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Revista Práxis Educacional

versão On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.18 no.49 Vitória da Conquista  2022  Epub 04-Jul-2023

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v28i49.11000 

Artigos

ENCONTROS ENTRE CORPOS NA FORMAÇÃO CONTINUADA EM YOGA: O SER PROFESSORA E O COLETIVO DOCENTE

MEETINGS BETWEEN BODIES IN CONTINUING TRAINING IN YOGA: THE TEACHING BEING AND THE TEACHING COLLECTIVE

ENCUENTROS ENTRE CUERPO EN FORMACIÓN CONTINUA EN YOGA: EL SER MAESTRA Y EL COLECTIVO DE MAESTRAS

1UNESP - Universidade Estadual Paulista - Bauru, SP, Brasil; fernanda.rossi@unesp.br

2USP - Universidade de São Paulo - São Paulo, SP, Brasil; monica.ce@usp.br


RESUMO:

O artigo analisa concepções de professoras e construções coletivas na docência, impulsionadas pela corporalidade e experiências corporais em um programa de formação continuada, que contou com a participação de 45 professoras das áreas de Educação Física, Pedagogia, Arte e Educação Especial, de um Sistema Municipal de Educação do interior paulista. A pesquisa está fundamentada nos pressupostos qualitativos e em dados gerados por grupo focal e questionário. Concluiu-se que as experiências corporais na formação continuada potencializaram reflexões e atitudes em relação ao ser e ao ser professora imbricados numa mesma existência, implicando em novas posturas e abertura para a compreensão da função docente. E ao compartilhar e engendrar coletivamente experiências e conhecimentos foram estreitados laços e fortalecidas as relações para o repensar da docência.

Palavras-chave: formação continuada de professores; corpo; experiências corporais; ioga.

ABSTRACT:

The article analyzes teachers' conceptions and collective constructions in teaching, driven by corporeality and bodily experiences in a continuing education program, with the participation of 45 teachers in the areas of Physical Education, Pedagogy, Art and Special Education, of a Municipal System of Education in the interior of São Paulo. The research is based on qualitative assumptions and data generated by a focus group and questionnaire. It was concluded that the bodily experiences in the continuing education potentiated reflections and attitudes in relation to being and being a teacher imbricated in the same existence, implying new attitudes and openness to the understanding of the teaching function. And by sharing and engendering experiences and knowledge collectively, ties were strengthened and relationships were strengthened to rethink teaching.

Keywords: continuing education of teachers; body; bodily experiences; yoga.

RESUMEN:

El artículo analiza las concepciones y construcciones colectivas de maestras, impulsadas por la corporeidad y las vivencias corporales en un programa de educación continua, con la participación de 45 profesoras en las áreas de Educación Física, Pedagogía, Arte y Educación Especial, de un Sistema Municipal de Educación en el interior de São Paulo. La investigación se basa en supuestos cualitativos y datos generados por grupos focales y cuestionarios. Se concluyó que las vivencias corporales en la educación continua potenciaron reflexiones y actitudes en relación al ser y ser maestra imbricados en una misma existencia, implicando nuevas actitudes y apertura para la comprensión de la función docente. Y compartiendo y generar experiencias y conocimientos colectivamente, se fortalecieron los lazos y se fortalecieron las relaciones para repensar la enseñanza.

Palabras clave: educación continua de los maestros; cuerpo; experiencias corporales; yoga.

Introdução

Este artigo1 tem como objetivo analisar as concepções de professoras e construções coletivas na docência, impulsionadas pela corporalidade e experiências corporais com a filosofia e prática do yoga em um programa de formação continuada.

O cenário contemporâneo da formação continuada evidencia que muitas ações dessa natureza não têm contribuído efetivamente para a transformação do fazer pedagógico e para o desenvolvimento profissional e pessoal docente, especialmente por desconsiderarem a experiência de professores e professoras, suas dificuldades concretas e a cultura escolar.

As propostas são implementadas de formas variadas, dentre as quais se destaca a ênfase na realização de cursos de atualização de conteúdos, eventos e palestras, muitas vezes em ações isoladas, pontuais e de caráter eventual ou mesmo pós-graduações que não refletem as necessidades formativas dos professores(as) ou satisfatoriamente as mudanças na prática docente (VAILLANT, 2016; DINIZ-PEREIRA, 2019; EHRENBERG; AYOUB, 2020).

Também nas ações formativas para o profissional em atuação as críticas recaem na frágil articulação entre teoria e prática e entre conhecimento específico e conhecimento pedagógico, além do distanciamento entre universidade e escola (GATTI; BARRETTO; ANDRÉ; ALMEIDA, 2019). Corrobora Imbernón (2010) que embora a oferta de formação continuada seja expressiva, as inovações não o são, ao menos não na mesma proporção, aventando que dentre os motivos está o caráter de transmissão, com a supremacia de uma teoria descontextualizada que não se aproxima da realidade dos(as) professores(as) e seus contextos.

A formação continuada tem como propósito a profissionalização docente, de modo a tornar professoras e professores sujeitos protagonistas, situando-os no centro da produção de conhecimentos acadêmico-científicos, pedagógicos e culturais, abarcando dimensões epistemológicas e políticas, além de possibilitar uma ressignificação das práticas pedagógicas em curso (SACRISTÁN, 2003; IMBERNÓN, 2010, 2019; GATTI; BARRETTO; ANDRÉ; ALMEIDA, 2019).

Valorizamos, nesse contexto, os processos formativos que convergem para o diálogo entre a formação profissional continuada e a formação pessoal na docência. Ressalta Imbernón (2019) que, além dos elementos supracitados, a formação incide no conhecimento e compreensão de si. Nesse âmbito, a formação em atitudes (cognitivas, afetivas e comportamentais) implica no desenvolvimento dos professores e professoras (IMBERNÓN, 2010) e é difusa a fronteira entre o profissional e o pessoal na profissão docente (NÓVOA, 2000; BOTO, 2018).

Sendo a docência uma prática social e considerando, como Diniz-Pereira (2019), o princípio da indissociabilidade entre a formação e o trabalho docente, a aprendizagem em grupo enriquece o desenvolvimento profissional (VAILLANT, 2016). Focalizar práticas de participação coletiva, de colaboração e de cooperação na formação continuada contribui para forjar uma comunidade de diálogo e de ação para que docentes possam partilhar objetivos e tudo mais que o cotidiano escolar apresenta (BOTO, 2018; GATTI; BARRETTO; ANDRÉ; ALMEIDA, 2019).

Professoras e professores são os autores e atores fundamentais de qualquer processo que busque uma inovação do sistema educativo, por serem aqueles que tornam realidade o elaborado na formação e que efetivam as propostas educacionais, exercendo sua profissão em contextos com necessidades e problemáticas específicas. Portanto, “El punto de partida de la formación ha de ser el potencial de conocimientos y experiencias que tienen los maestros en las escuelas. Hay que partir de sus saberes ya que son capaces de generar conocimiento pedagógico” (IMBERNÓN, 2019, p. 160).

Acreditamos que a produção de conhecimentos na formação continuada tem forte vínculo com as experiências docentes e, no âmago das experiências possíveis, as corporais contribuem para diluir fronteiras entre o vivido e o ensinado e entre o cognitivo e o sensível, trazendo assim um entendimento de conhecimento sistêmico e orgânico.

Assim, a questão disparadora deste estudo consiste em como as experiências corporais e a reflexão em torno da corporalidade na formação continuada de professoras podem contribuir para construir olhares outros para o ser professora e para integrar o trabalho coletivo, reverberando no desenvolvimento pessoal e profissional na docência. Elegemos no programa de formação investigado as experiências corporais embasadas nos conhecimentos filosófico-práticos do yoga por estes trazerem como concepção o ser humano em sua totalidade, evidenciando a percepção de si, o autoconhecimento, a experimentação corporal estética e ética e as relações e atitudes para com o outro.

A existência humana é corporal e o corpo está imerso em contextos sociais e culturais, nos quais as relações são elaboradas e vivenciadas. Como emissor e receptor, o ser humano produz sentidos continuamente para inserir-se de forma ativa em seus contextos (LE BRETON, 2012, 2019). Gomes (2002, p. 41) nos lembra que é pelo corpo que nos relacionamos e nos comunicamos na instituição escolar, assim como na sociedade, portanto somos “[...] corpo que é construído biologicamente e simbolicamente na cultura e na história”.

Nesse sentido, sublinhamos a relevância de vivenciar, no contexto de uma formação docente que considere os entrelaçamentos da corporalidade na vida profissional e pessoal, a experiência de sentir, pensar e comunicar, pois ao movimentar-se, criar, expressar-se, professores e professoras apreendem sensações e informações que podem vir a nutrir e enriquecer o fazer pedagógico, como compreende Strazzacappa (2001). Para a autora, desenvolver um trabalho corporal com os(as) docentes assume uma dupla função: a de possibilitar a descoberta e desenvoltura de seus próprios corpos e a de despertá-los(as) para as questões do corpo na educação.

A corporalidade pode ser compreendida como a materialidade corpórea em sua forma dinâmica de expressão humana, ao mesmo tempo, única, individual, ainda que, em alguma medida, seja compartilhada por todos. Com essa compreensão observamos que é um conceito que se encontra carregado de intencionalidade como toda ação humana o é, em sua dimensão política. Tem, portanto, um conteúdo de denúncia e de anúncio (SILVA, 2014, p. 16).

Com esse propósito, as práticas corporais, compreendidas como linguagem que carregam sentidos e estão enraizadas cultural e socialmente, podem ser mobilizadas na formação docente (EHRENBERG; AYOUB, 2020; SILVA, 2014). Estudar e pesquisar este campo, com o intuito de gerar ações profissionais integradas, “[...] permitem enfocar a questão das intensidades do corpo, sem perder de vista os grandes temas políticos [...]” do nosso tempo histórico (SILVA, 2014, p. 18) e cabe a nós, professoras e professores, o “[...] desafio de nos percebermos como seres corporais” (NÓBREGA, 2005, p. 610).

Com este escopo, nos fundamentamos no repertório teórico-metodológico de um programa de formação continuada orientado pelas premissas da prática corporal do yoga e suas relações com o campo da educação, para, neste artigo, refletir sobre a tessitura entre o par corporalidade/experiência corporal e a tríade sentir/refletir/construir, conforme fundamentação dos estudos de Le Breton (2012, 2019), abordando concepções e relações emergidas pelas ressignificações de si (ser professora) e do coletivo docente na formação continuada.

Metodologia

A pesquisa, de abordagem qualitativa, fundamentou-se nos pressupostos da pesquisa-ação para, além de trazer e valorizar o entendimento da realidade das professoras (ANDRÉ, 2018), promover processos de mudanças pela ação e reflexão integradas (IMBERNÓN, 2019), nos quais as docentes pudessem, com autonomia, ensejar a construção coletiva no programa de formação continuada “Corporeidade e Yoga na Escola”.

O referido programa2 foi desenvolvido pelo Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista - UNESP, campus de Bauru, com professoras3 em exercício na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, vinculadas ao Sistema Municipal de Educação de Bauru-SP.

A formação consistiu em situar a corporalidade e as experiências corporais como fundamentos para os conhecimentos produzidos. Com base nos conhecimentos filosófico-práticos do yoga, valorizando os múltiplos corpos em suas experiências de movimento como potência de ressignificação de si e do fazer pedagógico, conduzimos estudos e vivências relacionando corpo e educação.

No período de 2015 a 2017 desenvolvemos três turmas de formação. As duas primeiras tiveram duração de um ano e meio, sendo o período de curso organizado em três semestres/módulos, totalizando carga horária de 120 horas. A terceira turma foi desenvolvida em um ano, com dois semestres de curso e carga horária de 80 horas. A periodicidade dos encontros foi semanal, com duração de duas horas e meia. Os encontros ocorriam em espaços da Universidade, da Secretaria Municipal de Educação e do SESC Bauru, após o expediente das professoras. Gatti, Barretto, André e Almeida (2019) analisam como inovadoras as experiências de formação que incentivam o papel ativo do(a) docente e a participação coletiva, sobretudo em ações com duração prolongada.

Participaram da fase de pesquisa 45 professoras que concluíram todos os módulos do processo formativo e prontamente aceitaram o convite para a pesquisa. As professoras estavam na faixa etária entre 29 e 60 anos e com tempo de atuação na educação básica de três a 33 anos. As professoras Pedagogas, atuantes na Educação Infantil4, representam 80% das participantes (36 docentes). Cinco são professoras de Educação Física, três de Arte e uma da Educação Especial, estas atuantes no Ensino Fundamental (anos iniciais).

A geração de dados para a pesquisa foi realizada pelas técnicas de grupo focal e questionário. A perspectiva para a constituição do grupo, recolha e análise dos dados foi a sociológica, pois como pertencentes a um grupo profissional a intenção foi valorizar as percepções de si sem desconsiderar a interação entre as professoras e a identificação mútua como profissionais da docência.

Buscando, como enfatiza Gatti (2005), incentivar a expressão de múltiplos pontos de vista e processos emocionais, viabilizamos discussões em sessões de grupo focal, que possibilitaram compor um quadro de concepções das professoras mediante reflexões críticas em grupo e compreensão coletiva dos temas abordados.

As informações, argumentos, crenças e discussões em grupos focais tendem a revelar os pensamentos individuais, bem como resultar na compreensão coletiva e análise crítica das questões colocadas em debate. E os insights promovidos, enfatiza Morgan (1997), levam os(as) participantes a perceberem as crenças e atitudes presentes em seus comportamentos, bem como nos comportamentos dos outros.

Foram realizadas três sessões de grupo focal, uma ao final de cada turma de formação, com aproximadamente 15 professoras em cada. A duração foi entre uma hora e uma hora e meia e as sessões foram registradas em áudio, sendo, posteriormente, transcritas na íntegra.

Os questionários, aplicados ao final da formação, trouxeram e complementaram a particularidade da reflexão de cada professora, possibilitando a expressão de ideias e sentimentos que poderiam ser preservados em um contexto coletivo, como o grupo focal.

Assim, motivando as participantes a refletirem sobre sua formação pessoal e profissional no contexto vivido, por esses instrumentos de pesquisa, consideramos, neste artigo, as manifestações que se relacionam com a concepção de ser professora e os sentidos do compartilhamento entre pares, impulsionados pelas experiências corporais na formação continuada.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da UNESP Bauru, Parecer n.º 3.816.652, e os nomes atribuídos nas discussões que seguem são fictícios, escolhidos por nós, autoras.

As análises dos dados gerados foram construídas em dois eixos que abordam, num primeiro momento, os corpos reinventados na formação continuada e as reverberações nas concepções de ser professora e, seguida e articuladamente, as reverberações da corporalidade e das experiências corporais na construção coletiva no âmbito do processo formativo.

Cabe destacarmos que usamos neste texto a primeira pessoa do plural porque ao nos envolvermos com a formação, nossas experiências com o grupo de professoras e agentes formadores(as) tecem as reflexões aqui empreendidas, situando-nos num exercício pessoal e coletivo de pertencimento, num continuum da formação continuada e da pesquisa em busca do aprender, refletir e sentir como inseparáveis.

Atentando-nos aos pressupostos da análise de dados qualitativos em educação (ANDRÉ, 2018) trazemos construções dialógicas entre os dados gerados e os estudos de autoras e autores que se debruçam em pensar o corpo e as experiências corporais com base fenomenológica e como condição e sentido da existência e produção humanas, como Ana Márcia Silva (2014), bell hooks (2017), David Le Breton (2012, 2019), Jorge Larrosa Bondía (2002) e Nilma Lino Gomes (2002, 2003), e teóricos e teóricas que tratam da formação continuada de professoras e professores: António Nóvoa (2000), Francisco Imbernón (2010, 2019), dentre outros e outras.

Corporalidade e experiências corporais na formação continuada de professoras: concepções e construções coletivas na docência

Se compreendemos o corpo em sua totalidade e condição existencial do ser humano e o conhecimento construído e incorporado pelas experiências, a vivência, apropriação e transformação da corporalidade podem gerar novas concepções de ser professora (tematização da primeira parte desta seção) e a ênfase coletiva na docência (refletida na segunda parte).

O que podem os corpos reinventados? Reverberações da corporalidade e das experiências corporais no ser professora

Nesta seção, enfatizamos como a corporalidade e as experiências corporais na formação continuada incidiram na forma de perceber-se das professoras e, neste processo, na reafirmação do respeito a si e de atitudes mais atentas e respeitosas para com as crianças, ressignificando o ser professora na inter-relação entre a vida profissional e pessoal. Importante considerar que nosso entendimento de corporalidade está pautado, assim como a autora a seguir, pela compreensão do corpo como a materialidade corpórea que é única e, ao mesmo tempo, compartilhada com as pessoas (SILVA, 2014). A indissociabilidade do natural com o cultural, do biológico com o social e a constante construção dos sujeitos (histórica, social e cultural) são consideradas por nós como a constituição da corporalidade.

Tais compreensões, vinculadas à ideia de que a existência corporal é fonte para vivências e produção de conhecimento, e o corpo a condição permanente para esta experiência (LE BRETON, 2012, 2019), nos levam a refletir que o corpo é individual, mas se engendra na relação com o outro.

Portanto, como seres sociais:

Meu corpo é meu por carregar traços de minha história pessoal, de uma sensibilidade que é a minha, mas contém igualmente uma dimensão que em parte me escapa, remetendo aos simbolismos que conferem substância ao elo social, sem os quais eu não seria (LE BRETON, 2019, p. 44).

O elo social da docência para o grupo que se constituiu do programa de formação continuada, integrou a professora, seus pares, as crianças, além de outras pessoas de sua convivência. Foi recorrente nas manifestações das docentes como a corporalidade e as experiências corporais vividas na formação reverberaram na compreensão de ser social, humano e integrado. Assim relatou a Professora Elza:

Todas essas colocações, elas vêm para eu estar me olhando, pois se não o fizer, eu não vejo o outro. Se eu não perceber o que o meu corpo é, se a movimentação do meu corpo não for importante, para o outro também não vai ser. Foram contribuições para nós, enquanto seres humanos mesmo (informação verbal, GF5).

O outro é aquele que nos gera a condição de sentido na experiência humana, sendo basilar sua visão para compor a nossa visão de mundo. Saberes afetivos circulam por intermédio das relações sociais, nos ensinando atitudes que, conforme nossas sensibilidades pessoais, podem afetar nossas histórias (LE BRETON, 2019).

Viver o corpo, aprendizado significativo e interiorização foram expressões que as professoras utilizaram para revelar as sensibilidades elaboradas na relação da corporalidade e do encontro com o outro, especialmente a criança com quem trabalha: “[...] primeiro a gente interioriza, para depois partir para o outro, para a vivência”, explicou a Professora Miriam (informação verbal, GF). Para a professora Laura, “[...] viver o corpo agrega outros valores, começamos a pensar de forma diferente. O autoconhecimento que passa despercebido na nossa vida, com a correria, cobranças, acabamos esquecendo de olhar pra gente mesma” (informação verbal, GF). Sabbag (2017) compreende o corpo como elemento fulcral na relação entre crianças e adultos no contexto da Educação Infantil. Entretanto, constata que professoras voltam o olhar para o próprio corpo apenas quando enfrentam alguma questão física, ou seja, o despertar da atenção para si é geralmente impulsionado pela dor.

Não obstante, o corpo no contexto educativo institucionalizado está sempre em busca de se ajustar ao relógio. Há para as crianças o tempo de comer, de dormir, de acordar, de brincar (de parar de brincar), de estudar, de ir embora. As professoras buscam se ajustar aos tempos institucionais para orientar as crianças e, nesse processo, anulam-se em relação aos seus corpos (esquecem-se de cuidar de si, de comer e beber água, de ir ao banheiro, de sentar etc.), e anulam-se nas relações conscientes de seus corpos com os corpos infantis, enfatiza Sabbag (2017).

Ser professora é cotidianamente colocar nosso corpo em ação, realça Gomes (2003), e o ato de educar pressupõe o envolvimento corporal da educadora ao mesmo tempo que lida com o corpo das crianças, além da interação com seus pares, o que solicita a mobilização de todos os sentidos. “Esses corpos são tocados, sentidos. A relação pedagógica não se desenvolve só por meio da lógica da relação científica mas, também, pelo toque, pela visão, pelos odores, pelos sabores, pela escuta” (GOMES, 2003, p. 173). A docência, ressalta Sabbag (2017), ao ser estabelecida pelas relações corporais entre as pessoas, afeta as professoras, o seu corpo, a sua voz, a sua emoção.

Corpo é encontro, gesto, presença. O corpo resiste, constrói, cansa. O corpo comunica, expressa e se transforma na relação pedagógica e na formação docente. Quando as professoras concebem que “[...] só o professor percebendo os benefícios para si e apropriando para o seu corpo é que conseguirá propor para o outro, o aluno [...]”, como disse a Professora Pilar (informação escrita, Q), compreendemos, com Strazzacappa (2001), que desenvolver um trabalho corporal com professores e professoras nos processos formativos contribui para que os(as) docentes se descubram corporalmente, incidindo em suas ações pedagógicas.

Para a autora, sentir no corpo as descobertas propiciadas pelas gestualidades pode despertar a compreensão daquilo que se passa nos corpos das crianças e jovens, seus alunos e alunas. Por conseguinte, a experimentação do prazer proporcionado pelos gestos e os seus benefícios proporcionam novos olhares para o corpo e o gesto no contexto educativo. Diz Elza:

Eu penso que tem que ser de dentro para fora, realmente. Com a riqueza do trabalho corporal eu fiquei plenamente [pausa] não sei dizer, não tenho adjetivos, eu saía de lá radiante, era a coisa mais maravilhosa que eu fazia, a vontade de levar para o outro [criança] era enorme (informação verbal, GF).

O trabalho corporal a que se refere a professora supracitada foi desenvolvido com a prática e a filosofia do yoga, que traz como concepção o ser humano em sua totalidade, evidenciando a percepção de si, o autoconhecimento, a experimentação corporal estética e ética. Os encontros da formação eram organizados em torno de uma experiência com as posturas (ásanas), para despertar para as potencialidades do corpo e suas percepções com o desafio do equilíbrio, da resistência e do alongamento, buscando concomitante o conforto, o alívio da ansiedade e o fortalecimento corporal. Com os ásanas, as práticas de respiração (pranayamas) contribuíam para a consciência não apenas do próprio processo de respiração, mas para a expansão energética e a percepção e concentração em cada gestualidade. A respiração consciente também propicia a elaboração de pensamentos equilibrados e harmoniosos.

Também os yamas e nyamas, princípios filosóficos do yoga, eram refletidos ao longo da vivência dos ásanas, atentando para comportamentos e atitudes com a verdade, a não-violência, o desapego, a perseverança, o estudo de si, dentre outros. Tais reflexões aconteciam durante essas vivências e em momentos de compartilhamentos no grupo e com o propósito percebido pela Professora Laura:

[...] o yoga nos faz olhar pra gente, tentar se resolver para depois passar para o próximo. Que a gente viva primeiro, que primeiro tenha as vivências. Se o aprendizado não for significativo não vem pra gente. Se a gente quer o aprendizado significativo para as crianças, a gente, como professora, também tem que ter esse aprendizado significativo (informação verbal, GF).

Desse modo, a experiência corporal com o yoga, ao contribuir para ampliar o autoconhecimento com o entendimento sobre as emoções e ações, levou as professoras a reforçarem valores e atitudes respeitosas sobre si e indicarem que tais posturas também reverberaram nas relações com as crianças nas instituições escolares.

Os preceitos do yoga, prezando pelo autocuidado e a atenção aos próprios limites, ressoaram também no respeito aos limites do outro, como contou a Professora Iris: “Percebo o quanto preciso conquistar corporalmente e nas relações com o outro para não agir com violência e respeitar o outro e a mim” (informação escrita, Q). Nessa perspectiva, para a Professora Mari: “Quando desenvolvemos os yamas e nyamas houve uma ressignificação pessoal que reflete em minha prática docente, vendo e respeitando meus limites e de meus alunos” (informação escrita, Q).

Essas compreensões tiveram suas raízes na atenção plena ao corpo e no reconhecimento de si como ser corporal, com implicações para a atuação no campo educacional e na vida, relatou a Professora Rute:

Dou mais valor ao meu corpo, reconheço a necessidade de respeitar os meus limites e os do outro. Me percebo, me respeito, modifico o meu dia a dia. Penso e respiro antes de falar. Reforçou o quanto somos capazes de respeitar as individualidades das pessoas (informação escrita, Q).

“Paciência com o tempo do outro que é diferente do meu. Quando faço isto respeito também a mim mesma” (informação verbal, GF), concluiu a Professora Paula.

hooks (2017), em sua pedagogia libertadora e engajada, parte do pressuposto de que a experiência pode ser um meio de conhecimento e que todos levamos para o ensino e a aprendizagem esse conhecimento que dela deriva, além de “[...] informar o modo como sabemos o que sabemos” (hooks, 2017, p. 122). Que a experiência, portanto, seja realidade na formação docente e que imbricadamente nas ações pedagógicas possamos nos “[...] dar por inteiro, indo além da mera transmissão de informação [...]” (hooks, 2017, p. 256), nos reconhecendo em nossa corporalidade no processo educativo.

A formação também abarcou as práticas de concentração e meditação (pratyahara, dharana e dhyana)6, voltando-se para a interiorização, o relaxamento e o silenciar dos pensamentos. Este conjunto potencializou às professoras a auto-observação e a reflexão em torno da própria existência e de seu lugar no mundo, na sociedade, na escola.

Buscávamos, assim, pensar e edificar a formação continuada na imanência da vida, nos interstícios do que nos ocorre, nos toca, como destaca Larrosa Bondía (2002), o que se revelou nos relatos das professoras: “Enxergar o ser humano que ali está com todas as qualidades, defeitos e medos”, diz a Professora Sofia (informação verbal, GF). Complementa a Professora Juli que “A gente não pode dar aquilo que não tem, realmente eu precisei me doar muito, eu era bem mais radical, mas consegui internalizar posturas para então pensar nos outros” (informação verbal, GF).

As práticas corporais, constituintes da corporalidade humana, como forma de linguagem e enraizadas corporalmente, por vezes escapa do domínio da consciência e da racionalização e isto as tornam diferenciadas na promoção de experiências sensíveis, lúdicas, “[...] de formação humana em tudo que permite esse termo” (SILVA, 2014, p. 18).

O termo práticas corporais é o símbolo linguístico para um conceito que reúne os enunciados acerca dos fenômenos sociais. Em termos teóricos, o termo abarca características ou atributos dos fenômenos chamados de significantes, os quais são concretos e compõem a realidade social, tais como as danças, os jogos, os esportes, as acrobacias, as lutas, as artes marciais (SILVA, 2014, p. 9).

Quando abordamos a formação docente em seu contínuo exercício tendo como eixo condutor a corporalidade não nos restringimos a aprendizagens técnicas, ao domínio das estratégias de ensino e à ampliação do repertório de conteúdos das práticas corporais. Obviamente tais elaborações são fundamentais para o ato docente, mas só terão sentido (para professoras e crianças) se tais práticas estiverem integradas em experimentações criativas, imaginativas e transcendentes/emancipadoras. Conceber o corpo como condição existencial e trazer a corporalidade e as experiências corporais para a formação docente é antes um empenho para a professora viver sua humanidade, de se encontrar consigo e para que possa ensejar se encontrar com o outro - criança(s).

Esse empreendimento ganhou força entre as participantes e ressoou nas concepções e posturas do ser professora. Assim expressou a Professora Paula: “[...] quando conhecemos os valores do yoga foi possível repensarmos o que é ser professora e que cada ação realmente tem uma importância e significado” (informação escrita, Q). O que nós professoras e professores fazemos com a vida de uma criança?, reflexões como da Professora Bianca sobre “[...] a importância de ser professor na vida de uma criança” (informação escrita, Q) foram constantes para as professoras que, enfatizaram, também, que “O yoga trouxe um olhar mais filosófico da prática educativa, principalmente pelos princípios morais e éticos”, como relatou Babi (informação escrita, Q).

A maneira como nos conectamos, aprendemos, agimos é inteira. E, diante das experiências, as professoras puderam reconhecer a conexão entre suas vidas profissional e pessoal. Para a Professora Anita, “O ioga me ajudou enquanto pessoa e isso refletiu diretamente em minha prática profissional” (informação escrita, Q). Já para a Professora Aurora:

A minha prática educativa foi enriquecida com os conhecimentos e vivências na formação, o que me levou a refletir a minha prática profissional, como sou e como poderei melhorar. Passei a ter um viver consciente nas minhas atitudes e ações junto aos meus alunos. Participar dessa formação abriu uma janela bem grande no meu ser (informação verbal, GF).

A professora Iris contou que “Os ensinamentos aprendidos foram trazidos para escola e para a vida pessoal. Na escola trouxe um repensar, parar, avaliar e fazer diferente, ressignificando minha docência” (informação verbal, GF). E a professora Manoela, que estava se preparando para a aposentadoria, ao citar essa relação vida-profissão, relatou emocionada: “Hoje me percebo [pausa] com um conteúdo a mais, com atividades diferenciadas e vivências corporais criativas e motivantes” (informação verbal, GF).

Estes indícios nos remetem a refletir que diferentes enfoques de formação precisam ser valorizados na docência, ao indicar que a professora (vida profissional) e pessoa (vida pessoal) não se separam rigidamente, pois o que somos como pessoas implicam na forma como agimos profissionalmente (NÓVOA, 2000; BOTO, 2018; IMBERNÓN, 2010). Pessoalidade e profissionalidade são dimensões que podem (devem) ser reencontradas para que professores e professoras se apropriem e teçam sentidos aos seus percursos de vida e de ensino, complementa Nóvoa em entrevista concedida a Boto (2018).

Com Freire (1999) e Nóvoa em entrevista a Boto (2018) aprendemos que ninguém nasce professor(a), feito, pronto: torna-se, faz-se, forma-se professor(a). E o tornar-se é um empreendimento pessoal, de cariz biográfico, ao mesmo tempo marcado pela prática e pela reflexão sobre a prática constantemente.

Portanto, aliada à correspondência das necessidades cotidianas do contexto de ensino, a formação continuada deve incidir no desenvolvimento profissional e pessoal articuladamente (NÓVOA, 2000; BOTO, 2018), o que implica mobilizar as experiências dos professores e professoras, contemplando em seu corpo de conhecimentos o conhecimento de si (IMBERNÓN, 2019), cuja construção perpassa pelas experiências corporais.

O conhecer-se também levou a mudanças em relação ao estado de ânimo, entrelaçadamente aos enfrentamentos cotidianos e suas posturas profissionais. Nesse sentido, relatou a Professora Elis que “[...] ajudou muito, tanto na minha vida profissional com as crianças, de como agir em determinadas situações conflitantes na sala de aula, como na vida pessoal, em lidar com as pessoas, com meus amigos e com a família” (informação verbal, GF); e a Professora Edu contou que “[...] pude aproveitar a prática em si, tanto para a vida pessoal quanto profissional, especificamente em momentos de conflitos” (informação escrita, Q).

Desse modo, o reconhecimento das emoções na tomada de decisões foi um aspecto que perpassou pelas expressões das professoras com frequência. Além da postura frente a situações conflituosas, as professoras Lorena e Miriam são enfáticas ao indicar as emoções neste processo: “Consigo controlar mais minhas emoções. Estou mais centrada, mais aberta a novas ideias, enfim, uma postura profissional melhor” (informação escrita, Q); “Com a formação, depois de cada prática, me percebo efetivamente mais tranquila e serena, mais consciente da minha atuação” (informação escrita, Q).

Generosidade, paciência e autoconhecimento para lidar com as situações adversas foram os destaques das professoras Lavínia: “[...] me sinto mais longânime em situações de estresse na escola” (informação escrita, Q) e da professora Elis:

Segurança diante das situações que antes me causavam estresse. Outra coisa que acredito ser importante relatar é a sensação maravilhosa de estar no controle da situação e perceber uma organização interna muito grande, que resulta na execução das tarefas com maior eficiência (informação escrita, Q).

Antunes, Lagranha, Sousa, Silva e Fraga (2018) verificaram que as práticas corporais com abordagem holística do ser humano, integrantes das práticas integrativas e complementares (PIC), como o yoga, ensejam processos de autorreflexão e autocuidado que pela compreensão e/ou ações podem ser incorporados à vida em aspectos objetivos, subjetivos e/ou relacionais.

As emoções, como formas organizadas de nossa existência, provêm de um sistema simbólico social, sendo possível identificá-las nas manifestações de um determinado contexto de um grupo (atuando também como forma de afiliação a uma comunidade social), ainda que se traduzam conforme as circunstâncias e singularidades individuais, afirma Le Breton (2019). O autor é emblemático ao situar que o corpo comunica a emoção experimentada, o que corroborou a Professora Manoela, ao refletir que o repensar sobre o que é ser professora e as relações pessoais-profissionais contemplou “[...] sem dúvida a relação com o corpo” (informação escrita, Q).

Justamente pelo corpo ser atravessado por manifestações que contém elementos significativos de um conjunto mais abrangente, somos levados a compreender que o gesto, a percepção, a emoção ou a sua expressão não são meramente naturais (LE BRETON, 2019). No empreendimento para superar a dicotomia natural versus cultural presente nos estudos das emoções, o autor reforça que sua constituição e expressão congrega tanto as forças do meio sociocultural, quanto as singularidades e experiências pessoais. Assim, precisamos do outro para o aprendizado de todos nossos gestos e posturas que exprimem emoções.

Entretanto, emoções e experiências corporais ainda são desvalorizadas nos contextos educativos: “[...] muitos acham que é modismo, há resistência [...]” (informação verbal, GF), afirmou a professora Aline ao se referir à prática corporal do yoga no campo da educação. A professora Conceição explicou a resistência às ações formativas que partem da corporalidade: “[...] é um pouco de preconceito, como se não fosse conhecimento, mas isso porque a pessoa desconhece ou não tem aquela abertura para o novo” (informação verbal, GF).

Quanto à reação dos pares, esta última professora citada, Conceição, compartilhou que foi “[...] bem criticada pela turma da escola [pares, algumas famílias/responsáveis pelas crianças] que não aceitavam aquilo [o yoga], achavam que eu estava enrolando, com frescura, mas a diretora também tinha me dado muito apoio” (informação verbal, GF). Este último trecho do excerto demonstra que a rede de relações que busca mudanças de concepções e ações nas escolas é mais potente e, como a professora Conceição, outras educadoras também relataram apoio da direção para participar da formação e concretizar a inserção da manifestação corporal do yoga com as crianças, foi o caso da Professora Nina: “Na escola nós temos bastante apoio da diretora também, colocamos todo mundo para fazer yoga” (informação verbal, GF). Franzé e Rossi (2019) identificaram a relevância do envolvimento da equipe escolar e da gestão para o trabalho com yoga na escola.

Cabe ressaltar que, segundo Imbernón (2019), a formação não tem a função de transmitir conhecimento e reforçar uma cultura dominante, mas antes estabelecer reflexões e análises para transformar as instituições educacionais em sua relação com a comunidade.

Com esse mover-se na formação, as professoras demonstraram inclinação para o mover-se no mundo e nesse espiral da vida: “Hoje sou uma professora que está sempre buscando este caminho consigo mesma, respirando, observando com sensibilidade o próprio eu e a relação com o outro”, concluiu a Professora Cecília (informação verbal, GF), conscientes da importância e do propósito de “[...] aprofundar esse conhecimento e sempre buscar para que se torne, cada vez mais, presente mesmo, fortalecido na vida [...] para que realmente esteja fazendo parte da minha vida, ou melhor, que seja a minha própria vida cotidianamente”, completou a Professora Paula (informação escrita, Q).

A formação continuada não se esgota ao término de um curso ou um programa, mas acompanha toda a carreira docente, integrando vida e formação (GATTI; BARRETTO; ANDRÉ; ALMEIDA, 2019; FRANCO, 2019). É, justamente, continuidade, configurando-se como um processo dialético no qual as circunstâncias se multideterminam e permitem o autoconhecimento, a autoformação, a construção da identidade e da profissionalização docentes (FRANCO, 2019).

Nutrir o ser corpo, em sua integralidade e humanidade, é função desta formação (e não adereço, complemento ou acessório na constituição do ser professora), num processo que intenta favorecer o ser em sua completude, ao mesmo tempo que não perde de visa o inacabamento que nos é inerente. Como traz o pensamento freireano (FREIRE, 2006), a experiência da abertura ao mundo e aos outros é fundante para um ser inacabado, por se saber inacabado e, por isso, sempre aberto ao educar e ao transcender.

O que pode o conhecimento corporificado e compartilhado? Reverberações da corporalidade e das experiências corporais na construção coletiva docente

Nesta seção, abordamos a potência das experiências corporais para a superação da falsa, mas ainda presente, dicotomia teoria versus prática, e como o trabalho colaborativo e os compartilhamentos na formação continuada concorrem para a ressignificação da docência e para a produção de conhecimentos.

No programa de formação experienciado buscávamos a interlocução entre as vivências do yoga com estudos sobre o corpo, o ser criança, a infância e a educação, sob a ótica histórica, social, cultural e filosófica, atribuindo sentidos às leituras pelas sensibilidades constituídas com as experiências corporais, tendo o elo experiência e elaboração do pensamento crítico sempre presente. Para Ehrenberg e Ayoub (2020) não cabe mais a lógica de separação entre teoria e prática, precisamos de um entendimento que supere a gestualidade e o pensamento como polaridades em nossa formação, o que ainda se faz presente com força nas ações de formação continuada, como relatou a Professora Denise:

Essa formação desfocou essa coisa do professor só intelectual, só usar a cabeça, não é? É a primeira vez, que eles [Sistema de Ensino Municipal, referindo-se à parceria com a Universidade] dão curso para alongar o corpo, porque só dão curso para falar de Vygotsky, Vygotsky I, II. Professor não é só a cabeça! [...] Infelizmente acham que cursos só têm que desenvolver o intelecto (informação verbal, GF).

Alongar o corpo é alongar o pensamento, alongar a percepção, alongar a atuação na vida, no fazer pedagógico. A professora Laura nos traz a ideia de complementaridade, já que “[...] só teoria ou só prática acaba se perdendo o significado, por isso essa articulação teoria e prática e o compartilhamento e as reflexões são fundamentais [...]” (informação verbal, GF). Para isso, precisamos pensar a formação docente na ótica analítica e empírica, reunindo teoria e prática de modo a compor a práxis, com estudos-vivências que permitam construir uma leitura de mundo pela corporalidade.

A professora Leila acrescenta que é preciso ir além da teoria descontextualizada: “[...] a gente tem muita teoria, a gente estuda muito, mas essa questão da vivência, de você passar por aquilo para você se perceber [...] você passa a entender a criança que está lá com você” (informação verbal, GF). Além do domínio teórico, Franzé e Rossi (2019) constataram que é mister o domínio didático-pedagógico do conteúdo para o ensino de yoga na escola, sendo a formação continuada responsável por oferecer meios para que o(a) professor(a) construa seu repertório didático e o protagonismo no processo educativo.

Para hooks (2017) é a união teoria e prática (como uma paixão) e as ideias que nós, professoras e professores, conseguimos inspirar no outro, que tornam o espaço educativo um lugar de transformação das relações sociais, superando as cisões mundo exterior e mundo interior no campo da educação. Mas, “[...] a paixão não tem lugar na sala de aula. A repressão e a negação nos possibilitam esquecer e, depois, buscar desesperadamente nos recuperar, recuperar nossos sentimentos e paixões, em algum lugar isolado - depois da aula” (hooks, 2017, p. 254).

São as paixões que nos movem, no olhar da autora supracitada, e também das professoras: “[...] todo esse movimento me fez ficar ainda mais apaixonada pela cultura corporal”, refletiu a Professora Aline (informação escrita, Q); “A prática é essencial, pois para que haja transferência do que foi aprendido, tem que sair de dentro pra fora com paixão [...] quando conheço e sou apaixonada pela área, construo a interiorização / corporização”, corroborou a Professora Elza (informação escrita, Q).

Nessa lógica, para a professora Angélica é incontestável o vínculo do ser humano com o seu contexto, com a realidade em que está inserido, e se identificar e se apaixonar pelo ensino e o que ensina é meio para superar a fragmentação do ser na escola: do ser professora e do ser criança.

Queremos ver nossos alunos e alunas transformando a si mesmos, apaixonados pelo sentir, pelo pensar e pelo viver/agir, porém as formações nem sempre nos preparam para tal. No programa de formação em questão, tornar possível a ressignificação dos conhecimentos e experiências da formação na prática pedagógica partiu da premissa de produção e apropriação crítica e afetiva dos processos formativos, valorizando a autonomia e o protagonismo docente.

O trabalho colaborativo guiou esse processo e ocorria em diferentes momentos, sobretudo, em espaços-tempos destinados à elaboração de um corpo de conhecimentos para inserir o yoga com as crianças na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental (especialmente no segundo e terceiro módulos; no primeiro priorizamos a experiência pessoal com o yoga). As ações realizadas nas instituições escolares eram socializadas no grupo, ocasião para debates, reflexões e aprimoramento das propostas, num exercício constante do sentir, refletir e agir em um processo que se retroalimentava constantemente retornando ao sentir.

Esse processo de criação foi destacado pelas professoras como incentivo à autonomia e à tomada de decisões, como a professora Laura descreveu:

Essa dinâmica de criar algo agrega para nossa autonomia. Vai chegar o momento em que não teremos mais o amparo do programa, mas o que foi construído, o que conseguimos construir vai permitir para nós colocarmos em trabalho na sala de aula (informação verbal, GF).

Essa perspectiva veio ao encontro de considerar a professora como partícipe ativa e não mera receptora ou reprodutora de conhecimentos produzidos pela universidade (ROSSI; HUNGER, 2020) e depositados como ideias pelos(as) agentes formadores(as) a serem consumidas pelas participantes, pois “[...] o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros”, como lembra Freire (2006, p. 59).

Entretanto, refletimos com Larrosa Bondía (2002, p. 27) que “Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência”. Uma educadora, Antonela, problematizou que:

É o professor aqui que está sempre trazendo, trazendo, trazendo, a brincadeira, a criação. Não que não faça parte, porque eu acho que é uma coisa casada né, como vocês trouxeram. Eu entendo a troca que há, mas eu me cansei um pouquinho nesse terceiro módulo, sabe, dessa coisa assim, da brincadeira, e vamos criar, vamos criar. Porque vocês viram o quanto nós somos criativas né, não estou querendo puxar sardinha para o lado de ninguém, mas eu acho que o professor de Educação Infantil é bem criativo né, porque se não for [...] (informação verbal, GF).

De acordo com Imbernón (2019), os programas de formação devem respeitar e considerar amplamente a diversidade e o interesse de cada professor(a) no que concerne à sua formação científica, pedagógica e cultural. Tais elementos diferem entre as pessoas, situações e experiências profissionais, além de outros aspectos que permeiam seus contextos de ensino. Por isso, longe de se configurar como uniforme, compreendemos o programa de formação como um empreendimento complexo, o que demandou esforços dos envolvidos para gerar experiências respeitosas para contemplar as singularidades e fortalecer, ao mesmo tempo, a coletividade.

O saber que emerge da experiência é um saber particular, subjetivo, contingente e inseparável do sujeito concreto, agregando sentidos ao configurar uma personalidade e uma sensibilidade, atribuindo uma forma singular de ser e estar no mundo, que se materializa em uma ética como um modo de conduzir-se e em uma estética como um estilo. E ainda que ninguém possa “[...] aprender da experiência do outro [...]”, é possível que “[...] essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria” (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 27), o que permitiu a elaboração de sentido (ou do sem-sentido) do vivido na formação.

Conscientes disso, articuladamente ao trabalho de elaboração coletiva, incentivamos compartilhamentos das experiências e percepções no grupo como forma de suscitar o diálogo, construir novas formas de pensar a docência, revelar compreensões e provocar inquietações.

Trabalho colaborativo, participação em grupo e o partilhar do que fora realizado com as crianças nas escolas foram elementos valorizados nos relatos, como no caso da professora Judite, que apreciou “[...] a construção coletiva e experiências compartilhadas [...] a gente se fortaleceu umas nas outras” (informação verbal, GF), e da professora Mari, que compreendeu que “[...] os momentos de compartilhamento e troca de experiências foram ricos para dar sentido ao trabalho com as crianças” (informação verbal, GF). “Pude conhecer muitas pessoas, trocar muitas experiências para aplicar todo o conteúdo e prática” (informação verbal, GF), completou a professora Maya.

Para Freire (2006, p. 136), “[...] viver a abertura respeitosa aos outros e, de quando em vez, de acordo com o momento, tomar a própria prática de abertura ao outro como objeto da reflexão crítica deveria fazer parte da aventura docente”. A relação dialógica é inaugurada com o gesto de abrir-se ao mundo e aos outros, com inquietação e curiosidade. E viabilizando o diálogo, com escuta e observação atenta às práticas do outro, relacionando com leituras e estudos críticos e aprofundados, exercitamos na formação o permanente tornar-se professora.

O diálogo, mediatizado pelo mundo, ressoa no encontro do refletir com o agir no sentido da humanização. Mais do que simples troca de ideias a serem consumidas ou imposição de uma visão particular, aspirávamos a nos comprometer com a mudança, respeitando a autonomia de cada uma, compreendendo-nos como sujeitos dialógicos que aprendem e crescem na diferença (FREIRE, 2006). Como hooks (2017, p. 247), compreendemos que “Ouvir as vozes e os pensamentos individuais uns dos outros, e às vezes relacionar essas vozes com nossa experiência pessoal, nos torna mais conscientes uns dos outros”.

Como parte do processo do compartilhar e construir, as práticas pedagógicas elaboradas pelas professoras para a inserção do yoga na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, permeadas pela ludicidade para o ensino desta manifestação na infância, eram vivenciadas no grupo, sendo sinalizado pela professora Laura que “[...] as vivências das brincadeiras também elucidaram a realização destas com as crianças” (informação escrita, Q).

Esta experimentação lúdica, das formas brincantes, músicas e outras gestualidades elaboradas para as crianças, além de traduzirem-se em saberes para as docentes, fizeram rememorar a infância: “Brincar. Quanto tempo eu não brincava! Não sabia que isto me fazia tanta falta!”, explanou a Professora Maya (informação verbal, GF). As práticas corporais permitem experiências diferenciadas por despertar sentidos humanos, sensíveis, por vezes esquecidos, como a alegria e a ludicidade, por exemplo (SILVA, 2014).

Vimos, assim, que as experiências corporais como um conjunto de possibilidades de criação, arranjos e recriação de sentidos, ao mesmo tempo que parte de si, é partilhável com o outro. A partilha foi composta pelo gesto e pela dialogicidade, compreendendo que os encontros entre as pessoas não se esgotam na relação eu-tu; buscam também um nós.

Com essa dinâmica colaborativa e dialógica, as professoras, em sua maioria, reconheceram que o programa ofereceu “[...] embasamento teórico, prático e [condições de] transferência didática para a prática de tamanha grandeza”, como demonstra esse relato de Elza (informação escrita, Q) e o relato a seguir da Professora Lorena: “[...] a aquisição de práticas para a sala de aula foi a mais significativa” (informação escrita, Q). Ainda, Mércia destaca:

Material disponibilizado, interação de recursos que a gente já faz na Educação Infantil, história, música, os jogos, as brincadeiras. Esse casamento que vocês fizeram entre a prática e a teoria, porque geralmente nossos cursos são teóricos, teóricos e teóricos, a gente acaba sem a prática e não vivenciando, elaborando. Então, levar essa vivência para criança se tornou possível (informação verbal, GF).

Alcançamos, assim, como sustentado por Le Breton (2019), a produção de conhecimentos com o corpo e o estabelecimento de relações com as pessoas do grupo por meio das experiências sensíveis. Complementa o autor (LE BRETON, 2012) que é pelo corpo e as experiências corporais (as chaves para se estabelecer relações), que a relação com o mundo é estabelecida, desde as atividades perceptivas, até a expressão de sentimentos. E o mundo, que é transformado em familiar, humanizado, apoderado, compreensível e carregado de sentidos e valores, pode ser compartilhado pelos atores nele inseridos.

Na formação, nesta experimentação da gestualidade, a professora se descobre, reflete, constrói e se apropria de conhecimentos com a socialização com o outro. A relação gesto, socialização e reflexão gerou significados/sentidos. E, “[...] aprendendo com a experiência do outro [...]”, no sentido desse relato da Professora Lavínia (informação verbal, GF), foi possível perceber que as práticas corporais promovem a aproximação entre as pessoas, facilitam a transposição de barreiras e distanciamentos, gerando vínculos outros (EHRENBERG; AYOUB, 2020).

No processo comunicacional em um grupo, o sujeito participa de forma gestual e mímica, corporificando as relações, pois “Não é apenas a palavra, mas o corpo, as atitudes e as posturas que primeiramente evidenciam a presença do outro na interação” (LE BRETON, 2019, p. 46).

A palavra gestus, etimologicamente, vem da raiz gerir, significando fazer e carregar. Todo gesto desempenha função significativa e jamais pode ser reduzido a uma pura gesticulação porque carregado de significados participa do efeito simbólico de nossas ações no mundo (LE BRETON, 2019).

Os gestos, as mímicas, as posturas, os deslocamentos exprimem emoções, desempenham atos, acentuam ou nuançam um discurso, manifestando significações em permanência, para si e para os demais. O rosto e o corpo entregam-se à compreensão daqueles que os percebem mediante sinais que os atravessam (LE BRETON, 2019, p. 50).

No corpo há uma inteligência da mesma forma que no pensamento há uma corporalidade. O corpo não é passivo, submisso ou obstáculo à comunicação, todo movimento que fazemos também é conhecimento e sentido prático, pois percepção, intenção e ação entrelaçam-se. Como jamais seremos a expressão pura de nosso cogito, o conhecimento sensível originado dessas interações corporais orienta nossa postura no mundo circundante (LE BRETON, 2019).

E sob a influência dos recursos interpretativos no grupo e da sensibilidade individual suscitou-se, na visão das professoras, confiança para a ação pedagógica: “[...] quando venho aqui, me sinto mais tranquila, mais segura em exercer as atividades com as crianças”, contou a Professora Francisca (informação verbal, GF). As dificuldades podem ser amenizadas e os desafios melhor superados quando há com quem contar, vislumbrando outras formas de docência: “[...] senti mais empenho para buscar alternativas, outras formas de trabalhar”, afirmou a Professora Leila (informação verbal, GF); “Hoje acredito mais nas diversas possibilidades de ensino”, disse a Professora Mércia (informação escrita, Q); “[...] muito significativas as vivências corporais e a interação do grupo com o aprendizado”, concluiu a Professora Manoela (informação verbal, GF).

Vaillant (2016) relaciona o trabalho colaborativo como uma possibilidade de desenvolvimento no contexto em que as professoras se vinculam ativamente, podendo a formação configurar-se como um espaço intersubjetivo e social. Esta aprendizagem é a estratégia fundamental e, na visão da autora, o enfoque atual do desenvolvimento profissional docente, de modo que os(as) professores(as) estudem, compartilhem experiências e investiguem colaborativamente suas práticas pedagógicas.

Considerando como Mizuno, Brandani, Deutsch, Rossi e Monteiro (2018) que a filosofia e prática do yoga podem gerar reflexões e ações a respeito das próprias atitudes, mediante as experiências com o yoga professores e professoras podem refletir e qualificar sua prática pedagógica, entrelaçando a corporalidade na vida pessoal e profissional.

A necessidade de transformar a formação efetivamente num processo permanente de encontros e produções coletivas foi explicitada no relato da professora Judite: “[...] se a gente ficar sozinha, talvez pra mim esse trabalho não tenha tanta força pra ter continuidade. É preciso manter esse grupo, ter esse encontro, continuar, a gente ter esse momento pra parar pra discutir” (informação verbal, GF).

Expressões de interesse e engajamento das participantes, como essa acima, resultaram na formação de um grupo de estudos e pesquisas7 para permanecermos com os compartilhamentos, as vivências e a colaboração, fortalecendo o coletivo, em um entendimento, como traz Franco (2019, p. 96), de “[...] pesquisar sempre com os professores e jamais para os professores e muito menos sobre os professores”, intercambiando, refletindo e aprendendo mutuamente sobre a práxis docente.

Esses espaços-tempos na formação continuada oportunizam a reflexão crítica e coletiva em torno da docência, geram conhecimentos pedagógicos, fortalecem laços sociais e profissionais e arquitetam a noção de pertencimento a um grupo, caminhando no sentido de reconhecer e refletir sobre a identidade docente (ROSSI; HUNGER, 2020).

Valorizando e conferindo à formação um “[...] espaço onde a experiência é valorizada, não negada nem considerada sem significado [...]” (hooks, 2017, p. 114), evidenciamos que o compartilhar no grupo não se constituiu apenas pela palavra, mas o diálogo esteve imbricado nos gestos que foram tecidos pelo coletivo e que expressavam emoções, anseios, medos, conquistas, singularidades e coletividades, numa mistura de relações sociais e valores culturais ativados pela simbólica corporal e seus sentidos.

Conclusão

Os estudos no campo da educação ressaltam o corpo docente como fundamental para a transformação social, situando o professor e a professora como protagonistas do processo educativo. Não obstante, raramente reconhece-se a existência deste(a) profissional como corpo - sensível, político, epistêmico, ético, estético.

Nas reflexões aqui empreendidas buscamos dar relevo ao corpo (do) docente, em seu duplo significado: o corpo singular e o corpo coletivo, o corpo como o elo da formação e da atuação docente, promovendo descobertas do ser professora pelos seus sentires, conheceres e fazeres.

Assim, ao encontrar em si mesma a capacidade de expansão da consciência de si, do outro e de sua atuação, as professoras puderam reconhecer indícios do que é substancial para a vida profissional e pessoal. Construíram atitudes e relações mais respeitosas para consigo indicando que estas reverberaram em suas posturas com as crianças da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Ainda, o autoconhecimento e reconhecimento das emoções convergiram para decisões mais centradas e conscientes no agir docente.

Reconhecendo a relevância da autonomia, do diálogo e do compartilhamento do vivido, a produção de conhecimentos ancorou-se em possibilidades de criação geradas pela corporalidade e pelo estabelecimento de relações entre as professoras por meio das experiências sensíveis. Geraram-se, assim, saberes e confiança para ressignificar a formação na prática pedagógica, contemplando a correspondência formação-trabalho docente, ou seja, o entrelaçamento entre a corporalidade e a vida pessoal e profissional.

Neste estudo, demos ênfase às percepções das professoras para refletir sobre implicações ou reverberações das experiências corporais em práticas transformadoras na escola. Cabe destacar, portanto, que reconhecemos que estudos de acompanhamento longitudinal, inseridos na prática cotidiana da escola, vislumbram possibilidades de verificação de mudanças efetivas e contínuas resultantes do processo empreendido na formação continuada.

Concluímos que neste contexto vivido na formação continuada, a corporalidade e as experiências corporais, vinculadas à dialogicidade, potencializaram reflexões e atitudes sobre o ser e o ser professora imbricados numa mesma existência, implicando em abertura para novas posturas e, ao compartilhar e construir coletivamente experiências e conhecimentos, foram estreitados laços e fortalecidas as relações para o repensar da docência.

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SOBRE AS AUTORAS

1Este estudo foi originado da pesquisa de pós-doutorado da Prof.ª Dr.ª Fernanda Rossi, desenvolvida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FE/USP, com a supervisão da Prof.ª Dr.ª Mônica Caldas Ehrenberg.

2O programa contou com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão Universitária - PROEX/UNESP.

3Usamos neste texto o termo professora(s), no feminino, devido as participantes do estudo serem mulheres.

4As(os) Pedagogas(os) atuantes na Educação Infantil ministram todas as áreas de conhecimento da matriz curricular, uma vez que no Sistema Municipal de Educação de Bauru-SP não há professoras(es) especialistas em Educação Física ou Arte nesta etapa da educação básica.

5Para identificar as fontes dos relatos, atribuímos as siglas GF para os dados que foram extraídos das sessões de Grupo Focal e Q para indicar informações extraídas dos Questionários.

6Mais sobre os oito passos do yoga (ásanas, yamas, nyamas, pranayamas, pratyahara, dharana, dhyana e samadhi) em Mizuno, Brandani, Deutsch, Rossi e Monteiro (2018). Samadhi é o ápice do yoga, configurando-se para seus praticantes em uma busca longa e constante ao longo da vida.

7O grupo teve início em 2017 e está com as atividades suspensas desde 2020 em decorrência da pandemia de Covid-19.

SOBRE AS AUTORAS

12ROSSI, Fernanda; EHRENBERG, Mônica Caldas. Encontros entre corpos na formação continuada: o ser professora e o coletivo docente. Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 28 n. 49, 2022. DOI: 10.22481/praxisedu.v28i49.11000.

Recebido: 28 de Julho de 2022; Aceito: 28 de Novembro de 2022

Fernanda Rossi. Pós-Doutora em Educação pela FEUSP e UNESP Bauru. Docente da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista - UNESP Bauru. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas Históricas, Sociológicas e Pedagógicas em Educação Física.

Contribuição de autoria: Investigação, escrita, revisão e edição. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9846955307186551

Mônica Caldas Ehrenberg. Pós-Doutora em Educação pela Unicamp e UMinho/Portugal. Docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gesto, Expressão e Educação (GEPGEE).

Contribuição de autoria: Supervisão, escrita, revisão e edição. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3991784226921700

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