partir do pensamento, da vida e das obras de Paulo Freire. Dentre tantas ações relevantes do componente, marcadas por ricas reflexões e problematizações colaborativas, evidenciamos as que consideramos mais significativas para esta experiência. Todos os momentos aqui anunciados foram forjados pela diretriz do diálogo na perspectiva da construção do saber solidário em que o processo ensino-aprendizagem aconteceu de forma concomitante e qualificada. Por fim, destacamos a importância das narrativas dos sujeitos participantes, num movimento voltado para a problematização do vivido e do persistente esforço da realização de uma educação dialógica, humanizadora e libertadora.

Palavras-chave: Alfabetização; Jovens; Adultos e Idosos; Paulo Freire.

Abstract:

This article deals with an account of experiences in teaching in higher education, in remote learning format, with the optional curricular component called “Dialogues on Literacy for Young, Adults and Elderly”, through the Google Meet platform, whose proposal was drawn from the thought, life and works of Paulo Freire. Among so many relevant actions of the component, marked by rich reflections and collaborative problematizations, we highlight those that we consider most significant for this experienceAll the moments announced here were forged by the dialogue guideline from the perspective of building solidary knowledge in which the teaching-learning process took place in a concomitant and qualified way. Finally, we highlight the importance of the narratives of the participating subjects, in a movement aimed at problematizing the experience and the persistent effort to carry out a dialogic, humanizing and liberating education.

keywords: Literacy; Youth; Adults and Elderly; Paulo Freire.

Resumen:

Este artículo trata de un relato de experiencias en la docencia en la educación superior, en formato de educación a distancia, con el componente curricular optativo denominado “Diálogos sobre Alfabetización para Jóvenes, Adultos y Mayores”, a través de la plataforma Google Meet, cuya propuesta se extrajo del pensamiento, la vida y la obra de Paulo Freire. Entre tantas acciones relevantes del componente, marcadas por ricas reflexiones y problematizaciones colaborativas, destacamos las que consideramos más significativas para esta experiencia. Todos los momentos aquí anunciados fueron forjados por la directriz del diálogo desde la perspectiva de la construcción del conocimiento solidario en el que el proceso de enseñanza-aprendizaje se desarrolló de forma concomitante y cualificada. Finalmente, destacamos la importancia de las narrativas de los sujetos participantes, en un movimiento orientado a problematizar la experiencia y el esfuerzo persistente por llevar a cabo una educación dialógica, humanizadora y liberadora.

Palabras clave: Alfabetización; Juventud; Adultos y Mayores; Paulo Freire.

Tessituras iniciais

O mundo parou. Um alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a disseminação e os primeiros casos de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus Sars-Cov-2. O Comitê de Emergência de Saúde Pública Internacional (ESPII), marca uma reunião no dia 22 de janeiro de 2020, ainda com muitas dúvidas sobre a dimensão do possível surto (BUENO; SOUTO; MATTA, 2021).

Ainda de acordo com Bueno Souto e Matta (2021), em 28 de janeiro eleva-se o alerta de emergência para o nível 2, considerando-o como um perigo iminente. Segundo os autores, na Europa (Itália e França) e nos Estados Unidos (EUA), os primeiros casos da Covid-19 são identificados. Nesse sentido, os autores destacam que a declaração da ESPII pela OMS alerta para a disseminação da doença por mais países e territórios. Um termo novo para a grande maioria da população mundial torna-se constante no vocabulário de muitos. O termo pandemia passa a produzir uma série de notícias e informações sobre o vírus ainda desconhecido. Os cientistas sociais Matta et al (2021) corroboram com a definição de que o termo pandemia designa uma tendência epidemiológica, ou seja, indica que muitos surtos estão acontecendo ao mesmo tempo e espalhados por toda parte. Todavia, os surtos não são iguais e as condições socioeconômicas, culturais, ambientais, coletivas e mesmo individuais, para os autores, demonstram que a pandemia não é homogênea.

Matta et al (2021) criticam a concepção universalista sobre os sujeitos sociais, espaço e o movimento diante da pandemia e consideram a necessidade de estabelecer relações com outros marcadores sociais, expressos nas dimensões culturais, sociais, econômicas, políticas, sanitárias, entre outras. Para eles, analisar e intervir sobre os fenômenos decorrentes da circulação e transmissão do Sars-Cov-2, não se resume a identificar o vírus. A compreensão desse fenômeno pandêmico exige o olhar atento sobre as condições objetivas da população mais vulnerabilizada que contradiz o discurso de que “estamos no mesmo barco”. Nessa esteira, Matta et al (2021) revelam que:

[...] à percepção mais realista de que estamos, na verdade, no mesmo mar revolto, mas os barcos em que cada um está são muitos diferentes: alguns são iates preparados para o mar revolto, outros são simples canoas, e há indivíduos não estão em qualquer tipo de barco, mas à deriva e solitários no mar hostil. (p.17)

Numa dimensão planetária, em menos de três meses, mais de 210 países e territórios confirmam infecções do novo coronavírus. É um cenário desenhado sob a égide da desigualdade social, econômica e sanitária, em que a adoção de medidas de prevenção, tratamento e isolamento social colocam em xeque o posicionamento dos líderes políticos. O enfrentamento ao vírus, bem como as condições do “mar” determinam quem morre e quem vive. No Brasil, a confirmação da pandemia é recebida em meio a

[...] um processo complexo e interdependente, analisador de relações internacionais, dos processos de globalização, da plasticidade econômica, do negacionismo em relação à ciência, da arena política e geopolítica, das iniquidades sociais, raciais e de gênero, da organização dos sistemas de saúde e do complexo produtivo da saúde, entre outros. (BUENO; MATTA, 2021, p. 28)

Nesse contexto, a comunidade acadêmica da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) recebe a notícia da suspensão das atividades presenciais no mês de março de 2020, sob impacto inicial das notícias e ainda sem ter a dimensão exata do significado e extensão da pandemia no país e por quanto tempo estaríamos afastados dos encontros presenciais. Do ponto de vista do ensino, criaram-se normas técnicas de orientação docente e discente com a proposta do ensino remoto através da Pró-Reitoria de Graduação e Pós-Graduação.

A UFRB, assim como todas as outras instituições, teve que fechar suas portas como uma das medidas de contenção da Covid-19. Na UFRB, a Portaria Nº 322, de 17 de março de 2020, suspendeu, por tempo indeterminado, as atividades letivas de graduação e pós-graduação presenciais em todos os campi da Universidade; e a Resolução CONAC/UFRB nº 008, de 20 de março de 2020, suspendeu o Calendário Acadêmico e da Graduação e Pós-Graduação, considerando o interesse na preservação da saúde e da vida de toda a comunidade acadêmica, bem como a colaboração com a sociedade em geral no tocante a evitar a propagação do coronavírus. O debate acerca de como daríamos continuidade às ações de pesquisa, ensino e extensão ganhou os espaços de reuniões no formato on-line. A universidade passou a criar mecanismos de enfrentamento e de contribuição social com as instituições sanitárias mediante a produção do conhecimento via laboratórios e pesquisas científicas e de EPIs, ao instituir o Comitê de enfrentamento da Covid. O contexto remoto exigiu o uso exclusivo das mídias sociais e tecnológicas, frente aos protocolos estabelecidos pela OMS e adotados pela UFRB. Decididamente, o corpo docente não estava preparado/capacitado para o trabalho por detrás das telas de forma exclusiva. A didática até então usada tornou-se rapidamente ineficaz e lançou-nos diante do grande desafio de desenvolver habilidades tecnológicas num “passe de mágica”.

Frente ao exposto, realizamos o componente curricular optativo “Diálogos sobre Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos”, através da plataforma Google Meet, cuja proposta se desenhou a partir do pensamento, da vida e das obras de Paulo Freire. A experiência no componente curricular motivou-nos a relatar as etapas da realização do ensino remoto no semestre 2020.1 na escrita do referido artigo. Nossas ações tomaram as “ideias força” na perspectiva Freiriana, com atividades iniciais da escrita da memória do processo de alfabetização de um jovem, adulto ou idoso, círculos de cultura, círculos de leitura e rodas de conversa, além da realização do seminário final. Por fim, destacamos a importância das narrativas dos sujeitos participantes num movimento voltado para a problematização do vivido e do persistente esforço da realização de uma educação dialógica, humanizadora e libertadora.

Em tempos de pandemia, a obra do educador Paulo Freire, mesmo após o lançamento da sua primeira edição de Pedagogia do Oprimido, em especial, permanece atual. Para Beisiegel (2016), “há momentos históricos em que a sobrevivência do todo social, que interessa às classes sociais, lhes coloca a necessidade de se entenderem, o que não significa estarmos vivendo um novo tempo, vazio de classes sociais e de conflitos” (p. 31). Portanto, entendemos que não nos encontramos diante do “novo normal”, mas, antes, sob a lógica histórica do mercado capitalista, em que dizer a sua palavra, a sua existência, as suas ideias significa correr o risco do silenciamento e da eminência da morte.

Certamente, os “barcos” pedagógicos usados foram os mais diversos e resultaram em variados aprendizados. Nosso barco foi constituído da escuta sensível, da oportunidade de aprender a dizer sua palavra, da abertura à família chegar mais perto da universidade na participação das aulas e no esforço da práxis humana como prática da liberdade.

Diálogos sobre alfabetização de jovens, adultos e idosos: reflexões sobre a experiência vivida

[...] a prática educativa, sabidamente política, moral, gnosciológica, jamais deixou de ser feita com alegria [...] Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. (FREIRE, 1996, p. 72).

Na epígrafe que inicia esta seção, Freire mobiliza-nos para uma prática educativa vivenciada com o encantamento do processo. Convida-nos a esperançar com alegria, com luta e não perder de vista a dimensão política, moral e gnosciológica da educação que deve permear todas as ações e etapas.

Foi nesta perspectiva que buscamos dialogar sobre a alfabetização de pessoas jovens, adultas e idosas em um tenso contexto histórico, marcado por crises sociais e incertezas das mais diversas ordens. De um lado, a infecção humana causada pela Covid-19, que mobilizou o planeta na luta pela prevenção do contágio, sobretudo com distanciamento físico/social, não sendo possível o contato direto e as interações mais próximas nas mediações pedagógicas sobre a alfabetização de jovens, adultos e idosos. Por outro lado, a crise política vivenciada em nosso país, marcada por gigantescos retrocessos nos diversos âmbitos, principalmente na educação. Momentos de tentativa de negação à ciência, à vida e ao legado histórico do grande mestre Paulo Freire, reconhecido no Brasil e no mundo por toda a sua trajetória de coerência e pela sua epistemologia atemporal1, ethos da educação brasileira que neste ano de 2021 completa cem anos da sua presença/existência. Por todo este contexto, não poderíamos deixar de marcar como centralidade do trabalho no componente “Diálogos sobre Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos” o pensamento, a vida e as obras de Paulo Freire.

Na tentativa de refletir e problematizar sobre a educação e a alfabetização de pessoas jovens, adultas e idosas, estabelecendo sempre articulação com a conjuntura atual, mobilizamos forças, semeamos sonhos e construímos novas formas de aprender e ensinar, pois, conforme anunciado por Freire (1996, p. 115),

Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. [...]

Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. [...]

Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. [...] Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias [...].

Foi por meio de uma prática revestida de diálogo2 materializada por círculos de cultura3 que as aulas aconteceram. Foram momentos banhados por ricas discussões, reflexões, problematizações e tensionamentos, no intuito de pensar a alfabetização de pessoas jovens, adultas e idosas nas suas diversas dimensões e interfaces, tentando contemplar os interesses, a lógica presente, as intenções, os avanços e retrocessos, o lugar ocupado nos dias atuais, buscando, em todo momento, articular estas problematizações às reflexões anunciadas por Freire em suas diversas obras, além de outros teóricos que comungam com o legado freireano, como Miguel Arroyo e Carlos Rodrigues Brandão.

Dentre tantas outras ações relevantes do componente, marcadas por ricas reflexões e problematizações colaborativas, evidenciaremos as que consideramos mais significativas para esta experiência. Todos os momentos aqui anunciados foram forjados pela diretriz do diálogo na perspectiva da construção do saber solidário em que o processo ensino-aprendizagem aconteceu de forma concomitante e qualificada.

Iniciamos buscando conhecer os estudantes em formação e seus sonhos. Quem são? Quais as suas trajetórias de vida e escolarização? Há alguém na família não alfabetizado ou pouco escolarizado? Quais os motivos? Quais as marcas do seu processo de vida? Quais as marcas do seu processo de escolarização? Quais os seus sonhos? Todas as respostas apresentadas nas narrativas dos estudantes foram marcadas por longas reflexões, discussões e problematizações partindo do lugar da classe trabalhadora, de negações e de lutas constantes, para conquistarem direitos que são constitucionais, como o acesso e a permanência qualificada em todo processo de educação até a inserção na Universidade. E mesmo com o ingresso, a luta ainda continua em busca da garantia da conclusão do curso superior.

Todas as narrativas dos estudantes em formação foram ouvidas de forma sensível, cuidadosa e respeitosa. Como a centralidade do trabalho foi pautada nas lições e ensinamentos de Paulo Freire, não poderíamos iniciar de outra forma, se não com as narrativas dos próprios estudantes, sujeitos do processo. As suas vozes ecoaram em todas as aulas, iniciando com as suas trajetórias, os seus contextos, as suas experiências vividas. Estas narrativas possibilitaram entrecruzamentos e conexões com algumas categorias conceituais de Paulo Freire, tais como: alfabetismo, autonomia, esperança, luta, marcha, militância, política, resistência, inéditos viáveis, ser mais, situações limites e utopia. Estas categorias que atravessaram as trajetórias e sonhos dos estudantes em formação foram discutidas de forma bastante viva e ilustrativa com as experiências dos próprios estudantes. Nesse entretecer das narrativas de sonhos, trajetórias, articuladas às categorias conceituais apresentadas, concordamos que Paulo Freire foi um “[...] semeador e um cultivador de palavras. Não de quaisquer palavras, mas de palavras ‘grávidas de mundo’, como dizia. Palavras que têm o dom de gerar mundos, de pronunciar novas realidades” (STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2018, p. 15).

Com base na força das palavras “grávidas de mundo”, as quais possibilitam o emergir de outros mundos possíveis, da construção de outras trajetórias e narrativas outras, que buscamos problematizar sobre as trajetórias narradas nas vozes dos estudantes. Por quê? Para quê? Em favor de quem?

Depois deste momento de escuta e debate colaborativo, ao conhecer os sujeitos, seus sonhos e seus contextos de vida e escolarização, marcados, em grande parte por muitas lutas, houve a etapa de maior aproximação com as pessoas não alfabetizadas ou pouco escolarizadas da família ou do entorno, no intuito de melhor conhecer suas trajetórias e seus processos de luta em busca de um direito roubado na infância. Neste momento, os estudantes tiveram a oportunidade de ouvir as narrativas destes sujeitos, narrativas apresentadas por muitos desafios e negações. Para além do direito à escolarização, a alfabetização, outros direitos foram negligenciados a esses homens e essas mulheres: direito à infância, à moradia digna, à alimentação e tantos outros.

Assim, tivemos a oportunidade de conhecer as trajetórias de mulheres e homens fortes, lutadores (as) e que não se deixaram abater pelas adversidades e pelas negações que o sistema social perverso imprimiu. Tivemos oportunidade de conhecer a vida de Dona Del, Dona Lourdes, Dona Nau, Dona Maria4 e tantas outras que deixaram nas suas narrativas marcas de batalha, de luta pela sobrevivência, mas, acima de tudo, deixaram denúncias fortes de negações do Estado e crimes contra a vida humana, negligenciando direitos em favor de uma lógica verticalizada e excludente.

Além disso, as narrativas das colaboradoras também revelaram uma curta trajetória escolar, marcada por um processo conservador de alfabetização, pautado nos métodos sintéticos ou analíticos, muito presentes nos cotidianos escolares nas décadas de 1960, 1970, 1980 e que ainda continuam presentes, mesmo que em menor proporção, em muitas salas de aula do nosso país.

Foram observadas com muita recorrência nas memórias das colaboradoras, a forte presença do trabalho infantil, análogo ao trabalho escravo, a impossibilidade de viver a infância, de acessar a escola, a ausência de alimentação digna, de moradia, de transporte e tantos outros direitos que estes homens e mulheres foram impedidos de usufruírem nas suas infâncias e juventudes, conforme pode ser observado nos fragmentos a seguir:

No dia 1 de junho de 1955, nasceu na zona rural Fazenda Sapucaia em Elísio Medrado a nossa protagonista Edelzenita Rocha dos Santos, conhecida carinhosamente como Dona Del, filha de lavradores, tiravam da terra o sustento da família. Nossa menina sonhava com o dia em que arrumaria seus livros e iria à escola; sonho que infelizmente não pode realizar quando era uma menina. O seu pai era muito rígido e acabou proibindo-a de estudar, segundo ele menina fêmea não podia estudar, pois aprenderia a escrever cartinhas de amor para os rapazes. O tempo passou e ela já era uma jovem mulher, e estava no tempo de constituir família. Casou-se, tentou estudar algumas vezes, mas as demandas de casa e as dificuldades a impediam de seguir adiante. Embora as dificuldades a impossibilitassem de estudar, ela criou um jeito mágico de aprender a escrever... Nos arredores da casa simples em que morava, tinha uma planta chamada de quarana ou dama da noite, uma planta tóxica que usava suas folhas como base pra escrever seu nome, às vezes também com um graveto nas mãos treinava a escrita do nome na areia que se juntava na frente da casa em um grande terreiro. (ALMEIDA, 2021a)

Dona Cleonice5 é a primeira filha de uma família de 11 irmãos. Com muito sacrifício ela conseguiu estudar até a 4ª série do Ensino Fundamental, para isso, precisava andar uma longa distância diariamente para chegar até a escola; realizava o percurso junto com outros irmãos de idade próxima e vizinhos que também estudavam. Além da longa distância, enfrentavam dificuldades com a alimentação. Muitas vezes não tinham o que comer ou levar para merendar na escola e [...] quando terminavam as aulas, no caminho de volta, recorriam às frutas que encontravam pela estrada para matar a fome. Como todos os filhos dos moradores pobres da época, precisava trabalhar enquanto estudava, geralmente na parte da tarde, isso quando não faltavam às aulas para trabalhar. Trabalhava limpando área de plantio, no preparo da farinha de mandioca e beiju, em plantações de fumo, milho etc. Desses trabalhos conseguia alguns trocados para comprar lápis, borracha, caderno e outros itens para sobreviver e ajudar nas despesas da família. Sendo a filha mais velha de tantos irmãos, recaía sobre ela a responsabilidade e cuidados com os outros irmãos, principalmente quando a mãe estava de resguardo de mais um irmão que tinha nascido, isso também impactava no desempenho com os estudos. (LIMA, 2021)

Estas trajetórias revestidas de negações convidam-nos a pensar e repensar sobre as vidas sofridas destas pessoas e problematizar sobre algumas questões relevantes: até que ponto esses homens e mulheres não alfabetizados ou pouco escolarizados foram vistos como humanos? Em que medida a omissão do Estado, ao negligenciar tantos direitos constitucionais, é colocada em pauta? A quem serve o analfabetismo? Até quando a classe trabalhadora continuará sendo vítima de um sistema social, econômico e político cruel e perverso? Como pensar proposituras para que os itinerários destes adultos e idosos sejam mudados? E a educação de que forma pode/poderia mudar estas narrativas? Como os processos alfabetizadores foram constituídos de modo a produzir o analfabetismo? Estas e tantas outras questões podem ser problematizadas quando trajetórias como as destacadas são reveladas.

As últimas questões apontadas permitem-nos pensar sobre os processos de alfabetização, os métodos de ensino priorizados, as marcas das vivências, mesmo que curtas da escola/sala de aula e as trajetórias alfabetizadoras/escolares presentes nas memórias das colaboradoras. Esses processos foram revelados nas vozes dos/as interlocutores/as, de modo que nos autorizam afirmar que aspectos como a presença das cartilhas, das tabuadas, dos abecedários, dos desfiles cívicos, das lições, das cópias, da soletração deixaram marcas nas suas vidas. Os fragmentos, a seguir, podem ilustrar melhor sobre os processos vividos por estes homens e mulheres.

Dona Lourdes deu início aos estudos por volta dos 10 anos de idade, e se deslocava para a comunidade vizinha, porque próximo a sua casa não havia escola. As aulas aconteciam em um “rancho”, assim citado por Dona Lourdes; não havia quadro, os alunos se sentavam em bancos de madeira, que acomodavam cinco e até seis estudantes. A professora que ministrava as aulas não possuía uma formação específica, era jovem e por ter avançado um pouco mais nos estudos, alcançou a docência. A introdução aos estudos começava com um livreto denominado ABC6, que continha o alfabeto, separando também as vogais e consoantes, em seguida estudavam a cartilha7, que era o processo de divisão silábica, e, só depois vinha o livro com os conteúdos [...] (SANTOS, 2021).

Dona Cleonice conta que a estrutura da escola era muito simples, apenas com uma mesa, um banco (não existia cadeiras individuais para os alunos) e um quadro [...]. Os materiais que possuíamos era um ABC, um caderno e um lápis. A professora copiava a lição no caderno de cada aluno; os castigos físicos também eram constantes com o uso da palmatória e ficar ajoelhado no milho virado para a parede por horas por não conseguir fazer a lição ou por algum comportamento inadequado também eram práticas recorrentes. Ao entrar na escola o aluno precisava decorar a cartilha e o ABC, contar até 50 para entrar no 1º ano, após isso ia avançando de série. O maior grau que o estudante podia alcançar era a 4ª série do Ensino Fundamental. (LIMA, 2021)

Processos pautados em métodos conservadores, instrumentais de alfabetização são observados nos fragmentos das memórias supramencionadas, processos típicos daquele momento histórico, marcado por censuras, conservadorismos e negacionismos. As memórias dos/as colaboradores/as foram socializadas por meio de um rico círculo de cultura em que todos/as tiveram espaço para aprender e ensinar, para dizer a sua palavra, para problematizar, para posicionar-se diante das abordagens reveladas. Em meio a esse círculo de cultura, em um trabalho na dimensão remota, as reflexões invadiam os lares dos estudantes em formação e os diálogos se alargaram contemplando mães, avós, avôs, sogras, crianças, entre outros, e por alguns momentos fomos ricamente surpreendidas/os com as narrativas de pessoas que viveram trajetórias parecidas com as dos/as colaboradores/as. Foram momentos marcantes que contribuíram de forma significativa para fortalecer o diálogo colaborativo, pois, para além de ilustrarem as discussões, ensinaram, aprenderam e inspiraram para o aprofundamento do debate. Os momentos de aulas síncronas, nas quartas-feiras, foram assim avaliados:

Estas manhãs de quarta-feira, cada minuto foi repleto de muitos saberes, muitas aprendizagens, as vozes que foram ouvidas nos provam que homens e mulheres que tiveram roubadas suas humanidades não deixaram de ser humanos, que anseiam pela liberdade, de suas vozes, de seus corpos, corpos indóceis, corpos vivos, corpos presentes. Nessas manhãs de quarta-feira pudemos conhecer, refletir sobre retalhos de gente que em seus itinerários, em suas trajetórias se cruzam para montar uma grande colcha de retalhos. Nessas manhãs de quarta-feira fomos retalhos, falamos de retalhos, ouvimos retalhos. (ALMEIDA, 2021b)

Em meio a esses “retalhos de gente e seus itinerários” não há como esquecer da rica participação de Dona Maria José Soares, 68 anos, professora aposentada, com formação em Magistério8, que ao ouvir as discussões do círculo de cultura solicitou ao seu genro (estudante em formação do componente em pauta) para participar do diálogo e, neste momento, pôde se posicionar, narrando sobre o seu processo de alfabetização, sobre a sua trajetória de vida e sobre as suas práticas alfabetizadoras com crianças, jovens e adultos. Destacou a sua infância humilde como filha de trabalhador rural, de baixa renda, com precariedades estruturais e necessidades básicas. Evidenciou, também, o difícil acesso à escola, necessitando sair do seio da sua família para continuar os estudos. No entanto, apesar de todos os desafios, afirma que tinha muito interesse em estudar e, mesmo com muita luta e algumas interrupções, conseguiu alcançar o seu grande sonho: a docência. No seu processo escolar, destaca os métodos rígidos com palmatória9 e castigos constantes, o uso excessivo da cartilha, ABC, caligrafia, o uso recorrente do papel com furo no meio para identificar as letras soltas, sem a sequência, o momento na rotina diária em que os estudantes “davam a lição”, a cobrança da tabuada até de forma cantada, a fim de ilustrar marcas de um trabalho pautado em métodos conservadores. Nas suas palavras, destaca que “o ABC e a tabuada eram os recursos mais sagrados na escola”.

Sobre as suas práticas alfabetizadoras, fala com muito carinho da sua experiência no Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral10) e no Programa Todos Pela Alfabetização (TOPA11), ambos voltados para a alfabetização de pessoas jovens, adultas e idosas em diferentes momentos históricos. Traz memórias na sua narrativa de momentos bons em que pôde contribuir para que tantos jovens, adultos e idosos pudessem sair do mapa do analfabetismo, mas anuncia que “O Mobral não desenvolveu muito não. Só fazer o nome”. Revela, de forma nostálgica, os processos vividos e as estratégias utilizadas para ensinar a ler e a escrever. Esse momento foi assim compreendido, na narrativa a seguir:

Ao separar seus retalhos, Maria tinha o cuidado de organizar da seguinte forma: retalhos coloridos, estampados, listrados, florais aos quais ela assemelhava aos jovens, tecidos em tons mais fechados, escuros, os tons mais fortes de verde, azul, marrom e preto, esses seriam os adultos (homens e mulheres) e a cartela de cores mais leves e claras, como os tons de bege, os tons terrosos representavam os idosos. Todavia a separação aqui está associada à escolha dos retalhos, pois Maria de modo algum pensava os sujeitos/retalhos da EJAI no sentido de segregá-los. (ALMEIDA, 2021b)

Outro momento ímpar foi a participação do Cacique Bayara, 56 anos, indígena Pataxó, da Aldeia Gerü Tukunã, ligado ao movimento para educação indígena, e avô de uma estudante em formação, a qual fez toda a articulação para a materialidade deste momento tão importante, com lições de vida, de luta, de resistência, de ancestralidade e de educação. O encontro foi mediado por Indynawara Pataxó, neta do Cacique Bayara, que inicialmente trouxe fotos da Aldeia, narrando os pontos pertinentes para melhor compreensão sobre o cotidiano, as lutas, os rituais, as violências, os direitos, as políticas públicas, os saberes, a Educação Indígena e a necessidade/urgência do seu fortalecimento.

O Cacique Bayara destacou na sua narrativa que iniciou os estudos formais aos 45 anos de idade e a busca pela escola se deu pela necessidade de ordem prática, no sentido de melhor compreensão dos projetos, das normativas, das ações e das políticas para o seu povo. Como liderança, necessitava conhecer de forma mais aprofundada as legislações voltadas para os indígenas e todas as demandas e propostas apresentadas nos espaços de atuação, de modo a contribuir para posicionamentos que comungassem com o coletivo, pois afirma que: “A gente sem saber escrever o nome e ler fica muito difícil ser liderança!”.

As narrativas do Cacique foram muito impactantes por trazerem reflexões assertivas e problematizações políticas de diversas e relevantes temáticas: educação, saúde, cultura, políticas públicas para o indígena, espaços coletivos de decisões, festejos e rituais, negações de direitos, militância, manifestações sagradas, dentre tantas outras que possibilitaram um outro olhar sobre questões tão importantes e, sobretudo, uma compreensão mais alargada sobre os povos indígenas. Conforme evidenciou na sua narrativa, “o índio está com um pé na aldeia e um pé no mundo, ele vai lá e volta pro seu povo”, porque sai, interage, aprende, ensina e volta para o seu povo. Nesse sentido, as lutas e as buscas pela afirmação de direitos precisam ser aquecidas, pois o país vivencia um momento histórico de retrocessos, de negações que afetam diretamente os povos indígenas. O debate sobre a ampliação de políticas públicas para os indígenas e a reafirmação de direitos conquistados precisa ser ampliado, porquanto os saberes indígenas perpassam todas as áreas, sobretudo aquelas que defendem a vida, a natureza, a educação e a cultura dos povos. Conforme anunciado pelo Cacique Bayara, “A Educação é ponto chave do país”. Sobre esse momento de tamanha potência, um estudante em formação assim avaliou:

Humanizamo-nos em nossos ciclos de cultura, quantos saberes, quantas histórias, trajetórias e itinerários de vidas diversos, que muito nos emocionaram, nos ensinaram; cada fala, cada experiência, cada vivência carregada de saberes e ensinamentos. Levaremos guardados em nossa memória, Dona Del, Dona Maria, Cacique Bayara e todos os outros mestres populares que também caminharam junto conosco nesse processo de ensino/aprendizagem que as manhãs de quarta nos foi proporcionado. (ALMEIDA, 2021b)

Depois desse momento inicial com o grandioso círculo de cultura, vários outros momentos de discussões foram possibilitados, tendo como base central de reflexões as ideias anunciadas por Paulo Freire, Miguel Arroyo e Carlos Rodrigues Brandão. Nesse processo, por meio de diálogo formativo e colaborativo, buscamos problematizar, discutir, historicizar, tencionar, questionar, refletir, anunciar e denunciar, trazendo para a cena processos e trajetórias por meio de abordagens históricas, conceituais e metodológicas. Discutimos sobre os itinerários dos estudantes da EJAI, sobre a Educação em todas as suas dimensões, as suas possibilidades e limites, a perspectiva epistemológica de Paulo Freire para a materialização da Educação para todos e todas, as políticas públicas, os interesses atravessados, o lugar da Educação no momento atual em tempos de negação à ciência, à vida, à democracia e tantas outras negações, sobretudo quando se discute sobre a Educação/alfabetização de pessoas jovens, adultas e idosas. Todo esse processo, forjado por amplas discussões, foram assim percebidos:

Nesse processo dialético matinal fomos provocados a pensar nossos atos, ato de aprender, ato de estudar, ato de amar, ato de esperançar, entendemos a importância do ato de ler, refletimos sobre a opressão, a autonomia, a educação libertadora, fomos tencionados a entender que nossas ações podem nos libertar. Nesses encontros fomos conclamados a nos humanizar, podemos entender que estar nas bordas é estar em lugar privilegiado, nos humanizamos com a sensibilidade de nossas professoras, [...] cada encontro era cheio de alegria, a teoria freireana em cada fala, amorosidade, respeito, diálogo. (ALMEIDA, 2021b)

Conforme anunciado na narrativa do estudante em formação, buscamos provocá-los a pensar e repensar sobre nossas ações, no intuito de tencionar possibilidades de aprender e de ensinar na perspectiva freireana, problematizar sobre os nossos itinerários de vida e formação e os itinerários percorridos pelos sujeitos jovens, adultos e idosos não alfabetizados ou pouco escolarizados, no sentido da humanização e libertação, um processo alfabetizatório construído com os sujeitos do processo, com homens e mulheres, seus contextos e suas trajetórias, pois, conforme anunciado por Freire (2006, p. 124), “Se o processo de alfabetização de adultos não fosse sobre - verticalmente - ou para - assistencialmente - o homem, mas com o homem, com os educandos e com a realidade”, certamente teria sido construída uma outra narrativa no nosso país.

Além disso, discutimos, problematizamos e refletimos sobre a experiência de Alfabetização de Jovens, adultos e Idosos de Paulo Freire com as quarenta horas de Angicos, na intenção de melhor compreendermos a sua base, a centralidade, o processo e seus resultados. Foram momentos de diálogos muito ricos e que possibilitaram discussões políticas, ideológicas, perpassando da década de 1960 até os dias atuais. Concordamos com Fernandes ao anunciar que:

Angicos nos inspira a continuar esse processo, ampliando a luta pelo fim do analfabetismo na vida de milhões de jovens e adultos brasileiros. [...] A educação das classes trabalhadoras tem sido mais domesticadora do que emancipadora. Precisamos educar para a justiça social. O mundo precisa ser melhor, mais justo e solidário, e uma educação emancipadora pode ajudar a construir esse outro mundo possível. (FERNANDES, 2014, p. 19)

Outra ação do componente que merece destaque se refere à proposta do Círculo de Leitura. Esta transcendeu todas as expectativas, tanto do ponto de vista da aceitação da turma, da seriedade e comprometimento com que realizaram quanto da materialidade da atividade. Esta se deu pela escolha, em dupla, de uma obra de Freire para leitura, sistematização e produção de pequenos vídeos com a síntese da obra, convidando todos e todas a mergulharem na leitura. A atividade objetivou ampliar o conhecimento e as reflexões sobre os ensinamentos de Freire em suas diversas obras neste momento de ataques e tentativa de negação ao seu legado e como forma de aquecer e ampliar o convite para dar centralidade às ideias anunciadas por esse grande mestre da Educação não só brasileira, mas do mundo. Conforme anunciado por Antunes (2021), nesse momento em que comemoramos o seu centenário de vida e (re)existência, mais do que nunca precisamos mobilizar esperança, articular inéditos viáveis. Assim como Freire, precisamos nos comprometer com as causas que foram suas bandeiras de luta: luta por direitos humanos, por justiça social, pelo direito à educação qualificada para todos e todas, a uma educação humanizadora, emancipadora, transformadora, politizadora, criando possibilidades para a formação de seres humanos autônomos, livres e politizados. E o círculo de leitura teve esse caráter: mobilizar, articular, convidar, aquecer o debate e a esperança, apresentar suas ideias, evidenciar seu nome e suas obras, convocar para a marcha, para a luta em prol de um mundo menos feio, em que seja possível amar e ser amado, como anuncia Freire (2014) na sua obra Pedagogia da Tolerância.

Nesse exercício dos círculos de leitura, conseguimos materializar um trabalho inspirador e articulador de esperança. Todos/as os/as estudantes em formação escolheram diferentes obras de Paulo Freire - antecipadamente disponibilizadas em formato digital - para se debruçarem sobre as leituras, reflexões e a produção de pequeno vídeo, no intuito de divulgar o grande legado de Freire presente na suas diversas obras. Desta forma, conseguimos contemplar, nos referidos ciclos, as seguintes obras: Partir da Infância: diálogos sobre a Educação, A sombra dessa mangueira, Professora, sim; Tia, não, Lições de casa, Educação na cidade, Pedagogia da Autonomia, Ação cultural para a liberdade, Pedagogia do Oprimido, Educação e Mudança, Leitura de mundo, leitura da palavra.

As principais ideias de todas estas obras foram contempladas nos pequenos vídeos amplamente divulgados nas redes do Centro de Formação de professores, do Curso de Licenciatura em Pedagogia, do Programa de Extensão Tecelendo12, do Núcleo Carolina Maria de Jesus13, além de outros canais de comunicação. Todas essas produções disseminadas foram capazes de alcançar muitas pessoas, sobretudo estudantes das licenciaturas, professores/as, além de tantas outras pessoas que acessam estas redes. Sobre essa ação, o estudante em formação Maurício Sudré de Almeida faz a sua reflexão sobre o processo, anunciando que:

Humanizamo-nos em nossos ciclos de leitura, uma experiência primorosa. No ano em que celebramos o centenário de Paulo Freire, estamos tão íntimos, tão próximos deste celebre mestre que nos faltam palavras para tecermos gratidão pelo legado deixado por ele, quantas palavras decodificadas de suas obras, fomos desafiados e nos desafiamos a sintetizar obras suas em um minuto, mas que traz em cada enredo apresentado em vídeo um grande tesouro que precisa ser conhecido por muitas pessoas, por muitos seres humanos, homens e mulheres que caminham em busca de suas humanidades. (ALMEIDA, 2021b)

Depois dessa ação de tanta relevância, por toda a sua abrangência e reflexões tecidas, chega a vez da realização do Seminário Final, na intenção de ampliar as discussões e avaliar os processos vivenciados no transcorrer do semestre. Este foi organizado pelos estudantes em formação e coordenado pelas professoras responsáveis, traduzindo-se em ricos momentos de aprendizagens, abordagens formativas e problematizações sobre a Educação e alfabetização de pessoas jovens, adultas e idosas.

Por todos os estudos e aprendizagens construídas no transcorrer do componente, não poderíamos concluir este momento de outra forma senão trazendo para a cena os protagonistas do processo em um espaço de potentes reflexões, problematizações e ampliação dos conhecimentos, com convidadas especiais que vivenciam cotidianamente a Educação/alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos, evidenciando os seus desafios, as suas conquistas, as suas negações e as suas possibilidades neste momento atual. Para tanto, houve a necessidade de ampliação desse espaço formativo para outros estudantes, professores, pesquisadores e demais interessados na discussão, no intuito de agregar um maior número de pessoas que assumem essa temática como bandeira de luta, como militância e convidar tantas outras para essa causa tão urgente e que deve estar na ordem do dia das discussões dos centros formativos e educacionais. Foi nesta perspectiva que ampliamos esse momento para um evento de extensão intitulado “Diálogos sobre Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos: por uma educação humanizadora, amorosa e libertadora”, realizado em dois dias de atividades formativas.

Os estudantes em formação constituíram a comissão organizadora do evento, bem como a monitoria, por meio de algumas subcomissões, ou seja: secretaria, criação, divulgação e comissão cultural, de modo a sistematizarem as ações necessárias à realização de um evento on-line e de abrangência. Todo o processo foi cuidadosamente acompanhado pelas coordenadoras do evento, visando apoiar a qualificação da ação extensionista. Depois de toda a organização, chegou o momento do evento, marcado por muitas aprendizagens, discussões, debates formativos e muitas emoções.

O Seminário foi marcado por diferentes momentos, denominados rituais, quais sejam: ritual de abertura, ritual de belezura, ritual das palavras e ritual de despedida. Todos esses momentos foram cuidadosamente criados pelo estudante em formação Maurício Sudré de Almeida, que mediou todo o evento, tendo a participação ativa dos colegas com intervenções e provocações constantes em todos os momentos. O ritual de abertura contemplou dois diferentes momentos: fala inicial e composição das telas dialéticas compostas pelas imagens de cada participante. O ritual de Belezura contemplou três momentos revestidos de boniteza: diálogos artísticos, palavras culturais e falas coloridas. Neste momento, a cultura banhou o evento e coloriu com música, poesia e encantamento. O Ritual das palavras, também contou com dois momentos ímpares: ouvir as vozes das convidadas especiais, seguidos do momento de dialogar, prosear e esperançar. Este momento foi marcado por ricas abordagens e discussões com as professoras convidadas. Ao final de cada ritual das palavras, sempre emergia o ritual de belezura, revestindo o momento de cultura, arte e emoção. Por fim, o ritual de despedida, contemplando os agradecimentos, os informes e as considerações finais com as falas das coordenadoras do evento. Todos estes rituais, nos dois dias de seminário, foram banhados de muitos saberes, num potente diálogo sobre a Educação/alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos por meio de diferentes linguagens.

A potência do evento se deu, sobretudo, pelas provocativas reflexões das professoras pesquisadoras convidadas para o momento de “ritual das palavras”, bem como os/as artistas convidados/as para o “ritual de belezura”, que, com mística, música e poesia, conseguiram contemplar todos os participantes presentes no evento. No ritual das palavras tivemos o privilégio de contar com a presença das professoras Rose Mary Correia Santana14, Vanessa Batista15, Erenice Rocha dos Santos16 e Edna Laurindo17. Entrelaçando estes momentos tão especiais de reflexões e apontamentos formativos, tivemos a oportunidade de contar com a presença de Altino Júnior18, Rebeca Oliveira19, Vitor Ravel20 e Raissa Damasceno. Estes momentos constituíram potentes rituais de conhecimentos, marcados por diálogos formativos entrecruzados com arte e cultura.

Tessituras finais

Por todos esses momentos aqui narrados e tantos outros vivenciados no âmbito do componente “Diálogos sobre Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos” que não foram possíveis registrar por estarem para além das palavras, não temos nenhuma dúvida de que ficarão marcados em nossas memórias. Muito mais do que um componente optativo do curso de Pedagogia, constituiu-se como um espaço de discussões, reflexões, problematizações e muitas aprendizagens construídas pelas diversas participações colaborativas, como dos estudantes em formação, dos familiares que participaram dos momentos de atividades síncronas e contribuíram com as reflexões sobre seus itinerários de vida e seus processos de escolarização, além dos convidados e das convidadas para o seminário final e das professoras responsáveis, que conseguiram mediar esses momentos. Conforme anunciado na narrativa do estudante em formação,

Este não foi apena mais um componente que enfeitara nossa matriz curricular, mais ele cumpre um importante papel em nossa formação, formação humana, formação pessoal. É impossível passarmos por ele e não sermos tencionados, provocados, questionados. Percebemos nessas manhãs de quarta-feira a boniteza de cada ser humano que adentra no universo da educação de jovens, adultos e idosos. Como revelouFreire (1996, p. 160) “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo de busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”. (ALMEIDA, 2021b)

Sem dúvida, todas as ações e momentos vividos foram revestidos de alegria, mas também de teorização, estudo, leituras constantes, produções escritas, fílmicas e muitas trocas. Lemos, discutimos, sistematizamos e produzimos vídeos com as obras de Paulo Freire. Foram onze obras lidas como um chamamento para novos leitores. Os vídeos produzidos ainda estão alcançando novos leitores e ficarão nas redes, no intuito de ampliar, cada vez mais, o seu alcance. Os círculos de cultura possibilitaram o encontro das teorias com as práticas vividas dos diversos sujeitos inseridos; e o Seminário, que fechou o momento, promoveu a ampliação do debate, das reflexões e apontamentos, com rituais de muita boniteza e conhecimentos produzidos. Enfim, foram momentos ímpares, assim analisados na narrativa, a seguir, do estudante:

Durante esse tempo dialogamos, sorrimos, aprendemos e apreendemos, ouvimos, falamos, produzimos, manhas tão prazerosas que chega a apertar o coração, o tempo passava e quando nos dávamos conta o horário da aula já estava acabando. Humanizamo-nos nas nossas trocas, em cada uma das contribuições que íamos trazendo em todos os encontros, e assim, de pedacinhos em pedacinhos de gente vamos nos tornando maior e vão ganhando forma, vamos nos embelezando e embelezando os outros a nossa volta. (ALMEIDA, 2021b)

Portanto, foram momentos forjados por intensas bonitezas, emoções e aprendizagens. Desafiamos e fomos desafiadas, provocamos e fomos provocadas, formamos e formos formadas, ensinamos e aprendemos. Foram momentos de humanização, de encantamento, de trocas e produção do conhecimento. Sem dúvida nenhuma, a experiência aqui compartilhada foi marcada positivamente na vida e formação de todos aqueles que a vivenciaram, por ser revestida de uma ação política e recheada de alegria, conforme epígrafe que iniciou a seção anterior.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maurício Sudré. Produção construída a partir da entrevista com Edelzenita Rocha dos Santos, sobre o seu processo de alfabetização. UFRB/CFP, 2021a. [ Links ]

ALMEIDA, Maurício Sudré. Texto final de avaliação do componente. UFRB/CFP, 2021b. [ Links ]

ANTUNES, Angela Biz. Live de Lançamento do Curso EaD Freireana do Instituto Paulo Freire: “Paulo Freire e a Educação Popular”, com o Prof. Carlos Rodrigues Brandão, comparticipações de Paulo Roberto Padilha e Ângela Biz Antunes, realizada em 7 de jun. de 2021. [ Links ]

BEISIEGEL, Celso de Rui. Prefácio. In: Pedagogia do Oprimido. 70. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2016. [ Links ]

BUENO, Flávia Thedim Costa; SOUTO, Ester Paiva; MATTA, Gustavo Corrêa. Notas sobre a Trajetória da Covid-19 no Brasil. In: MATTA, Gustavo Corrêa, et al. - Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vunerabilizadas e respostas à pandemia - Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021. [ Links ]

FERNANDES, Francisco das Chagas. Apresentação. GADOTTI, Moacir. Alfabetizar e Conscientizar: Paulo Freire, 50 anos de Angicos. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2014. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra , 1996. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Tolerância. São Paulo: Paz e Terra , 2014. [ Links ]

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FREIRE, Ana Maria Araújo. Paulo Freire: uma história de vida. São Paulo: Villa das Letras, 2006. [ Links ]

LIMA, Sicleide Cunha. Produção construída a partir da entrevista com Cleonice Lima, sobre o seu processo de alfabetização. UFRB/CFP, 2021. [ Links ]

MATTA, Gustavo Corrêa, et al. A Covid-19 no Brasil e as Várias Faces da Pandemia: apresentação. In: MATTA, Gustavo Corrêa, et al. - Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vunerabilizadas e respostas à pandemia -Rio de Janeiro: Editora Fiocruz , 2021. [ Links ]

SANTOS, Adrielly Pereira. Produção construída a partir da entrevista com Dona Lourdes, sobre o seu processo de alfabetização. UFRB/CFP, 2021. [ Links ]

STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José. Apresentação. In: STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. 4. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018. [ Links ]

SOBRE AS AUTORAS:

1Patrono da Educação brasileira pela Lei nº 12.612, de 13 de abril de 2012, sancionada pela então presidente da república Dilma Rousseff e reconhecido pelo programa memória do mundo, que reconhece acervo de relevância mundial, como Patrimônio Documental da Humanidade.

2O diálogo se constitui como categoria conceitual central na teoria de Paulo Freire. Na obra Pedagogia do Oprimido, Freire anuncia o diálogo como processo dialético-problematizador, destacando o seu papel para uma educação libertadora e humanizadora e se materializa em práxis social.

3Os círculos de cultura representam a materialidade do diálogo como diretriz para que homens e mulheres possam aprender para “dizer a sua palavra”. No círculo de Cultura, formado por roda de pessoas em que ninguém ocupa lugar de destaque, o diálogo é forjado para a construção do saber solidário em que todos ensinam e aprendem ao mesmo tempo. Foi exatamente nesta perspectiva que adotamos os círculos de cultura para os nossos encontros síncronos no componente.

4Estas e muitas outras mulheres aceitaram compartilhar com os estudantes em formação as suas trajetórias de vida e seus processos de escolarização com foco na alfabetização ou não alfabetização, evidenciando os desafios enfrentados, as estratégias de enfrentamento, os processos pedagógicos, dentre tantas outras questões nas suas narrativas.

5Cleonice Lima é uma mulher de 62 anos, moradora da Sete Voltas, povoado localizado na zona rural de Amargosa-BA, casada há quase 30 anos e mãe de três filhos. Atualmente é aposentada e ainda trabalha em horários flexíveis na comunidade onde mora.

6O ABC refere-se a um pequeno livreto sem autor definido contemplando o alfabeto maiúsculo e minúsculo, separando as vogais das consoantes, as sílabas e palavras na intenção de iniciar o processo de aquisição da leitura e da escrita.

7A cartilha caracteriza-se como um instrumento de manipulação de ideias, lançando mão de um método conservador de alfabetização, pautado por processos segmentados, segregados da realidade e valorizando pseudotextos no intuito de seguir o método silábico, partindo das letras, palavras, frases e textos desconexos do contexto real.

8Refere-se à formação em nível médio, na modalidade normal, que a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), promulgada em 1996, obteve a recomendação para que todos os professores da educação básica tivessem formação em nível superior. A partir daí, os cursos de Magistério foram sendo extintos, dando espaço para a formação geral.

9Instrumento de madeira normalmente com furo no centro utilizado como forma de castigo para os estudantes que não respondessem às atividades ou não tivessem comportamento considerado adequado. A palmatória também era muito utilizada para os momentos de sabatina, ou seja, círculo com todos os estudantes de pé em que o professor fazia perguntas sobre as quatro operações matemáticas e o estudante que não acertasse a resposta recebia como castigo um tapa com a palmatória.

10Importante movimento de alfabetização na história, até hoje muito conhecido pelas pessoas adultas e idosas. Foi um movimento nacional, contrário ao proposto por Paulo Freire com a sua experiência em Angicos-RN, com a intenção de ensinar apenas questões rudimentares, negando a perspectiva política do processo.

11Programa de alfabetização de jovens, adultos e idosos realizado na Bahia, como extensão do Programa Brasil Alfabetizado.

12Programa de Extensão vinculado ao Centro de Formação de Professores, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, atua desde 2008, com formação de professores, alicerçado na perspectiva da educação popular, assumindo o trabalho enquanto princípio educativo. E o trabalho com a Educação de jovens, Adultos e Idosos se entrelaça com a tecelagem.

13Núcleo vinculado ao Centro de Formação de Professores, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, criado em 2016, ampliado e consolidado em 2020 com a participação de docentes de várias instituições do país, tendo a Educação Popular como centralidade em conexão com a Agroecologia e Alfabetização da Classe trabalhadora.

14A professora Rose Mary é graduada em Normal superior, com especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional. É cantora, compositora, locutora, palestrante e radialista. Tem ampla experiência na Educação Popular e na Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos, sobretudo com atuação durante muitos anos no Movimento de Educação de Base (MEB).

15É Pedagoga de formação pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), com especialização em História da África e Afro-brasileira. É professora da rede municipal de ensino de Amargosa-Bahia, com ampla experiência na docência, na coordenação Pedagógica e gestão escolar.

16É mestre e graduada em Letras pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), professora da Rede municipal de ensino de Amargosa-Bahia. Tem ampla experiência na Educação de Jovens, Adultos e Idosos, tanto na docência quanto na Supervisão da rede.

17É Pedagoga pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), com especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, Gestão Educacional e alfabetização e letramento. É professora da Educação de Jovens e Adultos, coordenadora Pedagógica e formadora do Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).

18Cantor e compositor com primoroso repertório musical, egresso do curso de Letras pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

19Poetisa, Graduanda em Educação do Campo, pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), bolsista do PET Educação e Sustentabilidade.

20Cantor, instrumentista e graduando do curso de Licenciatura em Pedagogia.

Recebido: 13 de Julho de 2021; Aceito: 03 de Agosto de 2021

Maria Eurácia Barreto de Andrade Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), com atuação no Cento de Formação de Professores (CFP). Pesquisadora e líder do Núcleo Carolina Maria de Jesus: Estudo, Pesquisa e Extensão em Educação Popular, Agroecologia e Alfabetização da Classe Trabalhadora.

Gilsélia Macedo Cardoso Freitas Doutorado pela Universidade del Mar - Udel Mar/ Chile. Professora Adjunta II da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia- UFRB. Docente do Mestrado Profissional em Educação do Campo e do curso de Licenciatura em Pedagogia. Membro da Pesquisa Nacional e em Rede da Expansão do Ensino Superior no Brasil- Observatório da Educação- CAPES- Rede Universitas. Tutora do Programa de Educação Tutorial/ PET- Educação e Sustentabilidade.

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