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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.23 no.spe2 Caxias do Sul  2018  Epub 13-Set-2019

https://doi.org/10.18226/21784612.v23.especial.3 

Dossiê Educação, Ética e Religião

A espiritualidade na formação de professores em tempo de catástrofes: considerações a partir de Viktor Frankl#

Spirituality in teacher training in disaster times: considerations from Viktor Frankl

La espiritualidad en la formación de profesores en tiempo de catástrofes: consideraciones a partir de Viktor Frankl

Amarildo Trevisan* 

Luiz Cláudio Borin** 

*Graduação em Filosofia pela FAFIMC/RS. Especialização em História pela FUBRAE/ GO. Mestrado em Filosofia pela UFSM/RS. Doutorado em Educação pela UFRGS/RS. Pós-Doutorado em Humanidades (UC3M/Madri-Espanha). Professor Titular na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS). Pesquisador PQ 1D – CNPq. : trevisanamarildo@gmail.com

**Graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Imaculada Conceição. Especialização em Educação Sexual pela Faculdade Franciscana. Especialização em Metodologia do Ensino Religioso pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Mestrado em Educação pela UFSM. Doutorando em Educação pela UFSM. Professor no Colégio G 10, nas disciplinas de Filosofia e Sociologia, no Ensino Médio. Professor no Colégio Marco Polo, na disciplina de Sociologia, no Ensino Médio. Atua também como professor nomeado na Escola de Ensino Fundamental Patrício Dias Ferreira na disciplina de Ensino Religioso, no Ensino Fundamental, séries finais, no Município de Caçapava do Sul – RS. : borinluizclaudio@gmail.com


RESUMO

Resumo

O artigo procura analisar o tema espiritualidade diante de eventos catastróficos, investigando como a educação pode contribuir para a reconstrução das mazelas provocadas por tais episódios. Na formação docente, é importante levar em conta a consolidação da normatividade e a expressividade do sentido como meio de compreender como os traumas e as catástrofes tomaram-se parte do nosso cotidiano. Eles vêm ocupar um lugar vazio de sentido, pois as pessoas só se sensibilizam diante de imagens chocantes. A discussão gira em torno do pensamento de Viktor Frankl, especialmente a partir de sua obra A presença ignorada de Deus, prevendo a contribuição da espiritualidade para a discussão do tema na perspectiva hermenêutica. O dilema situa-se em uma educação que permanece na reprodução de modelos ou numa educação que desperta os educandos para visualizarem outros horizontes, permitindo que novos saberes aconteçam nos ambientes escolares, entre eles a espiritualidade que auxilia a saber expressar e saber prevenir, ou saber priorizar o sentido do humano em todas as ações. Nesse caso, a educação pode colaborar na discussão sobre a relação da espiritualidade com as catástrofes, oportunizando a compreensão da realidade espiritual através da hermenêutica e, assim, as possibilidades de tratamento do tema de forma a não separar os sujeitos dos acontecimentos que os condicionam a agir daquela forma. Nessa perspectiva, a educação tem seu potencial humanizador reforçado, ao tecer entrecruzamentos entre a educação e a logoterapia, discutindo o tema numa dimensão emancipadora. Assim, a espiritualidade, na educação, tem como pretensão dissipar o frio existencial, fazer derreter o inverno gélido do coração do homem contemporâneo em suas relações pessoais e comunitárias. A espiritualidade amplia a discussão na dimensão acadêmica, para que essa venha a criar dispositivos que contribuam à formação integral do ser humano.

Palavras-chave:  Espiritualidade; Educação; Formação; Catástrofe

ABSTRACT

Abstract

The article tries to analyze the theme spirituality in the face of catastrophic events, investigating how education can contribute to the reconstruction of the ills caused by such episodes. In teacher education, it is important to take into account the consolidation of normativity and the expressiveness of meaning as a means of understanding how traumas and catastrophes have become part of our daily lives. They come to occupy an empty place of sense, because people are only sensitized by shocking images. The discussion revolves around the thinking of Viktor Frankl, especially from his work The ignored presence of God, predicting the contribution of spirituality to the discussion of the theme in the hermeneutic perspective. The dilemma lies between an education that remains in the model of reproduction or an education that awakens the students to visualize new horizons, allowing new knowledge to happen in school environments, among them the spirituality that helps in knowing how to express and knowing how to prevent, or knowing how to prioritize the meaning of the human in all actions. In this case, education can collaborate in the discussion about the relation of spirituality to disasters, providing an understanding of spiritual reality through hermeneutics and, thus, the possibilities of treating the theme so as not to separate subjects from events that condition them to act that way. In this perspective, education has its humanizing potential reinforced by weaving the crossroads between education and logotherapy, discussing the theme in an emancipatory dimension. Thus, spirituality in education aims to dissipate the existential cold, to melt the icy winter of the heart of contemporary man in his personal and community relations. Spirituality broadens the discussion in the academic dimension, so that it can create devices that contribute to the integral formation of the human being.

Keywords:  Spirituality; Education; Formation; Catastrophe

RESUMEN

Resumen

El artículo busca analizar el tema espiritualidad ante acontecimientos catastróficos, investigando cómo la educación puede contribuir a la reconstrucción de las molestias provocadas por tales episodios. En la formación docente es importante tener en cuenta la consolidación de la normatividad y la expresividad del sentido como medio de comprender cómo los traumas y catástrofes se tornaron parte de nuestro cotidiano. Ellos vienen a ocupar un lugar vacío de sentido, pues la gente sólo se sensibiliza ante imágenes chocantes. La discusión gira en torno al pensamiento de Viktor Frankl, especialmente a partir de su obra La presencia ignorada de Dios, previendo la contribución de la espiritualidad a la discusión del tema en la perspectiva hermenéutica. El dilema se sitúa entre una educación que permanece en la reproducción de modelos o una educación que despierta a los educandos para visualizar nuevos horizontes, permitiendo que nuevos saberes ocurran en los ambientes escolares, entre ellos la espiritualidad que auxilia en saber expresar y saber prevenir, o saber priorizar el sentido de lo humano en todas las acciones. En este caso, la educación puede colaborar en la discusión sobre la relación de la espiritualidad con las catástrofes, oportunizando la comprensión de la realidad espiritual a través de la hermenéutica y, así, las posibilidades de tratamiento del tema para no separar a los sujetos de los acontecimientos que los condicionan actuar de esa forma. En esta perspectiva, la educación tiene su potencial humanizador reforzado, al teñir entrecruzamientos entre la educación y la logoterapia, discutiendo el tema en una dimensión emancipadora. Así, la espiritualidad en la educación tiene como pretensión disipar el frío existencial, hacer derretir el invierno gélido del corazón del hombre contemporáneo en sus relaciones personales y comunitarias. La espiritualidad amplía la discusión en la dimensión académica, para que ésta venga a crear dispositivos que contribuyan a la formación integral del ser humano.

Palabras clave:  Espiritualidad; Educación; Formación; Catástrofe

Palavras introdutórias

Nos dias atuais, a educação ainda se defronta com muitas incógnitas sobre sua atuação na formação das novas gerações, especialmente no sentido de relacionar a espiritualidade com ao ambiente sobrecarregado de tragédias e catástrofes em que vivemos. O terrorismo internacional, o aquecimento global, as guerras internas e entre países, a violência cotidiana das grandes metrópoles, o tráfico internacional de drogas e de seres humanos e a comunicação planetária tornam nosso contexto saturado de informações constantes nesse sentido. No entanto, nas primeiras duas décadas do século XXI, persistem, ainda, muitos modelos educacionais que estão longe de contribuir para a formação da espiritualidade humana e para fazer frente a esse contexto adverso, desde a Educação Básica até os cursos de formação de professores. Algumas áreas do conhecimento se aventuraram a responder a essa questão, como é o caso do âmbito jurídico, entretanto, dentro do contexto educacional e da formação de professores, ainda se requerem muitos estudos.

Recentemente, por exemplo, a Justiça no Brasil levou a um acordo judicial inédito e milionário de indenização por dano espiritual relacionado a uma tragédia de grandes proporções: a empresa aérea Gol que aceitou pagar aos índios da etnia Kayapó, do Estado do Mato Grosso, a quantia de R$ 4 milhões. Os índios irão receber este recurso da empresa Gol Linhas Aéreas por danos materiais e imateriais sofridos após a queda do avião da Gol, em 2006, nas suas terras, na região de Capoto-Jarina, no norte do estado do Estado de Mato Grosso. Os danos se referem ao relato de que os índios ouviram vozes dos espíritos das pessoas que foram vitimadas na colisão do avião Legacy com o Boeing da Gol. Membros daquele grupo dizem que a floresta virou uma “casa de espíritos”, sendo que os espíritos dos mortos, que estariam vagando naquele local, não permitiam o uso da terra para caça, pesca e habitação.1

É nesse caminho que o artigo pretende efetuar reflexões a respeito da espiritualidade diante de acontecimentos trágicos na perspectiva da hermenêutica e no intuito de averiguar, em que medida, a educação, em especial, a formação de professores, pode colaborar com a discussão, tendo como suporte os pressupostos teóricos da obra de Viktor Frankl (1905-1997). Nesse caso, a educação pode colaborar com a discussão sobre a relação da espiritualidade com as catástrofes, oportunizando a compreensão da realidade espiritual através da hermenêutica e, assim, das possibilidades de tratamento do tema de forma a não separar os sujeitos dos acontecimentos que os condicionam a agir daquela forma.

Quando esteve preso em quatro campos de concentração, na Segunda Guerra Mundial, Frankl teve interesse pelo comportamento humano e começou a observar as motivações dos prisioneiros em manter uma chama de esperança para permanecerem vivos. Desse modo, tentou responder a perguntas pelo sentido da vida humana em condições extremamente desfavoráveis. A partir dessas vivências, ele criou a logoterapia, terapia do sentido da vida, que busca trabalhar em bases teóricas constituídas por elementos espirituais, os quais ultrapassam a barreira entre religião e ciência. A tarefa da logoterapia é recuperar o eu profundo da pessoa, o qual, muitas vezes, se encontra preso no determinismo de várias naturezas, na perspectiva da dimensão ontológica, isto é, na busca do significado da vida para além da realidade mental ou cognitiva.

Uma vez descoberto o sentido, ele se impõe à pessoa (SILVA; SILVA, 2014, p. 205), por isso a teoria frankliana analisa o ser humano nas dimensões física, psíquica e espiritual. A religiosidade para ele leva a duas ações básicas: à condicional ou à incondicional. Se a religiosidade é incondicional, ela se fortalece diante do desamparo e da catástrofe. (FRANKL, 1995). É igual ao fogo que, quando pequeno, a tempestade liquida, mas quando grande se torna atiçado por ela. “Essa foi a maneira de Frankl falar sobre a fé no campo de concentração, ao constatar a manifestação religiosa entre os prisioneiros e também um fortalecimento da crença no transcendente após a guerra”. (SILVA; SILVA, 2014, p. 210).

Dessa maneira, com auxílio desse campo do conhecimento, o artigo procura evidenciar como a dimensão espiritual pode auxiliar o ser humano a decidir quais os melhores caminhos para percorrer, após se deparar com experiências traumáticas. Nesse ponto, se colocam dois questionamentos a serem pensados: Com quais alternativas teóricas a espiritualidade, analisada pela ótica de Viktor Frankl, pode ajudar a pensar os eventos catastróficos na formação de professores? Como os cursos de formação de professores podem contribuir para auxiliar na discussão da espiritualidade imersa nesse contexto? Com base nas compreensões hermenêuticas da espiritualidade na prevenção das catástrofes, buscamos primeiramente discutir o diagnóstico do contemporâneo, do ponto de vista do médico psiquiatra vienense Viktor Frankl, tendo como ponto de partida da reflexão a obra que resultou de sua tese de doutoramento: A presença ignorada de Deus. A partir dos pensamentos de Frankl, faremos algumas incursões pela educação, bem como no caminho da formação de professores. O objetivo é o de repensar novos referenciais e possibilidades para incrementar a compreensão dos processos educacionais nas questões relativas a situações catastróficas.

A logoterapia e a espiritualidade

Desde os primeiros anos da era do progresso até sua reestruturação no início do século XIX e no século passado, acontecimentos bárbaros e devastadores marcaram a história. Diariamente estamos submetidos a um bombardeio de notícias que anuncia eventos trágicos e catastróficos em grande parte do globo terrestre. Muitos eventos dessa natureza tiveram destaque na história da humanidade, e há uma variedade desses acontecimentos que, no século XX, podem ser analisados. A história está permeada de uma leitura fatalista que qualifica o século XX como o “século das catástrofes”. (HOBSBAWM, 2003). Essa narrativa é, de certo modo, possível porque foi ordenada por debates patrocinados pelas duas Grandes Guerras, a guerra fria e os envolvimentos provocados pelo surgimento do socialismo. Em vista disso, no mundo atual, paira uma sensação de falta de sentido ou vazio existencial. (FRANKL, 2010). Mesmo vivendo numa época de fácil acesso à informação e promoção de conhecimentos no que se refere às maneiras de agir, a procedimentos morais, a comportamentos éticos e valores, percebemos que a crise ainda persiste. Vemos, assim, a necessidade de recorrer à educação, fundamentada no pensamento de Frankl, quando ele observa que “numa época em que as tradições e os valores universais que elas encerram se vão esboroando, educar significa, portanto, no fundo e em última instância – e até diria, mais do que nunca – formar a consciência pessoal”. (1989, p. 30).

O paradigma moderno-ocidental buscou fundamentação em questões epistemológicas, procurando revelar um olhar externo ao indivíduo. Contudo, temos observado que o tema espiritualidade está ocupando muitos espaços tanto na sociedade e nos estabelecimentos educativos, bem como nos meios de comunicação, através da indústria cinematográfica ou até mesmo em noticiários. Recentemente, ouvimos uma notícia veiculada nos meios de comunicação, relatando que uma pesquisa realizada pela Sociedade Gaúcha de Cardiologia dizia que há indícios claros da relação entre religião e saúde. O grupo de estudo pesquisou a problemática da religiosidade no tratamento de pacientes doentes no Rio Grande do Sul. O maior desafio do grupo era o de tentar entender a influência da espiritualidade na cura. A pesquisa foi realizada em um dos maiores hospitais de Porto Alegre, o Hospital São Francisco, do Complexo da Santa Casa. O modelo foi realizado com 260 pessoas que estavam com problemas cardíacos. Os pacientes foram ouvidos na véspera de fazer a cirurgia do coração, e todos disseram que acreditavam em Deus e que confiavam na cura; 71,1% dos participantes da pesquisa disseram acreditar na vida após a morte, e 70% desses pacientes revelaram que gostariam que os médicos falassem mais sobre espiritualidade.2 Por isso, concordamos com Silva e Silva, quando definem a espiritualidade como sendo uma dimensão essencialmente humana, mas não apenas complementar às demais:

Diferentemente do significado de religião, a espiritualidade pode ser definida como um sistema de crenças que engloba elementos subjetivos, que transmitem vitalidade e significado a eventos da vida; está inserida na humanidade desde antes da sua criação e, pode mobilizar energias e iniciativas extremamente positivas e potenciais na busca de um sentido, influenciando na qualidade de vida. (2014, p. 208).

No entanto, a discussão acerca da espiritualidade ficou muito secundarizada e, ao mesmo tempo, e de certa forma, tornou-se um grande desafio nos meios acadêmicos e na Educação Básica. A educação não recai restritamente numa vida corpóreo-psíquica somente, mas é analisada de modo mais amplo, pois tem outras dimensões a serem potencializadas. Outros campos debatem a dimensão espiritual, porém, na educação, ainda é preciso um esforço hercúleo para fazer desabrochar a temática. Há uma dificuldade na conciliação entre os mundos científico e espiritual dentro dos estabelecimentos de ensino, sendo que o desenvolvimento da positividade na educação promove um modelo que ainda coloca a dimensão espiritual à margem do seu processo de trabalho. Não se está falando da inclusão ou não da disciplina Ensino Religioso nos currículos, embora isso seja importante, mas daquela forma de trabalho que leva em consideração, no contexto educativo, o ser humano em sua integralidade bio-psíquica e espiritual.

Por isso, há uma grande necessidade de projetar uma educação que transponha o projeto calcado na cientificidade moderna, visto que a própria ciência, hoje, se abre ao tema de modo mais amplo que a própria educação.

As reflexões acerca das tragédias remetem a uma tentativa de compreensão de como a espiritualidade pode contribuir para o esclarecimento do tema. Os aportes teóricos de Frankl visam, portanto, a contribuir com o cenário da discussão. A espiritualidade tem a pretensão de proporcionar o senso de identidade e propósito significativo à vida. Juntamente com a educação, a religiosidade permite criar um cenário enriquecedor que acrescenta qualidade aos discursos e práticas educacionais na escola. Enquanto esteve preso nos campos de concentração, na Segunda Grande Guerra, Frankl teve interesse pelo comportamento humano e começou a observar a motivação dos prisioneiros para manter uma vaga esperança de permanecerem vivos. É a partir dessa perspectiva que o pensador tenta responder às perguntas pela significação da vida humana em condições extremamente desfavoráveis. A partir dessas vivências, surge a logoterapia, como terceira escola da Psiquiatria, a qual tem a pretensão de visar como fim ao sentido da vida. Suas bases teóricas são constituídas por elementos espirituais, que ultrapassam a barreira entre religião e ciência, já que para Frankl o homem é constituído de corpo, alma e espírito. Por isso, a logoterapia parte do princípio de que o homem possui um inconsciente espiritual e, portanto, é um ser espiritual capaz de decidir quais caminhos quer percorrer, sabendo como lidar com suas experiências traumáticas. Frankl (2003) entende ser possível transformar uma tragédia em uma experiência de conquista humana, bastando para isso lançar mão do conceito de “valor de atitude”, que é um suporte capaz de dar finalidade à vida na sua plenitude.

Na sua obra Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração (publicada pela primeira vez em 1946), Frankl relata suas experiências de prisioneiro de um campo de concentração, descrevendo seu método psicoterapêutico para encontrar sentido em todas as formas de existência (mesmo as mais trágicas), na medida em que buscava uma razão para continuar vivendo. Fruto dessa busca, percebeu que o homem tem de buscar forças na dimensão espiritual, pois é aí que pode encontrar um direcionamento nos momentos em que a vida exige respostas a situações dramáticas. Partindo do pressuposto de que o ser humano é constituído de religiosidade na relação interpessoal, vale, então, afirmar que o indivíduo reflete a imagem que se forma a partir de uma complexa rede de relações: consigo mesmo, com o cosmo, com os outros e com Deus.

As análises de Frankl ajudam a pensar um indivíduo que pode encontrar sentido na vida de três formas distintas: 1) criando um trabalho ou praticando um ato – caminho da realização; 2) experimentando algo – como a bondade, a verdade e a beleza –, experimentando a natureza e a cultura ou encontrando alguém – amando-o; 3) pela atitude que tomamos em relação ao sofrimento inevitável – somos desafiados a mudar nós mesmos e dar testemunhos do potencial especificamente humano. Dessa maneira, uma educação que busca ser humanizadora, coloca tanto o educando quanto o educador como sujeitos em seus propósitos. Nesse aspecto, acredita ele que “a vida tem um sentido potencial sob quaisquer circunstâncias”. (FRANKL, 2011, p. 10). As diversas situações vividas e experimentadas podem ser transformadas em saberes, que darão significado à vida e formarão identidades. A educação consiste, nessa visada, em formar um homem sujeito e cidadão com olhar voltado à comunidade, à vida e à promoção de si e do outro.

Contudo, para entender a importância da dimensão espiritual a partir da obra A presença ignorada de Deus, Frankl afirma que a existência humana não passa por um plano preponderante de reflexão racional e que o “eu em si mesmo” é irreflexível e, assim, somente executável e existente somente em suas execuções. Em outras palavras, ele quer dizer que a “existência propriamente dita continua sendo um fenômeno primário [Urphänomen] não analisável e irredutível”. (FRANKL, 2014, p. 26). Por essa razão. a educação não se limita ao conhecimento técnico ou cognitivo exclusivamente, mas abre possibilidades de discussão do significado que cada um procura dar à sua própria existência fática. A presença ignorada de Deus é uma obra na qual Frankl faz uma análise existencial, em que desvela a espiritualidade inconsciente no relacionamento com Deus. Para ele, a fé inconsciente da pessoa consiste em fortalecer a ideia de que o ser humano tem de ir em direção a Deus. Nesse ponto, se coloca a descoberta do sentido, que não é algo desvelado racionalmente, mas que ocorre no nível pré-reflexivo, ou intuitivo, e pressentido emocionalmente. Três vias são apresentadas por ele para a descoberta do sentido: valores criativos, valores vivenciais e valores de atitudes. Se o espaço de criatividade é permitido pelos valores de criação, e se a vivência de algo é possibilitada pelos valores vivenciais, é pela experiência do sofrimento que o homem transforma, em si, a tragédia em superação, ou seja, a experiência da dor em amor. (FRANKL, 1992).

Dessa forma, uma educação integral auxilia na busca de um sentido potencial, que forneça a ressignificação da vida. Para tanto, deve promover ações que busquem a construção da identidade do indivíduo, suas necessidades afetivas, cognitivas, sociais e ideológicas. Nas palavras de Frankl, “não é o ser humano quem faz a pergunta sobre o sentido da vida, mas, ao contrário, o próprio ser humano é o interrogado, é ele quem deve responder, quem deve dar respostas às eventuais perguntas que sua vida possa lhe colocar”. (2014, p. 17). O ser humano tem que encontrar um espaço promissor para a reflexão e tentar responder às eventuais situações que a vida apresenta. É por isso que, dentro dessa perspectiva, podemos observar que, na teoria frakliana, a responsabilidade torna-se necessária e deve estar associada à educação como prática da liberdade que promove a possibilidade de escolha e que impulsiona à tomada de decisão e à ação.

Por isso Frankl afirma que a educação tem que procurar ser, mais do que nunca, “uma educação para a responsabilidade”. (2014, p. 88). Visto que a responsabilidade é uma chave de leitura para o entendimento educativo em Frankl, a primeira meta da educação deveria ser a formação humana em sua plenitude; uma educação em consonância com os sujeitos para os quais ela se destina, respeitando sua identidade, sua cultura e suas necessidades. Deixa claro, desse modo, que “o ser humano é uma criatura responsável e precisa realizar o sentido potencial de sua vida”. (2003, p. 135). Uma educação pensada nesse viés é aquela que proporciona aos sujeitos a capacidade de eleger e saber discernir os diversos caminhos apontados. Isso implica educação para a responsabilidade, seja pela sua própria vida ou pelo futuro das sociedades. Assim, a educação procura orientar os educandos no que fazer e como fazer, diferentemente dos homens e da educação do passado, inseridos num tecido cultural unitário. A educação para a responsabilidade está em trazer de volta aos homens a dignidade perdida quando foram “expulsos do paraíso”, sentimento esse que perpassa pela humanidade cada vez que um fato trágico ou catastrófico de grandes proporções acontece.

Por isso, a responsabilidade propicia a capacidade de autonomia. Considera, assim, que o sujeito interessado em ressignificar sua vida e existência encontra na educação um chão fecundo para buscar uma melhor compreensão. Por isso, ela cumpre um papel significativo, não somente com uma instituição que visa a passar conhecimentos básicos aos sujeitos, mas como algo que pode agregar valores existenciais importantes. A educação ganha um sentido pessoal; se é para o educando um meio de realização e projeção de vida, então, se verá atraído por ela. Procura, assim, orientar os sujeitos a encontrar o logos do sentido em muitas outras realidades, capacitando-os para criar propósitos que sejam dignos. Investigando as finalidades da educação brasileira, de modo geral, há uma preocupação em treinar os educandos para o desempenho de habilidades e competências, bem como para a transmissão de conhecimentos. A educação virou, de certo modo, um adestramento, visando ao cognitivo, revelando a presença de certo reducionismo nas suas práticas. Frankl (2014, p. 83) considera que a educação não se limita a uma reprodução, mas a uma descoberta: “O sentido não pode ser dado, mas precisa ser encontrado [...]. O sentido da vida não pode ser inventado, ele precisa ser descoberto”. A educação para o sentido visa a uma preparação para a liberdade responsável, tornando os educandos sujeitos aptos a fazer escolhas e traçar projetos de vida.

Com um olhar mais crítico, nota-se que há um mercado que se beneficia do vazio existencial. A falta de uma educação voltada à responsabilidade gera, de certa forma, uma preocupação em tentar resolver os problemas da sociedade pelo aspecto legal e não formativo. Nesse contexto, as iniciativas de políticas públicas de educação buscam criar mecanismos burocráticos para resolver problemas relativos à educação brasileira. O que ocorre, de fato, com a burocratização da esfera escolar, é o reconhecimento de que não se sabe qual caminho seguir, recaindo em uma leitura fatalista da realidade. É nessa perspectiva que a educação pensada por Frankl é um bom propósito para afinar a consciência ou, quem sabe, para poder ouvir a voz da consciência como um órgão dos sentidos. Surge, assim, uma formação que capacita o indivíduo a guiar-se pela consciência, capaz de fazer frente aos instintos, impulsos, estímulos sociais e de se pautar pelo que tem sentido e é essencial. Frankl procura mostrar que

a consciência não poderia “ter voz”, pois ela própria “é” a voz, a voz da transcendência. Esta voz somente é ouvida pelo homem, ela não provém dele; ao contrário, somente o caráter transcendente da consciência faz com que possamos compreender o ser humano. (2014, p. 49).

Permeada por esse contexto, a educação não pode limitar-se a ser entendida somente como escolaridade, cujos saberes ficam limitados a conteúdos estáticos que não desenvolvem, nos educandos, uma visão mais ampla e crítica de mundo. Mas, por meio de fazeres educativos mais complexos, as pessoas poderão encontrar caminhos que lhes darão forças para acreditar que podem fazer frente a possíveis tragédias e catástrofes que, a toda hora, são disseminadas, no seu cotidiano, trazidas pelo universo das comunicações planetarizadas.

A espiritualidade na formação de professores

Nesse ponto, podemos retomar as duas questões expostas inicialmente no texto: Com que alternativas teóricas a espiritualidade, analisada pela ótica de Viktor Frankl, pode ajudar a pensar nos eventos catastróficos na formação de professores? Como os cursos de formação de professores podem contribuir para auxiliar na discussão acerca da espiritualidade imersa nesse contexto? Como dito anteriormente, a educação, em muitas concepções, fica limitada ao simples fato de informar ou conhecer, como algo estático, não dinamizando o potencial emancipatório inerente à sua proposta. As experiências realizadas no campo pedagógico do Ocidente, como a Paideia grega, a Humanitas latina e a Bildung alemã, procuraram discutir os processos educativos sob a perspectiva de valorização da cultura. Todas essas experiências foram precedidas por grandes crises do contexto, sendo que a formação cultural daí advinda foi uma resposta a tais eventos. Suas repercussões, no contexto histórico, mostram ser possível realizá-las, buscando elementos esquecidos no tempo, para que as questões humanas contemporâneas sejam amplamente consideradas.

Na formação de professores, atualmente, existem propósitos calcados na sua formatação no sistema cartesiano de racionalidade fragmentada, que não permite conectar os conhecimentos com o contexto mais amplo da vida. O esquecimento de dimensões mais alargadas perfaz o modelo de ensino e de aprendizagem que pode transpor a prática pedagógica a uma dimensão mais humana. Analisando a formação, podemos considerar que a dimensão técnico-científica (conteúdo da disciplina escolar) deve andar, conjuntamente, com a formação continuada (professor-pesquisador), os trabalhos coletivos, bem como a construção coletiva do projeto pedagógico (trabalhos feitos com os alunos e a comunidade escolar), formas de ensinar (diversas metodologias), aprendizagem crítico-reflexiva (novos conteúdos e reflexões) e o processo avaliativo (dar conta da aprendizagem). É evidente que todas essas esferas de conhecimento são relevantes e fundamentais, contudo, na formação de professores, a espiritualidade é, ainda, um campo velado. Entender a espiritualidade é remeter ao sentido da vida, entrecruzando a teoria com o contexto do dia a dia.

O fato de tentar ultrapassar o campo científico é visto por Frankl como necessário para ir além das experiências empíricas. Nesse sentido, o autor ressalta: “Repetidas vezes também nós nos vimos obrigados a ultrapassar os limites do campo estritamente científico para confrontar os resultados científicos com as experiências ontológicas”. (2014, p. 59-60). A partir da reflexão feita pelo médico vienense, a própria educação pode se constituir em elemento no qual as questões trágicas cotidianas se tornam presentes, haja vista o ambiente saturado de acontecimentos trágicos e catastróficos a que as mídias nos remetem constantemente. Dessa maneira, procurando fazer uma análise dos currículos, percebemos que há a inclusão de conteúdos atitudinais, conceituais, factuais e procedimentais, esquecendo ou pouco valorizando a formação da espiritualidade e das emoções. A dimensão da espiritualidade para muitos estabelecimentos de ensino deve ficar sob a responsabilidade das Igrejas, enquanto o tratamento das emoções deve ser confiado ao psicólogo. Ao buscar condições de refletir sobre si próprio, o professor não se detém à transmissão de conhecimentos, mas à promoção de discussões que darão sentido à vida dos educados.

De posse dessa reflexão sobre os quatro pilares da educação, estipulados pela “Comissão Internacional de Educação para o Século XXI”, podemos assumir um entendimento mais salutar em relação ao papel da espiritualidade na educação. Dessa forma, temos: 1) aprender a conhecer: adquirir instrumentos de compreensão; 2) aprender a fazer: para poder agir sobre o meio envolvente; 3) aprender a viver juntos: participação e cooperação em todas as atividades humanas; e 4) aprender a ser: este nível requer a integração de todos os outros pilares da educação. Aqui se busca “uma experiência global que leva a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo e no prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade”. (DELORS, 1996, p. 90). Não podemos negar a importância dos aspectos cognitivos na educação, mas o desenvolvimento espiritual implica a formação de uma sociedade mais sensível diante do outro, promovendo o reconhecimento e a solidariedade. A dimensão espiritual revela e atribui significados à vida, trazendo em seu bojo valores que permeiam outras esferas da vida e do conhecimento. Sugerir debates a respeito desse assunto faz-nos refletir, analisar, sensibilizar e se colocar no lugar do outro. E isso remete à formação de um profissional que sustenta sua existência e sua prática pedagógica com base no exercício da dimensão espiritual. Diante dessa problemática, Frankl ressalta que

pelo fato de o ser humano estar centrado como indivíduo em uma pessoa determinada (como centro espiritual existencial), e somente por isso, o ser humano é também um ser integrado: somente a pessoa espiritual estabelece a unidade e totalidade do ente humano. (2014, p. 23).

Vista pela ótica do vienense, a relação espiritual favorece o estabelecimento, entre as pessoas, vínculos mais profundos nas relações interpessoais, tendo em vista que não somente a dimensão biológica ou afetiva nos aproxima como entes humanos. Diante de traumas e catástrofes de diversas ordens, é importante lançar alguns desafios que podem aproximar os seres humanos da esfera do sentido. Mais do que dar respostas, é fundamental ouvir as diversas vozes com a pretensão de um diálogo hermenêutico. Na formação do professor, é importante reconhecer propostas que reconstroem os pilares que a sociedade moderna e tecnológica construiu. É preciso investigar procedimentos participativos e reflexivos, capazes de redescrever, compreensivamente, os traumas e catástrofes, para que possamos almejar que os horrores e as barbáries não façam mais parte da normalidade do cotidiano. Esse modo de investigar por discursos participativos (saber expressar) é uma forma de educar, desapegando-nos de certezas prévias e de exigir dos participantes renovados questionamentos e entrelaçamentos sobre a relação da barbárie com a educação.

Com a pretensão de oferecer novos horizontes à formação docente, a espiritualidade na educação torna-se uma alternativa viável que procura ir além do conhecimento ou até mesmo da instr ução escolar. Assim, acreditamos que a proposta de trabalhar na escola a dimensão da espiritualidade promove um olhar mais atento diante dos acontecimentos, buscando atitudes de escuta e questionando os envolvidos como parceiros de um diálogo coletivo. Percebemos que, acionando esse campo na formação do professor, as demais dimensões têm a potencialidade de ganhar um realce que dá sentido à ação pedagógica. A própria técnica (envolvida na prática pedagógica) e a relação com os educandos podem ser diretamente afetadas e adquirem uma relevância relacionada ao sentido. Conforme o professor vai entrando em contato com sua razão de existir, poderá ter a influência direta sobre o desempenho de suas atividades docentes, tendo um crescimento nas relações humanas e interacionais, afetivas, éticas, técnicas e estéticas. Afinal, como afirmam Silva e Silva: “Viver a espiritualidade é a forma apaixonada de sentir o tempo, é ser capaz de ver Deus, o mistério último, em toda parte”. (2014, p. 204). Portanto, essa dimensão confere sentido às ações do professor, ampliando sua responsabilidade pelo outro, podendo fazer da sala de aula um espaço que o reconfigura como lugar que busca significado para sua existência em uma sociedade complexa.

Na formação docente, é importante levar em conta a consolidação da expressividade como meio de compreender como traumas e catástrofes tornaram-se parte do nosso cotidiano. Eles vêm ocupar um lugar vazio de sentido, pois as pessoas só se sensibilizam diante de imagens chocantes. Porém é difícil abordar tais situações no dia a dia de uma escola. Adorno mesmo reconhece essa dificuldade quando, no artigo “Educação após Auschwitz”, afirma: “O perigo que tudo aconteça de novo está em que não se admite o contato com a questão, rejeitando até mesmo quem apenas menciona, como se, ao fazê-lo sem rodeios, este se tornasse o responsável, e não os verdadeiros culpados”. (1995, p. 125).

Três pontos reflexivos podem ser colocados a partir da citação de Adorno diante de fato traumático: ignorar o fato não promove a discussão; questionar quem são os culpados; e o fato pode ser retomado pela via da expressividade. As três atitudes podem ser evidenciadas na formação de professores: quando viramos as costas para o problema ele é considerado tema proibido, não envolve os sujeitos na educação. Simplesmente ver a ocorrência do fato é dar o assunto por encerrado, perdoando ingenuamente e não refletindo sobre o mesmo. Retomar o acontecido evitando abordá-lo, como diz Adorno, sem rodeios, mas pela via da sensibilidade e alertar, refletir e compreender, para que tais perigos não continuem ocorrendo. É desse modo que a espiritualidade ganha sentido na educação e na formação de professores, buscando sair do senso comum estabelecido, no qual saber expressar é algo extremamente necessário à transformação da realidade. Muitos cursos de formação de professores ficam distantes da expressividade, limitando-se a fazer ou reproduzir a ação pedagógica nos conhecimentos e na sua transmissão, tendo a relação sujeito-objeto presente nessa concepção.

Ora, assim o ato de ensinar ou educar consiste, justamente, em ir além das fronteiras que o educando está vivendo, porém, respeitando suas origens. Para Antônio Nóvoa (1992) a criança não pode sair da escola sem nenhuma forma de aprendizagem, ou melhor, sem estar subsidiada de ferramentas de conhecimento que possam interagir de forma crítica e criativa com a sociedade do conhecimento. Conteúdos essenciais são aqueles fundamentais para que os alunos tenham acesso a um universo de conhecimentos que os unem e os libertem. Os que unem são ligados à cultura de determinada comunidade, enquanto os que libertam são os que promovem a aquisição do conhecimento. Dessa forma, os cursos de formação de professores não se limitam à mera aquisição de conhecimentos, mas criam novos olhares diante da educação, não recaindo em uma educação simplesmente conteudista, mas que faça a diferença no seu entorno e ao seu contexto de vida.

Considerações finais e perspectivas

O tema catástrofes está buscando ocupar, cada vez mais, destaque no âmbito da educação tanto em proporções gerais quanto em pequenas tragédias que ocorrem nos círculos pessoal e cotidiano. O dilema situa-se em uma educação que permanece na reprodução de modelos ou numa educação que desperta os educandos para visualizarem novos horizontes, permitindo que outros saberes aconteçam nos ambientes escolares, entre eles, a espiritualidade que auxilia no saber expressar e no saber prevenir ou saber priorizar o sentido do humano em todas as ações. Contudo, a capacidade de oferecer ao homem e à educação novos horizontes faz da espiritualidade um campo que procura entendimentos e saberes capazes de auxiliar na compreensão de que o desenvolvimento humano passa, sobretudo, pelo reconhecimento do outro, bem como consiste em proporcionar um significado profundo para ele e o futuro do Planeta. Assim, a espiritualidade na educação, segundo a perspectiva de Frankl, tem como pretensão dissipar o frio existencial, fazer derreter o inverno gélido do coração do homem contemporâneo nas suas relações pessoais e comunitárias.

O sentido da vida não é somente uma prática psicoterapêutica que pode ser aplicada, mas também uma que procura sua formatação na orientação pedagógica capaz de ser formadora de consciência e personalidade. Frankl considera que a “psicoterapia trata de mobilizar, a todo momento, a existência espiritual no sentido de uma responsabilidade livre”. (2014, p.22). Uma pedagogia espiritual que procura desenvolver valores significativos no sujeito fortalece o espírito humano ante a patologia do seu tempo e tem grande potencial de transformação da sociedade atual. Enfim, na sociedade plural e líquida, conforme Bauman (2007), a educação tem como meta fortalecer o alicerce do indivíduo no processo de constituição da identidade pessoal. Assim, o objetivo da experiência formativa reside em projetar as potencialidades do humano que habita cada um de nós, levando-nos a desenvolver formas de crescimento e de realização.

A busca por uma educação preventiva e expressiva do sentido do humano ajuda o fortalecimento de valores éticos e estéticos, como base ao desenvolvimento de sua força interior e é capaz de habilitar o homem a superar as adversidades que a vida apresenta. Ora, assim é importante propiciar vivências educativas ligadas à espiritualidade, que, como mencionado, é onde residem os princípios éticos e filosóficos, ajudando na construção de um contexto mais favorável no qual se poderá fazer valer a integralidade da pessoa. Com essa visão mais ampla – e por que não dizer mais crítica – é importante transcender os limites do tecnicismo, apostando na multidimensionalidade do ser humano que, talvez, possa dar vida a uma prática educacional voltada não apenas ao aprendizado dos conteúdos, mas também à humanização dos educandos, interlocutores. Assim, promove um pensar educativo que redimensiona estratégias para que criem dispositivos de luta para evitar que novas tragédias aconteçam.

#O texto deriva do desenvolvimento do projeto de pesquisa “Catástrofe, Trauma e Resistência: Experiência Estética na Formação de Professores”, contemplado na Chamada MCTI/CNPq 14/2013 – Universal (Faixa B), com tempo de execução de 1º/10/2013 a 30/9/2016.

1Conforme notícia disponível em: <http://apublica.org/2017/02/gol-pagara-indenizacao-a-indios-por-dano-espiritual>. Acesso em: 24 maio 2017. (FERRAZ, 2017)

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Recebido: 22 de Junho de 2017; Aceito: 11 de Abril de 2018

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