Considerações iniciais
No que se refere à imigração italiana, o desvelo pastoral do clero gaúcho superou sua própria instalação, tendo o auxílio de alguns padres, que imigraram também para dar assistência aos compatriotas que procuravam outras terras para ganhar o pão. O bispo de Piacenza, Dom João Batista Scalabrini,1 sensibilizado pelo abandono dos emigrantes, idealizou um programa de assistência cultural e religiosa, procurando envolver o próprio governo italiano no empreendimento. No setor religioso, organizou duas novas congregações missionárias com a finalidade específica de assistir aos imigrantes. Roma, aos poucos, tomava consciência da realidade da imigração, e, segundo Zagonel (1975), o Papa Pio X teve um papel importante na organização da assistência aos imigrantes, uma vez que instituiu um colégio pontifício, criou um organismo diocesano de assistência e regras aos párocos, a fim de que acompanhassem, mesmo a distância, seus fiéis.
Quanto à ação da Igreja italiana propriamente, é importante destacar, como o faz Sani (2017, p. 147), que “pelo menos até a segunda metade dos anos Oitocentos, as intervenções promovidas pela Igreja italiana sobre o tema do cuidado pastoral e da assistência moral e material dos emigrantes tinham sido muito limitadas e se revestiram, no complexo, de um caráter episódico e marginal”.
No Rio Grande do Sul, considerando as necessidades pastorais crescentes da Igreja gaúcha, Dom Sebastião Dias Laranjeiras, que a governou de 1861 até 1888, estimulou a atividade missionária dos jesuítas e a vinda do clero italiano para o pastoreio. Sucedeu-lhe Dom Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão. De acordo com Zagonel (1975), esse também foi promotor da vinda de congregações religiosas para a diocese de então que crescia em necessidades e em número de imigrantes a ponto de, em 15 de agosto de 1910, ser criada a Arquidiocese de Porto Alegre com “as dioceses sufragâneas de Pelotas, Uruguaiana, Santa Maria e Florianópolis”. (1975, p. 75).
O Estado do Rio Grande do Sul que, no século XIX, tinha escassez de padres, teve, no final do século XIX e no primeiro quartel do século XX, uma crescente participação do clero religioso (ordens e congregações) o qual atuou com os imigrantes italianos e alemães e assumiu a direção de seminários, instituindo colégios, patronatos, orfanatos e conduzindo paróquias. Nesse sentido, compreende-se a afirmação de Zagonel (1975, p.102): “A Igreja gaúcha é estrangeira: na teologia, na formação e em sua maioria de sacerdotes oriundos de etnia imigrante”.
De fato, muitas congregações estrangeiras vieram ao Rio Grande do Sul para atender aos pedidos da Igreja local, como os Padres Palotinos (1888), os Capuchinhos (1896), os Padres Carlistas (1896), os Irmãos Maristas (1900), os Josefinos de Murialdo (1915), os Franciscanos (1926). Azzi (1990) destaca que a assistência aos colonos italianos foi prestada, inicialmente, pelos Jesuítas alemães e, em seguida, pelos Capuchinhos franceses.
No Cinquantenario,2 encontra-se a monografia do Monsenhor Balen,3 na qual são destacadas várias congregações religiosas italianas que vieram ao Rio Grande do Sul e mantiveram atividades pastorais.
Luchese destaca que,
a partir de meados de 1890, houve grande crescimento nas iniciativas de entrada e instalação de congregações religiosas em diversos estados. No caso do Rio Grande do Sul, especialmente nas regiões em que se estabeleceram imigrantes italianos, foram várias as congregações que investiram na construção de seminários, noviciados, juvenatos e escolas. As escolas confessionais, mantidas por congregações diversas, promoveram e disseminaram o ensino e a religião católica. Construíram escolas importantes, de boa qualidade, com currículos diversificados, atendendo principalmente os filhos das famílias mais abastadas. (2015, p. 250-251).
De fato, como também referem Rossi e Inácio Filho (2006), muitas congregações religiosas chegaram ao Brasil tendo a educação como um de seus propósitos. Assim, essas buscaram evidenciar suas práticas educacionais. Obviamente, não se pode desconsiderar no contexto de vinda das congregações no final do século XIX e início do século XX, que, ao lado do acompanhamento dos imigrantes, havia um projeto de restauração da Igreja (ultramontanismo) que, no ambiente brasileiro, assumiu suas diferentes formas, adaptando-se às mudanças e aplicando seus objetivos em ações sociais e políticas, educacionais e religiosas como referiu Kreutz (1991).
É importante destacar que, na década de 1920, período focalizado neste trabalho, havia um processo de retomada da italianidade (BARAUSSE, 2018) e das escolas étnicas italianas no estado, capitaneadas pelos cônsules italianos, evidenciando-se, aqui, os cônsules Luigi Arduini e Manfredo Chiostri. Ciro Trabalza, inicialmente professor de escolas médias italianas, foi nomeado, em 1912, inspetor central do Ministério da Educação da Itália e depois foi diretor-geral das Escolas Italianas no Exterior (DGSIE) de 1921 a 1928 e das escolas médias de 1928 a 1931. Ele foi um dos responsáveis pela retomada da italianidade no pós-guerra, dentro da DGSIE. Em seu artigo La scuola e la cultura italiana all’ estero (1923, p. 4), apontava à necessidade de organização do governo italiano com relação às suas escolas no Exterior e à difusão da cultura. Do conjunto de suas observações, referiu que o problema era, antes de tudo, de “consciência, de orgulho nacional no Governo, no país e nas Colônias. Por conseguinte, de meios. Por último de organização”.
Com a ascensão de Mussolini, marcadamente a partir de 1922, deu-se a organização de núcleos fascistas, que, como afirma Giron (1994), tiveram menos êxito nas colônias do interior do Estado do Rio Grande do Sul. Mas, também, como afirma Constantino (1997, p. 5): “A grande ofensiva fascista nas colônias do exterior fez com que houvesse um reforço na construção de uma nova identidade, utilizando símbolos evidentes, extraídos da nova pátria, em seu modelo moderno, ordeiro e progressista”.
Passava-se a divulgar uma nova Itália e a fazer dos emigrados dessa nação “italianos no exterior” (BERTONHA, 2001), e a italianidade, a partir de Mussolini, “identificou-se frequentemente com o fascismo”. (TRENTO, 1989, p. 303). Nesta década de 1920, observa-se a opção das autoridades consulares, dos membros ligados aos fáscios e aos funcionários do governo italiano pelas corporações religiosas italianas na medida em que promoviam a escola étnica, a manutenção de cursos de italiano e a preservação dos laços com a pátria distante, evitando a desnacionalização. O acompanhamento das ações educacionais das congregações está evidenciado em vários documentos aqui analisados.
Quanto à escolarização dos imigrantes, essa foi, particularmente na Região de Colonização Italiana (RCI) no final do século XIX e início do século XX, marcada pela presença de diversas iniciativas que colaboraram para a manutenção e criação de escolas elementares: escolas étnicas comunitárias, escolas públicas, escolas mantidas por associações, escolas particulares, entre outras, como as escolas confessionais dirigidas por congregações religiosas. Luchese (2007) destaca que essas iniciativas coexistiram, não obstante a escola pública ter sido a mais importante e a mais solicitada por parte dos imigrantes e de seus descendentes.
Recomendações presentes nos relatórios
Importante registro sobre a situação dos imigrantes italianos e a questão educacional pode ser identificado nos escritos de Pesciolini (1914). Por designação da Italica Gens,4 Ranieri Vanerosi Pesciolini dedicou cerca de quatro meses e meio em visitas, em 1912, aos três Estados do Sul do Brasil: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Seu relatório resultou na publicação do livro Le colonie italiane nel Brasile Meridionale: Estati di Rio Grande do Sul – Santa Catarina – Paraná.5
Para Pesciolini, os três Estados do Sul lhe pareceram formar um grupo particular dadas as condições climáticas semelhantes àquelas da Europa Meridional, pelas peculiares condições econômico-sociais e políticas e pelo sistema administrativo. À época, Pesciolini calculou o número de 300 mil italianos e descendentes nos citados estados, os quais, observava, se conservavam ainda italianos dado seu isolamento. Para ele o isolamento era a causa principal para o lento progresso das colônias, mas, ao mesmo tempo, as protegia do contato com os elementos locais e da invasão do capital estrangeiro, aspectos que reputava conduziam à desnacionalização.
Em seu relatório, Pesciolini cita uma preocupação pelo fato de o clero estrangeiro (diga-se não italiano) não colaborar com a manutenção da italianidade. Eis algumas observações:
Em relação ao clero nas colônias italianas, é digno de nota que a maioria [do clero] não é italiano, mas geralmente francês ou alemão; o que se verifica particularmente em congregações religiosas masculinas e femininas. Os religiosos alemães lá se estabeleceram por primeiro; eles acompanharam a emigração alemã que precedeu à italiana, entraram nas nossas colônias antes que o clero italiano, o qual chegou de forma limitada e posterior. As congregações francesas lá se instalaram quando foram expulsas da França. Isto é claro, dada, como dissemos, a grande influência do clero nessas colônias, é, do ponto de vista nacional, um grave dano, já que aqueles sacerdotes estrangeiros, ainda que ocupando-se com zelo dos italianos, não se inclinam a favorecer neles os justos sentimentos de apego às tradições patrióticas que estes não entendem. Mais uma vez, gostaria de salientar que o que estou dizendo está relacionado ao que se constata a respeito da massa de sacerdotes estrangeiros que residem nas colônias italianas no Brasil meridional, mas, como já disse em outra parte, contam-se, em meio a essa [massa], muitas honrosas exceções. Há nas colônias italianas sacerdotes estrangeiros de mente elevada, especialmente alemães, que se ocupam dos nossos emigrantes de modo digno de ser mostrado como exemplo para muitos sacerdotes italianos. A própria Italica Gens conta, entre esses, com alguns dos mais ilustres e generosos colaboradores. A este respeito, observo que, além da preocupação nacional, o cuidado religioso dos colonos italianos confiado ao clero estrangeiro, muitas vezes leva também a desvantagens no campo social e religioso; uma vez que os sacerdotes estrangeiros, salvo poucas exceções, não chegam a identificar-se e adaptar-se aos costumes e sistemas italianos, e não se forma entre eles e os colonos a confiança que geralmente se tem onde há párocos italianos. [...] É bem verdade que essas casas religiosas geralmente recrutam novo pessoal entre os colonos italianos, mas, como se sabe, são educados com princípios e sistemas não italianos, donde o prejuízo, se mitigado em certos aspectos, não é eliminado, especialmente no que diz respeito aos interesses nacionais. (1914, p. 287-288, tradução e grifo nossos)
Para os membros da Italica Gens, os Scalabrinianos representavam uma espécie de modelo de assistência integral aos imigrantes no Rio Grande do Sul “exatamente por não descuidar de incentivar o amor à pátria distante”. (AZZI, 1990, p. 70).
A queixa de Pesciolini, dez anos depois, ecoa em outro relatório elaborado pelo Professor Vittore Alemanni, em 1923, a pedido da DGSIE, logo no início da era fascista. O relatório abordava, basicamente, a situação educacional entre italianos e descendentes no Brasil e propunha alguns encaminhamentos. Quanto ao clero e às ordens e congregações religiosas não italianas, Alemanni afirmava que o clero não estava inclinado a desenvolver, no povo, justos sentimentos de adesão às tradições pátrias e que eles não as compreendiam ou lhes tinham aversão.
Essas considerações nos induzem a admitir, na opinião expressa por quase todos os nossos agentes, que o problema da conservação da italianidade nas nossas populações do Brasil deva ser resolvido, em grande parte, pelas corporações religiosas, bem compreendido, com religiosos italianos. A importância desse assunto é evidente: no Brasil os religiosos alemães se estabeleceram primeiro, acompanhando a emigração alemã que precedeu de muito à italiana. As congregações francesas ali se estabeleceram quando foram expulsas da França. Isso tudo é, do nosso ponto de vista nacional, um grave dano, uma vez que esses sacerdotes estrangeiros, mesmo que religiosamente se interessem com zelo pelos italianos, não estão inclinados a fomentar neles os justos sentimentos de adesão às nossas tradições pátrias, que eles não compreendem ou tem aversão. A destinação de religiosos de nacionalidade italiana para as colônias italianas, por parte das corporações religiosas (Franciscanos, Maristas, Irmãos das Escolas Cristãs, Capuchinhos, etc.), embora possa criar alguma dificuldade a essas corporações divididas em províncias monásticas, deveria ser posta como condição de todo reconhecimento e ajuda de parte do nosso Governo. Este deveria não apenas, de todas as maneiras, estimular ou auxiliar o trabalho das organizações religiosas na medida em que desenvolvem, no meio dos nossos compatriotas, ações dirigidas para a cultura e a conservação do sentimento nacional, mas também ajudar e promover na pátria, e sempre com antecipadas garantias e vigilância, a formação de religiosos que sejam professores especializados para as nossas colônias brasileiras. (ASMAE, 1923, p.13-14, Maço 702).
O zelo pela italianidade e o desenvolvimento da escola étnica passavam, entre outros, no entender de Pesciolini (1914) e Alemanni (1923) pelo incremento da presença do clero e de religiosos italianos que, por sua vez, deveriam ser subsidiados. A recomendação era clara. Quanto ao clero estrangeiro observam-se reservas.
Os cônsules e as congregações religiosas italianas
Luigi Arduini, cônsul em Porto Alegre, de julho de 1924 a julho de 1925, assim se manifestou ao ministro das Relações Exteriores da Itália sobre a realidade escolar entre os imigrantes no Rio Grande do Sul e a atuação das congregações religiosas.
Senhor ministro,
A permanência de mais de um ano no Estado do Rio Grande do Sul e o conhecimento pessoal dos principais centros italianos naquele estado me permitem, hoje, relatar a V. Exma. sobre as atuais condições, infelizmente, não muito positivas das nossas escolas. Sabia já, antes mesmo de dirigir-me ao interior do Estado, do abandono e da negligência em que todas as pequenas escolas laicas, mantidas pelo Governo com um subsídio anual verdadeiramente irrelevante, pouco a pouco, haviam caído e certamente não me iludia sobre a eficácia, a utilidade e o valor do ensino da nossa língua dado pelas instituições religiosas estabelecidas no Rio Grande do Sul, sobretudo de origem e mentalidade francesa. Mas devo, além disso, confessar que nunca teria esperado uma débâcle do gênero como aquela que tive de constatar com meus próprios olhos. (ARDUINI, 1925, p. 1, Maço 637, sublinhado de Arduini; tradução e grifo nossos).
Arduini (1925), no início de seu relatório, aborda a questão da “mentalidade francesa” que não colaborava para o ensino da língua italiana. Na continuidade do relatório, Arduini (1925) refere a existência de escolas mantidas por congregações reliogosas “que recebem subsídios para especialmente ensinarem o italiano, ao lado do português e do francês”. Mas mais adiante refere que o ensino de italiano por parte delas “fica sempre em terceiro plano, isto é depois do português e do francês”. Só uma instituição, a das Irmãs Scalabrinianas italianas é séria, mas que, infelizmente dispõem somente de quatro colégios. Destacava que elas “cuidam de modo meticuloso e louvável o estudo da língua, da história e da literatura italiana. Nessas quatro escolas pulsa o que há de mais puro, o mais desejável, o que de mais se sente de italianidade no Rio Grande do Sul”. (ARDUINI, 1925, p.10, Maço 637).
Em seu relatório de 1925, Arduini advoga que deve ser tomada uma atitude para que, ainda em tempo se possa remediar a “desastrosa situação hodierana”. Ele concluía que era necessário “salvar do naufrágio as pequenas escolas leigas do interior e revigorar e apoiar com todos os meios o ensino de italiano nas escolas mantidas hoje pelas ordens religiosas”. (ARDUINI, 1925, p. 12, Maço 637).
Se, por um lado, a vinda das congregações religiosas italianas estava relacionada à manutenção da fé dos imigrantes, por outro, pode-se dizer que ela exerceu um papel importante na manutenção da italianidade e da escola étnica. Assim, de fato, eram entendidas pelo diplomata Arduini. Nesse sentido, viu-se o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre manifestar-se favoravelmente à vinda de congregações para, entre outras atividades, dedicarem-se ao ensino.
Como demonstrou Rech (2015), a partir de 1928, em Porto Alegre, houve um incremento por parte do consulado para a retomada da italianidade, com repercussões pelo estado gaúcho. Manfredo Chiostri, cônsul em Porto Alegre de 1928 a 1932, escreveu, em maio de 1928 (CHIOSTRI, 1928, Maço 702),6 um relatório ao ministro das Relações Exteriores da Itália, se referindo à situação das escolas. A partir desse documento, é possível perceber claramente a intenção de incentivo à italianidade, com a vinda de congregações religiosas para a administração de escolas, medida que o cônsul sustentava ser prioritária.
A maior parte das escolas elementares estão confiadas a congregações religiosas, sendo limitadas quanto a professores e tais congregações são quase todas francesas ou alemãs. E como foi dito no meu relatório n.º 1005, de 15 do corrente, não são, certamente, as mais aptas a uma preparação da italianidade, se bem que fazem o seu melhor ensinando a língua italiana. Portanto, na impossibilidade de ter professores nossos o que significaria uma despesa grande e desproporcional aos resultados, é necessário ocupar-se da formação de ordens religiosas italianas e de clero nosso, o que poderá se atingir com a instituição de um episcopado, como já mencionei no relatório supracitado. (CHIOSTRI, 1928, p. 1, Maço 702, tradução e grifo nossos).
Manfredo Chiostri reiterava ser útil a instituição de algum ginásio dirigido por congregação italiana. Conforme o referido cônsul, tal ginásio poderia ser implantado por meio da Congregação dos Salesianos,7 entidade religiosa italiana que já atuava em 1901, em Rio Grande, no Liceu Leão XIII, com a qual havia contatado informalmente.
O cônsul italiano, nos primeiros meses de sua estada no Rio Grande de Sul, já havia feito um diagnóstico bastante contundente sobre o perfil dos estudantes, não podendo omitir que qualquer instituto que se propusesse a dar um “particular desenvolvimento na cultura italiana encontrará grandes dificuldades sobretudo determinadas pela indolência dos alunos, que dificilmente se submetem a um estudo facultativo maior, como é o caso do italiano”. (CHIOSTRI, 1928, p. 2, Maço 702). A estratégia de atração de congregações religiosas era para ele uma “eficiente propaganda da italianidade, na medida em que, através do auxílio delas e com seu aumento, poder-se-ia preparar essa nova reorientação cultural e esse renovado espírito de italianidade”. (CHIOSTRI, 1928, p. 2, Maço 702).
Considerando o relatório de Chiostri e outras informações sobre as condições das escolas italianas e o ensino da língua italiana no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, a DGSIE, em correspondência para a direção- geral das Relações Políticas da Itália, de 6 de novembro de 1928, ponderava se não era razoável afirmar que “o atual estágio de decaimento dessas escolas deve-se à falta de uma adequada organização paroquial, pois no Estado de Santa Catarina o clero não é italiano, enquanto as escolas, no Estado do Rio Grande do Sul, são mantidas por ordens religiosas francesas e alemãs”. (DIREZIONE GENERALE, 1928, Maço 702).
A recomendação da DGSIE era de “examinar se não é o caso de chamar a atenção das autoridades superiores de culto, para que façam surgir, nos dois estados, organizações paroquiais favoráveis às iniciativas pró-escola italiana”. (DIREZIONE GENERALE, 1928, Maço 702). Ao final da correspondência, destaca-se a concordância da DGSIE em considerar, como já fizera o cônsul Manfredo, “pôr a questão escolar nos termos de uma verdadeira questão eclesiástica, propondo a instituição de um bispado católico”. (D IREZIONE GENERALE, 1928, Maço 702). Quanto ao desdobramento dessa correspondência, não foi possível o acesso, porém, é interessante notar que a Diocese de Caxias do Sul, que abrangia a antiga RCI, foi criada em 8 de setembro de 1934, pela Bula Quae Spirituali Christifidelium do Papa Pio XI, desmembrada da Arquidiocese de Porto Alegre.
No relatório de 30 de maio de 1928, Chiostri identificou as congregações religiosas que buscavam preservar os laços com a Itália e possuíam escolas, descrevendo as atividades desenvolvidas nessas instituições e recomendando o envio de subsídios. No texto, pode-se observar a descrição das atividades voltadas à cultura italiana na Escola São Carlos, de Bento Gonçalves, dirigida pelas Irmãs Scalabrinianas, conforme segue: “Para o ensino de italiano eram dedicadas cinco horas semanais seguindo o nosso programa das classes elementares inferiores. Os alunos recebem, portanto, instrução sobre a história e a geografia política da Itália. Os alunos aprendem trechos de poesia e cantam hinos patrióticos”. (CHIOSTRI, 1928, p. 6, Maço 702).
Se, por um lado, havia o envio de subsídios na ordem média de 400 liras mensais às escolas das congregações religiosas, como bem demonstra o relatório do vice-cônsul Giulio Bozano, que atuou por cerca de 12 anos no consulado em Porto Alegre, por outro, havia o cancelamento dos subsídios a outras escolas de congregações ou escolas leigas, “pois pelas informações recebidas [Italica Gens] não merecem ser subsidiadas, pois não ensinam o italiano”. (BOZANO, 1927, Maço 702).
Em outro relatório, datado de 7 de janeiro de 1930, enviado ao Ministério das Relações Exteriores, Chiostri retoma a queixa de que nos “centros coloniais a pouca instrução de língua italiana é feita por ordens religiosas e grande parte como disse, estrangeiras”. (CHIOSTRI, 1930, p. 5, Maço 785). Na oportunidade, Chiostri apresentou novo quadro das congregações que atuavam nas colônias italianas e em outras áreas lamentando que “das oito ordens religiosas existentes nas nossas colônias, três são francesas, uma brasileira, três italianas e os Capuchinos somente neste ano se separaram da província francesa, mas ainda conservam muitos religiosos franceses”. (CHIOSTRI, 1930, p. 5, Maço 785). O olhar cioso do cônsul revela-se no Quadro 1.
Quadro 1 – Congregações com atividades de ensino na antiga RCI (1930)
Ordem | Nacionalidade | Número de religiosos | Sede do colégio | N. de alunos | Número de professores | Há curso de italiano? | Condições de ensino | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Italianos ou de origem | Outras nacionalidades | |||||||
Josefinos de Murialdo | Italiana | 2 | Ana Rech | 35 | 35 | 6 | Sim | Curso Elementar, médio e agrícola com bons resultados |
Irmãs de São Carlos Borromeu (Scalabrinianas) | Italiana | 29 | Bento Gonçalves Nova Vicenza Nova Milano Nova Brescia Guaporé |
73 51 135 |
12 3 25 |
6 2 5 |
Sim Não Não Sim Sim |
Primeiras séries elementares. Resultados discretos |
Capuchinhos | Francesa e italiana | 36 | A. Chaves | 29 | 6 | Sim | Boa | |
Maristas | Francesa | 65 | Garibaldi A. Chaves A. Prado Guaporé |
243 76 100 108 |
38 33 |
5 4 3 4 |
Sim Sim Sim Sim |
Discreta |
Irmãs de São José | Francesa | 91 | Garibaldi N. Pompeia A. Chaves N. Trento S. Marcos A. Prado Sananduva |
124 43 100 215 165 |
1 19 27 36 |
3 2 12 4 4 |
Não Sim Sim Não Sim Sim Sim |
Razoável |
Irmãs das Escolas Cristãs | Francesa | 18 | Caxias do Sul | 250 | 40 | 9 | Sim | Discreta |
TOTAL | – | 241 | – | 1747 | 269 | 75 | – | – |
Fonte: ASMAE – Archivio Scuole, 1929-1935. Cor. Manfredo Chiostri (1930, Maço 785).
Passados dois anos de atuação no consulado, Chiostri apresentava novo retrato das escolas e da atuação das congregações religiosas. Era enfático ao afirmar que “exceção feita aos Josefinos [de Murialdo], que ensinam com amor e patriotismo, a instrução italiana feita também pelas ordens religiosas de origem italiana deixa muito a desejar e não em todas as sedes dos colégios se ensina o italiano”. (CHIOSTRI, 1930, p. 5, Maço 785). No mesmo relatório, sugeria que a Congregação dos Josefinos de Murialdo recebesse subsídios para melhorar seus resultados.
Chiostri relacionou as congregações religiosas que mantinham atividades de ensino mas não ofereciam aulas de italiano, como se pode ver no Quadro 2. A preocupação com o tema da desnacionalização, entendida como a perda da identidade italiana especialmente pela vinculação línguística, já referida por Arduini (1925), é evidenciada também por Chiostri, em 1930. Ele é contundente ao afirmar: “Há uma completa desnacionalização que paira sobre nossa coletividade”. (p. 8, Maço 785).
Quadro 2 – Congregações religiosas com atividades de ensino sem aulas de italiano (1930)
Ordem | Nacionalidade | Sede do colégio | Alunos | Religiosos | Observações |
---|---|---|---|---|---|
Jesuítas | Alemã | Porto Alegre | 820 | 147 | Dirigem o Colégio Anchieta |
Irmãos Maristas | Francês | Porto Alegre Gravataí Hamburgo Velho Santa Cruz São Leopoldo |
780 60 247 225 130 |
90 | Em Porto Alegre dirigem o Ginásio Municipal |
Irmãos das Escolas Cristãs (Lassalistas) | Francês | Porto Alegre | 919 | 53 | Esses alunos estão divididos em cinco colégios que estão nos vários bairros da cidade. |
Irmãs Franciscanas | Alemã | Porto Alegre São Leopoldo Santa Cruz São Salvador |
2180 250 290 320 |
296 | Os alunos de Porto Alegre estão divididos em oito colégios. As Irmãs Franciscanas dirigem um ginásio estadual. |
Irmãs do Sagrado Coração de Maria | Brasileira | Porto Alegre Lajeado Dois Irmãos Gravataí Tristeza |
265 125 87 140 70 |
43 | |
Irmãs de Santa Catarina | Alemã | Hamburgo Velho Novo Hamburgo Bom Jardim São José Bom Princípio São Sebastião |
153 123 118 99 87 95 |
45 | |
Irmãos de Notre Dame | Alemã | Porto Alegre Taquara Rolante |
136 142 50 |
||
Irmãs da Terceira Ordem de São Francisco | Polonesa | São Feliciano | 200 | 5 | |
TOTAL | 8.111 | 679 |
Fonte: ASMAE – Archivio Scuole, 1929-1935. Cor. Manfredo Chiostri (1930, Maço 785).
A intervenção do prefeito e membro do fáscio
No interior do estado, na chamada antiga RCI, particularmente em Caxias do Sul, o Doutor Celeste Gobbato8 se movimentava buscando atrair congregações para cuidarem da juventude. Gobbato, como intendente de Caxias do Sul e proeminente membro do fáscio da mesma cidade (GIRON, 1994), escreveu a Mussolini, em 6 de dezembro de 1927, pedindo a intervenção do Duce, para que os padres Salesianos implantassem um ginásio em Caxias do Sul, dada sua preocupação com a falta de escolas que pudessem “recordar as virtudes do povo italiano e fazer conservar a língua dos pais”. Ademais, o Dr. Celeste Gobbato salientou que os Irmãos Maristas franceses se interessavam pela área ofertada e, por isso, preocupava-lhe a possibilidade de que a doação não fosse feita aos padres italianos. Eis alguns trechos:
A Sua Excelência Benito Mussolini, Presidente dos Ministros
Excelência!
Tenha a bondade de me desculpar se um humilde italiano que há quinze anos reside no Brasil, e que tem a honra de dirigir os destinos de um município de colonização italiana, tem a ousadia de se dirigir a Vossa Excelência. O subscrito faz isto na certeza que apenas a intervenção de Vossa Excelência poderá resolver um dos mais graves problemas culturais italianos de Caxias e dos municípios colonizados por italianos os quais coroam e constituem a bela e alegre região colonial do Rio Grande do Sul. Esta zona, povoada por mais de 200.000 italianos do reino e de origem, altamente produtiva e rica, dotada de clima magnífico, à exceção de que existem pouquíssimas escolas primárias, nenhuma tem condições de fazer recordar as virtudes do povo italiano e fazer conservar a língua dos pais a esta juventude que, brasileira por nascimento, não desdenha mas, antes, se sente orgulhosa de descender da estirpe italiana. Estou firmemente convencido que faria uma transformação radical do ambiente instituindo aqui em Caxias um ginásio dirigido pelos padres salesianos ou por outra ordem, onde além do programa brasileiro de ensino se ensinasse aquelas outras lições de história e de literatura italiana que serviriam como faróis luminosos aos jovens desta região. É uma antiga aspiração desta zona ter um núcleo dos padres salesianos. Também em maio ou junho deste ano, a população de Ana Rech (distrito de Caxias) por meio do régio cônsul de Porto Alegre se dirigiu ao embaixador da Itália no Rio de Janeiro oferecendo gratuitamente uma bela propriedade de valor superior a 100.000 liras ao superior dos Padres Salesianos caso eles estabelecessem um colégio. Infelizmente, mesmo que o senhor arcebispo de Porto Alegre ficasse contente, nada se sabe ainda e não seria de se maravilhar que esta gente, que já começa a manifestar sinais de cansaço, em breve cedesse tal propriedade aos Irmãos Maristas franceses, que há muito tempo “estão de olho”.
Por isso eu ouso suplicar ao Senhor, Excelência, que tanto já fez e tanto pode fazer para o bem da italianidade, para que escute a voz deste seu grande admirador que sempre buscou e jamais deixou por menos os seus deveres, seja na Itália, onde nasci e me eduquei, seja no Brasil, onde ocupo o cargo de Intendente municipal de Caxias. Com a mais elevada estima, assina, devotíssimo. Celeste Gobbato (GOBBATO, 1927, Maço 702, tradução e grifo nossos).
A carta, além de ter reforçado a tese de que os italianos e descendentes se interessavam pela educação e pela escola, mostrou, também, a preocupação das lideranças italianas com o esvaecimento das coisas da Itália, sua literatura, sua história, enfim a ideia de pertencimento à nação italiana. Era a defesa da italianidade que estava em questão. Marmentini (2014) explica que os esforços do governo fascista não pareciam ter sido capazes de deter esse processo de declínio da italianidade e diminuição do número de escolas étnicas.
A carta de Gobbato chegou até Ciro Trabalza, e esse, em 8 de janeiro de 1928, escreveu ao embaixador italiano no Rio de Janeiro referindo seu temor de que a propriedade ofertada pela população de Ana Rech viesse a beneficiar a congregação dos Irmãos Maristas franceses. (TRABALZA, 1928, Maço 702).
O Dr. Celeste Gobbato, poucos meses depois de ter escrito a Mussolini solicitando seu apoio para a vinda de congregações religiosas, manteve-se firme no propósito de ver sua cidade agraciada com religiosos italianos. Gobbato tinha vivo interesse na vinda dos Josefinos para Caxias do Sul, os quais assumiriam um colégio e uma paróquia por conta da saída dos monges Camaldulenses. Seu temor de que os Maristas ou outra congregação francesa assumissem a vacância dos “frades de branco” pode ser daqui deduzido. A carta a Mussolini referia, exatamente, que a comunidade de Ana Rech estava à espera de alguém que assumisse a tarefa deixada pelos monges. De fato, em 1926, os Monges Camaldulenses, tendo dificuldade de conciliar sua vida eremítica com a situação de vida em Ana Rech, decidiram regressar à Itália. Honorino Dall’Alba em seu livro A saga dos Camaldulenses no Rio Grande do Sul (1999) 9 amplia os motivos da saída dos monges de Ana Rech e analisa sua atuação na sociedade local. A saída desses monges, em 9 de março de 1926, deixou Ana Rech com atendimento religioso esporádico, feito por sacerdotes de Caxias do Sul.
A vinda do Pe. Ângelo Gialdini para assumir a paróquia provisoriamente teve, também, a perspectiva de iniciar a busca e garantir para a presença de uma congregação religiosa, que se dedicasse à educação além de atender à paróquia. Com essa finalidade, foram consultadas diversas congregações. O primeiro contato foi com os Salesianos, congregação fundada por Dom Bosco, conforme se pôde ver na carta de Celeste Gobbato a Mussolini, de 6 de dezembro de 1927.
O interesse em trazer os Salesianos (que já estavam no Brasil desde 1883) era tão forte que foi enviado um memorial dirigido às autoridades italianas pedindo a presença deles. Esse memorial teve a aprovação do vigário- geral de Caxias do Sul, do Arcebispo de Porto Alegre, Dom João Becker, e do cônsul italiano, em Porto Alegre. Embora todo esse interesse, os Salesianos não vieram. Os contatos foram feitos, depois com os Servitas. Esses também não puderam aceitar o convite. Diante da impossibilidade dessas congregações virem para Ana Rech,10 o Dr. Celeste Gobbato manteve contato com os Josefinos de Murialdo. Ele havia conhecido os Josefinos na Colônia Agrícola de Quinta, em Rio Grande. Em novembro de 1927, Dr. Gobbato escreveu uma carta ao Pe. Umberto Pagliani, pároco de Jaguarão e superior da Missão, fazendo o convite para assumir a paróquia de Ana Rech. Em 11 de fevereiro de 1928, o Dr. Celeste Gobbato escreveu novamente ao Pe. Pagliani dizendo que, em breve, uma comissão iria propor ao Arcebispo Dom João Becker a vinda dos Josefinos de Murialdo. Depois de algumas tratativas, Gobbato escreveu ao Padre Umberto Pagliani reforçando o convite. Segue a carta a que se pôde ter acesso referindo-se às tratativas:
Caxias do Sul, 29 de fevereiro de 1928. Reverendíssimo Pe. Umberto Pagliani C. S. J. DD. Vigário de Jaguarão
Por enquanto recebi a sua prezada carta com data do dia 20 do corrente. Creio portanto ser necessário dar prosseguimento ao meu telegrama e à minha carta oficial com os seguintes itens: 1º Os moradores de Ana Rech estão tendo pressa em resolver o problema da comunidade; 2º Este problema consiste em conseguir uma Congregação religiosa que assuma um colégio de rapazes e possa também dirigir ou coordenar a paróquia e dar assistência religiosa às Irmãs que residem em Ana Rech e possuem há anos um colégio de meninas; 3º A esta Congregação os moradores de Ana Rech presenteiam com uma propriedade de aproximadamente 25 hectares, com um belo parreiral, pomar, um casarão... no valor aproximado de 80 contos e que eles adquiriram dos Padres Camaldolenses por apenas 40 contos. No ato da doação porém permanecerá a cláusula que a Congregação deva manter o colégio; 4º O Senhor Arcebispo de Porto Alegre concorda, por carta que eu vi que o povo convide: os Josefinos ou os Servitas ou outra Congregação para assumirem a Obra, reservando-se o direito de ser consultado nas tratativas finais; 5º Uma vez que os Servitas do Rio se ofereceram para assumir Ana Rech, é necessário que os Josefinos se apressem e com muita rapidez para resolver a questão. Portanto no meu modesto modo de ver é necessário que Vossa Reverendíssima, consiga o sim telegráfico do Superior Geral de Roma e em seguida envie rapidamente um seu representante a Ana Rech, para apreciar e definir a situação. Desagradar-me-ia muito se por causa de demoras, os Josefinos perdessem essa ocasião que eu considero excelente para o povo e também para a Congregação. O convite feito aos Salesianos não deu em nada porque responderam que por ora não podiam vir por falta de pessoal. Saúdo-o cordialmente. Devotíssimo Dr. Celeste Gobbato. (Tradução e grifo nossos).
Os Josefinos11 aceitaram a proposta. Pe. Agostinho Gastaldo enviou seu relatório à Itália, ressaltando: “Negócio convém. Doação incondicional, renda suficiente, lugar de grande fé e prática religiosa. Lugar de futuro em si e por eventuais vocacionados”. (BARBIERI; BALLARDIN; SUSIN; 2016, p.83). Em agosto de 1928, o Pe. Agostinho Gastaldo veio substituir os monges Camaldulenses. Desde essa data, os Josefinos dirigem a paróquia Nossa Senhora de Caravaggio. Em 1º de março de 1929, aconteceu a inauguração do Colégio Murialdo com o objetivo de atender apenas a meninos, em regime de internato. Inicialmente, o colégio funcionou no prédio do Monastero della Santissima Trinitá, inaugurado em 1909, que serviu também de dormitório, cozinha, refeitório e capela até 1958.

Fonte: Acervo da Casa Provincial dos Josefinos de Murialdo – Caxias do Sul.
Figura 1 – Inauguração do prédio do colégio (à esquerda) em 28/9/1930
O Colégio Murialdo iniciou suas atividades em 1º de março de 1929 com ensino primário da 1ª a 5ª séries.
A primeira turma era formada por 30 alunos internos e 26 externos. No início, alguns alunos eram da localidade, mas a maioria era de serranos ou filhos de caxienses, necessitados de um regime mais rígido para sua educação. A fama do internato foi crescendo e se espalhando por todo o estado. Chegou a ter 280 alunos internos, bem instalados, em amplos dormitórios. Era um internato de primeira qualidade, com teatro, cinema, horas de arte e esportes. Como atividade educativa da Escola Normal Rural e, depois, do curso Técnico Agrícola, cultivava-se com técnicas modernas dirigidas pelo Ir. Ermenegildo Schiavo. (BARBIERI; BALLARDIN; SUSIN; 2016, p. 83).
O cônsul Manfredo Chiostri escreveu ao Ministério das Relações Exteriores, em 3 de agosto de 1929, referindo-se à atuação dos Josefinos:
Tenho a honra de comunicar que o Colégio Murialdo de Ana Rech, dirigido pelos religiosos italianos, merece toda a nossa consideração e ajuda. O Instituto no final do ano passado, como tenho informado seguidamente, já tem cerca de 60 alunos entre internos e externos e, junto dele funciona uma escola noturna que promete dar ótimos resultados. Dado o impulso de verdadeira italianidade que anima aqueles dirigentes é certo que os resultados em vista da difusão da nossa língua serão ótimos. [...] O que considero mais útil e condizente com a necessidade seria um subsídio anual que somado aos poucos ganhos da ordem, daria a oportunidade de melhorar gradativamente o próprio colégio. (CHIOSTRI, 1929, Maço 785, tradução nossa).
Os Josefinos haviam encontrado uma região que se assemelhava ao Norte da Itália, o Piemonte, de onde tinham partido. A comunidade os acolheu. O tempo passou e, cada vez mais, a missão Josefina se fixou na região com intenso trabalho com crianças, adolescentes e jovens. Mais tarde, inauguraram o Seminário Josefino de Fazenda Souza, em 1941, para cultivo das vocações e, em 1942, a Escola Normal Rural anexa ao Colégio Murialdo.
Considerações finais
Embora as motivações fossem de ordem pastoral, e a vinda de congregações religiosas para o Brasil tenha sido uma realidade mais presente no final do século XIX e no primeiro quartel do século XX, pode-se depreender, por meio das fontes analisadas, que a política externa do governo italiano de retomada da italianidade na década de 1920 fomentou o movimento eclesial. É importante considerar, no conjunto do que foi exposto, que, pouco depois de ter conquistado o poder, Mussolini havia anunciado “uma maciça campanha para estimular a italianidade no Exterior e preservar os laços entre a mãe-pátria e os emigrados, compreendendo também as novas gerações”. (PRETELLI, 2009, p. 152).
Particularmente no Rio Grande do Sul, a ação dos cônsules italianos Luigi
Arduini e Manfredo Chiostri, bem como de seus sucessores, estava alinhada à pátria-mãe e se voltava à propagação da escola e da cultura italianas. Esses se serviram também de congregações religiosas para levar a efeito a defesa da identidade nacional, propondo subsídios àquelas que ofereciam aulas de italiano e colaboravam para a preservação dos vínculos com a terra distante.
Na década de 1930, um conjunto de ações combinadas, promovidas pelos cônsules italianos, contribuiu para a construção e a manutenção da identidade de italianos, com a qual as congregações italianas vinham contribuindo. Porém, essas ações acabaram abortadas ou diminuídas depois do rompimento das relações diplomáticas do Brasil com os países do Eixo, anunciado no final da “Reunião de Chanceleres no Rio de Janeiro”, em 28 de janeiro de 1942. A partir disso, as construções identitárias, de alguma forma, ficaram arrefecidas, ao menos no âmbito da evidência externa. No entanto, como pondera Constantino (1991, 1997), tudo isso não foi traumático, dado que a italianidade não era mais funcional e se tornava, então, perigosa.