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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.23 no.3 Caxias do Sul  2018  Epub 29-Jul-2019

https://doi.org/10.18226/21784612.v23.n3.10 

Artigos

Formação permanente e em contexto de profissionais da Educação Infantil: contribuições de um projeto de extensão universitária

Permanent training and in the context of early childhood education professional: contributions from a universitary extension project

Aline Sommerhalder* 

Andressa de Oliveira Martins** 

*Doutora em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Campus de Araraquara. Professora-Adjunta na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de São Carlos. : sommeraline1@gmail.com

**Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). : martinsandressa27@yahoo.com.br


Resumo

Este texto origina-se de uma pesquisa concluída. O estudo foi desenvolvido em um projeto de extensão universitária de formação permanente e em contexto de profissionais de Educação Infantil que atuam em creches e pré-escolas municipais de uma cidade do interior de São Paulo. A pesquisa teve como objetivo levantar e descrever aspectos referentes à participação (estar em formação) dessas profissionais, nesse projeto. Com apoio teórico de autores como Candau e Lelis, Imbernón, Nóvoa, Gatti e Barreto, Libâneo e Pimenta, entre outros, buscamos maior aprofundamento no âmbito da formação de professores. A pesquisa, de abordagem qualitativa, teve como instrumento para coleta de dados o grupo focal, com registro de filmagens e transcrição das imagens e áudio. Foram sujeitos da investigação 16 profissionais participantes (13 professoras, 1 diretora, 1 educadora física, 1 merendeira) do referido projeto de extensão. A análise dos dados foi realizada por meio da análise de conteúdo. Para o presente texto, apresentamos um recorte dos resultados, ressaltando aqueles referentes ao “Estar em Coletivo no Projeto” e “Estar Pautado na Prática”. Os resultados revelaram a necessidade de repensar a formação de professores, pautando-se pela formação colaborativa e que considere suas práticas reais e os contextos de trabalho, por meio da relação entre teoria e prática. A pesquisa evidenciou que esses elementos são fundamentais para uma formação significativa e de qualidade, possibilitando incidências sobre a ação. A aproximação da universidade de creches e pré-escolas, por meio desse projeto, possibilitou a formação em contexto desse grupo de profissionais de Educação Infantil, uma vez que os resultados evidenciaram que essa atividade de extensão se constituiu em espaço de colaboração, diálogo, reflexão, aprendizagem, troca de conhecimentos e experiências e, também, em espaço para afirmação profissional e reconhecimento de saberes.

Palavras-chave:  Formação de professores; Extensão universitária; Teoria e prática

Abstract

This text originates from a research concluded. The study was developed within an universitary extension project with permanent training and in the context of Early Childhood Education professionals which act in daycare centers municipal and preschools in a countryside city of São Paulo state. Aiming to raise and describe aspects regarding participation (being in training) of these professionals, in this project underpinned on authors like Candau and Lelis, Imbernón, Nóvoa, Gatti and Barreiro, Libâneo and Pimenta, among others, it is sought further deepening in the training of teachers scope. This qualitative approach research used focus group as a tool for data collecting, with recording of footage and transcription of images and audio. Sixteen professionals participants (13 teachers, 1 head mistress, 1 physical education teacher, 1 lunch lady) of the referred extension project, were the investigated individuals. Data analysis was performed through content analysis. For the present text, it is presented a clipping of the results, highlighting those referred as “Being in Collective in the Project” and “Being Guided on the Practice”. Results show the need of rethinking the training of teachers, based on a collaborative development which considers real practices and the contexts of work, through linkage between theory and practice, once the research revealed that these elements are crucial for a substantial and high-class qualification, hence allowing impacts over the action. The approach between universities, day-care centers and pre-schools, through this project, enabled the formation in context of this group of professionals in Early Childhood Education, since the results showed that this extension activity was constituted as a space for collaboration, dialogue, reflection, learning, exchange of knowledge and experiences, as well as a space for professional affirmation and recognition of knowledge.

Keywords:  Training of teachers; Universitary extension; Theory and practice

Introdução

Esse texto apresenta um recorte de uma pesquisa concluída. O estudo foi desenvolvido em um projeto de extensão universitária de formação permanente e em contexto de profissionais que atuam em creches e pré- escolas de uma cidade do interior de São Paulo.

Tendo como referência a formação de professores para a Educação Infantil, Kishimoto (1999) destaca que essa etapa educativa, pelo fato de se dirigir ao atendimento da primeira infância e envolver práticas de cuidado, muitas vezes é vista pela sociedade e também pela legislação como uma profissão que não necessita de formação de qualidade. Pensa-se que basta ser mulher e gostar de crianças para realizar esse trabalho, não sendo reconhecida a importância da formação profissional qualificada e do preparo equivalente aos outros docentes que atuam nas demais etapas educativas.

Os estudos mostram que as profissionais que atuam na Educação Infantil são vistas socialmente como educadoras natas, tias, cuidadoras, professorinhas, que realizam suas atividades por dom, amor aos pequenos, caridade, benevolência, sacerdócio, e incapacidade de saber lecionar em outras etapas educativas. (LOURO, 2006; ASSIS, 2007; KISHIMOTO, 1999).

A dificuldade de afirmação dessas professoras como profissionais se dá pelo fato da própria sociedade imaginar que a condição de ser mulher já habilita uma pessoa a ser professora de crianças pequenas, resultando na falta de reconhecimento e valorização da sociedade perante a professora de Educação Infantil. A precariedade de alguns cursos de formação destinados às professoras de creches e pré-escolas e a pouca exigência formativa para atuar nessa etapa educativa reforçam essa questão e atenuam a política de exclusão dessas profissionais no campo da educação. (KISHIMOTO, 1999).

Considerando a especificidade e singularidade dessa etapa educativa ao desenvolvimento infantil e aos processos formativos da criança, é fundamental superarmos as concepções históricas de formação voltadas às profissionais que atuam na Educação Infantil. Muitas vezes, essas ideias se limitam, ora a práticas de cuidado de crianças pequenas, ora à reprodução das práticas que têm sido desenvolvidas no Ensino Fundamental, não reconhecendo a especificidade da Educação Infantil. (MACHADO, 2000; CERISARA, 1999).

Essa formação deve contemplar o papel dessas profissionais, que têm sua atuação diferenciada daquela dos demais docentes, considerando que o trabalho na Educação Infantil é fortemente marcado pela relação cuidar/ educar crianças de 0 a 6 anos, que estão no início de seu desenvolvimento.

De acordo com Candau e Lelis (1991), a formação de professores deve pautar-se pela união entre teoria e prática, de modo que essas duas esferas sejam um núcleo articulador da formação. Segundo as autoras, teoria e prática devem ser trabalhadas de forma simultânea e indissociável. Nessa proposta, a teoria é formulada e reformulada a partir do contexto de trabalho, da realidade profissional, de modo a considerar os conhecimentos vivenciais e os saberes resultantes das práticas cotidianas desenvolvidas em creches e pré-escolas.

Entendemos que essa formação deve estar entrada na prática e na visão de mundo dos professores que dela participam, sendo o conteúdo organizado a partir da existência desses sujeitos. O conteúdo a ser trabalhado. na formação de professores, quando surge da realidade de trabalho, possibilita a esses profissionais terem sua atividade e a si mesmos como objetos de sua consciência. (FREIRE, 1987).

Isso aguça um olhar mais crítico sobre o mundo, com a finalidade de refazê-lo, por meio da análise da realidade e da reflexão, possibilitando aos professores serem sujeitos de seu desenvolvimento e formação, fazendo conexões entre realidade de trabalho e teoria, entre prática e saber, de modo que as aprendizagens ocorram nessas interações o que criará possibilidades para a produção e a construção de conhecimento coletivo.

Nesse sentido, Marcelo García (1999) destaca que é fundamental considerar as particularidades do grupo que participa do processo formativo, sendo essa formação adaptada ao contexto em que esses profissionais estão, fomentando a participação e a reflexão. A maior aderência dos processos formativos com a realidade de trabalho do professor, por meio de uma formação que considere suas situações reais, permite que as práticas docentes sejam afirmadas, ressignificadas e/ou superadas, de modo que o professor tome sua prática como objeto de reflexão e de ação. (GATTI; BARRETO, 2009).

Por isso, é importante uma formação no contexto de trabalho e nas experiências dos sujeitos, na perspectiva da formação em contexto. A formação de professores, quando centrada na escola e no exercício da profissão, possibilita que o espaço de produção de conhecimento e o espaço de prática profissional se fundam em um único espaço. (MACHADO; FORMOSINHO, 2009). Machado e Formosinho (2009) enfatizam que a formação centrada na escola objetiva tomar a escola como local de aprendizagem e os professores como produtores de saber, que aprendem por meio de sua própria experiência, das vivências no coletivo de trabalho e que refletem sobre suas práticas.

Imbernón (2009, p. 80) defende a formação centrada na escola, tomando a instituição escolar como espaço prioritário de formação. Para o autor, a ideia de formação centrada na escola vai além da simples mudança física do processo formativo. A formação centrada na escola é “um novo enfoque para redefinir os conteúdos, as estratégias, os protagonistas e os propósitos da formação”.

A formação em contexto que propomos é aquela que acontece no espaço de trabalho dos professores, que tenha as instituições de Educação Infantil como locus privilegiado de formação e que tenha as profissionais que atuam em creches e pré-escolas como protagonistas desse processo. Com isso, há um deslocamento das instituições formativas para esse espaço, uma vez que é nesse ambiente que ocorrem as experiências, buscando construir ações articuladas de formação e trabalho. Essa concepção formativa compreende a escola como espaço de crescimento e formação conjunta, conferindo a ela um papel central como local de produção de conhecimento. A partir dessas considerações, a presente pesquisa se aproxima de um processo formativo para levantar e descrever aspectos referentes à participação (estar em formação) de profissionais de Educação Infantil.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, considerando que, segundo Minayo (1994), o objeto das ciências sociais é essencialmente qualitativo. De acordo com Bogdan e Biklen (2010), a pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como um estudo detalhado de determinado fenômeno social que busca informações para explicar, em profundidade, as características e significados desse fenômeno.

A partir da abordagem qualitativa, foi realizado um estudo de caso. Segundo Yin (2001), o estudo de caso é utilizado quando o foco da pesquisa está na compreensão dos fenômenos sociais complexos que se inserem no contexto da vida real. Trabalhamos com o estudo de um caso específico, focalizando apenas um evento: um projeto de extensão universitária de formação permanente e em contexto de profissionais de Educação Infantil. A pesquisa se constitui como estudo de caso, pois o projeto é uma situação particular, exclusiva e contextualizada.

Essa extensão é desenvolvida desde o ano de 2012 em um Centro Municipal de Educação Infantil de uma cidade do interior de São Paulo. O projeto origina-se da aproximação entre universidade e profissionais de Educação Infantil em exercício.

Essa aproximação permitiu compartilhar expectativas e anseios das educadoras que trabalham com bebês e crianças pequenas. Resultante das demandas de formação apresentadas por essas profissionais e da parceria entre universidade e escola, o projeto de extensão começou a se estruturar. Nesse sentido, nasceu defendendo a ideia de um processo de formação permanente e em contexto à professoras que atuam na Educação Infantil, visando a colaborar nesse campo de formação e atuação profissional, promovendo ações conjuntas de formação.

O grupo de educadoras que participavam do projeto se constituiu de forma colaborativa, a partir das necessidades e demandas da prática de ser professora de Educação Infantil. Os encontros do grupo ocorriam quinzenalmente, após o horário de trabalho, no espaço físico de um Centro Municipal de Educação Infantil. As atividades do projeto eram divididas em momento de leitura de textos, de discussão, reflexão, atividades em grupos, apresentação de casos de ensino, realização de oficinas, vivências de sensibilização, dinâmicas, filmes, documentários, etc. O projeto contava, ainda, com a realização de atividades não presenciais, como a produção de diários e memorial/portfólio.

As atividades desenvolvidas no projeto focalizavam, dentre outros conteúdos, o que é ser professora de bebês e crianças pequenas, as dificuldades e os desafios, os saberes construídos ao longo da carreira e as necessidades de formação dessas profissionais. Constituíam-se em momentos de aprendizagem, troca de saberes e reflexão, por meio do diálogo, da problematização, do pensar crítico e de tomadas de consciência.

Foram sujeitos da pesquisa todas as 16 (dezesseis) educadoras envolvidas com o projeto durante o ano de 2015, sendo 13 professoras de Educação Infantil, 1 professora que atua como Educadora Física na Educação Infantil, 1 diretora e 1 merendeira. Utilizamos o grupo focal, considerando as possibilidades que essa técnica abre à coleta das informações necessárias à realização da pesquisa, principalmente pelo fato de que partimos do pressuposto de que as participantes do projeto compreendem um grupo social. Foram elaborados roteiros com temas para os grupos focais. A moderação do grupo focal foi realizada pela pesquisadora.

O espaço para a pesquisa de campo foi o Centro Municipal de Educação Infantil onde o projeto de extensão era desenvolvido. Foram realizadas 6 (seis) sessões de grupo focal, divididas em 6 (seis) encontros. A coleta de dados ocorreu durante, aproximadamente, quatro meses seguidos, nos horário/dias dos encontros do pessoal do projeto. Cada sessão tinha a duração de aproximadamente, uma hora.

Para o registro dos dados foi utilizada a gravação em vídeo com áudio e imagem, com transcrição posterior. (GIBBS, 2009). As transcrições foram realizadas pela pesquisadora, sempre no mesmo dia das sessões de grupo focal e após essas.

A análise dos dados se deu buscando olhar atentamente às informações. Bardin (2008) explica que essa etapa da pesquisa requer a superação da leitura simples do real para uma leitura aprofundada e crítica. A análise dos dados foi realizada por meio da análise de conteúdo.

Considerando as questões éticas para o desenvolvimento da pesquisa, a mesma foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos, sob o Parecer 1.096.045. As 16 (dezesseis) participantes (professoras, merendeira e diretora) do projeto foram esclarecidas e consentiram em participar da pesquisa, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os nomes utilizados na pesquisa são fictícios e foram escolhidos pelas próprias participantes.

Análise e discussão dos resultados

Nesse item, considerando que o texto é resultado de uma pesquisa mais ampla, apresentamos um recorte dos resultados, com foco na categoria/ diretriz: estar em formação e nos eixos temáticos “Estar em Coletivo no Projeto” e “Estar Pautado na Prática”.

Os resultados da pesquisa revelaram a importância do grupo, do outro. Ao ser solicitado às participantes para que falassem o que significa, para elas, estar no projeto, essas profissionais revelaram a importância de estar no coletivo, do grupo e da união.

Professora Ana – Engraçado, aqui eu me sinto enquanto um grupo assim, sabe? (Professora Taís concorda balançando a cabeça). Grupo unido, mas na escola, nem sempre. (Professora Taís e Professora Número 1 riem). E não deveria acontecer isso, eu não sei por que sabe? Sei lá, são coisas invisíveis, mas visíveis. Não sei, aqui... aqui, eu acho assim, um lugar aconchegante, um lugar onde você aprende na fala do outro, você se identifica, e eu me sinto enquanto grupo coeso assim, uma vez que eu não tenho essa mesma coesão dentro da escola, não consigo me identificar enquanto um grupo dentro da escola, sabe?

Professora Bianca – Interessante, porque aqui você consegue se abrir...

Professora Ana – Isso, isso mesmo!

Professora Bianca – Se expor, sem medo de falar, né? Professora Ana – É, isso é verdade mesmo!

Professora Bianca – Como um grupo mesmo...

Professora Ana – [...] Dentro da escola, eu não consigo sentir tanta coesão quanto aqui.

Professora Bianca – Talvez o grupo te passe segurança... Até mesmo acho que por conta das trocas de experiências... Você vê que você...

Professora Ana – Não está sozinha!!! Professora Bianca – Não está sozinha!!!

Professora Ana – Exato! Porque às vezes, quando você tem algum problema que te angustia, você fala: Será que eu não estou contente com a profissão? Será que é isso? Será que é aquilo?... Mas aí... Na fala do outro que você se identifica, né?

Professora Número 1 – Eu acho que assim, a gente se coloca muito de igual para igual.

(Transcrição de Grupo Focal n. 3).

Esse relato evidenciou a questão do coletivo existente no projeto, assim, as participantes da pesquisa destacaram que nesta atividade de extensão, se sentem como um grupo coeso e apontaram que isso ocorre, pois no projeto têm espaço e liberdade para falar, para compartilhar as angústias e problemas, para se abrir sem medo, pois para essas educadoras, esse grupo promove segurança, uma vez que se colocam como parceiras.

Professora Jú – Aqui, embora sejamos profissionais que atuam em diferentes etapas, diferentes fases das crianças, nós nos sentimos livres para estar dividindo isso, expressando isso e ouvindo as experiências umas das outras. Eu tinha achado muito interessante, como a professora Número 1 falou, não houve assim um encontro maçante e toda quarta-feira a gente fala... Aí, hoje tem curso (risos do grupo). Hoje, tem curso, mas quando chega lá, é legal (risos do grupo). (Transcrição de Grupo Focal n. 3).

Pensando no estar junto com outras profissionais que atuam na Educação Infantil e nas aprendizagens que decorrem da convivência nesse coletivo, entendemos que “ninguém educa ninguém, tampouco ninguém educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. (FREIRE, 1987, p. 39).

Freire (1979) destaca que o ser humano está no mundo e com o mundo; assim, é capaz de se relacionar, de se projetar nos outros. O ser humano, constantemente estabelece relações, seja com os outros sujeitos, seja com o mundo. Educa-se por meio dessas relações. Considerando a vocação ontológica das pessoas em Ser-Mais, Freire (1987, p. 47) aponta que “esta busca do ser mais, porém, não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos”.

O Ser-Mais é busca que se dá no coletivo e na comunhão, assim, uma formação humanizadora e libertadora requer um que fazer permanente, um se educar em colaboração, possibilitando aos seres humanos lutarem juntos por sua emancipação. O processo educativo que se dá em comunhão, superando o individualismo e o intelectualismo alienante, supera também a falsa consciência do mundo. (FREIRE, 1987).

O projeto se constitui como uma comunidade formativa (IMBERNÓN, 2009; NONO, 2011), que propicia um contexto interativo e a criação de uma fonte de apoio e ideias, possibilitando às educadoras que discutam suas práticas profissionais e compartilhem experiências e saberes. Imbernón (2009) destaca, ainda, que, nas comunidades formativas, todos os agentes, as educadoras, desenvolvem um papel ativo, e o protagonismo é assumido pelos professores.

Isso é reforçado pela fala das participantes da pesquisa que revelaram a importância do trabalho com os pares, que ocorre dentro do projeto, bem como destacaram a necessidade de trocas com as demais educadoras, possibilitando que suas práticas sejam discutidas e repensadas, criando, junto aas pares, uma fonte de apoio profissional, por meio da convivência e do diálogo, mobilizando um encontro para refletir sobre a realidade e a forma como a fazem e a refazem.

A partir de autores como Imbernón (2009) e Freire (1979), entendemos que a colaboração e o estar junto proporciona melhor compreender a complexidade da atuação das educadoras de Educação Infantil e a busca por respostas às situações problemáticas. Por meio dessa troca e colaboração, as participantes da pesquisa revelaram diferentes modos de atuar na prática, seja por meio da experiência do outro ou da reflexão junto com o grupo.

No eixo temático “Estar Pautado na Prática”, quando levantado o tema sobre as contribuições do projeto, os relatos dessas profissionais evidenciaram que as atividades do mesmo são pautadas pelas suas práticas; assim, relacionam-se ao seu dia a dia, sendo possível, a partir disso, a identificação das práticas diárias com as atividades realizadas no projeto.

Pesquisadora – No que o projeto tem ajudado vocês? O grupo permanece em silêncio.

Pesquisadora – O que tem contribuído na prática de vocês? Se tem contribuído...

Professora Bianca – Ah, eu acho que as palestras que nós tivemos, todas foram ótimas assim, todas estavam baseadas no nosso dia a dia mesmo, então acho que a gente... Em cada palestra que tinha, a gente se identificava. Nossa, o texto que a gente leu (Professora Bianca fala algo que não é possível ouvir), é muito importante para nós também, né? Então eu acho que todas as palestras teve... tiveram assim suas contribuições positivas dentro da nossa... a gente conseguiu se identificar dentro de todas elas, porque são assuntos que nós vivenciamos, então...

(Transcrição de Grupo Focal n. 3).

Professora Sofia – Levar para a prática eu acho que tudo. Todas as oficinas, palestras, as leituras, eu acho que não é a toa, tudo faz um sentido, e às vezes, a gente não tem noção do que está escutando, mas na hora que acontece alguma coisa, a gente vai lembrar, olha, eu ouvi isso, eu ouvi aquilo.

(Transcrição de Grupo Focal n. 2).

Compreendemos que uma formação permanente e contextualizada, que esteja pautada pela prática real dos educadores, possibilita aprendizagens efetivas e que têm desdobramentos práticos, auxiliando a solucionar problemas, uma vez que, nesse processo, as educadoras se identificaram com sua própria ação. Enfatizamos que isso ocorre, também, devido à forma como se dava a organização e o desenvolvimento dessa atividade de extensão, uma vez que as atividades do projeto eram elaboradas a partir das demandas levantadas pelas participantes. Essas atividades buscavam atender às suas necessidades reais, propondo a essas educadoras sua situação como problema, diferentemente de modelos de formação que ocorrem de forma uniforme e padrão, pautando-se pela visão dicotômica entre teoria e prática, descontextualizada das práticas dos professores e que objetivam um treinamento, sem propor uma reflexão mais crítica sobre a atuação profissional. (IMBERNÓN, 2009; GATTI; BARRETO, 2009; FREIRE, 1987; CANDAU; LELIS, 1991).

Kishimoto aponta que

a maioria das iniciativas de formação trabalha com a idéia de que é preciso (ou mesmo possível) jogar fora a experiência passada e começar tudo de novo. Como se nós, professores, pudéssemos ser colocados em ponto morto, alavancados, a cada vez que descobrisse um novo método, uma nova proposta ou uma nova teoria. (2005, p. 127).

A autora destaca que a teoria está “costurada” aos conhecimentos vivenciais e aos saberes da prática. Pensando nessa relação entre conhecimento e experiências, saber e trabalho, Tardif (2008) pontua que o saber dos professores tem íntima relação com o trabalho na escola e sala de aula. Esses saberes são mobilizados de acordo com as necessidades cotidianas da atuação profissional, assim, “o saber está a serviço do trabalho”. (TARDIF, 2008, p. 17).

É fundamental que a formação permanente de professores tenha íntima relação com o trabalho, com as práticas reais dos educadores. Freire (1998) elucida a importância da relação entre a experiência existencial (contexto concreto) e as práticas formativas (contexto teórico), apontando que a formação permanente deve incidir em situações problemáticas. Esse autor destaca que é necessário um compromisso com a realidade, pois os seres humanos estão “mergulhados” em sua realidade, e percebem e tomam consciência a partir de um olhar mais crítico sobre essa realidade. (FREIRE, 1987).

Bodnar (2011) destaca que pesquisas e produções acadêmicas vêm indicando que é necessário construir propostas de formação de professores que possibilitem a problematização das práticas, buscando transformá-las e/ou potencializá-las. Corroborando o dito por essa autora, Gatti e Barreto (2009) evidenciam que, recentemente, a formação continuada de professores tem passado por um movimento de reconceitualização, buscando reconhecer os saberes dos professores e, a partir desses saberes e experiências reais, trabalhar novos conceitos e opções.

Destacamos que falar sobre práticas reais requer que as vozes desses profissionais, protagonistas da ação, sejam escutadas e que atuem de forma efetiva em seu processo formativo, sendo centro das intenções nos projetos de formação. Requer, ainda, um papel ativo no planejamento, no desenvolvimento, na avaliação e reformulação. (IMBERNÓN, 2009; GATTI; BARRETO, 2009).

O projeto de extensão investigado, conforme revelaram as falas das participantes da pesquisa e defendem autores como Imbernón (2009), Gatti e Barreto (2009), Marcelo García (1999), possibilita momentos de reflexão sobre a prática e uma formação centrada no fortalecimento do grupo, permitindo uma maior aderência à realidade do professor, o conhecimento e o reconhecimento de seu repertório de práticas, proporcionando legitimar, ressignificar e superar saberes. Isso ocorre, pois, como apontam as educadoras participantes da pesquisa, as atividades são baseadas em suas práticas cotidianas, são temáticas que elas vivenciam, permitindo a identificação e propondo “sua situação como incidência de seu ato cognoscente, através do qual será possível a superação da percepção mágica ou ingênua que dela tenham. (FREIRE, 1987, p. 42).

Algumas considerações finais

Compreendemos que, a partir do estar no coletivo em um processo de formação (projeto de extensão universitária), as educadoras vivenciaram momentos de aprendizagem com outras profissionais e por meio do compartilhar de saberes, experiências e práticas. Entendemos esse processo como uma formação para a vida e a profissão, uma vez que o aprender ocorre de forma constante e permanente. (IMBERNÓN, 2009; FREIRE, 1996).

A pesquisa revelou que essa convivência com outros profissionais (educadoras), em espaço de formação, é importante e fundamental ao aprimoramento da prática profissional. Assim, pudemos observar que, a partir dessas relações com os outros no projeto de extensão, as educadoras pensaram em possíveis opções de trabalho, bem como reelaboraram suas práticas, uma vez que essa troca permitiu pensar e refletir sobre a própria atuação.

Entendemos que isso ocorre, pois essa extensão universitária é um modelo de formação centrado na prática real das educadoras de creches e pré-escolas. Logo, tem relação direta com a atuação profissional, de modo que permite a identificação entre ação e formação. Isso revela a necessidade de repensar a formação de professores, pautando-se pela formação colaborativa e que considere essas práticas reais e os contextos de trabalho, por meio da relação entre teoria e prática, uma vez que a pesquisa evidenciou que esses elementos são essenciais para uma formação significativa e de qualidade, possibilitando incidências sobre a ação.

Apoiando em De Paula (2013) e tomando como referência o referido projeto, entendemos que é tarefa da universidade dialogar com a sociedade, buscando responder às suas demandas e expectativas e reconhecendo a sociedade como portadora e produtora de saberes e conhecimentos. Para esse autor a extensão universitária deve se constituir como uma relação de compartilhamento entre conhecimentos acadêmicos e saberes da experiência em um processo de emancipação.

Diferentemente do que se encontra, em geral, em cursos voltados à formação de professores, totalmente desconexos da prática real e dos saberes da experiência dos educadores, a atividade de extensão universitária

não se trata apenas de oferecer um curso com carga horária estipulada ou realizar palestras e eventos. O papel da extensão universitária é também abstrair a cultura e os problemas enfrentados pela comunidade na qual está inserida e propor formas de ajudá-la. (REIS et al., 2014, p. 53).

Entendemos que a aproximação da universidade de creches e pré-escolas, por meio da atividade de extensão, possibilitou a formação em contexto desse grupo de profissionais de Educação Infantil, uma vez que o projeto se revelou, conforme mostraram os dados da pesquisa, como um espaço de colaboração, diálogo, aprendizagem, troca de conhecimentos e experiências.

Destacamos a extensão universitária como uma ação importante à formação de professores, pois promove o encontro da teoria com a prática, do pensar com o agir, por meio de parceria entre universidade e comunidade.

Apontamos, ainda, que este estudo poderá indicar possibilidades para outras ações formativas, pois destaca aspectos importantes referentes à formação de professores, enfatizando, neste texto, uma formação que se dê no coletivo, em colaboração e que esteja relacionada às práticas cotidianos na Educação Infantil.

Referências

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Recebido: 30 de Julho de 2018; Aceito: 13 de Novembro de 2018

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