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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.23 no.2 Caxias do Sul maio/ago 2018  Epub 20-Ago-2019

https://doi.org/10.18226/21784612.v23.n2.8 

Artigos

Democracia republicana e cidadania contestatória em Philip Pettit

Republican democracy and contestatory citizenship in Philip Pettit

Alberto Paulo Neto* 

*Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR/Campus Londrina. : <apnsophos@yahoo.com.br>


RESUMO

Resumo

A filosofia política de Pettit realiza a leitura normativa da matriz republicana de pensamento político. Na construção historiográfico-normativa do significado de republicanismo é reafirmada a centralidade da liberdade como não dominação. Pettit mantém o intuito de releitura da cidadania republicana como sendo inclusivista. O republicanismo apregoa que a liberdade como não dominação é o princípio necessário para avaliação de qualquer organização social e política. Esse princípio não se constitui como valor apriorístico da teoria política porque as relações não dominadas são compreendidas em suas diferentes formas e contextos. No âmbito social, ela exigirá que as relações entre indivíduos sejam justas e não haja motivo para que se tenha medo ou deferência perante diferenças econômicas ou sociais. A liberdade como não dominação poderá oferecer os recursos sociais necessários, para que não se tenham as relações assimétricas de capacidade de influência e escolha na sociedade política. No âmbito político, a liberdade republicana será representada pela capacidade dos cidadãos de influenciarem e direcionarem as decisões dos representantes políticos. Por isso, abordam-se os elementos políticos necessários à contenção da dominação pública (imperium). No âmbito político-democrático, a oportunidade de participação política, a discussão das desvantagens sociais e políticas e as formas de contenção da dominação pública serão mecanismos à diminuição da dominação pública. O exercício de contestação e o controle popular podem ser mecanismos políticos à saída da forma minimalista de compreender a ação política como realização das preferências individuais (Schumpeter). Esse exercícioo político significa a possibilidade de realização do ideal de bem comum pelo procedimento discursivo de formação da opinião e da vontade políticas. O debate e a contestação se constituem em ambiente ao entendimento das normas comuns. Nesse sentido, o modelo republicano de democracia prioriza o exercício dos direitos políticos básicos, como sendo a ferramenta para estabelecer a vontade política. A democracia republicana possibilita o compartilhamento dos direitos políticos entre os cidadãos e incentiva a que exerçam o controle popular sobre as decisões governamentais.

Palavras-chave:  Republicanismo; Democracia; Contestação; Philip Pettit

ABSTRACT

Abstract

The political philosophy of Philip Pettit performs the normative reading of the republican matrix of political thought. In its historiographical and normative construction of the meaning of republicanism, the centrality of freedom as non-domination is reaffirmed. Pettit maintains the intention of rereading republican citizenship as inclusivist. Republicanism claims that freedom as non-domination is the necessary principle for the evaluation of any social and political organization. This principle does not constitute an a priori value of political theory because un-dominated relations are understood in their different forms and contexts. In the social sphere, it will require that relations between individuals be fair and there is no reason for fear or deference to economic or social differences. Freedom as non-domination can offer the necessary social resources so as not to have asymmetrical relations of influence and choice in political society. In the political arena, republican freedom will be represented by the ability of citizens to influence and direct the decisions of political representatives. Therefore, we will address the political elements necessary to contain public domination (imperium). In the democratic political arena, the opportunity for political participation, discussion of social and political disadvantages, and ways of containing public dominance will be mechanisms for reducing public domination. The exercise of contestation and popular control may be the political mechanisms for moving away from the minimalist way of understanding political action as realization of individual preferences (Schumpeter). This political exercise means the possibility of realizing the ideal of the common good through the discursive procedure of forming opinion and political will. The debate and the contestation constitute an environment for the understanding of common norms. In this sense, the Republican model of democracy prioritizes the exercise of basic political rights as the tool to establish political will. Republican democracy enables the sharing of political rights among citizens and encourages them to exercise popular control over government decisions.

Keywords:  Republicanism; Democracy; Contestation; Philip Pettit

De fato, se vocês [jurados] se importassem em considerar e investigar a questão do que é isso que dá poder e controle (ischuroi kai kurioi) sobre tudo na polis para aqueles aos quais são jurados a qualquer momento... vocês achariam que a razão não é essa que vocês sozinhos em relação aos cidadãos estão armados e mobilizados em fileiras, nem que vocês são fisicamente os melhores e mais fortes, nem que vocês são mais novos em idade, nem qualquer outra coisa, mas descobririam que vocês são poderosos (ischuein) através das leis (nomoi). E qual é o poder (ischus) das leis? É que, se algum de vocês é atacado e clama, elas virão em sua ajuda? Não, elas são apenas cartas inscritas e não têm habilidade (ouchi dunaint) para fazer isso. Qual é então o seu poder motriz (dunamis)? Vocês serão fortes, se vocês as protegerem e tornarem autorizadas (kurioi) sempre que alguém pedir ajuda. Então, as leis serão poderosas (ischuroi) através de vocês e vocês através das leis. Vocês devem, portanto, defendê-las (toutois boethein) da mesma maneira que qualquer indivíduo se defenderia se for atacado; vocês devem considerar que as ofensas contra a lei são questões públicas (koina). (DEMÓSTENES apud OBER, 2008, p. 8).

A teoria republicana da democracia tem o intuito de resolver o dilema entre a decisão majoritária e as exigências de não dominação nos processos de decisão, nas democracias contemporâneas. A democracia republicana afirma que o conceito de liberdade, essa compreendida como ausência de dominação, representa o ideal central da teoria política. De acordo com Connolly (2014, p. 11), a filosofia política de Pettit representa a nova perspectiva sobre a teoria republicana ao enfatizar a centralidade da liberdade civil como fundamento à rejeição de qualquer forma de subjugação social.

O republicanismo de Pettit (1997, 2012, 2014) advoga que o conceito romano de liberdade civil, expresso no status de não dominação, deve ser efetivado e garantir livre-escolha entre opções políticas e sociais.1 Ele deixa claro que a teoria republicana não está preocupada somente com o status da livre-escolha ; a teoria republicana se interessa pelas condições necessárias ao exercício da ação livre.

O modelo republicano de Pettit, apresentado desde a obra Republicanism (1997), se posiciona mais próximo da teoria político-normativa do que o historicismo metodológico ou o antiquarismo da Escola de Cambridge (Q. Skinner e J. Pocock). A análise de Pettit se situa no mesmo contexto da filosofia política de Rawls (1971) ao deduzir, analiticamente, os princípios que irão compor a teoria republicana, ao utilizar o método de reconstrução dos conceitos via estudo da historiografia e a proposição de novas ideias a problemas contemporâneos das instituições políticas.

Na obra On the people’s terms,2 Petitt (2012) reforça a argumentação de que o ideal de liberdade é o núcleo da teoria republicana, e que, a partir dessa concepção, se desencadearia a teoria republicana da justiça social e a fundamentação da legitimidade política. De acordo com Pettit (2012, p. 1-25), na análise da historiografia das ideias republicanas, é possível identificar três princípios fundamentais, que perpassaram pela república romana e permaneceram até o período das eras das revoluções, a saber, a ideia de liberdade como ausência de dominação, a forma de governo misto e a capacidade dos cidadãos de contestar as decisões políticas. Segundo o autor, essas ideias políticas possibilitam concretizar o ideal de Estado de Direito como tendo a estrutura constitucional e sua forma de governo: a democracia contestatória. O império da lei é requerido como forma de mediação entre as demandas da democracia, os direitos individuais, os direitos políticos e as exigências do governo misto (constitucionalismo).

O modelo de democracia republicano se insere como contraste aos modelos contemporâneos desenvolvidos pelos liberais e populistas (comunitaristas).3 A teoria republicana afirma a necessidade de entrelaçamento da ideia de democracia com a liberdade individual. Além disso, a forma jurídico-constitucional deve ser estabelecida como mecanismo de ação política. A concepção republicana de liberdade é necessária à democracia porque o povo que não realiza o controle sobre o governo torna-se dominado pelo aparelho estatal. A postulação do constitucionalismo (como forma de controle da política) não representa, necessariamente, constrangimento/obstáculo à ação individual. A liberdade republicana pode se tornar o ideal comum a ser buscado na sociedade política e se constituir no medium de entrelaçamento entre as diversas cosmovisões.

O ideal democrático e o bem comum

A teoria republicana da democracia oferece os recursos e a proteção necessários aos cidadãos perante as práticas institucionais e administrativas do Poder Público (imperium). Para conter as formas de dominação e garantir a liberdade republicana, é notória a necessidade de participação política no modelo democrático de instituição das leis e organização do Estado de Direito.

Uma abordagem republicana retifica a negligência da participação dos cidadãos na ordem social. A concepção da liberdade como não-dominação coloca claramente dois problemas domésticos distintos sobre a mesa. O primeiro, como já vimos, diz respeito à forma de proteger e garantir às pessoas perante a possibilidade de dominação pelo poder privado ou pelo dominium, promovendo assim a sua satisfação como consumidores da ordem social em que vivem. E o segundo, diz respeito à forma de garantir que o poder público ou o imperium, através do qual este recurso e proteção seja fornecido, não está dominado e garante que os cidadãos possam moldar e reformular a ordem imposta. (PETTIT, 2014, p. 110).

As instituições políticas estão fadadas ao paradoxo do imperium, pois impõem uma ordem jurídico-estatal à coordenação da conduta dos atores sociais, e, simultaneamente, as ações do aparato estatal não deveriam se constituir em uma forma de restrição injustificada à liberdade civil. Por um lado, a impositividade jurídica é necessária para garantir o equilíbrio, no poder de influência política, e a manutenção da convivência entre os cidadãos. Por outro lado, a coerção estatal não deve significar a forma de diminuição da capacidade de escolha pelos cidadãos. Pettit salienta que esse aparente paradoxo é possível de ser resolvido pelo modelo de democracia que conceda um igual compartilhamento da forma de controle popular perante as decisões governamentais.

De acordo com Ober (2008), o sentido primordial do termo democracia estava em ser uma capacidade compartilhada pelo povo (demos, significando homem livre, nativo e independente economicamente) para agir na vida pública. Segundo ele, a democracia grega se caracterizava pelo modelo igualitário de relação que os cidadãos estabeleceram entre si. Esse modelo se desenvolveu pelo nível relacional de igualdade de direitos (isonomia) ou de discurso (isegoría).

Assim, a isonomia é uma distribuição justa das imunidades legais para toda a população e o igual acesso aos processos legais. A isegoría significa o igual acesso aos fóruns deliberativos: o igual direito de falar em assuntos públicos e atender ao discurso de outros. Por analogia, a isokratia é o igual acesso ao bem público do kratos – o poder público conduz ao bem comum, permitindo que boas coisas aconteçam no domínio público. (OBER, 2008, p. 6).

O povo (demos) exerceria o controle sobre o domínio público e, pela ação política, realizaria a moldagem das instituições políticas em conformidade com o interesse comum. No sentido do discurso de Demostenes (IV a. C.), a democracia se referiria à capacidade relacional de proteger a lei e direcionar as instituições políticas no sentido do bem público. Os cidadãos exercem o controle e protegem as leis perante as intemperanças da vontade popular que queiram se restringir aos interesses particulares e às necessidades individuais.

Na modernidade, essa capacidade (kratos/poder) de relação política foi reduzida pela instituição do voto e a tomada de decisão política pela “regra da maioria” (Majority rule). Essa redução normativa da democracia introduziu o sentido mínimo de participação política (pleito). O processo de tomada de decisão e a formação da vontade política se tornaram alheios ao detentor do poder político (kratos).

O sentido clássico e moderno de democracia diferiu também por conta da acepção que foi dada pelos filósofos modernos à participação política. Na Antiguidade, a participação democrática estava fundamentada nas relações sociais de igualdade, e a escolha se dava por meio de sorteio. No início do período moderno, a participação democrática foi referida pela decisão majoritária na assembleia política como sendo oposta à decisão monárquica. A escolha majoritária garantiria a legitimidade democrática nas decisões políticas. Além disso, a democracia moderna, a partir da segunda metade do século XVIII, foi caracterizada pela possibilidade de representação política e a divisão e separação dos Poderes Políticos. (PETTIT, 2017a, p. 3-4; MANIN, 2007, p. 21).

O modelo de democracia republicano contraria a premissa dos filósofos políticos modernos que fundamentaram a ideia de consentimento como sendo a forma de alcance da legitimidade pelo representante político. De acordo com Pettit, o modelo moderno estaria fundado na capacidade do macrossujeito (povo) e do microssujeito (indivíduo) em dar o assentimento às leis públicas e as decisões políticas pelo voto. Pettit (2017a) retoma a análise desenvolvida por Schumpeter (1984) sobre a democracia de massas e a caracterização da participação política pela via eleitoral. De acordo com Schumpeter, as eleições seriam a expressão de preferências individuais. Pettit propõe a ampliação do conceito de democracia pela via contestatória, e o exercício da cidadania pelo controle popular das decisões que são tomadas pelos representantes políticos.

Pettit (2017a), em sua caracterização da democracia em Schumpeter (1984), assinala que o cientista político austríaco descreveu a doutrina clássica da democracia como sendo concernente à assembleia reunida. A crítica desse autor ao modelo clássico de democracia estaria na ausência de representação efetiva do ideal de bem comum e sua impossibilidade processual de ser realizado na sociedade moderna. “A primeira crítica pode ser descrita como fundada na substância, e a segunda como sendo fundada em procedimentos”. (PETTIT, 2017a, p. 6).

A primeira crítica expressa, pitorescamente, a sociedade agrária como sendo fundada no bem comum e seus cidadãos como estando na situação social que estaria ausente da necessidade de tomada de decisão. Todavia, a sociedade modernoa-industrial se caracteriza pelas diferenças sociais e a impossibilidade de acordo comum sob regras, a exceção daqueles acordos e compromissos que satisfaçam os interesses individuais ou de grupo no sentido oferecido pelo utilitarismo.

Pelo critério de Schumpeter qualquer noção substantiva de bem comum tem que passar por uma barreira alta: deve implicar “a resposta definitiva a todas as questões para que todos os fatos sociais e todas as medidas sejam tomadas ou a serem tomadas possam ser inequivocamente avaliadas. (PETTIT, 2017a, p. 7).

A segunda crítica enfoca o processo democrático de concatenação das preferências políticas dos indivíduos e impossibilita o gerenciamento das preferências em prol da ideia de bem comum.

A sua crítica baseada em procedimento gira mais centralmente, no entanto, em duas queixas concretas sobre as preferências das pessoas em questões públicas como distintas de suas preferências privadas. Agora, antecipando a economia comportamental, ao invés da teoria da escolha social, ele reclama que aquelas preferências são muito desordenadas e manipuláveis para o procedimento democrático, a ser dito para identificar uma vontade comum. (PETTIT, 2017a, p. 8).

Diante desse diagnóstico, Schumpeter (1984) arguiu pelo modelo democrático que satisfizesse as exigências dos indivíduos. Esses seriam os atores sociais autointeressados. O processo democrático se estabelece como mecanismo de conexão das preferências individuais, e a competição eleitoral propicia a apresentação de programas políticos. Os programas dos partidos políticos e do governo buscam satisfazer os interesses do eleitorado. Nesse realismo e cinismo políticos de Schumpeter (1984), os partidos políticos se estruturariam para obter vitória no pleito, e seus programas e propostas se estabeleceriam em consonância com os interesses dos indivíduos e grupos sociais. Assim, o jogo dos partidos políticos, durante o processo eleitoral, se reduz à ação mercantil de “compra e venda de votos” pela apresentação de propostas que se adequam aos interesses dos eleitores (clientes ou consumidores).

Segundo Pettit (2017a, p. 10), o minimalismo da concepção de democracia de Schumpeter (1984) conduz ao equívoco de considerar a satisfação dos interesses do eleitorado. Por isso, ele propõe a ampliação do conceito de democracia para além do sentido eleitoral. A democracia, no sentido que será apresentado, significa o sistema de controle popular e a atividade contestatória pelos cidadãos. No aspecto que se refere ao controle popular e à formação da vontade comum, talvez seja possível pensar de forma realista e observar que os atores políticos necessitam apresentar, publicamente, o motivo de sua decisão política para, paulatinamente, ocorrer a formação da cultura político-democrática (padrões comuns de atitude democrática).

O Estado de Direito estabelece os meios à contestação e, gradualmente, essa atividade fornece a direção ao governante. Levy (2016) destaca que a concepção de democracia de Pettit se fundamenta nos aspectos institucional e constitucional. A necessidade da instituição estatal (Estado) para a proteção dos indivíduos, e o exercício democrático deve ser direcionado pelos cidadãos. O constitucionalismo é expresso pelos meios institucionais à proteção perante o uso arbitrário do poder político.

Pettit, em vez disso, argumenta pela contestação sobre o uso do poder como o material de política democrática diária. Ele não abraça o agonismo ou a compreensão quase caótica da alternância no poder de Schumpeter. Na verdade, com base em sua obra (com List) sobre a agência de grupo, ele insiste que o Estado deve ser o agente corporativo coerente e capaz de demonstrar consistência intertemporal de intenção. (LEVY, 2016, p. 680).

Pettit prossegue na configuração da democracia contestatória segundo a possiblidade de controle popular mediante os mecanismos políticos que estão disponíveis a todos os cidadãos. A forma constitucional, amplamente aquiescida pela tradição republicana, impõe as restrições necessárias ao poder arbitrário do governante, e a contestação sendo exercida pelos cidadãos na esfera pública (meios de comunicação de massa, canais de escuta, ombudsman, movimentos sociais e associações civis) e nos tribunais, oferece direcionamento aos governantes.

As verificações constitucionais – incluindo as verificações eleitorais e contestatórias – foram proeminentes destacadas na constituição mista da antiga tradição republicana [...]. A tradição republicana, como eu vejo, nos leva a reconhecer não apenas que a influência democrática ultrapassa os canais reconhecidos por Schumpeter, mas ela pode se constituir em uma forma de controle democrático. (PETTIT, 2017a, p. 11).

Pettit assevera que a atuação dos cidadãos e dos representantes políticos poderia formar um padrão comum de ação política e também significar a mudança de comportamento daqueles que não estão acostumados ao cumprimento das exigências democráticas. Assim se o jogo político, atualmente, é regido pela racionalidade econômica, ele poderá ser coordenado pela atitude democrática contestatória de se orientar pela influência popular. Nesse caso, seria possível reconectar o sentido grego de democracia, como sendo o modo relacional de exercício da capacidade de fazer ações em conjunto e manter os arranjos institucionais que foram instaurados na modernidade.

Contestação e controle popular

A estrutura institucional do Estado republicano deve satisfazer o requisito de controle popular e democrático. A relação vertical entre Estado e cidadãos tem que ser mediada pelos dispositivos políticos de controle do poder estatal. A questão se centra em apresentar o modelo de influência e direção que forneça, igualmente, a capacidade (poder/kratos) de agir sobre as decisões parlamentares e construir a sociedade democrática.

O controle popular evidencia que os cidadãos exercem influência no comportamento do governo. Os cidadãos, ao fornecerem seu consentimento, não se alienaram do exercício de seus direitos políticos. Essa forma de controle social é possível que ocorra em momentos de crises na história das instituições políticas, bem como o exercício do poder discricionário e a necessidade de auxílio dos cidadãos para alcançar a mais correta decisão.

Pettit argumenta que o modelo republicano de liberdade poderia garantir a estruturação do ordenamento jurídico como justo, e a coerção estatal deve estar submissa ao controle popular. O controle popular age como uma espécie de fiscal das decisões políticas. O modelo de democracia contestatória adquire proeminência ao enfatizar que os cidadãos atuam como tutores e controladores da coerção estatal. Esse é o modelo que se diferencia dos modelos democráticos fundados no consentimento, porque enfatiza a necessidade de participação cidadã no processo de tomada de decisão. A participação política não tem o valor intrínseco à realização da liberdade civil, ela é somente requerida, como valor instrumental, se a interferência arbitrária tiver sido praticada pelo Estado. (PETTIT, 2012, p. 158).

No modelo de Schumpeter (1984), a influência popular se manifesta durante o período de competição eleitoral. Os partidos políticos ajustariam seus programas de governo segundo as preferências dos eleitores. Nas prévias eleitorais, aconteceria a contabilização das vontades individuais. O processo democrático não seria caracterizado pelo anseio de realização do interesse comum ; ele se reduz ao enfeixamento dos interesses individuais e está sob a influência dos interesses privados das corporações. Por isso, os diversos problemas da democracia contemporânea estão na forma de contenção da influência privada (lobbies e financiamentos privados de campanha política) sobre as decisões parlamentares e o acesso aos meios de comunicação de massa. Esses devem representar a pluralidade das opiniões e narrativas sobre acontecimentos políticos.

A descrição de Schumpeter (1984) não possibilita conceber a democracia como sendo o sistema de influência popular atuante sobre as decisões parlamentares. A influência popular, no modelo schumpeteriano, apenas atua sobre os partidos políticos durante a competição eleitoral e se desfaz após a composição do governo. Pettit denuncia que essa forma de participação política se constitui em uma forma fraca de democracia. Essa concepção fraca de democracia não conduz ao reconhecimento da legitimidade das decisões políticas.

A legitimidade política é alcançada pela concessão de controle popular sobre as ações dos governantes. A teoria republicana enfatiza a capacidade contestatória dos cidadãos de apresentar queixas à ordem política ilegítima. Os cidadãos devem ser capazes de influenciar nas e direcionar as decisões de seus representantes políticos. O controle do Estado pelos cidadãos é caracterizado pela individualidade, incondicionalidade e eficácia do exercício da influência e da direção sobre o processo de tomadas de decisão políticas. A democracia republicana propicia os mecanismos políticos à realização da influência e direção popular. A contestabilidade das ações governamentais pode ser realizada individualmente e expressa sem a necessidade de autorização por órgão público. Os canais de escuta e ouvidoria das instituições políticas podem ser espaços para denunciar as ações de cooptação dos representantes políticos. Os canais de escuta podem ser um meio eficaz ao redirecionamento das ações parlamentares ao ideal de bem comum.

O modelo republicano estrutura a forma de participação política dos cidadãos pelo requisito de igual influência sob as decisões estatais e o oferecimento de diretivas aos representantes políticos. Pettit denomina a capacidade de influência como sendo o controle democrático sobre as instituições políticas. Ele se caracteriza pelo acesso aos meios de influência democrática e não está condicionado aos interesses do governante ou de interesses privados. Esse sistema de influência é exercido pelos indivíduos e em conformidade com sua intuição política. Isso quer dizer que o sistema de influência deve ser individualizado e se estabelecer como oposto ao governo majoritário ou ao poderio dos grupos majoritários (facções). Ele tem que ser igualmente acessível aos indivíduos desde a composição dos representantes políticos pelo sistema eleitoral e a proporcionalidade do voto, e o uso de direitos políticos que possibilitem a participação popular para além do pleito: referendum, plebiscito, iniciativa popular, etc.

Nesse sentido, Pettit (2012) caracteriza o controle social como sendo exercido pelos cidadãos e embasado em três requisitos: suficientemente individualizado, não condicionado e eficaz. O requisito individualidade denota igualdade de acesso ao sistema político; o requisito incondicionalidade representa a independência ou a não mediação pela vontade de grupos sociais ou pessoas, e a eficácia significa que ação estatal não impõe uma restrição injustificada. Esses requisitos garantem que todos os cidadãos tenham a mesma capacidade de influência no Estado de Direito. (PETTIT, 2012, p. 179).

O processo eleitoral conduz a divisão política no Estado entre a maioria vencedora e a minoria derrotada. O pressuposto de igualdade, no peso dos votos, não indica o reconhecimento do direito das minorias, uma vez que a minoria vencida poderá ser massacrada em suas causas e objetivos políticos pela maioria vencedora. O modelo republicano de democracia alerta aos casos de majoritarianismo e possibilita que o direito das minorias e sua capacidade de influência possam ecoar na esfera pública pela atitude contestatória.

Se essas observações são sólidas, então, a versão mais plausível desse primeiro relato da direção popular diria que o povo exerce o controle na medida em que eles intencionalmente usam a influência para forçar o governo a prosseguir com as políticas de interesse público, em que o interesse público é entendido em uma forma pós-social, mas não corporativa. O povo realiza isso de uma maneira política ou eleitoral: primeiramente, ele identifica as políticas adequadas e, em seguida, ele seleciona os representantes que apoiam aquelas políticas; ou primeiro identifica os representantes adequados e depois contando com eles para formular as políticas de interesse público. (PETTIT, 2012, p. 245).

Isso quer dizer que deve haver correspondência entre a vontade dos representados e a ação dos representantes. O problema de institucionalização das diretrizes da esfera público-comunicativa representa a maior dificuldade à teoria democrática que tenha o anseio normativo de realizar a correspondência entre os representados e a autoridade política eleita. O assédio das corporações sobre o processo de decisão política desmantela a normatividade democrática mediante o emprego de lobbies, a promessa de financiamento privado de campanhas políticas, o pagamento de propinas e subornos, o aparelhamento ou a monopolização dos meios de comunicação de massa, etc.

Para equilibrar esse desnível no Estado Democrático de Direito, Pettit (2012, 2014) propõe o exercício da participação política como contestação. Essa representa a possibilidade de os cidadãos exporem queixas ou apresentarem recursos às decisões políticas e exercitarem seus direitos com o objetivo de reconduzir ao tratamento igualitário as consequências dos atos administrativos. O dinamismo da contestação se aplica ao processo político pela exigência de que as atribuições dos representantes políticos se caracterizem pela transparência e publicidade nas questões que estão sendo objeto de discussão. De acordo com Pettit (2012), essa fase seria denominada de pré-contestatória porque o princípio de atuação exige transparência nos atos dos representantes políticos. A fase de contestação representa a possibilidade de os cidadãos questionarem a pauta política e a votação de projetos de lei. A fase pós-contestação é medida pelo critério da imparcialidade na avaliação das demandas políticas e pela adjudicação dos questionamentos e recursos que foram propostos pelos cidadãos.

A publicidade como princípio de ação política representa a possibilidade de concatenação entre os anseios políticos e os deveres morais. O princípio da publicidade concebe a necessidade de diálogo entre o órgão político legislativo e a sociedade civil. Os cidadãos devem dispor dar informações necessárias para avaliar projetos de lei que serão decididos pela Assembleia Legislativa. O ideal de imparcialidade, no processo de adjudicação, necessita que os órgãos jurisdicionais tenham independência em relação àqueles que nomearam a autoridade jurídica. Esse ideal jurídico se satisfaz pelo compromisso dos cidadãos em garantir a igualdade do poder de influência e o controle sob o governo.

A esfera pública, na contemporaneidade, se encontra dissolvida em textos digitais e espaços de interação comunicativa dos meios de comunicação de massa. Ela pode adquirir o dinamismo das redes sociais no processo de formação da vontade e da opinião política ou respaldar, legitimamente, as decisões parlamentares pelo uso das mídias sociais. A sociedade civil, mediante associações civis e meios de comunicação de massa, pode instaurar atividades de fiscalização e vigilância das decisões parlamentares. Os meios de comunicação de massa podem disponibilizar espaço aos cidadãos para apresentarem suas críticas e opiniões. As mídias digitais podem se tornar o espaço, ser o canal de escuta e consulta acerca da opinião dos cidadãos.

Pettit (2012) concebe que a influência eleitoral e contestatória dos cidadãos deve direcionar o processo de tomada de decisão. O exercício contestatório deve ser caracterizado pela valorização individual das petições e queixas que os cidadãos apresentam ao governo. Além disso, ele acrescenta a característica incondicional ou independente de realização da influência popular. Isso quer dizer que a participação contestatória não se realiza sob a conivência do governante. Ela impõe a influência diretiva como sendo o anseio do cidadão. Os cidadãos manifestam resistência ao governo ilegítimo por meio da contestação das leis e políticas governamentais injustas.

O modelo republicano de democracia se estrutura no anseio por instituições que satisfaçam o sistema de influência popular. O modelo representativo de exercício da influência popular sobre o Poder Legislativo carece de racionalidade quando é avaliada a decisão política mediante pleito, o qual poderá resultar em políticas públicas inconsistentes. As eleições têm a relevância pragmática na composição dos representantes dos cargos públicos e fornecem aos cidadãos a possibilidade de escolha daqueles que os representarão. Contudo, o aspecto eleitoral da democracia se mostra insuficiente para fornecer a ação individualizada e a igualdade de acesso para direcionar as decisões políticas. O modelo eleitoral de democracia se constituiu sob o dilema da tirania majoritária. Por isso, o modelo republicano apregoa que os indivíduos e os grupos sociais poderiam proceder vistas sobre as decisões e fazer contestação. Explica Van Parijs (1999, p. 193): “A democracia aqui não é definida como governo do povo (em conjunto), mas como a contestabilidade pelas pessoas (distributivamente) e, portanto, como intrinsecamente amiga da liberdade (freedomfriendly)”. Essa diferenciação conduz à superação metafísica a figura do povo nas filosofias político-modernas e a pressuposição que qualquer indivíduo, em sua ação singular ou coletiva, pode exigir a orientação da ação dos agentes públicos em conformidade com o interesse comum ou com o respeito à regra de ação não arbitrária.

Essa modalidade de atitude democrática exige que haja transparência nos processos de tomada da decisão e imparcialidade na forma de julgar as críticas às decisões políticas. A forma de influência popular se caracteriza por duas modalidades: diretiva e intencional (as pessoas se informariam e, posteriormente, exigiriam dos agentes públicos a adequação das decisões ao interesse público) e o não intencional (o ato de votar por preferências). O critério de aceitabilidade racional surge pela formação do exercício de influência sobre as políticas públicas. A legislação democrática promulgada necessita que seja revisada sob a perspectiva da função reguladora e do constrangimento, que impuseram aos cidadãos. Esse processo legislativo ocorreria pela via deliberativa. “Para tornar possível a contestação, a legislação deve ocorrer em um contexto de debate para que todos os lados estejam representados, e apenas as razões que são aceitáveis em tal debate podem ser reconhecidas como relevantes”. (VAN PARIJS, 1999, p. 194).

A normatividade da teoria republicana da democracia está na exigência de que os atores sociais possam conviver em um sistema político de igual capacidade para influenciar no processo de formação da vontade política e das decisões governamentais. A estrutura política deve satisfazer a possibilidade de realização das determinações coletivas e deve ser estável em tempos de infortúnio e devassidão político-moral (corrupção). Em outras palavras, as instituições políticas devem se alicerçar no ideal político que seja o sustentáculo em tempos em que os cidadãos estejam mais dispostos à virtude política e, principalmente, nos momentos em que o caráter corruptível das ações civis predomina sobre as decisões políticas.

Os arranjos que apoiamos devem ser capazes de sobreviver às eslingas e flechas de nossa natureza rebelde e os obstáculos que pode colocar no caminho do progresso social. O republicanismo cívico está totalmente de lado com o argumento de que a filosofia política deveria dar atenção, se não exclusiva, às iniciativas viáveis e instituições sustentáveis. (Marti & Pettit, 2010). A tradição está marcada, como mencionamos, por um compromisso com a constituição mista e uma cidadania contestatória, em que estes são lançados como requisitos para evitar a corrupção do Estado. A constituição mista é defendida por esses motivos por Políbio, Maquiavel, Harrington e, claro, pelos autores do Federalist papers. (PETTIT, 2017b, p. 9).

Na tradição republicana, a análise da degeneração dos regimes políticos é contida pela constituição mista como sendo a forma de proteção perante a corrupção das instituições. A constituição estabelece mecanismos políticos de defesa e contrabalanceamento das formas de dominação. Os cidadãos dispõem da contestação como sendo a ação de oposição às arbitrariedades estatais.

A constituição mista não é um modelo para a concepção de instituições públicas, é claro, e assumir esse papel levou a regimes com problemas muito salientes, como os problemas de bloqueio e oligarquia nos Estados Unidos. Mas a ideia sinaliza um compromisso dentro da tradição republicana de pensar para proteger contra um desprezo utópico pelos problemas de viabilidade e, em particular, de sustentabilidade. Aqui, como em outras posições, penso que a abordagem tem boas credenciais realistas. (PETTIT, 2017b, p. 9).

O modelo republicano de filosofia política prescinde de abstrações e princípios a priori para a construção da sua teoria da justiça. Ele se alicerça nas exigências normativas da liberdade como não dominação para extrair os recursos necessários para a vida social e política equilibrada na sociedade moderna.

O fundamento da democracia contestatória está na capacidade de influenciar no e exercer o controle social. A assembleia se constitui em espaço propício para o exercício dos direitos políticos e a eleição dos representantes. Esses, sub judice, são inqueridos e avaliados por seus eleitores nos moldes da democracia moderno-representativa. (PETTIT, 2012, p. 198). Contudo, o controle coletivo é pressuposto à garantia dos direitos individuais e para que não haja discriminação com a minoria derrotada. O controle coletivo possibilita que cada indivíduo exerça sua capacidade de apresentar queixas ao aparelho estatal. (PETTIT, 2012, p. 209-217).

Para Pettit essa modalidade de influência popular resulta no fato de que os cidadãos se observam envolvidos em seus direitos políticos como eleitores e contestadores. Por isso, o Estado de Direito teria a obrigação de guardar os indivíduos contra a dominação privada (dominium). Para isso é requerida justiça, e é necessária a forma de proteção contra a dominação pública (imperium) com o uso do controle popular perante o poder arbitrário do governante.

Pettit (2017b) critica a perspectiva vanguardista dos filósofos que ousaram conceber, metafisicamente, o certo e o errado. Eles se colocam como seres superiores aos cidadãos e se postulam como mestres da sociedade. Os vanguardistas se arrogam uma autoridade superior que não é possível que seja oferecida em uma sociedade democrático-contemporânea.

A democracia republicana prioriza o exercício dos direitos políticos básicos (liberdade de expressão, liberdade de voto, liberdade de associação, etc.), como sendo ferramenta à formação da vontade política. Além disso, ele salienta a atitude contestatória dos cidadãos perante as formas injustificadas de desigualdade de tratamento. Essa perspectiva democrática realiza o compartilhamento dos direitos políticos entre os cidadãos e incentiva a que exerçam o controle popular sobre as decisões governamentais.

Que a democracia seja tomada como um valor, então – um valor, como pensam os republicanos, que está enraizado na preocupação das pessoas em não ser dominadas – e isso irá colocar restrições sobre o que o povo pode fazer, sobre como o demos pode exercer o seu kratos. Isso argumenta, em minha opinião, para a constituição consolidando os direitos democráticos básicos, colocando-os além de qualquer possibilidade de alteração. Esses direitos estabelecem a reivindicação de todos os cidadãos para poderem votar, ocupar cargos e contestar as decisões políticas por canais estabelecidos, bem como o pressuposto das formas de reivindicação da liberdade de expressão e de associação. (PETTIT, 2017b, p. 10).

A autoridade política é compartilhada no exercício dos direitos democráticos. Além disso, a realização da vida política exige educação inclusiva e o acesso aos recursos materiais, sociais, médicos e judiciais para a garantia e o desenvolvimento das capacidades humanas e cívicas.

O ideal orientador republicano exige que eles assumam o papel democrático de interlocutores respeitosos que visam persuadir os outros, não lhes [sic] aniquilando. Isto está em consonância com a mais longa tradição, na qual o perigo da dominação pública – o perigo de dominação por parte de um governo que não é adequadamente limitado pelas pessoas – é tão grande quanto o perigo da dominação privada. (PETTIT, 2017b, p. 11).

Nesse sentido, os cidadãos interagem discursivamente, com o objetivo de alcançar o entendimento sobre as normas que guiarão a sociedade política. Essa atitude permite reconhecer as formas de dominação públicas e propor medidas à garantia da liberdade civil.

Considerações finais

Na história do republicanismo, segundo Pettit (2012), a ideia de constituição mista e a contestação representaram as formas de resistência ao governo despótico. A constituição mista impede que o órgão político estabeleça a unicidade de seu poder sobre a sociedade. A autoridade política deveria reverenciar os anseios populares e estaria impossibilitada de impor sua vontade arbitrária. A divisão e a separação dos Poderes Políticos se configuram como sendo a forma de restrição ao anseio arbitrário da autoridade política.

A teoria republicana de democracia demonstra que a participação política deve ocorrer sempre que forem necessárias a proteção e a defesa perante as formas de dominação pública (imperium). O Poder Político-democrático tem intersecção com a liberdade quando os cidadãos realizam o controle sobre as atividades dos representantes políticos. O controle popular exercido de forma individual, independente e eficaz, poderá influenciar nas e direcionar as decisões políticas.

A questão da influência no modelo schumpeteriano está minimamente expressa nas escolhas individuais no ato eleitoral. Os indivíduos autointeressados e egoístas não se dispõem a compor o interesse público ou a satisfazer o critério de igual consideração e respeito. Eles se predispõem a negociar e a realizar seus interesses pessoais na escolha democrática. Por isso, o processo eleitoral é o momento de escolha do programa de governo que satisfaça o interesse egoísta, e o “interesse público” se reduz à intersecção entre os interesses privados e as preferências. Os indivíduos não estão dispostos a conviver em uma sociedade igualitária. Eles anseiam somente a satisfação de seus interesses.

A perspectiva republicana assevera que o interesse público não pode se reduzir à intersecção dos interesses privados. O ideal de bem comum representa os princípios normativos que os cidadãos compartilham como membros de uma comunidade política e garante o status social e político de igual participação no processo democrático.

A ideia republicana de povo e participação política não adquiriu conotação metafísica, como realizaram as teorias modernas; surgiu como representando a possibilidade, individual ou coletivamente, de exercício do controle popular sobre a arbitrariedade estatal. Em verdade, o conflito entre a imposição da dominação legal e a proteção dos direitos individuais e políticos só podem ser equilibrados pelo exercício contestativo da política.

A atividade contestatória desempenha a função de alertar sobre as formas de dominação e subjugação que são exercidas pelos funcionários do Estado de Direito. A contestação ocorre na esfera pública e nos meios de que os cidadãos dispõem para, reciprocamente, realizar a formação de opinião e de vontade política. Os cidadãos realizam o ato de influência mútua e questionam as decisões dos representantes políticos.

Essa forma de contenção do imperium interessa à realização do sentido primordial da democracia como nível relacional de igualdade entre os cidadãos, e as diferenças sociais e econômicas não são motivos para tratamentos desiguais ou que haja diferença na capacidade (poder) de influência entre os cidadãos.

1Em Republicanism, Pettit (1997) havia caracterizado a dominação sob a ambivalência imperium/dominium como representando a coerção que o Estado e os indivíduos ou grupos exercem sobre outrem. Como explica o autor (1997, p. 22): “Dominação, como eu entendo aqui, é exemplificada pela relação de um mestre ao escravo ou mestre para o servo. Essa relação significa, no limite, que o partido dominante pode interferir de forma arbitrária nas escolhas dos dominados: pode interferir, em particular, na base de um interesse ou uma opinião que não precisa ser compartilhada pela pessoa afetada.” Nesse sentido, é postulado que o Estado teria a obrigação de colocar o ideal de não dominação como a única forma possível de interação social. O revival da teoria republicana alicerçou a ideia de que o Estado deve promover o ideal de liberdade e que não é somente um valor para a vida ou possui uma importância última. Ela é uma exigência para os governantes manterem as formas de vida das pessoas. (PETTIT, 2012).

2A obra On the people’s terms (2012) consolida o esforço de Pettit em aprofundar as teses republicanas sobre a democracia que haviam sido germinadas na década de 90 com Republicanism (1997), e elas vinham sendo objeto de investigação e disseminação em artigos e capítulos de livro publicados posteriormente de maneira esparsa, durante duas décadas de pesquisa. (PETTIT, 2014, p. 241). Como salienta Lovett (2013, p. 1): “On the People’s Terms de Philip Pettit denota uma importante declaração, abrangente da doutrina política republicana contemporânea”. Essa opus objetiva consolida a teoria republicana da democracia ao reafirmar os princípios do Republicanism e fornecer uma nova argumentação sobre a ideia de democracia e justiça social que estavam implícitas nesse livro. Por consequência, On the people’s terms responde às críticas que se originaram da publicação da obra Republicanism e, simultaneamente, explicita os princípios clássicos da tradição republicana: o governo misto, a defesa do império da lei (rule of law) e a importância da participação dos cidadãos em assuntos públicos.

3Pettit (1997, p. 7-8; 1999, p. 25; 48-50; 2006, p. 302) denomina populista (populist) a teoria política que enfatiza a característica de autogoverno e a necessidade de autoentendimento ético no processo político. Segundo ele, as teorias políticas de J.-J. Rousseau, H. Arendt e M. Viroli seriam exemplos dessa modalidade populista de pensar a política. Essas teorias políticas afirmariam a necessidade da reunião do povo em assembleia e a constituição de uma forma de vida boa (ética) mediante a participação política. Na teoria política norte-americana, o termo comunitarista (communitarian) corresponderia ao significado do termo que Pettit utiliza para denominar as teorias políticas de populistas (populists). Como explica Pettit (1997, p. 8): “Essa abordagem representa as pessoas em sua presença coletiva como mestre e o Estado como servo, e sugere que as pessoas devem contar com os representantes e os funcionários do Estado somente quando absolutamente necessário: a democracia direta, seja por assembleia ou plebiscito, é a opção preferida sistematicamente”.

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Recebido: 27 de Abril de 2018; Aceito: 26 de Junho de 2018

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