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Revista Práxis Educacional

versión On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.17 no.48 Vitória da Conquista oct./dic 2021  Epub 25-Nov-2021

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i48.9327 

Resenhas

Contribuições de Michel Pêcheux aos estudiosos da linguagem em “semântica e discurso”

Contributions of Michel Pêcheux to language scholars in “semantics and discourse”

Las contribuciones de Michel Pêcheux a los estudiosos del lenguaje en "semántica y discurso"

1Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Brasil juan_thecalling@hotmail.com


Resumo:

Esta é uma resenha sobre o livro “Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio”.

Palavras-chave: Semântica; Discurso; Michel Pêcheux.

Abstract:

This is a review of the book “Semantics and discourse: a criticism of the statement of the obvious”.

Keywords: Semantics; Discourse; Michel Pêcheux.

Resumen:

Esta es una reseña del libro “Semántica y discurso: una crítica al enunciado de lo obvio”.

Palabras clave: Semántica; Discurso; Michel Pêcheux

Michel Pêcheux, filósofo francês da École Normale Supérieure, conhecido por ser o maior nome da Análise de Discurso (doravante AD) francesa, formulou a tríade língua, sujeito e história na constituição do discurso. Influenciado pela teoria dos “Aparelhos Ideológicos de Estado” de Louis Althusser, buscou compreender a materialidade linguística, o histórico-social e o político, vinculando-se as teorias psicanalíticas do sujeito e ao materialismo histórico e dialético. Em “Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio” publicado em 1975, Pêcheux busca relacionar a linguística com a filosofia e as ciências das formações sociais tendo como base a semântica. Por este viés, o autor desemboca numa discussão profundamente crítica sobre os conhecimentos científicos e a prática política do “indivíduo interpelado em sujeito”, expressão emprestada de Althusser para designar as formações ideológicas que são materializadas em formações discursivas. Eis a aparição e importância do discurso para o todo.

O livro traduzido por Eni Pulcinelli Orlandi, Lourenço Chacon Jurado Filho, Manoel Luiz Gonçalves Corrêa e Silvana Mabel Serrani em sua 2ª edição (1995), contém quatro parágrafos. Em sua introdução, numa única seção - “Simples nota prévia” - algumas nuances sobre o termo semântica abrem a discussão. Segundo Pêcheux, é sabido que a semiologia, criada por Saussure, se dedicou exclusivamente a estudar os signos e sua relação com o exterior. Tal ciência tem sido associada aos estudos da semântica, mas de modo atrelado a semiótica, que começa com Locke, com uma filosofia empirista da linguagem, e se desenvolve a partir de outros terrenos, a exemplo dos Estados Unidos. É possível afirmar com relação a semiologia e semiótica que, apesar de existirem diferenças entre estas, ambas se dedicam a estudar os signos de modos diferentes. De modo geral, a semântica “se ocupa do sentido, parece derivar, antes de tudo, da Linguística e da Lógica: a palavra semântica apareceu no fim do século XIX, mas o que ela designa remete tanto às preocupações mais antigas dos filósofos e gramáticos quanto às pesquisas linguísticas recentes” (PÊCHEUX, 1995, p. 12-13).

No capítulo I, “Linguística, lógica e filosofia da linguagem”, fazendo referência a Foucault e a língua materna, Pêcheux fala da lógica/teoria do conhecimento enquanto sistema gramatical. Desse modo, Pêcheux questiona o caráter pedagógico da língua no que se refere a retórica, pois o autor considera que existe uma pedagogia da verdade - pautada num sistema de erros onde as instituições exploram a existência das disciplinas científicas, mascarando essa existência, de forma que a distinção entre ciência e não ciência-seja encoberta” (p. 72). Ao tecer uma crítica sobre o relativismo metafísico e o empirismo lógico, o autor considera que tais formas de exploração idealistas podem ser compreendidas como ideológicas, pois a ideologia se materializa em discurso seja na prática da ciência ou da não ciência.

As reflexões vão tomando um rumo centralizadas na língua e na ideologia no capítulo II, “Da filosofia da linguagem a teoria do discurso”. Nestes trechos o sujeito é tomado como escopo para a compreensão dos sentidos a partir de determinações explicitadas pelo “pré-construído”, ou em termos mais estritos ao campo da AD, o interdiscurso e seus efeitos parafrásticos. A paráfrase se constrói num processo de significação que é sustentado pelo objeto do pensamento. Este objeto é materializado em discursos que remetem os sujeitos a outros sentidos já dados ou mais precisamente pré-construídos num dado circuito discursivo - aquilo que faz sentido numa dada conjuntura social, cultural, política, histórica, etc.

As formações ideológicas devem ser consideradas a partir de mecanismos - não somente lógicos ou linguísticos - que estão diretamente ligados ao domínio do pensamento do sujeito. Neste capítulo é também explicado que a “forma-sujeito” - que aparece vagamente neste momento - se estabelece na relação do sujeito com o interdiscurso, sendo exposto que as práticas pedagógicas e científicas se tratam de práticas como quaisquer outras ideologizadas por um caráter político “mascarado pela concepção lógico-linguística”. Estas considerações preparam o terreno para o capítulo III, “Discurso e ideologia(s)”, incialmente sobre as condições ideológicas da reprodução/transformação das relações de produção.

As reproduções/transformações são compreendidas a partir dos meios de produção capitalista, tanto em nível discursivo como em nível ideológico. No entanto, “seria absurdo pensar que, numa conjuntura dada, todos os aparelhos ideológicos de Estado contribuem de maneira igual para a reprodução das relações de produção e para sua transformação” (PÊCHEUX, 1995, p. 145). Neste sentido, as propriedades “regionais” - as determinações social-política-ideológica paralelamente as desigualdades de classe - configuram as relações de desigualdade-subordinação por meio da dominação dos aparelhos ideológicos de Estado. Assim conclui-se que se legitima uma “marca ideológica a cada sujeito sob a forma de “socialização” do indivíduo nas “relações sociais”” (PÊCHEUX, 1995, p. 155). Deste modo, as redes de significações se estabelecem no intradiscurso, por emparelhamentos. Uma vez que, os aparelhos de Estado se inscrevem num contexto histórico-social e, portanto, interdiscursivo. Assim sendo, as formações ideológicas e discursivas se estabelecem em um jogo de dominância no interdiscurso/intradiscurso.

A noção de “forma-sujeito” é retomada, sendo explicada não somente como uma forma que se estabelece através da relação do sujeito com o que este se identifica, ou seja, do ponto de vista ideológico, mas é chamada também de “forma-sujeito do discurso”. A conjuntura sócio-histórico-ideológica na qual o sujeito está inserido, determina o que o mesmo diz ao passo que o interpela não só na fala, mas também ideologicamente. Sendo assim, “os indivíduos são interpelados em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formações discursivas que representam “na linguagem” as formações que são correspondentes” (PÊCHEUX, 1995, p. 160). Deste modo, o lugar que o sujeito ocupa no processo de identificação-interpelação é apreendido pelo sujeito a partir do “todo complexo com dominante” - em outros termos, na reprodução/transformação das relações de produção a partir das relações de desigualdade-subordinação o indivíduo é interpelado em sujeito a partir das formações discursivas e ideológicas que dominam.

No capítulo IV, “Os processos discursivos nas ciências e na prática política”, é retomada a discussão acerca do caráter do discurso científico que não pode ser reconhecido como discurso científico puro. Ou seja, o caráter político da prática científica - assim como na prática pedagógica dita anteriormente - não é passível de questionamento e/ou de vinculação a instâncias ideológicas que se inscrevem no discurso dominante.

Pêcheux defende que o marxismo-leninismo transforma a relação entre a forma-sujeito do discurso e a prática política. Por este viés, a partir do termo Erfahrung (experiência), remetemo-nos a prática política enquanto prática discursiva, com a possibilidade de compreendê-la enquanto funcionamento discursivo que rompe com o convencional do indivíduo interpelado em sujeito a partir da forma-sujeito do discurso na apropriação subjetiva dos conhecimentos científicos e da política do proletariado. São estabelecidas duas modalidades: 1) o sujeito, que não contradiz a ideologia e o discurso dominante; 2) o mau sujeito, que se “contra-identifica” com a ideologia ou discurso dominante. Há ainda espaço para uma terceira modalidade, que se aproxima muito da forma-sujeito que se apropria dos conhecimentos científicos e da política do proletariado, “capaz de traçar linhas de demarcação em relação aos efeitos discursivo-ideológicos da identificação e da contra-identificação, destruindo certas evidências” (PÊCHEUX, 1995, p. 226).

De forma brilhante, na conclusão do trabalho tudo que foi abordado é recapitulado, inclusive com uma retomada que apura os autores mais influentes para a linguagem, para a semântica e para as formulações discursivas pecheutianas. Neste apanhado, é explicado o quanto a semântica se desvincula do conhecimento humano em termos antropológicos, estabelecendo-se através da língua e consequentemente da linguagem. Schaff é evocado para fundamentar a importância do marxismo-leninismo para a luta de classe.

Paralelamente, Michel Foucault é criticado por ter retrocedido num avanço dado pelo próprio, voltando a sociologia das instituições e dos papéis, sem reconhecer a luta de classes. Freud e Lacan são retomados para a compreensão do sujeito em sua relação com real no imaginário. “O real existe, necessariamente, independentemente do pensamento e fora dele, mas o pensamento depende necessariamente, do real, isto é, não existe fora do real” (PÊCHEUX, 1995, p. 255). Propõe-se então, a uso da psicanálise freudiana-lacaniana consoante ao materialismo histórico para que seja feita a distinção do real num dado lugar no espaço-tempo. Assim, admite-se que ““o pensamento” só existe sob forma de regiões do pensamento, disjuntas e submetidas entre si a uma lei de exterioridade distribuída, que está relacionada com a exterioridade [...]; modos histórico-materiais da existência do pensamento” (PÊCHEUX, 1995, p. 258).

Os conceitos que aparecem ao longo do texto - interdiscurso, intradiscurso, pré-construído, etc. - são também retomados para que fique claro que fique claro que não se tratam de conceitos relacionados aos fenômenos linguísticos. De modo mais explicativo ainda, Pêcheux delimita que todos estes conceitos estão atrelados ao complexo das formações ideológicas e discursivas, onde é dada forma ao indivíduo interpelado em sujeito, ou mais precisamente, a forma-sujeito do sujeito que atribui sentidos as palavras de acordo com as determinações, das formações que o dominam para que aconteça a identificação-interpelação.

Por fim, duas tendências importantes (idealista/materialista) são esclarecidas para a compreensão dos efeitos de sentidos no processo de identificação/desidentificação da forma-sujeito. O idealismo busca “fixar a exceção em um objeto e reinscrever seu sentido em um Sujeito, de tal forma que confirma a regra” (p. 274), já o materialismo histórico e dialético “parte da exceção como sintoma de uma “regra” desconhecida, desarticulada do terreno das evidências em que essa exceção nasce” (p. 275). Assim sendo, ao passo que o materialismo histórico e dialético se distancia da semântica que possui caráter lógico-linguístico-retórico, se aproxima da luta de classes com proposição ao questionamento dos valores dominantes e dos modos de produção capitalista.

REFERÊNCIAS

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução Eni Pulcinelli Orlandi et al. 2ª ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1995. [ Links ]

Juan Monteiro Mestrando em Educação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd); Grupo de investigação sobre narrativas, práticas letradas e discurso (GRINPRALED); Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).

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