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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.23 no.spe3 Caxias do Sul  2018  Epub 02-Set-2019

https://doi.org/10.18226/21784612.v23.dossie.1 

Artigos

Aproximações à ideia de bem em A República de Platão

Approaches to the idea of good in The Republic of Plato

Jayme Paviani* 

*Professor no Programa de Pós-Graduação em Filosofia e no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul (UCS).


Resumo

o texto apresenta de algumas características básicas da ideia de bem em A República, com algumas referências gerais a outros diálogos, a partir da leitura do texto platônico e de algumas contribuições de comentadores, tendo em vista a presença dessa ideia na filosofia e na ética de Platão.

Palavras-chave: Platão; Bem; Virtude; Justiça

Abstract

Some notes on the fundamental characteristics of Plato’s idea of the good as presented in The republic, with generic references to other of his dialogues and to contributions made by chosen commentators. The notes are motivated by the importance of that concept to Plato’s conception of ethics and philosophy in general.

Keywords: Plato; Good; Virtue; Justiça

O exame do conceito de bem em Platão precisa levar em consideração uma série de pressupostos. Talvez o conceito de bem em Platão não seja o mais correto, pois o bem é uma ideia ou forma e não um conceito no sentido lógico do termo. Em seus aspectos gerais, o bem é uma entidade verdadeira, eterna, imutável e, além disso, entre todas as ideias, é aquela que, na hierarquia da inteligibilidade, ocupa o lugar supremo. Todavia, apesar dessa distinção entre a entidade ideia e o conceito costuma-se empregar a expressão “conceito de bem”. Assim, o bem em Platão tem uma característica básica que o distingue das demais formas de definição. Trata-se de saber o que é uma ideia ou forma e o que é um conceito, embora os dois termos possam, em certos casos, ser usados como sinônimos ou complementos de definição. Todavia, já essa distinção, ou definição, poderia merecer um estudo monográfico.

Outro pressuposto consiste na dificuldade de explicitar a noção, ou o conceito, de bem ao longo de todos os diálogos de Platão e, principalmente, de questionar se os textos de Platão realmente dizem o que ele entende por bem, no sentido teórico e na medida em que interfere no modo de vida das pessoas, como algo não conhecido ou inalcançável, embora orientador da existência moral dos indivíduos. Em todo caso, sabemos que, no pensamento de Platão, a ideia de bem ocupa um lugar central. É como se o sistema platônico tivesse uma chave geral de compreensão, um ponto de apoio.

Também é preciso pressupor que o bem articula, na visão platônica, um conjunto de aspectos. Se a filosofia, para Platão, tem como objetivo a busca do bem, no sentido atual de bem-estar de vida dos seres humanos, de felicidade como modo de vida correto, como pretensão objetiva e não, como queria Kant, de possibilidade subjetiva, então o bem se encontra relacionado com o governante-filosófico da pólis ideal, com a verdade e as demais virtudes, enfim, com a vida adequada ou centrada na eudaimonia, como queria Aristóteles. Assim, tematizar o bem em Platão, mesmo que não se possa ter dele um saber acabado, é indagar pela ação filosófica como modo de vida.1 Nessa questão difícil de esclarecer, também se poderia avançar na pesquisa para saber se Platão mistura filosofia com outras crenças religiosas ou não, místicas ou não. Existem inúmeros estudos sobre o assunto, embora esses mesmos ensaios partam de pressupostos que vão além das análises lógicas.

Feitas essas ressalvas, o bem na filosofia de Platão ocupa uma posição central em A República, embora possa ser tematizado no Filebo, no Górgias, em O Banquete, na Carta VII e em outros diálogos. Entretanto, é em A República que o bem merece uma atenção principal, pois ele é necessário para formar moral e intelectualmente os governantes-filósofos, é critério de justiça, justificativa epistemológica dos seres inteligíveis e objeto do conhecimento e, principalmente, é o que cada alma procura em razão de suas ações.

Em A República, o bem é a melhor coisa do universo e assume a função normativa em relação às ações humanas. No entanto, é comum afirmar que um dos objetivos de A República seja o exame da justiça, e somente no Livro VII torna-se a ideia de bem explícita. Isso significa, entre outros aspectos, que a justiça na pólis só pode ser alcançada, definida, englobada, a partir da ideia de bem. A dificuldade está em que só se entende o bem em relação à formação e à atuação dos governantes-filósofos e enquanto o bem é inseparável da justiça e das demais virtudes, embora Platão não defina exatamente o que é o bem.

Antes, porém, de examinar o bem em A República, é possível buscar suas características em outros diálogos. No Górgias, por exemplo, Platão afirma que os tiranos “não fazem o que querem, mas fazem o que lhes parece ser melhor (o que lhes agrada)”. (466e). Contra a confusão conceitual de Polo, Platão distingue entre “fazer o que se quer” e “fazer o que parece ser melhor”. Desse modo, Platão distingue os fins dos meios e, em última análise, parece que o bem é situado como fim em si e não simplesmente como uma ação boa ou como desejo de algo melhor ou vantajoso. As ações devem ter em vista o bem em si, e isso, segundo certos comentários, define a ação racional. A ação é racional, o desejo é racional, quando se tem um fim em vista, concebido como bem.

Em O Banquete, no discurso de Diotima, aponta-se a relação entre a natureza de Eros, o bem e o belo. O bem não é um objeto de posse, mas o meio através do qual Eros atua permitindo a perpetuação do indivíduo, ao afirmar que os “os homens amam de verdade não é outra coisa senão o bem”. Enfim, “o amor é o desejo de possuir o bem para sempre”, não obstante haja a impossibilidade de se possuir o bem concreto e de defini-lo como meio. (206a). Desse modo, o diálogo deixa claro que, através do bem, os humanos aspiram à imortalidade. (207a).

Platão, no Filebo, afirma que o bem se encontra na vida quando há uma mistura bem-realizada entre o prazer e a sabedoria. A palavra benfeita é, entretanto, difícil de interpretar, pois não está claro como o bem permite tal mistura, como essa mediação é realizada. (59b/ 51a). Parece que, para Platão, a sabedoria participa do bem mais do que o prazer, entendendo-se a participação como algo conduzido pela vida intelectual, como algo que permite a felicidade. Mas o Filebo define o bem de diversas maneiras; diz, por exemplo, no início do diálogo, que é “a natureza do bem diferente das demais maneiras”. (60b 10). Na realidade, Platão quer definir o caminho que conduz ao bem humano, o processo da mistura, a participação das ciências, a questão dos prazeres e da verdade para, finalmente, apresentar as características formais do bem: beleza, proporção e verdade. (64b-65a). No fim de tudo, depois de análises precisas, Platão afirma que o intelecto está mais próximo do bem do que o prazer, especialmente, se se levar em consideração as teorias da ideia e da participação.

Deixando de lado esses diálogos aqui apresentados como exemplos de que o bem pode ser examinado sob diferentes aspectos, à semelhança das relações entre bem e justiça; bem e educação; bem e governo dos filósofos; bem e virtudes; bem e mal, a partir do Livro VII, de A República, o bem é tematizado de modo global. Assim, desde o início do texto, no Livro I, Platão escreve:

Porque, se fosse concebível uma cidade só de homens de bem, nasceriam tantas brigas para se esquivarem todos dos postos de governança, como há presentemente para governar, com o que se tornaria patente que não é da natureza do verdadeiro dirigente pensar no interesse próprio, porém no de seus súditos. Por isso, todo homem de senso prefere ser beneficiado por outros a ter trabalho para beneficiar terceiros. (347d).

Essa citação mostra que a ética platônica centraliza-se no bem, na justiça, na formação dialética dos filósofos, enquanto esses domínios estão relacionados uns aos outros, enquanto o bem percorre todas as ações humanas e é fundamental ao entendimento das virtudes tanto para o indivíduo quanto para o cidadão, tanto para a sociedade quanto para a constituição da cidade- Estado.

O bem como ideia ou forma ou, ainda, conhecimento máximo, é apresentado metaforicamente semelhante ao sol, à linha e à “alegoria da caverna”, sendo definido, em A República, da seguinte maneira:

Quem não for capaz de determinar conceitualmente a ideia de bem e separá-la das demais ideias, e não souber abrir caminho, como num prélio renhedíssimo, pelo meio de mundo de objeções, decidido a assentar suas provas, não na opinião, porém na própria essência das coisas, e não resolver todas as dificuldades com explicações irrefutáveis, de semelhante indivíduo não dirá que conhece o bem em si ou qualquer outro bem, pois até mesmo no caso de chegar a alcançar uma espécie de simulacro do bem, só o fará por meio da opinião, não do conhecimento, não passando sua vida de um sonho e modorra contínuos, sem que jamais venha a despertar de tudo aqui na terra; antes disso baixará para o Hades e dormirá no sono eterno. (534c).

Esse é, segundo Krämer, o único passo da obra de Platão em que fala da relação entre o bem e o conhecimento dialético, e tenta mencionar a questão da definição de bem (1989, p. 34 ss). A passagem é rica de elementos. Não se pode definir com palavras o bem. O logos não alcança a essência do agaton, do bem. Apesar de inacessível, o bem fundamenta todas as ideias e a vida das pessoas em relação aos outros e às coisas.

Igualmente, do Livro VII, o filósofo, após mais de vinte anos de preparação para o exercício da dialética, pôde “contemplar o Ser que dá luz a todas as coisas”. (540a). Tem-se a imagem do bem ultrapassando a doxa para alcançar a episteme. O bem em si poderá, então, ser visto como “paradigma para ordenar a pólis, os particulares e a si mesmos, cada um por sua vez, para o resto da vida e consagrando a maior parte dela para a filosofia”. (540a, 540b). Os dois graus de conhecimento, isto é, a diferença entre opinião e ciência estabelece as bases da epistemologia platônica. A questão consiste em saber se é possível ou não conhecer o bem e como é possível conhecê-lo. A questão, no entanto, é ainda mais abrangente, pois podemos nos perguntar se é possível conhecer as ideias. Na realidade, fala- se na contemplação do bem a partir de uma espécie de ascese dialética, numa subida no interior das ideias ou formas numa pirâmide de gêneros do tipo apresentado em O Banquete, no Fedon e, especialmente, em A República, Livro VI, onde diz:

Então, compreende também que pela outra divisão do inteligível entendo o que somente pode ser apreendido por meio da razão e de sua capacidade dialética, com o emprego de hipóteses, não como princípios, porém hipóteses de verdade, isto é, ponto de apoio e trampolim para alcançar o fundamento primitivo das coisas, que transcende a todas as hipóteses. Alcançado esse princípio juntamente com tudo o que se lhe relaciona, desde a última conclusão, sem nunca utilizar-se dos dados sensíveis, porém, passando sempre de uma ideia para outra, até terminar numa ideia. (511 c).

Assim, o bem é mais acessível aos que têm formação filosófica, aqueles que vão além dos dados sensíveis, aqueles que superam os degraus, isto é, que vão além das hipóteses e alcançam os princípios. Nesse aspecto, Szlezák analisa o valor social da filosofia na cidade-Estado e os que são autorizados ou não a ser filósofos e, portanto, os que dialeticamente possuem uma alma cognitiva adequada para alcançar a “ordem eterna do mundo das ideias”. Para isso, “a alma do filósofo precisa estar em ordem”, sendo, nesse caso, a filosofia para Platão não apenas “uma dotação intelectual, mas também atitude moral”. (2011, p. 19).

Como se pode observar, estamos longe da política educacional moderna. Platão, além de acentuar o direito do cidadão, deseja assegurar o dever do Estado de formá-lo. Não obstante, em relação à dialética, Platão afirma que só alguns podem ser filósofos e chegar a uma “visão de conjunto”. (2011, p. 22). Também estamos longe de ficar irritados como Platão devido à depreciação pública da filosofia, talvez pelo fato de ser praticada de forma errônea em seu tempo, pois, como demonstra no Sofista, as pessoas não sabem distinguir o sofista do político e do filósofo.

O desprezo de Platão pelo vulgo é compensado pela perspectiva positiva de que todos podem aceitar o governo dos filósofos. Não importa se é difícil entender a estrutura da alma e da cidade-Estado e a teoria da justiça, pois, mais ainda é difícil entender a ideia de bem e a dialética proposta por Platão, através de Sócrates, em A República, comunicada a Glauco e Adimanto. A ideia de bem e a definição de sua essência não são expostas. Platão diz:

Porém, receio não estar à altura do assunto e que, apesar de toda a boa vontade, minha falta de jeito vos provoque o riso. Não, bem- aventurados amigos; deixemos de lado, por enquanto, a questão da natureza do bem sem si; afigura-se-me longe demais para que neste ritmo consigamos alcançar minha concepção a seu respeito. Mas, se estiverdes de acordo, proponho-vos falar de um filho do bem, que se parece muito com ele. Caso contrário, deixemo-lo também de lado. (506e).

Platão não quer expor, no momento, o bem em si. Sua exposição, talvez devido à forma de diálogo, é, muitas vezes, incompleta e, outras vezes, metafórica. Fala de modo figurado. Afirma que existe o belo em si, o bom em si, e que cada uma corresponde a uma ideia que é chamada de essência, mas nem tudo está ao alcance das definições ou dos conceitos.

Entretanto, para Pappas, o bem serve para harmonizar as atividades e as investigações dos filósofos que, frequentemente, estão longe das preocupações éticas necessárias para uma vida digna. (1995, p. 167). Essa afirmação diz que a ideia de bem é a mais científica, a mais elevada, pois, embora não suficientemente conhecida, por conta dela a justiça e as outras virtudes se tornam valiosas. (505a, 505b). Sem o bem nada nos serve e nada possuímos. Daí o motivo de Platão relacionar a formação dos governantes-filósofos com os processos da educação. Daí a distinção entre bem e bom que, por sua vez, distinguem-se da justiça. Todos procuram o bom, uma boa saúde, uma boa alimentação. O bem parece mais próximo das ações éticas.

Apesar de o bem ser incognoscível, é necessário desenvolver a techne, isto é, a habilidade, em parte, proveniente da episteme e, em parte, proveniente de normas. É exatamente o não saber que nos empurra para a sabedoria. É preciso um sistema educacional para produzir um contexto político favorável. Além disso, a techne não é suficiente, é preciso um saber ético, dialético para alcançar as essências. É preciso sair do dia a dia, próprio das questões retóricas, para ir às perguntas universais próprias da dialética.

A posição bastante original de Platão em A República sobre os governantes-filósofos, após longos anos de formação, mostra que somente eles fazem leis perfeitas e permitem a existência de uma cidade ideal. É o amor por todos os tipos de saber que conduz eticamente o governo e a sociedade. Nesse sentido, a ação e a teoria política, a realização da justiça e das demais virtudes, tudo depende da ideia de bem, forma superior da sabedoria. Sem o bem não é possível conceber a moralidade e a ética.

Em A República, desde o início, Platão procura definir justiça, não no sentido teórico, mas a partir de ações individuais. Aí estão diversas tentativas, por exemplo, de pagar o que se deve, de ajudar os amigos e de danificar os inimigos. Mas essas tentativas não têm sucesso. Como nos primeiros diálogos platônicos, acabam inconclusas. Para Platão, as verdadeiras ações justas não são externas, mas sim da alma, pois, elas preservam a justeza da alma, sua personalidade e, em vista disso, as ações justas referem- se tanto à alma quanto à pólis. A sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça tornam as ações boas, éticas.

Aparentemente essa análise de Platão parece desvinculada da formação dos governantes-filósofos, pois o bem é indefinível, e os governantes da pólis têm como objetivo “aprender o bem e servir-se dele como paradigma” (540ª ss). Mas além das dificuldades de passagem do conceito para a ação, do ideal para o real, apesar da mediação da educação, sendo que o mundo físico é cópia do mundo das ideias ou formas, é difícil saber o que torna os governantes-filósofos melhores do que os demais indivíduos, o que os torna mais aptos de dirigir a pólis.

É no interior dessa concepção metafísica, em que o bem se encontra relacionado com a organização do cosmos, com a teoria das ideias ou das formas, com as relações entre as classes sociais e a pólis, que sua compreensão permite o entendimento dos demais conceitos. Também é necessário observar que o bem de Platão não é oposto ao mal. Ao contrário, o bem é sempre procurado por todos, é um objetivo de vida.

Para Platão, os justos são mais felizes que os injustos. O bem é apreensível e independe do bem-viver de cada um. Também a justiça, no mundo e na personalidade de cada um, é boa em si, independentemente da felicidade. (WHITE, 2011, p. 343). A questão de uma vida boa, adequada tem seu núcleo, seu fundamento, na arete. Se a existência do homem está submetida ao destino, para Sócrates é melhor cumprir a virtude. Cultivar o cuidado de si para poder cuidar do outro e, assim, poder conhecer a si mesmo. Desse modo, viver bem é uma condição que as pessoas comuns procuram naturalmente. (505d).

O viver bem permite aos humanos chegar à verdade. A experiência cotidiana é imperfeita, daí a superioridade das ideias como meta da verdade em si. O caminho do conhecimento, em si, é a senda do que é. Libertar-se da doxa, em busca da episteme, através da educação, é um processo para alcançar a verdade.

Platão acredita no bem e, por isso, nele funda a possibilidade de uma vida justa. Os governantes-filósofos, após o último estágio de sua formação, devem dirigir os negócios públicos a partir de ordens justas, segundo o que é bom ou é melhor para todos os que podem ter uma vida melhor. Aqui Platão distingue o que é melhor e o que é justo, portanto, os governantes não só podem, mas devem fazer o mais justo.

Os governantes não são escolhidos em benefício próprio, mas em vista do que é bom para a pólis. Sua função de governantes é a de administrar e de filosofar, portanto, eles têm uma dupla tarefa. São os únicos com dupla função. Por isso, White afirma que eles devem “compreender a justiça e o bem. Para isso, pensa Platão, eles devem ter a função de filosofar e filosofar antes de governar”. (2011, p. 345). O filosofar, sendo atividade prazerosa, os tornará mais felizes. Já o bem também os obriga a governar que é um modo de retribuir pela educação que receberam. (520a, c).

Assim, para Platão, na medida em que a pólis cresce e é bem- administrada, cada classe ou grupo receberá sua parte de felicidade. (421b). O essencial consiste em se fazer a distinção entre o bom para a pólis e o bom para o indivíduo. Quem governa deve optar pelo bom para a pólis e é, nesse sentido, que se precisa deliberar. O bem no sentido platônico sempre é para todos e não um bem particular. Ele deve servir para atender às necessidades da pólis e, desse modo, atender às exigências morais dos indivíduos.

O bem de que fala Platão, apesar de indefinido, incognoscível, é central em sua visão filosófica. Enquanto as teorias éticas do século XXI estão voltadas para as obrigações e os deveres, a ética platônica é dominada por um senso estético, de harmonia, de belo. A ética contemporânea, múltipla em suas vozes, está próxima das normas, dos regulamentos. A ética platônica é vizinha das questões da felicidade. A ética contemporânea do pós-dever apenas apresenta aproximações com a questão da felicidade, embora hoje ela seja considerada um estado subjetivo. Enfim, essas duas dimensões sociais e históricas da ética mostram que as visões do ser humano e da sociedade se transformam no tempo, no entanto, conservam somente um mesmo núcleo essencial. Em linhas gerais, poder-se-ia dizer que a ética atual é menos arbitrária em suas origens e princípios, mas isso é apenas uma tese que precisa ser demonstrada.

Referências:

KRÄMER, Hans. Dialettica e definicione del Bene in Platone. Trad. de Enrico Peroli. Milano: Vita e Pensiero, 1989. [ Links ]

MACIEL, Sonia Maria. Ética e felicidade: um estudo do Filebo de Platão. Porto Alegre: Edipucrs, 2002. [ Links ]

PAPPAS, Nickolas. A República de Platão. Trad. de Abílio Queiroz. Lisboa: Edições 70, 1995. [ Links ]

PLATÃO. A República. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Edição bilíngue. Belém: Ed. da UFPA, 2016. [ Links ]

______. Górgias. Trad., introd. e notas de Daniel R. N. Lopes. São Paulo: Perspectiva, 2011. [ Links ]

______. Filebo. Introd. e trad. de Maurizio Migliori. Milano: Rusconi Libri, 1995. [ Links ]

SZLEZÁK, Thomas Alexander. A imagem do dialético nos diálogos tardios de Platão. Trad. de Werner Fuchs. São Paulo: Loyola, 2011. [ Links ]

WHITE, Nicholas. “O conceito de bem em Platão”. In: BERSON, Hugh H. (Org.). Platão. Trad. de Marco Antonio de Ávila Zingano. Porto Alegre: Artmed, 2011. [ Links ]

WOLF, Ursula. La filsofia y la cuestión de la vida buena. Madrid: Síntesis, 1999. [ Links ]

1 Cf. nota 62 de LOPES, Daniel R. N., em Górgias de Platão: obras II. São Paulo: Perspectiva, 2011. Independentemente do modo de interpretação da filosofia platônica, se é o tradicional ou da doutrina não escrita, parece que alguns conteúdos como o que seja o Todo, o Bem, os Princípios, especialmente na leitura da Carta VII, são tematizados pela oralidade dialética, portanto, não são expostos como as demais questões e por escrito.

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