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Revista Práxis Educacional

versión On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.18 no.49 Vitória da Conquista  2022  Epub 20-Jun-2022

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v18i49.10292 

Artigos

CIRCULARIDADE DOS CONSELHEIROS DA CEB/CNE (1996-2002)

CIRCULARITY OF CEB/CNE DIRECTORS (1996-2002)

CIRCULARIDAD DE DIRECTORES CEB/CNE (1996-2002)

Heitor Lopes Negreiros1 
http://orcid.org/0000-0001-9394-1907

Gilda Cardoso de Araújo2 
http://orcid.org/0000-0002-3562-9779

Wagner dos Santos3 
http://orcid.org/0000-0002-9216-7291

1Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória, ES, Brasil; heitornegreiros@hotmail.com

2Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória, ES, Brasil; gildaaraujo19@gmail.com

3 Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória, ES, Brasil; wagnercefd@gmail.com


RESUMO:

O artigo analisa as tensões, negociações e disputas produzidas pelos conselheiros da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação focalizando as instituições pelas quais circularam. Como fundamentação teórico-metodológica, assume a análise crítico-documental e utiliza como ferramenta o software Gephi. Adota como fontes os Currículos Lattes dos sujeitos e busca geral no Google. Os resultados apontam a existência de dois diferentes grupos: um destinado a fortalecer o projeto educacional do Executivo Federal; e outro destinado a tensionar esse projeto. Além disso, a circulação dos conselheiros por relevantes espaços a partir do fim de seus mandatos indicia que a cultura político-educacional constituída entre 1996 a 2002 continuou a influenciar as políticas educacionais.

Palavras-chave: cultura política; Conselho Nacional de Educação; política educacional

ABSTRACT:

The article analyzes the tensions, negotiations and disputes produced by the councilors of the Basic Education Chamber of the National Council of Education, focusing on the institutions through which they circulated. As a theoretical-methodological foundation, it assumes the critical-documentary analysis and uses the Gephi software as a tool. It adopts as sources the Lattes Curriculum of the subjects and general search in Google. The results point to the existence of two different groups: one destined to strengthen the educational project of the Federal Executive; and another destined to tension this project. In addition, the circulation of councilors in relevant spaces from the end of their terms onwards indicates that the political-educational culture constituted between 1996 and 2002 continued to influence educational policies.

Keywords: political culture; National Board of Education; educational politics.

RESUMEN:

El artículo analiza las tensiones, negociaciones y disputas producidas por los consejeros de la Cámara de Educación Básica del Consejo Nacional de Educación, centrándose en las instituciones por las que circularon. Como fundamento teórico-metodológico, asume el análisis crítico-documental y utiliza como herramienta el software Gephi. Adopta como fuentes el Currículo Lattes de las asignaturas y búsqueda general en Google. Los resultados apuntan a la existencia de dos grupos diferenciados: uno destinado a fortalecer el proyecto educativo del Ejecutivo Federal; y otro destinado a tensar este proyecto. Además, la circulación de concejales en espacios relevantes desde el final de sus mandatos indica que la cultura político-educativa constituida entre 1996 y 2002 siguió influyendo en las políticas educativas.

Palabras clave: cultura política; Consejo Nacional de Educación; política educativa.

Introdução

O Conselho Nacional de Educação (CNE) foi criado pela Lei nº 4.024/1961 com redação alterada pela Lei nº 9.131/1995, formado pela Câmara de Educação Básica (CEB) e pela Câmara de Educação Superior (CES), cada uma composta por 12 conselheiros. Entre as atribuições das câmaras de educação que compõem o CNE está deliberar sobre diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação (PNE).

A Lei nº 9.131/1995 também estabelece que as nomeações dos conselheiros serão feitas pelo Presidente da República e deverão (pelo menos a metade dos indicados) ser realizadas mediante consulta às áreas de atuação dos respectivos colegiados. Os conselheiros terão mandato de quatro anos, permitida uma recondução para o período imediatamente subsequente, havendo renovação de metade das Câmaras a cada dois anos. Nesse sentido, as câmaras deverão ser diversas quanto à área de atuação educacional do conselheiro e às regiões do país.

O então ministro Paulo Renato Souza compreendia, na época da promulgação da lei durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira/PSDB), que a diversidade de instituições consultadas, incluindo as com origem no comércio e na indústria, significava o rompimento dos estreitos limites do campo educacional. Todavia, para Silva (2005), esse processo se constituía como o esvaziamento da representatividade da sociedade civil, favorecendo entidades empresariais e sindicatos conservadores. Desse modo, a vinculação dos conselheiros a instituições, se faz importante para compreendermos a maneira como foi formada a cultura político-educacional daquele período.

Entre os pesquisadores que se debruçaram sobre a recente reforma do ensino médio, representada pela Lei nº 13.415/2017 e seus desdobramentos na Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCCEM), nos chama a atenção os estudiosos que a compreendiam como uma retomada do projeto educacional da década de 1990, do qual fizeram parte os conselheiros da CEB/CNE.

Ciavatta e Ramos (2012) compararam as versões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEMs) de 1998 e de 2012 e entenderam que esta última manteve uma visão adaptativa e acrítica do mercado de trabalho e sua funcionalidade para os setores empresariais, uma continuidade das DCNEMs de 1998, mesmo em um período em que o lugar de poder era ocupado pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Mantida essa perspectiva durante os mandatos tanto do PSDB quanto do PT, Motta e Frigotto (2017) ressaltam a rapidez com que a reforma do ensino médio foi aprovada, seguida da BNCCEM em 2018 e das DCNEMs, no mesmo ano. Para os autores, essa reforma liquidou com o ensino médio como última etapa da educação básica, e mesmo críticos à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996) e ao Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), entendiam que a Reforma do Ensino Médio ignorou os pressupostos desses dispositivos legais, aprofundando as mudanças prenunciadas na década de 1990. Nessa direção, Silva (2018) compreende que o discurso da Reforma do Ensino Médio atual retroage às concepções educacionais de meados da década de 1990, principalmente no que tange à educação por competências e a ideia de competitividade, produzindo uma formação administrada.

Diante do exposto, questionamos: Por onde circularam os conselheiros da CEB/CNE antes de ocuparem esse espaço? Onde os conselheiros passaram a circular quando já não ocupavam a CEB/CNE (a partir de 2003)? De que maneira suas práticas influenciaram a constituição da cultura político-educacional que se materializou na atual reforma do ensino médio?

Assim, fundamentados no entendimento de Bloch (2001), de que o passado não se modifica, mas que seu desconhecimento compromete a compreensão do presente e as ações futuras, objetivamos analisar as tensões, negociações e disputas produzidas pelos conselheiros da CEB/CNE (1996-2002) focalizando as instituições, as associações e as organizações pelas quais circularam. Partimos do pressuposto que esses conselheiros fizeram parte do grupo responsável por constituir a cultura político-educacional da década de 1990 retomada nas reformas educacionais atuais.

Teoria e método

Como fundamentação teórico-metodológica, assumimos a análise crítico-documental de Marc Bloch. Ao escrever sobre a observação histórica, Bloch (2001, p. 73) afirma que, “[...] como primeira característica, o conhecimento de todos os fatos humanos no passado, da maior parte deles no presente, deve ser um conhecimento através dos vestígios”. Buscaremos, assim, nos vestígios das vinculações a instituições e a circulação dos conselheiros da CEB/CNE (1996-2002), a maneira como suas concepções de educação constituíram a cultura político-educacional daquele período e continuaram a influenciar a educação brasileira.

Complementarmente, mobilizaremos o paradigma indiciário de Ginzburg (1989), a partir do qual captaremos as pistas e os indícios deixados nas fontes, evidenciando as vinculações e as concepções dos sujeitos. Também recorreremos aos conceitos de centro e periferia e de relações de força (Ginzburg, 1991) para compreender as disputas na constituição de uma cultura política, expressas por meio dos tensionamentos da tática sobre a estratégia (CERTEAU, 2011).

Compreender como se constituem as culturas político-educacionais dos sujeitos que as designam se faz importante, na medida em que entendemos que as culturas políticas exercem papel fundamental na legitimação de regimes ou na criação de identidades. Berstein (2009, p. 31) define a cultura política como: “[...] um grupo de representações portadoras de normas e valores que constituem a identidade de grandes famílias políticas e que vão muito além da noção reducionista de partido político”. O autor considera inadequada a perspectiva de uma cultura política nacional inalterável. A proposta seria pensá-la em termos plurais, identificando as diferentes culturas políticas que integram e disputam o mesmo espaço nacional. Segundo Berstein (2009, p. 36), também devem ser levadas em conta “[...] as redes de sociabilidade que explicam a coesão do grupo: a diversidade de sua natureza, a frequência de reuniões [...]”.

Além do conceito de cultura política, a utilizaremos a teorização de Berstein (2003) sobre os partidos políticos que os entende como o “[...] lugar onde se opera a mediação política” (2003, p. 60), localizando-se entre o problema e a narrativa, na busca por articular as necessidades e as aspirações da sociedade, bem como as contribuições de Sirinelli (2003) para compreender os sujeitos como intelectuais e as motivações que os levam a se reunirem em grupos e de Rioux (2003) relativamente aos seus estudos sobre associações (instituições) e os indícios que delas são captados para compreensão da cultura política.

A pesquisa adotou como fontes os Currículos Lattes dos conselheiros e quando não encontrávamos as informações das suas vinculações e circularidade, recorríamos ao Google. Além disso, utilizamos como instrumento de auxílio das análises o software Gephi, com o fito de analisar as redes de circularidade dos sujeitos. Para melhor compreensão das análises sobre as vinculações e associações dos conselheiros a instituições, elaboramos a Tabela 1, com a relação e o período em que eles estiveram na CEB/CNE:

Tabela 1  CEB/CNE (1996-2002) 

Conselheiro Período
Almir de Souza Maia 1996-1998
Ana Luiza Machado Pinheiro 1996-1997
Antenor Manoel Naspolini 1998-2002
Arthur Fonseca Filho 2002-2006
Ataíde Alves 2000-2004
Carlos Roberto Jamil Cury 1996-2004
Edla de Araújo Lira Soares 1996-1998
Elon Lages Lima 1996-1998
Fábio Luiz Marinho Aidar 1996-2000
Francisca Novantino Pinto de Ângelo 2002-2006
Francisco Aparecido Cordão 1998-2006
Guiomar Namo de Mello 1997-2004
Hermengarda Alves Ludke 1996-1998
Iara Glória Areias Prado 1996-2000
Iara Silvia Lucas Wortmann 1996-2000
João Antônio Cabral de Monlevade 1996-2000
Kuno Paulo Rhoden 1998-2002
Nelio Marco Vincenzo Bizzo 2000-2004
Neroaldo Pontes de Azevedo 2002-2006
Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira 2000-2003
Regina Alcântara de Assis 1996-2000
Sylvia Figueiredo Gouvêa 2000-2004
Ulysses de Oliveira Panisset 1996-1998

Fonte: Adaptado das Portarias nº 1455/1995, nº 03/1998, nº 150/2000 e nº 31/2002.

Assim, organizamos o artigo em três seções analíticas. A primeira aborda as filiações político-partidárias, buscamos as informações dos 12 da conselheiros da CEB/CNE, gerando o Gráfico 1; a segunda analisa a circularidade dos sujeitos até 2002 e a terceira, a partir de 2003.1

Filiações político-partidárias

Neste tópico, analisaremos as filiações partidárias (ou não) dos conselheiros da CEB/CNE a fim de compreendermos a cultura política expressa por eles e a que predominava no grupo. As vinculações partidárias dos conselheiros da CEB/CNE alinhavam-se à coalização do governo naquele período (1995-2002), conforme o Gráfico 1:

Fonte: Os autores

Gráfico 1: Vinculação partidária dos conselheiros do CNE/CEB. 

A maior parte dos conselheiros que estiveram na CEB/CNE não possuíam filiação partidária (S/P: 13), cinco eram filiados ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) - partido que fazia parte da coalizão governista -, quatro ao PSDB - partido do governo - e um ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) - fora da coalizão. O fato de a maioria dos conselheiros não ter filiação partidária não significa que não possuíam concepção política e educacional estabelecida.

Compreendemos que o fato de alguns conselheiros que tinham concepções de educação diferentes do lugar de poder não terem vinculações partidárias indicia para a natureza do espaço que ocupavam, ou seja, não serem filiados a partidos fortaleceu a indicação dos seus nomes por parte das instituições que o fizeram. As instituições indicaram aqueles que poderiam se configurar como representantes de uma resistência educacional dentro do CNE, pois seriam mais facilmente nomeados se não tivessem em suas trajetórias uma demarcação partidária que espelhasse seu posicionamento como oposição.

Destacamos as indicações da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Carlos Roberto Jamil Cury e Hermengarda Alves Lüdke, que foram nomeados para a CEB, ambos sem vinculações partidárias e indicados pelas duas instituições. O professor Cury foi reconduzido ao cargo de conselheiro, já a professora Lüdke, apesar de ter sido indicada tanto pela SBPC como pela ANPEd (Portaria nº 3/1998), não foi reconduzida.

Em entrevista à Cynthia Greive Veiga, Cury (2010) menciona que foi indicado por seis instituições naquela ocasião: SBPC, ANPEd, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Conselho Geral das Instituições Metodistas de Educação (Cogeime) e Conselho Estadual de Educação de São Paulo (Ceesp). Todavia, ao analisarmos a Portaria nº 27/1996, percebemos que há menção de duas instituições (ANPEd e SBPC). Esse movimento pode indiciar uma opção feita na publicação da portaria de enfraquecimento das indicações do professor, de modo que as seis instituições por ele citadas representam 38% do total de instituições consultadas (16), o que aponta sua relevância acadêmica e política.

Outro movimento importante foi a tática da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) - instituição tradicionalmente ligada aos movimentos de esquerda em defesa dos trabalhadores em educação - que indicou para a primeira formação do CNE, após a redemocratização, Carlos Augusto Abicalil e João Antônio Cabral de Monlevade. Este último foi nomeado, mesmo sendo um defensor do direito dos trabalhadores em educação com vinculação histórica com a CNTE e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), mas sem filiação partidária. A CNTE posicionou-se taticamente indicando um intelectual com filiação (Carlos Augusto Abicalil, filiado ao PT) e outro sem qualquer filiação, mas comprometido com as causas defendidas pela instituição.

O alinhamento do professor com as pautas defendidas pelo CNTE é evidenciado em sua tese de doutorado. Monlevade (2000, p. 171) questionou o processo de valorização dos professores e os rumos da educação pública naquele período: “O MEC foi confiado ao Prof. Paulo Renato Souza, ex-reitor da Unicamp e ex-secretário da educação de São Paulo, que aliava sua formação de economista ao trânsito pelas questões educacionais”.

Tanto o movimento do CNTE, como o da ANPEd indiciam uma constituição tática, em relação à estratégia do lugar de poder das instituições, que buscava resistir ao projeto educacional sem efetivamente optar pelo confronto, ao entender que a indicação de sujeitos comprometidos com seus entendimentos e concepções de educação deveria ser possível quanto à aceitação por aqueles que ocupavam o lugar de poder (nomeação pelo Presidente da República).

Os quatro conselheiros filiados ao PSDB eram: Almir de Souza Maia, Antenor Manoel Naspolini, Francisca Novantino Pinto de Ângelo e Guiomar Namo de Mello. Almir de Souza Maia e Antenor Manoel Naspolini foram indicados pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). O primeiro também foi recomendado pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub). As outras duas conselheiras não foram designadas por nenhuma instituição, e sim nomeadas na quota que cabe ao Presidente da República (50%), sem consulta ou indicação necessária (Lei n. 9131/1995).

Desses nomes, apenas Guiomar Namo de Mello fazia parte do grupo de maior importância do PSDB, tendo sido fundadora do partido (anteriormente era filiada ao PMDB). Os outros filiados possuíam afinidades com os posicionamentos e concepções do PSDB, mas não foram candidatos, tampouco compuseram posições relevantes na sigla. No momento de sua fundação, o PSDB constituía-se como um partido mais à esquerda do PMDB, fundado pela ala progressista do antigo partido.

Em 1988, na formação do PSDB, Mello já havia sido secretária de Educação da cidade de São Paulo (1982-1985), deputada estadual por São Paulo (1986) e assessora do senador Mário Covas na Constituinte. Desse modo, as concepções da professora já tinham sofrido certas modificações devido aos espaços pelos quais circulou e não eram mais aquelas constituídas com base no movimento de resistência à ditadura militar, como indiciam seus trabalhos da década de 1970 e 1980, sobretudo a sua tese de doutorado (1980).

Nesse sentido, a publicação do livro Social Democracia e educação: teses para discussão (Mello, 1990) se constitui como uma contribuição da professora para o PSDB no que tange à área, principalmente ao propor a redefinição do papel do Estado. A autora foi uma das percursoras na discussão da Social Democracia como possibilidade para o país:

Outra provocação que levou à produção destes textos foi o Programa do PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira, de cuja fundação e organização venho participando e cuja identidade tenho tentado ajudar a construir. As teses e propostas neles existentes pretendem ser uma contribuição a esse partido na formulação de um projeto político social-democrata para a educação brasileira. Elas não são, entretanto, posições oficiais do PSDB (MELLO, 1990, p. 14).

A professora evidencia seu protagonismo na composição das bases do PSDB, principalmente em relação ao pensamento educacional do partido. Os espaços pelos quais circulou, principalmente como secretária de Educação da cidade de São Paulo e como deputada estadual, são ressaltados por ela como indutores para que pudesse compreender melhor a “[...] profunda e contraditória dimensão política da educação” (MELLO, 1990, p. 13). Segundo a autora, ela se tornou parte inseparável do que foi o objeto de sua vida acadêmica (a política educacional), promovendo uma mudança nos seus entendimentos e concepções.

Para Mello (1990), o Programa do PSDB, elaborado em 1988, trata a educação no intuito de promover uma Revolução Educacional na perspectiva da Social Democracia, tanto assim que a educação está separada em um capítulo próprio, isolada das demais políticas sociais. O PSDB tinha a intenção de realizar uma revolução educacional, constituindo a cultura político-educacional brasileira. Interessante destacar que o termo revolução também está no título do livro sobre o balanço das políticas educacionais do período FHC, de Paulo Renato Souza, A revolução gerenciada: educação no Brasil 1995-2002 (SOUZA, 2005).

Em uma das teses que compõem a obra-base da concepção educacional do PSDB (MELLO, 1990, p. 25), há a explicitação daquilo que pode resumi-la:

[...] a Revolução Educacional deverá ser construída em cima de um mote, slogan ou palavra de ordem ‘mais cidadania, melhor governo, menos Estado’. Traduzindo: o interesse dos usuários do serviço educacional, estatal ou particular, deve se sobrepor ao interesse do Estado entendendo-se, neste caso, o Estado agigantado, que serve de abrigo a interesses cartoriais, corporativos, político-partidários ou ideológicos.

Mello continuou a ser presença constante nos eventos do partido que envolviam, de alguma maneira, a educação como temática, mesmo após o término do governo: seminários (ex.: Seminário Nacional de Secretários Estaduais e Municipais de Educação do PSDB em 2008), audiências públicas de iniciativa do PSDB (7ª Audiência Pública do Senado, que debateu o PNE em 2013) e reuniões de campanhas eleitorais (em 2014, foi conferencista da reunião de educação da Coligação Muda Brasil, de Aécio Neves). Após a derrota de Aécio Neves em 2014, a professora declarou sua decepção com o PSDB:

O partido tem dificuldade de fazer oposição. Mas política é um jogo para profissionais. Não se vai para frente sem quebrar ovos. Por isso, eu desisti [...] o PSDB ‘não soube renovar seus quadros’ e carece de liderança única [...]. O partido não tem uma figura centralizadora como Lula, que tem a capacidade de eleger um 'poste' para depois saber se ele vai dar a luz. Não existe um cacique único. O PSDB ainda não encontrou a maneira mais adequada de traduzir sua plataforma política, a social democracia, para a população, especialmente os mais pobres (MELLO, 2014).

Apesar de a professora manifestar (em 2014) seu descontentamento com o partido que ajudou a criar, seu compromisso com suas pautas, sobretudo com o projeto educacional defendido pelo PSDB, manteve-se ao longo do tempo, alcançando os dias atuais sob novas formas, principalmente na elaboração da BNCC (da qual foi relatora) e da reforma do ensino médio (na qual teve papel importante).

Entre os conselheiros filiados ao PMDB: Arthur Fonseca Filho, Edla de Araújo Lira Soares, Francisco Aparecido Cordão, Iara Glória Areias Prado e Iara Silvia Lucas Wortmann,2 apenas esta última teve mandato eletivo como deputada estadual do Rio Grande do Sul, configurando-se como o sujeito com maior representação dos partidos da coalizão governista.

Desse modo, as concepções e a ideologia do partido político ao qual os sujeitos são filiados (ou com os quais possuem afinidades) podem não ser explícitas e compreendidas de maneira clara, mas são manifestadas por meio de uma cultura política difusa (BERSTEIN, 2003), aparecendo de diferentes formas, como a linguagem utilizada e a maneira de pensar e propor soluções para a educação.

Circulação dos conselheiros até 2002

A partir da Figura 1, elaborada considerando as instituições com as quais os sujeitos tiveram ou têm vinculações, compreenderemos as influências desses organismos na constituição da cultura política daquele período. Os conselheiros (na cor vermelha) e as respectivas instituições (na cor preta) foram relacionados no Excel para posterior tratamento no software Gephi.

Fonte: Os autores.

Figura 1: Instituições vinculadas aos sujeitos da CNE/CEB (1996-2002) 

As instituições que aparecem em maior tamanho são aquelas em que há mais vinculações de sujeitos: Cogeime, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Organização das Nações Unidas (ONU), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Consed. Todas elas vinculadas a dois conselheiros.

Poucas instituições se repetem na vinculação dos sujeitos, e isso se deve à própria característica de formação do órgão. Para a primeira formação da CEB/CNE, foram consultados: a) Academia Brasileira de Ciências (ABC); b) Academia Brasileira de Educação (ABE); c) Associação de Educação Católica do Brasil (AEC); d) ANPEd); e) CUT; f) Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT); g) Confederação Nacional da Agricultura (CNA); h) Confederação Nacional do Comércio (CNC); i) Confederação Nacional da Indústria (CNI); j) CNTE; k) Crub; l) Cogeime; m) Consed; n) Força Sindical; o) Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação; p) SBPC; q) Ubes; r) Undime.

Notamos que algumas instituições que aparecem na Figura 1 não estão na relação das consultadas, de acordo com as Portarias nº 1455/1995, nº 03/1998, nº 150/2000 e nº 31/2002. Entre elas, destacamos: Unesco, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), ONU. Esses organismos multilaterais não poderiam indicar conselheiros por não serem instituições brasileiras. Todavia, entendemos a importância deles na constituição do projeto educacional do país e a relação dessas instituições com os sujeitos responsáveis por normatizar a legislação educacional brasileira ao se configurar como um indício da relevância nesses órgãos, o que ficará ainda mais evidente na influência que tiveram (sendo expressamente citadas) em documentos normativos (como as DCNEMs de 1998) e na circularidade dos sujeitos após o término do governo FHC (a partir de 2003).

A conselheira Ana Luiza Machado Pinheiro foi diretora regional da Unesco durante 12 anos (1997-2009), passando por algumas subdivisões regionais. Em 2004, como diretora da Directora de la Oficina Regional de Educación de la UNESCO para América Latina y el Caribe, a professora evidenciou os esforços dos organismos multilaterais, principalmente da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), em trazer a educação como fator impulsionador do desenvolvimento dos países da América Latina:

Renovando el compromiso acordado entre CEPAL y UNESCO a comienzos de los 90 para actuar en conjunto en pro del desarrollo de la región desde nuestras respectivas áreas de competencias. […] El desafío es asegurar un uso más eficientes de los que ya se tienen y responsabilizarse por los resultados de la inversión que se hace. Este es un requisito básico para que nuestros países participen activa y proactivamente en el mundo globalizado (PINHEIRO, 2004, p. 2).

A professora foi indicada pelo Consed para ser membro da CEB/CNE e, mesmo que tenha ficado por um curto período no órgão (1996-1997), a presença de um dos mais importantes quadros da Unesco na América Latina indicia - além de um alinhamento daqueles que ocupavam o lugar de poder com organismos multilaterais - uma congruência de entidades educacionais brasileiras com as recomendações dessas instituições. A principal delas era tornar os países periféricos participantes do mundo globalizado, atribuindo à educação o papel de instrumento para o alcance desse objetivo.

Em entrevista à Revista Nova Escola, Pinheiro (2008) ressaltou a admiração que a Unesco tinha pelo PNE aprovado em 2001, documento bastante discutido e foco de tensões, negociações e disputas pela comunidade política e educacional, no qual teve êxito a proposta do Executivo e não a da sociedade civil discutida nos Congressos Nacionais de Educação (Coned). Desse modo, esse aspecto indicia um alinhamento de concepção entre o organismo multilateral e aqueles que ocupavam o lugar de poder, desdobrando-se em políticas educacionais que materializaram esse alinhamento. Além disso, Pinheiro (2008) também apontou a importância do cumprimento das metas acordadas internacionalmente, como as do Fórum Mundial de Dakar em 2000.

Nesse sentido, a vinculação de Guiomar Namo de Mello com o Banco Mundial, do qual foi consultora a partir de 1990, merece destaque entre as associações dos conselheiros. A professora atuava em projetos focados no investimento em educação no Brasil, posteriormente passou a integrar a equipe da instituição em Washington, na função de Especialista em Educação, e ocupou a mesma função no BID.

Mello foi uma conselheira preeminente do CNE, sobretudo pelo fato de ter sido uma escolha do Executivo Federal. Assim, de certa maneira, a conselheira representava as iniciativas e os alinhamentos do lugar de poder. De igual modo, sua articulação com as instituições da Figura 1 chama a atenção para a ascendência dessas instituições não apenas no governo, mas também no CNE. Mesmo que a vinculação do Banco Mundial seja apenas com um dos membros da CEB, entendemos que a sua relevância e influência na elaboração das políticas educacionais brasileiras da década de 1990 merecem um olhar cuidadoso.

Evidenciamos, ainda, que o Banco Mundial, assim como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Cepal, Unesco e Unicef, é uma subdivisão da ONU, que aparece ao centro, na Figura 1, vinculada a Nelio Marco Vicenzo Bizzo e a Francisca Novantino Pinto de Ângelo. A cultura político-educacional que se constituía naquele período era permeada pelas influências das recomendações e metas dos organismos multilaterais, presentes no Ministério da Educação (MEC), assim como dos conselheiros que compunham a CEB. Entendemos que os sujeitos vinculados a essas instituições apresentavam uma concepção de educação em alinhamento com o governo, naquele período. Assim, a maneira como se apropriavam da cultura política em que se constituía assemelhava-se ao projeto educacional que delineavam.

Os conselheiros, que claramente faziam oposição ao projeto educacional do lugar de poder (que já se posicionavam contrários desde as discussões da LDBEN/1996), não tinham ligações com organismos multilaterais: Carlos Roberto Jamil Cury possuía apenas vinculações acadêmicas (ANPEd e SBPC) e João Antônio Cabral de Monlevade, vinculações sindicais, com a CNTE e o Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público (Sintep).

As entidades educacionais confessionais também tiveram seus interesses defendidos na normatização da legislação educacional brasileira, com indicações e nomeações no CNE, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB, instituição católica) e o Cogeime, (instituição evangélica). A participação das entidades confessionais nas discussões educacionais brasileiras fazia-se importante ainda naquele período. Cury (1992) destacou que a premissa da família como base da sociedade era evidenciada, sob liderança da CNBB e da AEC. Além disso, essas instituições também representavam, em alguma medida, as escolas privadas:

As escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas constitucionalmente reconhecidas [...] têm direito aos recursos públicos [...]. As de ensino fundamental devem ser financiadas pelo poder público para que possam ser gratuitas. Essa é a condição para que famílias que já pagam impostos, e os próprios jovens possam ter garantido o direito de eleger a educação de sua livre escolha (CNBB, 1990, p. 1).

A concepção defendida pela CNBB visualizava o Estado como uma extensão da família, entrelaçando o interesse público ao privado. Mesmo que o financiamento público a essas iniciativas privadas não tenha prosperado da maneira que desejavam, as instituições religiosas eram consultadas para suas indicações e tinham êxito, influenciando a composição do projeto educacional e a constituição da cultura política daquele período.

Cury (1992) evidencia os interesses dos católicos na política educacional. No Manifesto dos Colégios Católicos mineiros, de 1987, ficam claras suas intenções e expectativas em relação à Constituinte:

Nossa esperança era que os constituintes eleitos por nós, sabedores dos desmandos da ditadura, lutassem por nós. Decepção pior não pode ter ocorrido: juraram em praça pública um novo Brasil, uma terra de liberdade e de democracia. No entanto, ao escreverem a constituinte a maioria significativa está aprovando o enterro da escola particular, e com maior naturalidade, também o da escola católica (MANIFESTO, 1987, apudCURY, 1992, p. 35).

Desse modo, a influência das escolas particulares e confessionais mostrava-se relevante. Para não ir tão longe, desde a Constituinte, expandindo sua inserção na elaboração dos normativos educacionais da década de 1990, com a presença de seus representantes no CNE. Scarfoni e Gonçalves (2020) ressaltam a existência de tensões (nas discussões da Constituinte) entre as escolas confessionais e as escolas particulares que assumiam a lógica empresarial, fazendo com que a representatividade da escola religiosa fosse enfraquecida pela disputa interna dos grupos que a formavam, como afirmava Kuno Rhoden, que se posicionava contrário à lógica empresarial nas escolas particulares, sobretudo as confessionais.

Os autores compreendem que o Congresso Nacional dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Conepe), em 1985, foi um importante local para que as discussões chegassem a um ponto de consenso, a fim de influenciar taticamente o projeto educacional que começava a se delinear naquele período. Kuno Rhoden se firmava com uma preeminente liderança desse grupo, tanto que foi indicado pelo Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação (FNCEE) - Portaria nº 3/1998 -, tamanha a relevância do professor.

A FNCEE indicou, na mesma ocasião, Francisco Aparecido Cordão e Ulysses de Oliveira Panisset. Este último, também recomendado por outra entidade representativa da educação confessional, o Cogeime. Na Figura 1, identificamos dois sujeitos vinculados ao Cogeime: o professor Panisset e Almir de Souza Maia (foi presidente da instituição). Ambos estiveram na CEB entre 1996 e 1998.

O Cogeime surgiu das necessidades de discutir a realidade da educação metodista. Josgrilberg (2012) acredita que uma das funções mais importantes da entidade era representar a educação metodista, suas instituições no MEC, e em outras relações governamentais. Uma dessas relações seria a representatividade no CNE. O autor ressalta que muitas conquistas advieram dessas relações.

Mesmo que a Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (Abiee) não apareça na Figura 1 e nem nas portarias como instituição consultada, Josgrilberg (2012) a considera importante nas relações de força, nas táticas que a constituíam, na representação com o Governo Federal. Era equiparada à influência que instituições como a CNBB tinham na educação brasileira e trazia como catalizador o Cogeime.

Além disso, Josgilberg (2012, p. 77) destaca a relevância da instituição em uma perspectiva mais ampla, ultrapassando as “[...] fronteiras do metodismo brasileiro levando contribuições ao metodismo latino-americano e mundial. Na América Latina e África surgiram algumas importantes instituições que contaram com a inspiração e ajuda efetiva do COGEIME [...]”. A Asociación Latinoamericana de Instituciones Metodistas de Educación (Alaime), na Figura 1, vinculada a Almir de Souza Maia, foi uma instituição criada por iniciativa da Cogeime em 1997, evidenciando seu poder agregador fora do Brasil, em uma perspectiva de proteger seus valores educacionais e influências nas políticas educacionais de maneira global.

O autor também destacou a importância do professor Almir de Souza Maia no CNE, atribuindo-lhe a papel primordial no reconhecimento de cursos de Teologia pelo MEC, além da sua defesa das escolas confessionais. Maia (1997, p. 10) evidencia que o Cogeime trabalha para resgatar a “[...] marca distintiva da proposta educacional metodista”, compreendendo que o caráter científico e acadêmico não poderia sobrepor os valores confessionais, seu objetivo principal.

Para entender como se deu a constituição da cultura político-educacional naquele período, é necessário um olhar atento para os detalhes das associações e frequência de reuniões, conforme nos ensina Berstein (2003). A representatividade religiosa e confessional de instituições, como o Cogeime, a CNBB e a Alaime, indiciam o modo como os valores a elas intrínsecos influenciaram as políticas educacionais e a própria concepção de educação daquele período, em contraposição aos movimentos iniciados na década de 1970 em defesa de uma educação pública e laica.

Algumas instituições que aparecem na Figura 1 assemelham-se àquelas que fizeram indicações para composição do CNE, a exemplo da Confederação Nacional do Comércio (CNC), que indicou Francisco Aparecido Cordão, mesmo não aparecendo na Figura 1 (pois o professor não tinha vinculações diretas com a entidade) e tem seus braços sociais vinculados a Cordão: o Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). A atuação do professor nessas instituições estava conectada à educação profissional, e era esse tipo de representatividade que ele exercia no CNE, como relator das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico e para as de Nível Tecnológico no Conselho Nacional de Educação em 1999.

A professora Francisca Novantino Pinto de Angelo não foi indicada por nenhuma instituição, mas nomeada (Decreto de 15 de março 2002) como parte da quota que não necessitava de consulta às instituições (50%).

As Portarias do MEC nº 150/2000 e nº 31/2002 indicaram as instituições consultadas para composição de lista tríplice e também a relação dos conselheiros, mas não havia mais, como nas portarias anteriores, vinculação dos indicados com as instituições. Entendemos que esse aspecto pode se configurar como um indício do não comprometimento do governo com as instituições, de modo que não há como saber de onde proveio a indicação dos nomeados, pelo menos não oficialmente.

As instituições que conseguiram concretizar suas indicações (na ordem do maior para o menor) foram: Consed (quatro indicações nomeadas); SBPC (três indicações nomeadas); CNC, Cogeime e Undime (duas indicações nomeadas); ABC, ANPEd, CNA, CNI, CNTE e FNCEE (uma indicação nomeada). Destacamos que esta análise se embasa nas Portarias nº 27/1996 e nº 3/1998, pois não houve mais vinculação da instituição aos indicados nos decretos e portarias.

Ao relacionarmos a Figura 1 com as Portarias nº 27/1996, nº 3/1998, nº 150/2000 e nº 31/2002, notamos que alguns nomes indicados não aparecem como vinculações dos sujeitos. As informações para a elaboração da Figura 1 foram coletadas no Currículo Lattes da Plataforma CNPq e, para a constituição dos quadros, nas portarias do MEC. Entendemos que as indicações das instituições não estão diretamente associadas a vinculações oficiais com os sujeitos, pois de outro modo constarão no Currículo Lattes vinculações dessa natureza. Todavia, existe uma similaridade - principalmente em relação às atividades e ao modo como entendem a educação - das instituições que indicaram os sujeitos e daqueles que possuíam algum tipo de vinculação (funcionários, conselheiros, consultores).

Circulação dos sujeitos a partir de 2003

Fundamentado nas novas redes de sociabilidade criadas a partir de 2003, identificadas pelos espaços nos quais os conselheiros passaram a circular após o término do governo FHC, será possível compreender as (des)continuidades da atuação desses intelectuais na educação brasileira. Nem todos os conselheiros eram alinhados à cultura político-educacional que se estabelecia naquele período e, assim, influenciavam a política educacional de maneira diferente. A partir de suas concepções educacionais, suas trajetórias e suas relevâncias acadêmicas e políticas, contribuíam para fortalecer ou enfraquecer o projeto educacional daquele período.

Em oito anos (1995-2002), não seria possível que o estabelecimento da concepção de educação constituída naquele período atingisse a capilaridade que se pretendia. Com outro grupo assumindo o Governo Federal brasileiro a partir de 2003 (PT), aqueles que fortaleciam a concepção de educação do período anterior e aqueles que buscavam enfraquecê-la tendiam a ter seus papéis invertidos. Enquanto os primeiros procuravam tensionar o lugar de poder de formas mais sofisticadas, os segundos pretendiam estabelecer as proposições que antes se constituíam como tática e agora eram estratégia do lugar de poder (pelo menos era o que se esperava).

Após o governo FHC, alguns conselheiros mantiveram seus mandatos por algum período. Arthur Fonseca Filho, Francisca Novantino Pinto de Ângelo, Francisco Aparecido Cordão, Neroaldo Pontes de Azevedo permaneceram até 2006. Já Ataíde Alves, Carlos Roberto Jamil Cury, Guiomar Namo de Mello, Nelio Marco Vicenzo Bizzo e Sylvia Figueiredo Gouvêa mantiveram-se até 2004. Desse modo, consideramos a permanência desses sujeitos como uma forma de circulação após o período 1995-2002, de maneira que o lugar de poder foi ocupado por outro tipo de concepção de país e de educação.

Nessa direção, categorizamos os espaços pelos quais os sujeitos circularam da seguinte maneira: a) Administração Pública (ADM PUBLICA) onde estão órgão e entidades que fazem parte da administração federal, estadual ou municipal; b) Associações e/ou Conselhos (ASSOC. CONS.), instituições dessa natureza e que não fazem parte da administração pública; c) BNCC, aqueles que fizeram parte de sua elaboração oficialmente; d) Cargo eletivo (CARGO ELETIVO), os que ocuparam algum cargo eleito pelo voto; e) Empresas Privadas (EMP PRIVADA) educacionais ou não; f) Escola Privada (ESCOLA PRIVADA); g) Instituições de Ensino Superior Estrangeiras (IES INTERNAC.); h) Instituições de Ensino Superior Privadas (IES PRIVADA); i) Instituições de Ensino Superior Públicas (IES PUBLICA); j) Organizações Não Governamentais (ONGs), educacionais ou não; k) Organismos Multilaterais (ORG MULTI); l) Revistas Científicas (REV CIENTIFICA), fazendo parte do corpo editorial.

Fonte: Os autores.

Figura 2: Circulação dos conselheiros CEB/CNE (1996-2002) a partir de 2003 

A partir da Figura 2, identificamos a administração pública (ADM PUBLICA) como o espaço em que os sujeitos mais circularam, com 17 deles ocupando algum cargo ou posição nessa categoria. Adm Publica aparece em maior tamanho na figura, pois parametrizamos o software de modo que ficassem em evidência aquelas categorias às quais os sujeitos fossem mais vinculados. Além disso, os rótulos (nomes) em vermelho referem-se aos conselheiros e, em preto, às categorias dos espaços em que circularam.

Destacamos, também, que, à medida que as arestas (linhas que ligam os conselheiros às categorias) ficavam mais espessas, significava que o conselheiro esteve em mais de um cargo ou posição naquela categoria, ou em espaços diferentes, mas que fazem parte da mesma categoria (nas Secretarias de Educação Municipal e Estadual, por exemplo).

Ressaltamos os conselheiros que ocuparam espaços como secretários de Educação, municipais ou estaduais: Iara Silva Lucas Wortmann foi secretária adjunta de Educação de Porto Alegre, RS (2015-2020); Nélio Marco Vicenzo Bizzo foi secretário de Educação da cidade de São Paulo (2003) e depois assessor especial da mesma Secretaria (2015-2016); Neroaldo Pontes de Azevedo foi secretário de Educação em Santa Rita, Paraíba, e depois secretário de Educação da Paraíba (2003-2009); e Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira que foi secretária de Educação de Goiás em dois períodos (2005-2006/ 2015-2018).

Entendemos que a circulação dos conselheiros pelas secretarias de Educação municipais e estaduais no país teve influência por terem feito parte da CEB/CNE. Os sujeitos que foram indicados pelas instituições para o CNE, como Wortmann (indicada pelo Consed), pressupõem os atributos técnicos e políticos considerados por aqueles que os indicaram, devido à natureza do cargo que iriam ocupar, o que é levado em conta para nomeação para ocupar cargo no Executivo (municipal ou estadual) como característica a eles inerente.

Consideramos, também, a que governo esses conselheiros se associaram como secretários, o que indicia a concepção de educação e o tipo de influência que exerceram: Wortmann foi secretária adjunta de Educação de Porto Alegre na gestão do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB); Bizzo foi secretário de Educação de São Paulo no período em que Marta Suplicy era prefeita (PT) e depois foi assessor especial da mesma secretaria quando Fernando Haddad (PT) ocupava a prefeitura da cidade, indiciando o alinhamento da sua concepção educacional; Azevedo foi secretário estadual de Educação da Paraíba durante os dois mandatos de Cássio Cunha Lima (PSDB); e Teixeira, secretária de Educação de Goiás em dois mandatos diferentes de Marconi Perillo (PSDB).

Desse modo, compreendemos que aqueles que ocupam cargos eletivos no Executivo tendem a compor suas equipes, sobretudo a educação, com profissionais que sejam alinhados políticos explícitos (filiados aos mesmos partidos, ou partidos da coligação), ou implícitos (com alinhamento da concepção de educação).

Após o período como conselheiro, Ataíde Alves ocupou cargo como secretário Executivo do MEC (2009-2012), como chefe de Gabinete da Secretaria de Educação Básica (2012) e como chefe de Gabinete e assessor na Secretaria de Educação Superior (2016-2019), passando, portanto, pelos governos Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (PMDB) e Jair Bolsonaro (sem partido). Esse movimento expressa o não determinismo na composição das equipes pelos Executivos (federal, municipal e estadual) e os motivos para a composição estão para além da consonância partidária e de concepção educacional.

Nesse sentido, Cury, após seu mandato no CNE, recebeu o convite do então novo ministro da Educação, Cristovam Buarque, para assumir a presidência da Capes:

Com relutância, fui a Brasília. Na primeira conversa, percebi que eu não era o candidato do ministro, mas como você foi indicado como representante da comunidade científica, acabei aceitando. Foram meses de contínuas perturbações. Percebi que, naquele ministério, a pós-graduação não era prioridade e por isso sofri muito [...] ao assumir a Capes abri mão da bolsa de produtividade do CNPq, pois julgava e julgo incompatível a tarefa de pesquisador atuante e de gestor tão demandado como o de presidente da Capes. Mesmo assim, terminei minha pesquisa sobre o direito à educação no Uruguai nos primeiros meses de 2003 (CURY, 2011, p. 42).

O professor não ficou muito tempo à frente da Capes (como presidente, mas permaneceu como membro em comissões internas até 2011), mesmo que sua concepção de educação, aparentemente, fosse alinhada aos propósitos dos que estavam ao lugar de poder, indiciando as frustrações das expectativas em relação às políticas educacionais naquele período.

Destacamos, ainda na administração pública, a circulação considerável dos sujeitos em Conselhos de Educação estaduais: a) Arthur Fonseca Filho em São Paulo (1983-2013); b) Edla de Araújo Lira Soares em Pernambuco (2014); c) Fábio Luiz Marinho Aidar em São Paulo (2019); d) Francisca Novantino Pinto de Ângelo em Mato Grosso (2003-2005); e) Guiomar Namo de Mello em São Paulo (2018-atual); f) Kuno Paulo Rhoden no Conselho em Santa Catarina (até 2010); g) Sylvia Figueiredo Gouvêa em São Paulo (2016-2019).

Esse movimento evidencia a construção de novas redes de sociabilidade capilarizadas em diferentes espaços da administração pública do país, possibilitando tanto a aplicação do aprendizado adquirido no CNE, como a propagação e defesa de suas concepções educacionais na normatização das legislações estaduais e municipais, garantindo o prosseguimento da cultura político-educacional constituída na década de 1990, ou realizando um movimento de constituição de nova estratégia.

Naspolini e Teixeira ocuparam cargos eletivos (CARGO ELETIVO). O primeiro foi deputado federal pelo PSDB (2003-2007) e a segunda foi deputada federal também pelo PSDB em dois mandatos (2002-2006/ 2007-2011). A Câmara dos Deputados é um importante espaço na elaboração de políticas educacionais. Naspolini foi titular da Comissão de Educação e Cultura durante todo o período de seu mandato, e Teixeira foi uma das fundadoras da ONG empresarial Todos Pela Educação (TPE).

Assim como Teixeira, Francisco Aparecido Cordão também foi sócio-fundador do TPE, permanecendo vinculado a essa organização ainda atualmente (2021). De igual modo, Mello está associada ao TPE na atualidade (2021), porém como sócia efetiva. Em recente documento do TPE, Educação Já! (2018), tanto Cordão como Mello são relacionados como profissionais que contribuíram para a construção do documento. Mello também tem dois de seus trabalhos referenciados no documento (MELLO, 2000, 2014), ambos relacionados com a formação de professores. Um deles aborda a sua experiencia com o tema no Estado de São Paulo.3

Esse movimento evidencia a base conceitual de concepção do TPE e de Mello para a formação de professores. A ONG e a professora foram entusiastas da Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores Inicial e Continuada, aprovadas em 2019 e 2020, e que já eram defendidas no documento do TPE. Além disso, Mello também esteve vinculada às ONGs Movimento pela Base Nacional Comum e Fundação Lemann, atuando como consultora e reforçando as iniciativas defendidas por elas. Mello encontrou-se com sua orientadora do mestrado, Bernadete Gatti, na equipe de especialistas do documento Educação Já!. Ambas tiveram suas produções amplamente mobilizadas na publicação do TPE.

Nesse sentido, em palestra sobre o lançamento do livro Aula nota 10 (2011), do professor Doug Lemov, na Fundação Lemann, com revisão técnica de Mello, a professora, em sua fala, indiciou o momento que a levou a alterar sua concepção de educação, assim como os motivos que a conduziram a isso:

Eu tenho um completo fanatismo por acompanhar o que está acontecendo na educação no mundo. Eu adquiri isso porque logo que eu saí da Assembleia Legislativa, tinha sido secretária, deputada etc., e fui fazer um pós-doutorado na Inglaterra e eu tomei um choque [...] o Brasil dá conta da cabeça da gente, e a gente fica completamente alienado das coisas que estão ocorrendo fora [...]. Pra mim foi um batismo de fogo chegar na Inglaterra um pouco depois que a Margaret Tactcher tinha mandado para o Parlamento o Education Act de 1988. [...] Eu me deparei [no New York Times] com um artigo de uma jornalista chamada Elisabeth Green [...] falando de duas grandes tendências que estava ocorrendo na investigação e na prática da educação americana, uma delas ela fala do Lemov [...] eu traduzi o que ela escreveu e falei com a Ilona [Ilona Beckehazy]. Eu encontrei um artigo tão fantástico e traduzi o grosso dele. Se a gente puder colocar para o pessoal daqui, do seminário [livro de Doug Lemov, Aula nota 10] [...]. Eu realmente me empolgo quando vejo algo novo, não que eu já tenha pensado em tudo [...] mas vivi nesse meio e eu fui me empapando desse pensamento ao longo da vida, então, realmente, tem pouca coisa na educação que eu que possa dizer: ‘Eu nunca pensei’ (MELLO, 2012).

Mello continuou a sua explanação evidenciando a importância da avaliação e a formação de professores. Em sua perspectiva, o professor é a única coisa que a escola realmente controla. Para ela, o professor em sala de aula não sabe o que fazer. A pesquisadora considera que o professor fazer da sala de aula seu objeto de pesquisa é um erro e ainda critica o progressismo e o construtivismo em educação.

A circulação dos sujeitos nos espaços responsáveis por tensionar o lugar de poder para que a sua concepção de educação seja apropriada não se dá pela ocupação de cargos nessas instituições, apenas, mas, sobretudo, pela contratação desses profissionais, como consultores da entidade, e da concepção de educação que defendem. Mello, no exemplo citado, firmou parceria com a Fundação Lemann para que ela financiasse a publicação de um livro que a educadora acreditava ser importante para a educação brasileira. O ponto de convergência entre a professora e a ONG é o compartilhamento da mesma concepção de educação. Esse é apenas um exemplo de outras parcerias de professores como Mello nessas instituições, além de consultores: leitores críticos, especialistas consultados e redatores.

A elaboração da BNCC foi outro espaço em que alguns conselheiros circularam. Quatro ex-conselheiros, participaram do documento: a) Guiomar Namo de Mello, como redatora da versão final da BNCC para educação infantil e ensino fundamental, redatora da 3ª versão e versão final da BNCC do ensino médio, e também foi uma das participantes da versão preliminar; b) Iara Glória Areias Prado, como leitora crítica da versão final da BNCC da educação infantil e ensino fundamental; c) Nélio Marco Vicenzo Bizzo como leitor crítico da versão final da BNCC da educação infantil e ensino fundamental; d) Regina Alcântara de Assis como secretária de Articulação dos Sistemas de Ensino, participando das versões finais da educação infantil e ensino fundamental e do ensino médio.

Assim, a participação desses sujeitos na elaboração da BNCC indicia que, mesmo com diferentes concepções de educação, de alguma maneira, há congruência em certos aspectos. Mello, Prado e Assis compunham o grupo com concepção de educação associada ao lugar de poder (governo FHC), ancorado no alinhamento às recomendações internacionais. Bizzo era um crítico a esse entendimento. Isso não significa que estivessem em concordância completa naquele momento (BNCC), mas que, em alguma medida, compreendiam a necessidade do documento.

Bizzo (2015) entende que a BNCC, especificamente sobre o ensino de Ciências, retoma alguns pontos já abordados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Sobre a necessidade de um currículo único no país, o professor entende:

Essa é uma grande discussão, porque nós temos uma tradição, desde a primeira Constituição do Império [...], de descentralização das atribuições educacionais, então os sistemas de ensino, os estados e muitos municípios têm o seu documento/currículo e têm a autonomia assegurada na CF [...]. Ao mesmo tempo, nós temos assegurada a necessidade de uma base nacional comum, pelo menos para o ensino fundamental. A CF fala do ensino fundamental. Essa ideia de que temos que unificar ações nacionalmente, ela também é antiga, não é recente, vem do tempo de Getúlio Vargas [...]. A Federação brasileira não pode caminhar de uma maneira totalmente independente, um estado independentemente do outro [...]. A grande questão é o nível de detalhamento dessa base nacional comum [...] as diretrizes curriculares nacionais que vêm sendo editadas desde 1998, foi a primeira após a LDB, já era a primeira ... de onde saiu a história que não deveria haver mais estudos sociais, por exemplo [...] veio justamente das diretrizes curriculares nacionais [...] os sistemas de ensino têm algo a contribuir e fazer seu documento curricular [...]. Eu acho que um currículo, pra dar certo, ele precisa consolidar aquilo que já é feito. Você querer inventar [...]. Será que precisamos chegar a tanto? Até sugerir o título, o programa pra achar na internet. Acho que é um pouco pretensioso achar que um órgão federal pode [...] chegar a um nível de detalhamento quase que aula por aula [...] acho que é um pouco demais (BIZZO, 2015).

Desse modo, o professor está de acordo com o entendimento da necessidade em se ter uma BNCC, todavia discorda da possibilidade de uma unificação total (material didático, formação de professores) e o nível de detalhamento que poderia excluir os outros entes federativos da discussão e da formulação do currículo.

Alguns conselheiros mantiveram os espaços de suas atuações que tinham antes do período em que estiveram no CNE: Lüdke permaneceu na PUC- RJ e em suas ações na ANPEd e Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (Endipe); Cury, na PUC-MG e também na ANPEd e SBPC; Rhoden continuou seu trabalho como diretor do colégio privado Catarinense; e Pinheiro manteve seu trabalho na Unesco. Nesse sentido, também com atuação em organismos multilaterais, estiveram os professores Naspolini, que foi consultor da região Angola/África da Unicef, e Azevedo, consultor da Unesco.

Conclusões

O CNE era composto por sujeitos que, por meio de suas práticas, elaboravam as políticas normatizadoras da legislação educacional. Como era diverso quanto à sua constituição, teve sua atuação questionada inclusive pelos seus membros. Para Hermengarda Alves Lüdke (1998, p. 35), apesar de o CNE não ter correspondido à expectativa dos defensores de uma educação democrática, presentes na Constituição de 1988, “ainda assim ele constituiu um órgão representativo da nação e da diversidade que ela envolve”, possibilitando ao MEC maior percepção da realidade nacional.

Destacamos a reflexão da professora sobre o CNE, pois representa aqueles que se opunham à concepção de educação do lugar de poder e buscavam tensioná-la com o objetivo de enfraquecer a cultura político-educacional que se constituía naquele período. Evidenciavam, assim, as tensões, negociações e disputas que ocorriam no interior do Conselho, que nasceu para ser diverso e ceder espaço para entendimentos da educação por diferentes perspectivas, mas a tentativa da imposição do projeto educacional do lugar de poder era uma constante.

A relação dos sujeitos com os partidos políticos também era um ponto que fortalecia seus posicionamentos, seja na perspectiva de tensionamento, seja na de ênfase na estratégia, como aqueles filiados ao PSDB e a partidos da coalizão governista. Assim, a vinculação dos conselheiros a instituições no período até 2002 é coerente aos seus posicionamentos e concepções de educação dentro do CNE, o que também evidencia a precaução daqueles que ocupavam o Executivo Federal em nomear uma maioria alinhada política e epistemologicamente no âmbito educacional.

Desse modo, compreendemos que a trajetória dos sujeitos, nela incluída as redes de sociabilidade, a formação e a circularidade, contribui para a constituição de suas culturas políticas educacionais que, por sua vez, serão decisivas em relação aos espaços nos quais esses sujeitos irão circular. Conforme Berstein (1998), a cultura política raramente é alterada radicalmente, mesmo que os sujeitos - responsáveis pelas práticas que lhe dão os contornos - possam ser mais suscetíveis a alterar suas concepções (em decorrência de suas trajetórias).

A circulação dos conselheiros que estiveram na CEB/CNE no período 1996-2002, a partir de 2003, é diversa quanto à natureza dos espaços educacionais, possibilitando que as influências das concepções de educação dos sujeitos tenham capilaridade em relação às unidades federativas e também aos tipos de espaços e âmbitos educacionais alcançados.

Nesse sentido, a presença de sujeitos que atuaram significativamente na elaboração de políticas educacionais da década de 1990 no Comitê Gestor da Base Nacional Comum Curricular e na Reforma do Ensino Médio, por exemplo, pode justificar o fato, como apontado por Bizzo (2015), de que a BNCC encontra suas bases nos PCNs, um documento elaborado naquele período.

As associações, frequência de reuniões e as redes de sociabilidade dos sujeitos (BERSTEIN, 2003) poderiam ser mais significativas do que a densidade formativa e a produção acadêmica. Destacamos Ana Luiza Machado Pinheiro que, mesmo sem trajetória na pesquisa, tinha considerável influência na elaboração das políticas educacionais, sobretudo devido aos espaços pelos quais circulou, como a Unesco, um dos principais organismos multilaterais e de onde emanavam as recomendações internacionais para os países periféricos.

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SOBRE OS AUTORES

1Utilizamos esse corte na periodização, pois entendemos que as vinculações até o período em que estiveram sob a gestão de FHC (2002) influenciaram as práticas dos sujeitos no exercício de suas funções, e a partir de 2003, passam a influenciar outros espaços por onde circularam, ou mesmo no CNE, sob outras gestões federais.

2Foi filiada ao PMDB até 2001; de 2001 até 2015 passou a ser filiada ao PPS; e, a partir de 2015, voltou para o PMDB.

3Trata-se de um capítulo no livro Educação básica no Estado de São Paulo: avanços e desafios (2014), organizado por Barjas Negri e Maria Helena Guimarães de Castro, no governo Geraldo Alkmin (PSDB).

SOBRE OS AUTORES

7NEGREIROS, Heitor Lopes; ARAÚJO, Gilda Cardoso de; SANTOS, Wagner dos. Circularidade dos conselheiros da CEB/CNE (1996-2002). Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 18 n. 49 2022. DOI: 10.22481/praxisedu.v18i49.10292

Recebido: 15 de Fevereiro de 2022; Aceito: 22 de Maio de 2022

Heitor Lopes Negreiros. Mestre em Educação pela Ufes. Doutorando em Educação pela Ufes. Membro do Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (Proteoria). Contribuição de autoria: O autor levantou e organizou os dados, e realizou as análises - http://lattes.cnpq.br/0144415848678374

Gilda Cardoso de Araújo. Doutora em Educação pela USP. Docente na Universidade Federal do Espírito Santo. Lider do grupo Federalismo e Políticas Educacionais. Contribuição de autoria: A autora contextualizou o estudo e refinou as análises - http://lattes.cnpq.br/7184033522040803

Wagner dos Santos. Doutor em Educação pela Ufes. Docente na Universidade Federal do Espírito Santo. Lider do Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (Proteoria). Bolsista do CNPq. Contribuição de autoria: o autor refinou o tratamento dos dados a partir do software - http://lattes.cnpq.br/9611663248753416

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