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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.23 no.spe3 Caxias do Sul  2018  Epub 02-Set-2019

https://doi.org/10.18226/21784612.v23.dossie.3 

Artigos

Origens feudais do liberalismo

The feudal origins of liberalism

João Quartim de Moraes* 

*Professor titular do departamento de Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


Resumo

A conjunção, na Inglaterra medieval, de uma monarquia precocemente (em relação ao continente europeu) centralizada e de um Parlamento feudal deu origem ao protótipo institucional de um contrapeso à centralização do poder monárquico, portanto ao princípio da limitação recíproca dos poderes que constitui uma precondição histórica do liberalismo inglês. O senso comum liberal considera que as instituições de tipo parlamentar tendem a garantir as liberdades e o poder central a ameaçá-las. A Polônia mostrou que pode também ocorrer o contrário. A força combinada dos grandes senhores feudais e da hierarquia católica (às vezes confundidos nos mesmos potentados) reduziu o rei à função de delegado eleito pela nobreza, impotente para tomar decisões de interesse nacional que contrariassem a sólida aliança da espada e do turíbulo.

Palavras-chave: Liberalismo; Parlamento feudal; Hierarquia católica

Abstract

The conjunction in medieval England of an early centralized monarchy (compared to continental Europe) with a feudal Parliament gave rise to the institutional prototype of a counter balance to the monarchic power; the principle of reciprocal limitation of powers constitutes a historical precondition of English liberalism. Liberal common sense believes that the institutions of parliamentary type tend to guarantee the freedom and the central power to threaten it. Poland showed that the opposite could also occur. The combined force of the great feudal lords and the Catholic hierarchy (sometimes the same) reduced the King to a delegate elected by the nobility, powerless to make decisions of national interest that ran counter to the solid Alliance of sword and the cross.

Keywords: Liberalism; Feudal parliament; Catholic hierarchy

Justificação de uma hipótese

O liberalismo é uma ideologia moderna, mas suas origens remontam ao Parlamento feudal, tal como surgiu na Inglaterra do século XIII. Sem dúvida, em sua origem, essa instituição não estava associada às ideias liberais de individualismo, de Estado mínimo, de autorregulação econômica pelo mercado, etc. Mas ela configurou a primeira institucionalização permanente de um contrapeso à centralização do poder monárquico, portanto, do princípio da limitação recíproca dos poderes. É o que pôs em evidência Guido de Ruggiero ao abrir o primeiro tópico, intitulado “La libertà feudale”, da introdução de sua Storia del liberalismo europeo com a célebre fórmula de Montesquieu: “na França a liberdade é antiga, o despotismo recente.” Com efeito, a liberdade é mais antiga do que o absolutismo da monarquia moderna, já que tem suas raízes na sociedade feudal. (RUGGIERO, 1962, p. 3).1

Que raízes são essas? Segundo a hipótese que enunciamos liminarmente, o Parlamento feudal inglês configurou o ponto de partida histórico da engenharia institucional que deu origem ao sistema liberal. Diferentemente da democracia, cujas instituições são contemporâneas da palavra que as denota (o século de Péricles foi também o de Heródoto),2 mais de cinco séculos separam a Magna Carta, pacto fundador do parlamentarismo feudal, da constatação de Montesquieu, referindo-se à Inglaterra, de que “há uma nação no mundo que tem por objeto direto de sua constituição a liberdade política”. Evidentemente, não estamos sugerindo que o ponto de partida histórico no século XIII continha em germe o regime de liberdade política celebrado no século XVIII pelo filósofo francês. Não sustentamos essa teleologia ingênua. Afirmamos tão somente que a conjunção, na Inglaterra medieval, de uma monarquia precocemente (em relação ao continente europeu) centralizada e de um Parlamento feudal deu origem ao protótipo institucional que constitui uma precondição histórica do liberalismo inglês.

Desde logo, cumpre notar que a República romana conheceu engenharia semelhante na figura do tribuno da plebe: investido da intercessio, ele podia vetar as decisões prejudiciais à plebe tomadas pelos magistrados patrícios (cônsules e senadores), bem como interferir nas eleições, na convocação dos comícios e em outros atos de interesse público. Considerados do ponto de vista da abstração tipológica, os poderes de veto dos tribunos romanos e dos barões ingleses caem sob a categoria dos contrapesos institucionalizados. Evidentemente, não há entre essas duas instituições nenhuma continuidade, nem mesmo no sentido de que o Direito romano renasceu na Europa medieval, mesmo porque a dinâmica social, nos dois casos, foi muito diferente. O tribuno resultou de uma vitória popular numa luta de classes frontal, que fixou duravelmente o equilíbrio social de forças na República romana, até a crise que conduziu ao Império; o parlamento dos barões resultou da limitação, no interior do Estado feudal, do poder do rei pelo contra poder da nobreza. O traço comum a esses institutos heteróclitos é a função de contra poder legal de que estavam incumbidos.

Podemos tirar desde logo duas conclusões: a institucionalização de contrapesos é um componente essencial de toda ordem política que não está submetida à tirania e ao despotismo3, e ela é insuficiente para caracterizar organizações historicamente determinadas do poder de Estado. As monarquias europeias medievais, via de regra, não atingiam graus extremos de centralização do poder de um indivíduo sobre a sociedade. As bases mesmas do feudalismo sustentavam a descentralização: a dispersão territorial dos atributos do poder político, em parte apropriados pela nobreza de espada, impedia que esse se concentrasse numa instância central despótica.

Além disso, o poder do monarca também sofria o efeito de contrapeso exercido pela Igreja Católica. Profundamente arraigada na ordem feudal, o exercício do monopólio sobre as crenças religiosas, a cultura e a moralidade tornavam-na uma fonte autônoma de poder. Não podendo viver só de orações e de fé, as autoridades eclesiásticas disputavam tenazmente com os reis o usufruto das sinecuras e outras fontes de renda.4 Nessas disputas terráqueas, pesava muito a autoridade legitimadora do Papa. O Batismo de Clóvis, historicamente nebuloso, mas carregado de simbologia teológico- política (como momento fundador do Reino Franco) (CIRCA, 500), primeira configuração do que seria o Estado francês, vincula a legitimidade da monarquia à sanção eclesiástica.

Singularidade do poder feudal britânico

Em perspectiva histórica de longo prazo, notadamente em relação à ordem estatal romana, o poder feudal aparece como fragmentário. Em perspectiva estrutural, seus traços mais característicos são a multipolaridade e a hierarquia. É corrente a imagem da Europa medieval como um mosaico de estatutos jurídico-políticos diferentes, às vezes em conflito uns com os outros. Essa imagem expressa a diversidade, mas não a articulação hierárquica das multiformes entidades integrantes da “Res publica christiana” medieval.

Nesse mosaico, a peça mais coesa era o feudalismo normando. A relação de vassalagem/suserania é transitiva: A é vassalo de B, que por sua vez é vassalo de C e, inversamente, C é suserano de B e B de A. Mas esse complexo de relações de dependência podia ser mais forte ou mais fraco, principalmente nos elos extremos da corrente feudal. Os duques da Normandia, com efeito, prestavam vassalagem meramente formal ao rei da França, mas exigiam de seus próprios barões um grau de subordinação desconhecido do restante da cristandade europeia. O historiador britânico G. M. Treveylan sintetizou com clareza a cadeia de dependência do feudalismo normando:

Do topo à base da sociedade, as relações feudais do senhor (lord) ao homem do povo (man) eram fixas, territoriais e hereditárias. No topo estava o Duque, abaixo dele os barões, abaixo cada um destes os cavaleiros (knights)5 e abaixo de todos os camponeses. O camponês era um servo ligado ao solo e a seu senhor enquanto proprietário do solo. Na Normandia, nem o camponês nem o cavaleiro podiam transferir por vontade própria sua vassalagem para outro senhor, como muitos posseiros livres (freeholders) ainda estavam aptos a fazer no feudalismo menos territorializado da Inglaterra anglo-dinamarquesa. (TREVEYLAN, 1942, p. 104).

Por sua duração imprevisível, o pacto que agregou os participantes da exitosa invasão normanda, comandada pelo Duque Guilherme, era estranho aos usos e costumes da época. A lei feudal, com efeito, fixava em 40 dias o limite de duração dos serviços bélicos que os vassalos deviam a seu suserano. De resto, muitos dos barões e cavaleiros que se alistaram sob a bandeira do duque normando não eram seus vassalos; participaram voluntariamente da “joint-stock enterprise for the sharing out of the English lands”, na irônica expressão de Treveylan, que a classificou também ironicamente de bandits’ league. (TREVEYLAN, 1942, p. 115).

Derrotado o rei anglo-saxão Haroldo em Hastings (1066), Guilherme tornou-se rei da Inglaterra. Redistribuindo as terras feudais dos senhores anglo-saxões e dinamarqueses aos barões que tinham participado da conquista e esmagando os que tentaram resistir, ele substituiu as decentralizadas relações feudais da monarquia saxônica por uma monarquia feudal de tipo novo, caracterizada por alto grau de organização e de centralização do poder de Estado. A eficiência de seus métodos administrativos está atestada no Domesday Survey, de 1086, um pormenorizado levantamento das riquezas da Inglaterra. O caráter exaustivo desse levantamento é a “prova mais segura da obediência a que [...] o Conquistador tinha reduzido normandos, saxões e celtas”. Nenhum canto do país, por mais difícil que fosse o acesso, escapou do cansativo inventário real.6

Durante pouco mais de um século, sob os primeiros sucessores do “Conquistador”, a Inglaterra foi governada à maneira do ducado da Normandia. Alternaram-se períodos de afirmação da autoridade real com fases de turbulência, em alguns momentos de anarquia: como em todos os governos de poder pessoal, o respeito à autoridade dependia muito das qualidades do governante. Os movimentos de rebeldia provinham dos barões descontentes com os encargos da vassalagem. A mais célebre dessas rebeliões, dirigida contra o rei João Sem-Terra, foi também a mais exitosa. Forçado a comparecer a um tenso encontro nas cercanias de Windsor e tendo ali encontrado barões fortemente armados, o monarca julgou prudente negociar. Em 15 de junho de 1215, as duas partes chegaram a um acordo, registrado na Magna Carta, que reconhecia os direitos, as liberdades e os privilégios dos lordes feudais e instituía certo equilíbrio de poder entre a Coroa e o Grande Conselho. Em particular, fixava o princípio que constitui o mais perene legado do feudalismo ao liberalismo: o monarca não poderia fixar novos impostos sem o acordo dos barões.

Essa combinação da centralização do Estado com o controle exercido sobre o monarca pela cúpula feudal tornou a Inglaterra o solo histórico das instituições parlamentares. Elas se forjaram ao longo de muitos séculos, através de multiformes confrontos. O primeiro deles, certamente um dos mais carregados de consequências históricas, ocorreu em 1258, quando Henrique III sentiu-se forte o bastante para romper o compromisso da Magna Carta. Os barões, com Simon de Montfort à frente, puseram-se em pé de guerra, forçando o rei a aceitar, nas chamadas “Provisões de Oxford”, a supervisão de um conselho de 15 membros, cujos atos seriam avaliados por um Parlamento a ser convocado três vezes por ano. (MORGAN, 1989, p. 16). Dele faziam parte, além dos barões, dois cavaleiros por condado (shire), bem como membros da burguesia comercial.

O rei não se conformou com as substanciais concessões que tinha feito. Tergiversou até que, em maio de 1264, esgotadas as negociações, os litigantes enfrentaram-se na batalha de Lewes. Montfort e seus barões derrotaram as forças reais. Henrique, seu irmão Ricardo e seu filho Eduardo foram feitos prisioneiros. Nessa delicada posição, aceitaram as exigências dos vencedores, mas o príncipe herdeiro Eduardo, que tinha ficado como refém de Montfort, logrou evadir-se. Tirando partido de divisões entre os barões, o rei montou outro exército e, em agosto de 1265, na batalha de Evesham, derrotou e matou Montfort.

Treveylan menciona dois fatores para explicar porque, a despeito da derrota dos barões rebeldes, o Parlamento inscreveu-se desde então nas instituições inglesas, assegurando-lhes duradoura estabilidade. O primeiro: Montfort ganhou a batalha da memória, identificando-se, no imaginário popular, com a luta contra o despotismo e com a convocação do primeiro Parlamento. O segundo: tanto Henrique III quanto seu herdeiro Eduardo I souberam levar em conta as aspirações dos adversários vencidos. Eduardo, em especial, que recebeu o epíteto laudatório de “Justiniano inglês”, consolidou o Direito feudal e a instituição parlamentar. (TREVELYAN, 1942, p. 175-176; 188-189). Ele e seus dois sucessores (os “três primeiros Eduardos”), que reinaram entre o último quarto do século XIII e os três primeiros do século XIV, estão também na origem da separação da Câmara dos Lordes dos Comuns que foi, segundo G.M. Treveylan, “o fato mais importante da história inicial (early history) de nossas instituições”. O historiador inglês enfatiza o caráter diferencial desse processo relativamente às “assembleias análogas” do continente europeu, que se dividiam em três Estates (clero, nobreza e burgueses):

No sistema continental de Estates, todos os gentlemen [...] estavam representados no estate da noblesse. Mas esta noblesse no sentido largo que a palavra comporta no continente, estava dividida em duas no Parlamento inglês. Os barones majores [...] tinham assento na casa superior. Os barones minores [...] partilhavam com os knights, a gentry e os franklins a capacidade de serem eleitos knights of the shires. Assim as formas da vida parlamentar inglesa aboliram as distinções do feudalismo. (TRAVELYAN, 1942, p. 195).7

Mais exato, parece-nos, seria dizer que separaram a cúpula feudal (os barones majores, que compuseram a Câmara dos Lordes) da massa da pequena nobreza, aproximando-a, por gradações estamentais (os knights, segundo ele, eram uma classe semifeudal), da burguesia e dos franklins ou yeomen.8 De fora desse pacto ficavam os villeins, termo que abrangia os não proprietários, trabalhadores manuais, serviçais dos ricos.9 Sabendo que o Parlamento não os levava em conta, recorriam à ação direta para se defender da opressão.

Originariamente um contrapoder institucionalizado dos barões, o Parlamento inglês fortaleceu-se e se consolidou historicamente graças à capacidade de ampliar, gradualmente, sua base social, incorporando a pequena nobreza rural e a burguesia comerciante.

A complexa morfologia dos Parlamentos medievais

A fórmula Parlamento feudal exige esclarecimento. A ordem feudal não incluía originalmente os Parlamentos, nem nenhuma outra instância política regular, além da própria monarquia e da Igreja. Controvérsias e confrontos eram resolvidos por negociações entre as partes envolvidas ou pela força bruta. O primeiro elo da formação do corpo de instituições estatais da Europa medieval foi a Curia Domini Regis, conselho dos reis da França (transportado para a Inglaterra pela conquista normanda), que exercia por delegação real atividades administrativas, notadamente judiciárias. Conselho tem conotação oposta à de assembleia. Essa representa determinadas categorias sociais; aquele aconselha as deliberações da autoridade que o cooptou.

A palavra parlamentum foi atestada pela primeira vez para designar uma sessão judiciária da Curia Domini Regis da Inglaterra em 1236. Ela foi inicialmente aplicada no reinado de Henrique III “às assembleias puramente feudais dos grandes vasssalos (tenants-in-chief),10 que tinham assento na Kings’Curia, ao lado de seus demais membros. O nome Parliament ainda não continha a ideia de eleição ou representação, nem implicava necessariamente uma assembleia legislativa ou encarregada de votar os impostos. Ele era simplesmente a Kings’ Curia or Council”. (TREVEYLAN, 1942, p. 176). Vale dizer: naquele momento, ele ainda se parecia muito com a instituição homônima francesa. Mas a partir dos três primeiros Eduardos, o Parlamento inglês começou a assumir as funções que, gradualmente, fariam dele o centro do poder político britânico.

Em 1239, há um registro da mesma palavra na França, com a acima assinalada diferença de que lá o Parlamento nunca assumiu caráter representativo. Dispositivo essencial da justiça monárquica, ele inicialmente acompanhava o rei em seus deslocamentos, mas não tardou a se fixar em Paris. Surgido da institucionalização da Curia Domini Regis, se consolidou como Corte Real de Justiça.11

Na história comparada das instituições políticas da França e da Inglaterra, é muito clara a evolução diferencial de seus respectivos parlamentos a partir da Curia Domini Regis de cada um dos dois reinos. As duas monarquias diferenciavam-se por dialéticas peculiares da forma institucional e do conteúdo funcional. Na França, onde os Parlamentos mantiveram o caráter de órgãos do poder real, a função representativa era exercida pelos États généraux, mas esses dependiam da convocação dos reis, que muito raramente os reuniram. Vimos que, na Inglaterra, a instituição do Parlamento resultou da resistência dos barões normandos às pretensões autocráticas do monarca. Ela não conduziu, porém, à fragmentação do poder político, mas à combinação da centralização monárquica instaurada pelo Duque normando Guilherme (William) com o controle exercido sobre o monarca pela cúpula feudal. Esse equilíbrio político constituiu a base do desenvolvimento do Parlamento representativo e legislativo, característica inovadora das instituições inglesas.

Diferentemente da Inglaterra, na França o Estado nacional se constituiu lentamente contra o feudalismo. A própria Coroa estimulara a dispersão territorial dos atributos do poder político ao conceder regiões inteiras em apanágio aos cadetes da família real. O feudalismo manteve o caráter multipolar do poder até a segunda metade do século XV, quando Luís XI deu passos decisivos rumo à construção do poder central, apoiando-se na burguesia para golpear os grandes senhores feudais.

Na história medieval dos outros países europeus, encontramos instituições semelhantes, combinando em graus diversos as duas funções parlamentares. Nos reinos de Leão e de Castela, elas se chamavam Cortes; a mais antiga de que há registro foi convocada por Afonso IX de Leão em 1188. As fontes espanholas enfatizam que, ao lado da nobreza e do clero, compareciam às reuniões das Cortes os representantes das cidades. Na Europa central e na oriental, com o nome de Dieta, assembleias compostas pelos magnatas da cúpula feudal (príncipes, duques e bispos) eram encarregadas de eleger o imperador (Sacro Império romano-germânico) ou o rei (Polônia, Hungria, Boêmia). Delas participavam, ocasionalmente, condes e outros senhores feudais convocados pelo imperador para aconselhá-lo e auxiliá-lo. A partir do século XIII, elas passaram a incluir representantes das cidades imperiais e episcopais.

O Sacro Império abrangia a Europa central e do mar do Norte ao Mediterrâneo. As diversas nacionalidades, feudos e cidades que dele faziam parte tinham estatuto jurídico e instituições díspares. Nos centros urbanos, o movimento chamado comunal, iniciado no século XI, tanto nas regiões germânicas quanto nas italianas, transferiu gradualmente para o patriciado burguês, ao longo dos séculos XII e XIII, o controle dos conselhos citadinos, investidos do poder legislativo, administrativo e judiciário. No dois séculos seguintes, artesãos e comerciantes, organizados em guildas, fizeram-se admitir nas deliberações e decisões desses conselhos. Essa evolução política limitou o poder imperial, mas também a formação do Estado nacional, na medida em que fortaleceu as multiformes instituições feudais. Mesmo os mais ambiciosos e enérgicos imperadores, por exemplo, Frederico I dito “Barba Roxa” e Frederico II, tiveram de recuar perante a aliança do Papa com grandes vassalos do império.

O senso comum liberal considera que as instituições de tipo parlamentar tendem a garantir liberdades e o poder central a ameaçá-las. A Polônia mostrou que pode também ocorrer o contrário. O poder lá se concentrava na Dieta, assembleia estritamente composta dos magnatas feudais. Ela se desdobrou em Dietas regionais (dietinas), que dispunham de larga autonomia em suas regiões respectivas, podendo recusar decisões da Dieta nacional. Reproduzindo o caráter extremamente hierárquico da ordem social polonesa, essas dietinas também eram dominados pela alta nobreza. A pequena nobreza praticamente não tinha voz no capítulo. Em 1501, o chamado “Privilégio de Mielnik” aumentou os poderes do Senado ou Conselho do Rei. Esse era obrigado a seguir tais conselhos, que correspondiam exclusivamente aos interesses da alta nobreza, inclusive da cúpula eclesiástica. A nobreza declarou- se isenta de impostos alfandegários e de taxas e excluiu a burguesia, economicamente fraca e politicamente nula, dos altos cargos eclesiásticos, bem como da carreira militar. A força combinada dos grandes senhores feudais e da hierarquia católica (às vezes confundidos nos mesmos potentados) reduziu o rei à função de delegado eleito pela nobreza: menos ainda do que um primus inter pares, ele era mero mandatário coroado dos grandes senhores feudais, impotente para tomar decisões de interesse nacional que contrariassem a sólida aliança da espada e do turíbulo.

As consequências mais perversas dessa monopolização feudal do poder político recaíram sobre os camponeses. Até o fim da Idade Média, tinham um estatuto diferenciado. Em particular, os de origem germânica, que tinham ido colonizar, na condição de trabalhadores livres, as terras tomadas dos eslavos a leste do Elba, não eram submetidos à corveia nem a outras modalidades de exploração feudal. A situação mudou a partir do final do século XV, quando a exportação de trigo e outros grãos, estimulada pelo célere crescimento da demanda internacional de produtos agrícolas, passou a propiciar ganhos crescentes aos potentados feudais da Polônia e de outros países do Leste. Para aumentar a produção, impuseram, entre 1493 e 1496, através da Dieta, drásticas restrições às possibilidades de deslocamento dos camponeses, tratando suas aldeias como currais de gado humano submetido ao trabalho forçado. A corveia estendeu-se aos mais extremos limites da subsistência, não permitindo aos camponeses ocupar-se de suas tradicionais culturas de subsistência. Em 1520-1521, essas mesmas Dietas autorizaram os nobres a adquirir as propriedades comunais e ataram juridicamente o camponês à gleba, consolidando o regime dito da segunda servidão.

A dominação sem contraste exercida pelos senhores feudais tornou possível essa opressão de inédita dureza e amplitude, deixando claríssima a relação entre o aumento da ganância feudal e da miséria camponesa. Sem dúvida, a condição dos camponeses, sob o poder autocrático dos czares russos, não era muito melhor, mas esses ao menos empenharam-se na construção do Estado nacional, ao passo que nobreza polonesa, pouco interessada em fortalecer a administração, o Exército e os demais órgãos centrais, foi responsável pela incapacidade da Polônia de defender sua independência diante dos expansionismos prussiano, austro-húngaro e russo.

O fator eclesiástico e a nostalgia imperial

A maior organização da Europa e a única efetivamente internacional, com seu centro na teocracia romana, mas ampla e profundamente assentada na sociedade medieval, a Igreja Católica considerava-se detentora da autoridade espiritual suprema sobre toda a cristandade, salvo as regiões orientais que obedeciam à Igreja Bizantina. Sua influência sobre as mentalidades, sobretudo a popular era incontrastável. A voz do padre, nas regiões rurais mais remotas, era o único contato dos camponeses com tudo que se situava mais além da gleba em que estavam encerrados. É o que ressaltou o historiador Christopher Hill, em estudo consagrado à Revolução Inglesa de 1640. Ele nota ironicamente que considerar grande questão na ordem do dia daquela revolução qual das duas religiões, o puritanismo ou o anglicanismo, tornar-se-ia dominante, seria “miss the point”. Sem dúvida, “os dois lados justificavam sua atitude” em termos religiosos, “acreditando estarem travando as batalhas de Deus”, mas a religião cobria um campo muito mais amplo do que hoje; a ilimitada influência da Igreja sobre a sociedade medieval conferia-lhe autoridade para interferir tanto nos assuntos correntes quanto em decisões políticas relevantes:

A Igreja, ao longo da Idade Média e até o século dezessete, era muito diferente daquilo que chamamos hoje uma Igreja. Ela guiava todos os movimentos dos homens do batismo ao funeral [...]. A Igreja educava as crianças; nas aldeias, onde a massa do povo era analfabeta, o sermão do pároco era a principal fonte de informação sobre acontecimentos e problemas de atualidade e de orientação em assuntos econômicos. A própria paróquia era uma importante unidade de governo local. [...] A Igreja controlava os sentimentos dos homens e lhes dizia no que deviam acreditar, proporcionando- lhes divertimentos e shows. Ocupava o lugar dos serviços noticiosos e de propaganda agora oferecidos por muitas instituições diferentes e mais eficientes: a Imprensa, a BBC, o cinema, o clube, etc. [...]. (HILL, 1960, p. 13).

Remonta a Carlos Magno a reativação do Império romano do Ocidente. Seus sucessores imediatos não lograram manter unido o vasto território que ele legou. Coube aos reis germânicos Henrique e Othon, no século X, retomar com êxito a ambição de estabilizar, no Ocidente, a réplica ao já então bem decadente Império Romano do Oriente. Primeira versão histórica do Reich alemão, o Sacro Império romano-germânico, do qual eles foram fundadores, abrangia a Europa central, do mar do Norte ao Mediterrâneo, excluindo o reino dos francos ocidentais, solo histórico da França. Essa vasta entidade supranacional pairava sobre um heteróclito mosaico feudal, onde a eficácia do poder central dependia da capacidade pessoal de cada imperador.

A maior expressão da função legitimadora do poder dos monarcas pelos papas estava ritualizada na cerimônia de coroamento do imperador. Ela decorria do princípio fundamental da teologia político-cristã, segundo o qual todo poder provém de Deus (a Deo). O princípio recebeu dois acréscimos: per populum, in rege, que permitiam uma interpretação moderadamente democrática (é através do povo que Deus concede poder aos reis). Imperadores e reis, entretanto, dispensavam o per populum.

Os reis da França faziam seguir seus nomes pela fórmula ritual “par la grâce de dieu roi de France”. A ambição absolutista dessa fórmula é evidente. Desígnio imprescritível e impenetrável da Providência Divina, a graça está além da esfera humana e, portanto, não carece de justificação profana. Ela se incarnava na pessoa do rei, que a transmitia por herança. Quando um rei morria sem herdeiro direto, a disputa entre os pretendentes ao trono, cada qual invocando argumentos dinásticos, frequentemente provocava guerras de sucessão. Mesmo no Sacro Império, onde o sucessor era designado pelo Colégio de Príncipes Eleitores, o princípio dinástico estava presente: lá houve uma dinastia fundadora, a saxônica, seguida pela sálico-franca, depois pela dos Hohenstaufen e, mais tarde, pelos Habsburgs. As fórmulas rituais que acompanhavam seus nomes ora incluíam, ora não incluíam o adjetivo verbal electus, que denota o limite feudal do poder imperial. Assim, encontramos “Fredericus dei gratia Romanorum Imperator semper Augustus”, mas também “Corradus dei gratia Romanorum in Regem electus semper Augustus Hierusalem et Siciliae Rex et coetera.” (PADONE ; MURATORI, 1832, p. 40-50). A explicação sobre essa diferença remete ao fato de que os príncipes eleitores escolhiam o rei da Germânia, mas cabia ao Papa conferir ao escolhido o título de imperador, em cerimônia de coroamento em Roma.

Frederico II (Fredericus) foi o último grande imperador da dinastia Hohenstaufen. Morreu em 1250, sem resolver o confronto que o opunha ao Papa Inocêncio IV. Deixou para seu filho Conrado IV (Corradus) um trono contestado na Germânia e na Itália. Conrado morreu em 1254, numa situação de turbulência generalizada. Mas a nostalgia das antigas glórias romanas manteve viva a ideia imperial, que inibia as monarquias de base nacional, mas convivia bem com o feudalismo. Dela se alimentavam não somente o cesarismo germânico, mas também as ambições teocráticas dos papas, que pretendiam, em nome de Deus, exercer o poder supremo na cristandade.

Excede as dimensões do presente estudo examinar, mesmo esquematicamente, as doutrinas teológicas sobre o poder político e sua relação com o poder eclesiástico. Salientamos somente a decisiva importância que elas atribuem ao direito natural, compreendido como expressão mundana da lei divina. Segundo Francisco de Vitoria e outros tomistas do século XVI, ele “brota imediatamente da natureza do homem, que é fonte própria, através de suas inclinações e relações essenciais com Deus, consigo mesmo, com os demais homens e com as coisas, de todo o âmbito de direitos naturais e regras jurídicas normativas destas relações.” (URDÁNOZ, 1967, p. LXXIV). Não estando, entretanto, codificado em nenhuma tábua de mandamentos, esse direito inscrito na natureza humana é suscetível às mais diferentes interpretações, inclusive por parte dos que lhe negam existência, como os dois principais chefes da Reforma Protestante: Lutero e Calvino.

O compromisso histórico-liberal inglês

Nos séculos XIII e XIV, a luta dos senhores feudais para preservar seus privilégios e liberdades, em face do poder monárquico, conduziu à consolidação do Parlamento feudal inglês. Em 1341, os knights e burgueses começaram a se reunir separadamente, na que mais tarde seria chamada Câmara dos Comuns, por oposição à da nobreza e do alto clero, mais tarde dita Câmara dos Lordes. O poder de Estado passou a compor-se de três instâncias: duas câmaras e rei. Nenhuma lei podia ser fixada, nenhum imposto exigido, sem a aprovação dessas três instâncias.

O Parlamento tornou-se o Poder Legislativo ao longo de uma conflituosa evolução que durou muitos séculos. A tendência absolutista da dinastia Tudor (séculos XV e XVI) limitou a atividade parlamentar, mas sem pô-la em questão como instituição política. O confronto maior entre a Coroa e o Parlamento ocorreu com a chegada, ao trono inglês, em 1603, do rei James da dinastia escocesa dos Stuart, primeiro na linha de sucessão da rainha Elizabeth Tudor, morta sem herdeiros. Além de absolutistas, os Stuart eram católicos, sobretudo Carlos I, sucessor de Jaime. O fator religioso foi decisivo no desencadeamento de longa e acirrada guerra civil, em que se ativou um complexo de contradições sociais, nacionais e religiosas que vieram sobrepor-se ao confronto entre a Coroa e o Parlamento, aquela tentando impor, com o catolicismo, os privilégios absolutistas do direito divino dos reis, esse lutando para preservar e, em seguida, ampliar suas prerrogativas.

Em agosto de 1642, o conflito larvado entre rei e Parlamento transformou-se em guerra civil. Os partidários do Parlamento (entre eles Oliver Cromwell, o futuro “Lorde Protetor”) acusavam Carlos I de omissão e incompetência ante a rebelião nacionalista (e católica) dos irlandeses, desencadeada em outubro de 1641. Desde o início, como mostrou Christopher Hill no estudo que consagrou a Cromwell,12 esse revelou, à frente de um regimento parlamentar, a profundidade de seu discernimento político, escolhendo, como o reconheceu um de seus adversários, “não soldados ou senhores de propriedades, mas homens comuns, pobres e de obscura filiação, só que os tratava como homens de qualidade, homens preciosos”, substituindo oficiais aristocratas e mercenários por homens “armados interiormente pela satisfação de sua consciência e exteriormente por bons armamentos de ferro” e, portanto, prontos a resistir com firmeza, “como se fossem um único homem” e a atacar “com feroz disposição.” (HILL, 1988, p. 60-61).

No complexo de contradições que ativaram essa primeira grande revolução burguesa, o enfrentamento religioso (envolvendo papistas, anglicanos e puritanos), o enfrentamento nacional (envolvendo ingleses, escoceses e irlandeses) e o enfrentamento econômico (opondo notadamente o velho campesinato apegado a seus direitos medievais à produção agrícola mercantil de larga escala, em rápida expansão), interpenetraram-se fortemente. O movimento igualitário radical dos Levellers (niveladores) tentou ultrapassar os limites burgueses do novo regime, mas foi contido e desbaratado pelo “Lorde Protetor”, que definiu os limites da revolução em curso, cujo objetivo não era instaurar igualdade social, mas uma República democrática de pequenos proprietários, tendo a Bíblia por livro de cabeceira.

Essa república, entretanto, não resistiu muito tempo à morte de Cromwell. Os Stuart voltaram em 1660, mas a instituição parlamentar mostrou-se mais forte: em 1689, fechando um ciclo de turbulência política de quase meio século, instaurou-se com a chamada Gloriosa Revolução, uma monarquia regida pelo Bill of Rights de 1688 (relativo à Inglaterra e à Irlanda) e o Claim of Right, de 1689 (relativo à Escócia), formando o Revolution Settlement, que afirmou a supremacia do Parlamento sobre a Coroa, definindo o arcabouço institucional das instituições políticas inglesas.

Diferentemente, porém, do que Montesquieu sustentaria no Espírito das Leis, publicado em 1748, 60 anos após a concretização histórica de seu paradigma, não é liberdade a palavra-chave das instituições políticas inglesas. Com efeito, como argumenta limpidamente John Locke em Concerning civil governement, second treatise13 (em que expõe os fundamentos da ordem política), o objetivo essencial da commonwealth não é garantir liberdade: os homens já são livres no estado de natureza, mas tal liberdade lhes é de pouca valia sem a garantia da propriedade, que só o poder político lhes assegura.14 A suprema finalidade da comunidade cívica é garantir a propriedade; a boa ordem política se fundamenta nos princípios da divisão dos poderes e da supremacia do Legislativo.

Que Montesquieu, com os olhos fixados nas instituições inglesas, erigidas em paradigma da liberdade política, tenha posto ênfase no arranjo institucional que garante os direitos e as liberdades, considerados valor supremo da ordem política, explica-se, por sua oposição à monarquia de direito divino dos Bourbon, cujo despotismo, entretanto, também era capaz de garantir a propriedade. Essa ênfase na liberdade, embora compatível com a elaboração teórica de Locke, contribuiu, decisivamente, para o futuro acoplamento do epíteto liberalismo à filosofia política dos proprietários, baseada na divisão e no controle recíprocos dos poderes, no exercício do poder pelos representantes da nação, na garantia dos direitos e das liberdades individuais como valor supremo da ordem política. Numa das poucas passagens em que examina diretamente as instituições inglesas, enfatiza que a participação política do povo deve se limitar à eleição dos representantes. “A grande vantagem dos representantes está em que são capazes de discutir os assuntos. O povo não é de modo algum apto para tanto: nisto reside um dos grandes inconvenientes da democracia.” (MONTESQUIEU, 1973, L 11, Cap. 6, p. 158).15

Montesquieu, com efeito, considerava um “grande vício da maioria das repúblicas antigas o direito que tinha o povo de participar das resoluções ativas, que exigem alguma execução, coisa da qual ele é inteiramente incapaz.” (1973, p. 158). O povo só deve participar do governo “para escolher seus representantes”. Insiste em que o Poder Legislativo deve ser exercido plenamente pelos deputados ou representantes, “que receberam daqueles que os escolheram uma instrução geral”, não sendo necessário que “deles recebam uma instrução particular sobre cada assunto.” (1973, p. 158). Reconhece que se o mandato dos representantes fosse imperativo, isto é, se carecesse de uma “instrução particular sobre cada assunto”, “a palavra dos deputados expressaria mais a voz da nação.” (1973, p. 158). Mas isso acarretaria discussões intermináveis e paralisaria, nas situações urgentes, a força da nação.

Os argumentos de Montesquieu contra a democracia são técnicos. A grande ruptura da Revolução Francesa introduziria, na crítica liberal ao governo popular, um argumento propriamente político, baseado na experiência do poder jacobino: a Convenção Nacional, eleita democraticamente em 1793 (numa situação de guerra interna e internacional, sempre é bom lembrar) instaurou um regime de terror que acabou eliminando seus próprios dirigentes, ao passo que o parlamentarismo britânico mostrou- se um arranjo institucional durável, atenuando, sem suprimi-la, a contradição entre as Constituições cuja finalidade é a liberdade política e aquelas cujo valor supremo é a soberania popular.

Referências

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1Ruggiero não indica, porém, as referências da frase que atribui a Montesquieu. Mas seguramente vale aqui o adágio: “si non è vero, è ben trovato.” Foi Madame de Staël, no espírito, senão na letra de Montesquieu, que declarou: “na Europa é a liberdade que é antiga e o despotismo que é moderno.” (STAËL, 1983, p. 70).

2Com efeito, está registrado nas Histórias, de Heródoto (1950, L. III, Cap. 80-82, v. 1, p. 248-250), o relato do debate dos conspiradores persas que vinham de matar o mago usurpador (o “falso Smerdis”) e seus sócios medas, sobre o melhor modo de administrar os assuntos públicos (tá prégmata). Os três principais conspiradores expõem suas opiniões sobre o melhor tipo de governo a adotar. Favorável ao governo dos muitos (“plethos árkôn”: literalmente, a multidão mandando), Otanes conclui seu voto aproximando o poder da maioria e igualdade: ele recebe “o mais belo nome de todos, isonomia.” (80, p. 249). A palavra democracia não aparece nesse contexto, mas em outras passagens de Histórias, ora em forma nominal, ora em forma verbal. Assim, no Livro VI, 43, ele conta que Mardônios, à frente dos exércitos de Dario, percorrendo com sua frota as costas da Ásia Menor, “foi depondo os tiranos dos jônios” e “instaurou democracias nas cidades” (demokratias [...] em tais pólis). (HERÓDOTO, 1950, v. 2, p. 82-83). Nesse relato, intercala-se notável comentário em que, remetendo a III, 80-82, Heródoto dirige-se a seus compatriotas apegados a orgulhoso etnocentrismo, que relutavam em crer que “Otanes tivesse sustentado a opinião de que os persas deviam democratizar-se (“democratéesthai persas”). (HERÓDOTO, 1950). O verbo “democratéesthai” aparece também em Tucídides, (5, Cap. 29 e 44, p. 40; 6, 48, 75, 89, etc.), bem como em Lísias e em Demóstenes.

3Vale lembrar que, quase sinônimos no vocabulário político moderno, os dois termos tinham significados bem diferentes em sua origem na Grécia antiga. Despotés, lá designava o senhor de escravos, portanto uma relação não política, inscrita na esfera da economia (oikia). Tyrannos era o governante, em geral oriundo da luta contra velhas aristocracias guerreiras, o qual se apoiava na população urbana em expansão para exercer um poder autoritário acima das leis tradicionais.

4Como ponderou Marx em nota em O Capital, o condicionamento econômico da ação recíproca entre base e superestrutura social não se limita ao capitalismo (no qual “dominam os interesses materiais”). A “Idade Média não podia viver do catolicismo, nem o mundo antigo podia viver da política”. (MARX, 1983, p.77, nota 33).

5O “knight” era um “gentleman soldier” (um “cavaleiro”), inscrito na base da hierarquia feudal. Prestava serviço militar a seu suzerano e recebia a renda de uma propriedade rural. Vale consultar o capítulo que a medievalista Doris Mary Stenton consagrou aos “Barons and Knights”. (STENTON, 1969).

6Nada escapava à vigilância dos agentes reais, “from remote Cornish ‘trevs’ hidden away in woodland creeks of the sea, to the charred townships and wasted dales of Yorkshire”. (TREVEYLAN, 1942, p. 125). O termo “trevs”, hoje raramente empregado, significa pequeno estabelecimento rural.

7Franklin designava, nos séculos XIII, XIV e XV, o proprietário rural sem nascimento nobre. Na estratificação social, vinha abaixo da gentry. O termo “knights”, na expressão knights of the shires, não designa apenas os cavaleiros, mas o representante dos shires.

8O termo yeomen, posterior de alguns séculos a franklin, adquire praticamente o mesmo significado.

9Treveylan salienta a função agregadora de interesses sociais dominantes que o Parlamento exercia: “England’s characteristic institution, Parliament [...] grew up gradually as a convenient means of smoothing out differences and adjusting common action between powers who respected one another - King, Church, Barons and certain classes of the common people such as burgesses and knights. No one respected the villeins and they had no part in Parliament.” (TREVEYLAN, 1942, p. 192).

10Em sentido estrito, tenants-in-chief designa os grandes senhores que receberam seus feudos diretamente do rei.

11A competência do Parlamento de Paris estendia-se, inicialmente, a todo o reino. Em 1420, com a cidade ocupada pelos ingleses, Carlos VII instalou outro em Toulouse e 15 outros foram gradualmente assentados entre a segunda metade do século XV e o reinado de Luís XV.

12O Eleito de Deus: Oliver Cromwell e a revolução, publicado em 1970, na Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

13Publicados em 1690, seus Two treatises on civil government são contemporâneos do Revolution settlement. A partir de 1667, Locke associou seu destino público ao de Lord Ashley, Earl of Shaftesbury, a quem serviu como secretário quando esse foi nomeado Lord Chancellor em 1672. Quando Shaftesbury, envolvido em conspiração contra o rei Carlos II, teve de se exilar, Locke refugiou-se nos Países Baixos, só retornando à Inglaterra em 1689, após a queda dos Stuart e a vitória de Guilherme de Orange e do Parlamento.

14O capítulo IX: “Of the ends of political society and government”, em especial os § 123 e 124, de Concerning civil government. No § 124, Locke é categórico: “The great and chief end [...] of men uniting into commonwealths, and putting themselves under government, is the preservation of their property; to which in the state of Nature there are many things wanting.” (LOCKE, 1952, p. 53).

15Sabemos que Rousseau criticou frontalmente o exercício do poder pelos representantes dos cidadãos, nas páginas que consagrou ao “engano do povo inglês”, marcando uma distância entre democracia e liberalismo.

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