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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.23 no.spe3 Caxias do Sul  2018  Epub 02-Set-2019

https://doi.org/10.18226/21784612.v23.dossie.7 

Artigos

Estado representativo/governo representativo: sobre os aspectos democráticos da representação política em Hobbes

Representative State / Representative Government: On the Democratic Aspects of Political Representation in Hobbes

Maria Isabel Limongi* 

*Professora do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).


Resumo

Para Hobbes, a representação desempenha um papel decisivo na estruturação do mundo jurídico em que cosiste o Estado. É nisso precisamente que Rousseau o contesta ao dizer que a Sobrerania (não o Governo) não pode ser representada. Ao fazer da Soberania uma instância de representação, e, em especial, na maneira de pensar a partir daí o Direito Penal (já que, do ponto de vista hobbesiano, o Estado não representa aquele a quem pune), Hobbes oferece um esquema conceitual promissor para pensar um dos maiores desafios das democracias contemporêneas: como tornar o Direito uma ferramenta de inclusão, já que ele é, ao mesmo tempo, uma ferramente de exclusão?

Palavras-chave : Hobbes; Rousseau; R epr esentação; Estado; Democracia

Abstract

For Hobbes, representation plays a decisive role in structuring the legal world in which the State consists. It is precisely in this that Rousseau challenges him by saying that Sovereignty (not Government) cannot be represented. In making Sovereignty an instance of representation, especially in the way of thinking the Criminal Law (since, from Hobbes’ point of view, the State does not represent the one to whom it punishes), Hobbes offers a promising conceptual scheme to think one of the greatest challenges of contemporary democracies: How to make Law an inclusion tool, since it is at the same time a tool of exclusion?

Keywords: Hobbes; Rousseau; Representation; State; Democracy

I

Ultimamente, a ideia de representação política tem recebido um novo tratamento pelas teorias democráticas; vários autores têm se debruçado sobre o conceito, apontando para a sua importância e centralidade nas democracias contemporâneas. Mais que isso, trata-se para esses teóricos, que compõem o que já se denomina o “representative turn” em teoria democrática (VIEIRA, 2017), de explorar os aspectos democráticos da representação, evitando cair na armadilha, em que é comum se cair, da oposição fácil entre representação política e participação democrática. Trata- se de apostar na democracia enquanto um governo representativo, tal como definida por Stuart Mill, na esteira de um longo debate em torno da natureza - se oligárquica ou democrática - dessa nova forma de governo, então chamado “representativo”.

Rosanvallon (2000) mostrou que o conceito de governo representativo é perpassado por uma tensão fundamental, tendo sido pensado pelos seus primeiros teóricos, ora como uma alternativa às desordens do governo popular, como um mecanismo de eleição dos melhores ou de uma elite governante, como em Madison e Guizot, ora como uma inovação institucional que permitia concretizar e ampliar a participação popular, como em Paine e Condorcet. Nadia Urbinati (2006) explorou essa segunda literatura para nela localizar os elementos que permitem pensar ainda hoje os aspectos democráticos da representação, levando em consideração que, se a representação tem efetivamente potenciais democráticos, ela pode também operar em sentido contrário.

Tendo em vista esse cenário e alinhando fileiras com o projeto de explorar os vieses democráticos da representação em política, o meu intuito é o de retornar a Hobbes, que permanece uma referência incontornável quando o assunto é representação política, para me perguntar sobre as contribuições que ele poderia dar a esse projeto. Hobbes tem algo a ensinar sobre os aspectos democráticos da representação?

A pergunta é dissonante, pois, se é verdade que o autor do Leviatã fez da representação o coração da política, se a política é para ele fundamentalmente representação, e se, portanto, não se pode deixar de retornar a ele quando se trata de representação política, nem por isso é simples fazer de Hobbes um pensador da representação democrática. Como se sabe, Hobbes não advoga a favor da democracia. Quando se trata de se pronunciar sobre a melhor forma de governo, sua escolha recai sobre a monarquia, a qual prefere largamente, e a partir de vários argumentos a posteriori, ao governo democrático.

Além disso, como argumentou Hanna Pitkin, o conceito hobbesiano de representação política padece de um desequilíbrio fundamental, que o deixa no mínimo incompleto quando se trata de pensar a representação democrática. Na clássica análise de Pitkin (1967, p. 14), Hobbes, em cujo Leviatã encontramos a “primeira discussão extensa e sistemática da representação em inglês”, entende a representação em termos formais como autorização para agir, uma operação pela qual o polo do representado é esvaziado em favor do polo representante. Ao representante cabe o controle da ação, podendo agir como quiser, sem se preocupar em responder de alguma maneira aos representados. É isso o que resta inquietante, de acordo com Pitkin, na definição hobbesiana de representação, já que não é assim que normalmente entendemos e usamos o conceito.

Representação implica padrões ou limites para a conduta do representante. Quando Hobbes denomina o seu soberano um representante, isso traz a implicação de que ele representa seus súditos e não que pode fazer o que quiser. O conceito contém ainda a ideia de que o soberano tem deveres. Por outro lado, a definição hobbesiana da representação - a unilateral assunção de obrigações pelos homens que são representados - assegura que, em última análise, estes deveres não podem ser reclamados. Referindo-se a definição de autorização, Hobbes pode desafiar toda alegação de que os súditos podem resistir ao soberano, se este não os representar como deveria. Com efeito, de acordo com a definição de Hobbes, não existe tal coisa como não representar uma pessoa como se deveria. (PITKIN, 1967, p. 33).

Na discussão feita por Urbinati (2006, Caps. 1 e 2) em Representative democracy, Hobbes desponta como alguém que mais atrapalha do que contribui para pensar a democracia representativa. Hobbes e Rousseau adotam, segundo ela, um paradigma jurídico para pensar a representação. Eles pensam nela como um contrato privado de comissão, como autorização. Nesse paradigma, representação e democracia despontam como antitéticas e é isso o que leva Rousseau a recusar a noção hobbesiana de representação.

Mas, se pensarmos a representação a partir de outro paradigma que Urbinati denomina “político”, é possível explorar os potenciais democráticos do conceito. Para o paradigma jurídico, o termo-chave é a vontade: representa-se a vontade. Para o paradigma político, representam-se juízos, opiniões. É em Kant que Urbinati localiza a mudança dos paradigmas. A partir do paradigma político, faz-se possível pensar as correntes que ligam num fluxo comunicativo (URBINATI, 2006, p. 24) a sociedade e o Estado, mantidos separados e incomunicáveis no paradigma jurídico.

Minha proposta é a de pensar os aspectos democráticos da representação, partindo do ponto em que Urbinati se desinteressa por Hobbes: o papel da representação na estruturação do mundo jurídico em que consiste o Estado. Para Hobbes, a representação é o elemento em que se funda e se organiza o campo jurídico do Estado. O Estado é um campo de representações e existe enquanto uma representação jurídica. É propriamente de um teatro jurídico que se trata (é de Hobbes a analogia entre o direito e o teatro), um espaço em que as pessoas desempenham papéis jurídicos umas diante das outras.

Como mostrou Mônica Brito Vieira (2009), não é apenas para pensar o direito que Hobbes se vale da representação. O tema da representação perpassa por toda a sua filosofia: está no coração das suas teorias da percepção, da religião, do poder, e, também, de sua teoria do Estado. Brito Vieira tem razão ao lamentar que a ênfase na representação política tenha nos feito deixar de ver a amplitude e a centralidade do tema na obra de Hobbes, obscurecendo os aspectos estéticos, simbólicos e teatrais, não menos importantes, da representação. Quero, contudo, focar apenas um dos aspectos da representação, observando seu papel (entre tantos outros, vale frisar) na organização do mundo jurídico em que consiste o Estado. Meu ponto consiste em salientar que para compreender a teoria hobbesiana da representação política tal como ela se vê desenvolvida nos Capítulos XVI e XVII do Leviatã, é preciso situá-la no campo de uma teoria do Estado e não na do governo, uma distinção tangenciada, mas não claramente posta nas discussões de Urbinati e Pitkin.

Com efeito, a Soberania é, para Hobbes, ao mesmo tempo, o princípio do Estado e uma instância de governo. Que ela desempenhe as duas funções, não quer dizer que as funções se confundam. Hobbes as distingue quando diferencia no Capítulo XVIII do Leviatã entre, de um lado, os direitos e faculdades da Soberania que decorrem diretamente do ato de autorização e que a instituem enquanto a instância última de legitimação das leis;1 e, do outro, os direitos que se seguem do fim de sua instituição, como a distribuição da propriedade e o poder judicial,2 os quais, pode-se dizer, são competências do governo3 e que são secundários em relação aos primeiros e deles derivados: esses direitos pertencem à Soberania na medida em que constituem os meios sem os quais ela não pode manter-se enquanto a instância última de legitimação da lei. Se a Soberania é uma instância de governo (de administração dos interesses comuns), ela é primeiramente ou fundamentalmente um poder legislativo ou a fonte da legitimidade das leis. Uma função depende da outra, mas não se confundem. Importa atentar à distinção, pois é, sobretudo, enquanto Estado, e não enquanto governo, que a Soberania representa juridicamente os cidadãos, de acordo com Hobbes.4 Que a Soberania enquanto Estado seja representativa é o que Rousseau nega, ao insistir que a Soberania não se deixa representar.

É bem verdade que, em certo sentido, se pode também dizer que o governo, e não apenas o Estado, é representativo para Hobbes. Mas quero deixar a questão do governo de lado e me concentrar na do Estado. Quero tratar de Hobbes como um teórico do Estado representativo, pois é enquanto tal parece-me que ele pode nos ajudar a pensar a democracia. Ou seja, Hobbes pode ajudar a pensar os aspectos democráticos do Estado (não propriamente do governo) democrático. A confusão entre esses dois âmbitos, no entanto claramente distinguidos por ele, tem nos impedido de avaliar corretamente a contribuição de sua teoria da representação para o pensamento democrático.

II

Em The sleeping sovereign, Richard Tuck (2009) apresenta dicas valiosas a partir das quais é possível resgatar os aspectos democráticos do pensamento hobbesiano.5 Contudo, como nota David Runciman (2009, p. 17), Tuck deixou de lado o tema da representação ao centrar sua análise no Do Cidadão, deixando à sombra o Leviatã, onde Hobbes desenvolveu o tema. Runciman, por sua vez, concentrando-se na teoria da representação desenvolvida no Leviatã com o intuito de atualizá-la (ou seja, para pensar a partir dela a democracia representativa, que admite não estar no horizonte teórico do próprio Hobbes), passa por cima de uma importante distinção, central na análise de Tuck e que, no meu entender, deve constituir o ponto de partida para pensar os aspectos democráticos da representação em Hobbes: a distinção entre Soberania e Governo.

Tuck apropria-se da imagem da soberania adormecida utilizada por Hobbes no Do Cidadão para mostrar como é precisamente essa ideia - a saber, a de uma soberania que pode encontrar-se adormecida e que não se confunde, portanto, com os atos e decisões cotidianas do governo, uma ideia que remonta a Bodin e que foi expressamente combatida pelo mainstream da Escola Jusnaturalista (Grotius, Pufendorf, Locke) - o ponto que, tendo sido reabilitado por Rousseau (TUCK, 2009, p. 124), permitiu- lhe desenvolver o seu conceito de soberania popular. Quando Rousseau fala de democracia, ele não a pensa, à moda antiga, como uma forma de governo, mas, justamente, como uma forma de Soberania.6 Para que esse deslocamento fosse possível, foi decisiva a distinção entre Soberania e governo, exibida pela imagem, como sempre magistral de Hobbes, da soberania adormecida. Se Hobbes oferece a imagem, é Rousseau quem a explora para oferecer os novos marcos a partir dos quais pensar a democracia: o soberano adormecido é o povo enquanto legislador, que deve ser distinguido da instância governante, de tal maneira que se faz possível pensar a partir daí numa forma de democracia cujo governo é, não obstante, aristocrático ou mesmo monárquico, desde que a fonte da lei ou o seu princípio de legitimação esteja localizado no povo. O povo pode estar adormecido, pode não exercer diretamente o governo, e, ainda assim, operar como um princípio de legitimação das leis e do próprio governo.

Como mostra Tuck, a distinção entre Soberania e Governo está no coração de O contrato social. Tuck chama a atenção para o modo cauteloso com que Rousseau a introduz no Livro III, uma indicação de que ele conhecia a discussão travada no interior da Escola Jusnaturalista, que tinha consciência de que a posição de Hobbes havia saído perdedora, tratando de reabilitá-la. Com efeito, há muitos pontos em comum entre Hobbes e Rousseau.

Como em Hobbes, para Rousseau, os indivíduos dispersos no estado de natureza concordam que, por meio do contrato, “suas vontades particulares serão subsumidas a uma vontade coletiva ou geral” (TUCK, 2009, p. 128), uma ideia que caminha no sentido contrário daquela defendida por Grotius, Pufendorf e Locke, segundo a qual o povo existe enquanto sujeito coletivo de direitos, independentemente da convenção que, por meio dessa subsunção, o institui enquanto tal. “Como em Hobbes, essa vontade geral forma o cânone da retitude moral, bem como da política” (2009, p. 128), não havendo, portanto, lei natural ou juris consensus que sirva de cimento às relações civis antes do Estado. “Em terceiro lugar, Rousseau endossa inteiramente a asserção de Hobbes no De Cive segundo a qual o locus inicial da vontade geral deve ser a assembléia democrática governada pelo voto da maioria.” (2009, p. 129). Para além do contrato, fundante da vontade geral, os atos dessa vontade são necessariamente (isso se segue do Contrato, de acordo com Rousseau) aqueles decididos pela vontade da maioria, na falta de outra regra a partir da qual determinar o conteúdo da vontade coletiva. “E por fim, [...], Rousseau insiste que só pode haver uma pacto ou contrato, a saber, aquele pelo qual se forma a sociedade civil” (2009, p. 129), recusando com isso a tese, então preponderante, de um duplo pacto - um instituindo o povo ou a sociedade civil; outro, a instância de governo - expressamente mobilizada por Pufendorf e Burlemarqui contra Hobbes. Trata-se, ao contrário, de mostrar que o povo ou a sociedade civil e o governo são instituídos pela Soberania. “A semelhança entre as teorias de Hobbes e Rousseau quanto a esses pontos (para não mencionar muitos outros) - conclui Tuck - é tão flagrante que não é surpreendente que muitos dos primeiros leitores de Rousseau o tenham acusado de ser um “hobbista.” (2009, p. 130-131).

Em síntese, de acordo com Tuck, Rousseau se alinha a Hobbes contra o mainstream da escola jusnaturalista quanto a dois pontos fundamentais e interligados: em primeiro lugar, ao distinguir, com Bodin, contra Grotius, entre a Soberania e a administração atual ou governo. Rousseau vai ainda além, recusando que caiba à Soberania qualquer ato de governo. Ao Soberano cabe definir os princípios gerais, o governo diz respeito ao particular. A soberania não pode governar e o governo não é Soberano. Em Hobbes, mesmo se mantida a distinção, a mesma instância pode e, em muitos casos, deve desempenhar as duas funções.7

Em segundo lugar, o povo não é, para Rousseau, como não é para Hobbes, a comunidade à qual se aplica a legislação, a comunidade natural fundada sobre um juris consensus em torno da lei natural, mas a comunidade que passa a existir no momento em que, por convenção, os indivíduos unificam suas vontades, submetendo-se a leis e regras de conduta comuns. É uma outra concepção de povo que está em questão. O povo deixa de ser a comunidade no interior da qual a legislação ganha força, como para Grotius e Pufendorf, para ser o lugar da legislação.

A Soberania é, assim, para Rousseau, como para Hobbes, a instância a cuja submissão dos indivíduos cabe a fundação do Povo, da coletividade. A Soberania é o sujeito de uma vontade coletiva. Trata-se de um sujeito ou pessoa jurídica. Do mesmo modo, o Povo é uma ficção jurídica. Não há Povo senão no Estado, ali onde os indivíduos concordam em se submeter a uma lei comum ou vontade geral. Hobbes o expressa com clareza: “[...] antes da instituição do Estado não existia o povo, dado que não era pessoa alguma, mas uma multidão de pessoas individuais.” (HOBBES, 2010, VII, p. 7).

É precisamente isso o que pretendo significar com a expressão “a Soberania enquanto Estado”. Trata-se da Soberania na medida em que ela é o princípio de sustentação, a fonte de legitimidade da estrutura jurídica do Estado. Ela não se confunde com essa estrutura. Não equivale ao Estado. Mas é o que o funda e, com ele, ao Povo, enquanto o sujeito de uma vontade coletiva. Essa função jurídica distingue-se da função administrativa do governo.

É aqui que se deve localizar a discussão entre Hobbes e Rousseau em torno da representação ou a crítica de Rousseau ao caráter representativo da Soberania. Não se trata para Rousseau, bem entendido, de recusar que o governo seja representativo - o que, ao contrário, ele admite8 - mas de recusar que o Povo e o Estado possam fundar-se sobre um ato de representação.

Para Hobbes, à diferença de Rousseau, o Estado é representativo. O que isso quer dizer?

III

Como em relação a outros tópicos, também quanto à questão do caráter representativo da Soberania, Tuck tende a minimizar a diferença entre Hobbes e Rousseau. Segundo ele, nas famosas passagens d’ O contrato social em que Rousseau recusa que a Soberania possa ser representada (CS, II, 1; III, 15), ele visa à representação por deputados eleitos, como no modelo inglês, e seu alvo não é Hobbes, mas Montesquieu ao tratar da constituição inglesa.

Não há nenhuma crítica em Rousseau ao pensamento fundamental de Hobbes segundo o qual os indivíduos são representados pelo Soberano, que a sua vontade é tomada como sendo suas vontades, e que é essa, por assim dizer, coleção de representações individuais que dá à vontade soberana seu caráter geral. (TUCK, 2009, p. 137).

No entanto, malgrado a pertinência dessas observações, o fato é que Rousseau não emprega o vocabulário da representação para tratar de relação entre Vontade Geral e vontades particulares.

O vocabulário da representação é acionado por Hobbes para resolver a questão da unidade da multiplicidade, para que se possa reduzir a diversidade das vontades a uma só vontade, a multiplicidade das pessoas jurídicas a uma só pessoa. Dizer que o Estado é representativo é dizer que não há unidade sem representação. E que não há algo como uma vontade comum dada por natureza ou com a razão, pois o que vem a ser essa vontade é algo que está sempre em disputa.

Isso vale de certo modo também para Rousseau, para quem é sempre um problema saber quem diz a Vontade Geral, se o povo em assembleia, o governo ou o legislador, dado que dizer a Vontade Geral pressupõe uma elevação moral raramente (se não nunca) encontrada. Mas enquanto Rousseau supõe que possamos reconhecer o que é essa Vontade Geral, ao menos como horizonte ideal das decisões coletivas (com o que ele retoma por outras vias a ideia de um juris consensus - um juris consensus que não se dá em torno de determinados conteúdos prescritivos, como a lei natural para a tradição jusnaturalista, mas em torno de certos valores ou conteúdos que podem ser reconhecidos como comuns), Hobbes recusa radicalmente essa solução: não há base natural ou racional de consenso. Não há bem comum. Não há um conteúdo comum das vontades individuais a não ser a estrutura mesma da vontade que consiste em ser um princípio de ação visando a um bem (ou antes, o que aparece como um bem) para o sujeito voluntário.

Resta como alternativa a representação: a Vontade Geral é representada por uma vontade particular determinada que se põe no lugar da diversidade das vontades e que, por meio disso, se faz valer como geral, embora não o seja. Isso é plenamente coerente com o nominalismo radical de Hobbes, para quem o universal não passa de um nome que significa certos conceitos, certos pensamentos acerca dos corpos - por exemplo, que o homem é um animal racional, o que faz com que sejam nomeados dessa maneira todos os indivíduos dos quais se pensa serem racionais. A generalidade em questão é um pensamento, uma perspectiva, e nada impede que os falantes recortem a realidade e a nomeiem segundo critérios e interesses diversos, fazendo bascular o horizonte da generalidade.

No caso de Rousseau, no ato de fundação da Soberania, não se trata de uma vontade particular que se faz passar por geral, mas propriamente de uma vontade geral, isto é, das próprias vontades particulares no que elas têm em comum umas com as outras.9 A Vontade Geral não está assim no lugar das vontades particulares, mas corresponde exatamente a essas vontades, sob um certo aspecto. Embora Rousseau considere as dificuldades de determinar o que seja a Vontade Geral, embora seu conteúdo seja também para ele objeto de disputa, ele supõe que, tão logo seja encontrado, o horizonte da disputa desaparece, cedendo lugar ao consenso.10 Para Hobbes, em contrapartida, toda vontade que se faz passar por geral ou todo discurso valorativo que pretende expressar uma vontade geral ilude, sua pretensa generalidade não sendo senão uma forma de escamotear o horizonte da disputa.11 Resta a representação: colocar uma vontade particular no lugar das diversas outras vontades particulares.

Tuck considera que a única diferença significativa entre Hobbes e Rousseau está no fato de que, para o primeiro, a Soberania pode ser transferida, enquanto que, para o segundo, ela é inalienável. Com efeito, Hobbes considera que o lugar original da soberania é a assembleia democrática, e que esta, por decisão da maioria, pode decidir quem terá o direito de representá-la.12 A Soberania pode ser, assim, transferida. Contudo, de acordo com Tuck, Hobbes não é consistente quanto a esse ponto, uma vez que, ao tratar do cargo ou dos deveres (office/officium) do Soberano, afirma, em contrapartida, que “compete ao cargo de soberano manter [seus] direitos em sua integralidade, e consequentemente é contra seu dever, em primeiro lugar, transferir para outro ou tirar de si qualquer deles.” (L, XXX, p. 200). Ou seja, ora Hobbes afirma que a Soberania pode ser transferida, ora nega. Rousseau teria, segundo Tuck, apenas removido essa inconsistência, mostrando que a soberania não pode jamais ser desalocada do seu lugar original que é a assembléia popular. Isso não é pouco, já que esse passo lhe permitiu afastar o monarquismo de Hobbes e dar lugar “[à] causa da democracia radical.” (TUCK, 2009, p. 141).

Contudo, penso que a diferença entre os nossos autores é, nesse caso, maior do que supõe Tuck. Na passagem do Capítulo XXX do Leviatã, na qual Tuck se baseia para acusar Hobbes de uma grosseira inconsistência (tão grosseira que se pode duvidar que ele tenha incorrido nela), é fácil ver que, nesse momento, Hobbes está falando da possibilidade do Soberano transferir alguns de seus direitos, retendo outros, e não da transferência integral da Soberania. Hobbes deixa claro, ao enumerar em seguida as funções da Soberania, que ele entende dever pertencer a uma mesma instância representante, sem o que ela deixa de ser soberana. Eis a sequência da passagem:

Pois aquele que que desampara os meios desampara os fins, e desampara os meios aquele que sendo o soberano reconhece estar sujeito às leis civis e renuncia ao poder da judicatura suprema, ou ao poder de fazer a guerra e a paz por sua própria autoridade, ou de julgar as necessidades do Estado, ou […]. (L, XXX, p. 200, grifos meus).

A série de alternativas deixa claro que se trata de dizer que o Soberano não pode transferir ou se desfazer de alguns de seus direitos ao mesmo tempo que retém outros. O que não quer dizer que ele não possa delegar essas funções para seus ministros (os ministros podem agir como representantes do Estado), desde que retenha o direito de escolhê-los e destitui-los, se assim entender. Hobbes não está, portanto, dizendo nessa passagem que a Soberania em sua integralidade não possa ser transferida, o que estaria em contradição com o que ele admite expressamente em outras passagens, mas que a Soberania não pode ser parcialmente transferida, isto é, não pode ser dividida.

Além disso, longe de ser inconsistente, a ideia de que a Soberania pode ser realocada em sua integralidade está plenamente de acordo com a ideia de que o Soberano é um representante. Tanto faz quem representa, se a assembleia popular ou se aristocrática por decisão majoritária, ou o rei. Nenhuma forma de representação é melhor que outra do ponto de vista da unidade do Estado. O que importa é que se tenha claro quem representa, qual vontade vale pela vontade de todos, a transferência da Soberania sendo possível por decisão soberana desde que, nessa passagem, não se perca de vista quem é o representante e por decisão de quem se faz a transferência.

Assim, retomemos a questão: para Hobbes, a diferença de Rousseau, o Estado é representativo. Isso quer dizer que, ainda que as decisões do governo possam não ser responsivas às opiniões dos súditos (já que todas as ações de governo, mesmo as iníquas, são autorizadas pelo ato de sua instituição), ainda assim, é preciso que o Estado represente os cidadãos para que possa existir. No que consiste a representatividade do Estado? Quero mostrar que, ao contrário do que supõe Pitkin, aí está em jogo uma forma de responsividade.13

IV

Hobbes trata da representação jurídica no Capítulo XVI do Leviatã, dedicado à noção de pessoa. O importante é observar que, para ele, a pessoa não é um substantivo, mas um verbo. Não se é uma pessoa, mas se passa a ser pela ação de personificar: personifica-se. “E personificar é representar - esclarece Hobbes - seja a si mesmo ou a outro” (L, XVI, p. 96). O ato de representar é, assim, gerador da pessoa. Em sendo a pessoa o sujeito jurídico, pode-se dizer que o ato de representar é gerador de sujeitos jurídicos.

O ato em questão é o de considerar certas palavras e ações como sendo de um determinado sujeito.

Uma pessoa é aquele cujas palavras e ações são consideradas quer como suas próprias quer como representando as palavras e ações de outro homem, ou de qualquer outra coisa a que sejam atribuídas, seja por verdade ou por ficção. (L, IVI, p. 96, grifos meus).

Note-se que, de acordo com essa definição, as palavras e ações em questão não pertencem a um determinado sujeito, mas são consideradas como suas por um ato de atribuição. Isso quer dizer que mesmo aquelas ações e palavras que já se encontram naturalmente atribuídas a determinados homens pelo mecanismo da percepção (e vale lembrar que, para Hobbes, perceber é também representar, envolvendo igualmente um ato de atribuição de determinadas qualidades e ações a um certo substrato natural - o corpo - suposto existir para além da percepção),14 tais palavras e ações só se tornam palavras e ações de pessoas, quando novamente referidos àquele corpo, agora tomado não mais como simples corpo, mas como pessoa ou sujeito jurídico, para fins de um cálculo jurídico. A personificação ou representação jurídica é, assim, uma representação de segunda ordem, no caso da pessoa natural: “[...] quando [as palavras e ações] são consideradas como suas próprias (his own), trata-se de (is he) uma pessoa natural.” (L, XVI, p. 96).

No caso da pessoa fictícia (como a do Estado), a representação jurídica cria pela primeira vez o substrato de atribuições, que não está previamente dado enquanto corpo - daí o caráter fictício da pessoa. Mas, nos dois casos - e o caso da pessoa fictícia lança luz sobre o da pessoa natural - trata- se de produzir, por ficção, o sujeito jurídico. Ou seja, o que é “natural” na pessoa natural não é a pessoa, mas o fato de ela já existir enquanto substrato de atribuições enquanto corpo. Mas a pessoa é o que passa a ter lugar a partir do ato de representar, o ato de portar a pessoa, comparável à utilização da máscara (persona) teatral pelo ator: posta a máscara, dali para frente, aqueles atos e ações se referem a um substrato determinado, criado pela ficção teatral. Mesmo no caso da pessoa natural, requer-se que ela represente a si mesma, porte a sua própria pessoa, para que a encenação jurídica tenha lugar. Essa representação se faz aos olhos dos outros - os outros sujeitos jurídicos - como num teatro.

Isso é fundamental na lógica contratual desenvolvida por Hobbes, uma vez que o sujeito contratante é uma pessoa natural, ou seja, um homem portando a sua própria pessoa ou representando a si mesmo numa cena jurídica. De suas palavras e ações calculam-se direitos e deveres e o cálculo em questão obedece a razões de coerência da pessoa jurídica. O compromisso é com a coerência da pessoa, tal como representada aos olhos dos outros.

Ora, como se sabe, Hobbes insiste que não são quaisquer palavras e ações que podem ser atribuídas à pessoa do homem, ou seja, à pessoa natural suposta por trás do contrato de instituição do Estado, que é, de acordo com o seu o raciocínio, o homem enquanto corpo. No contrato, os homens aceitam uns diante dos outros que determinadas palavras e ações (aquelas que estabelecem o contrato) são suas, que o representam enquanto um corpo natural, um ser vivo desejante, capaz de ações voluntárias e atos de linguagem. Mas essa aceitação não é incondicional. É preciso que tais ações e palavras possam ser consideradas ações e palavras de um ser desejante, agente e falante. É assim que ações e palavras que implicam a aniquilação, ou mesmo o amofinamento da vida desse corpo desejante, não podem ser consideradas como suas e não o representam para fins de cálculos jurídicos.

Assim, no jogo ou encenação jurídica em que o Estado se sustenta, não apenas o Soberano representa os cidadãos - sendo que a representação, nesse caso, gera a pessoa fictícia do Estado - como os cidadãos representam a si mesmos enquanto sujeitos naturais, isto é, portam as pessoas naturais por cujas palavras e ações o Estado foi (ou teria sido, segundo a lógica jurídica) criado. A encenação jurídica encontra aqui um limite, que é também o limite da representação política: como não são quaisquer palavras e ações que podem ser atribuídas às pessoas do homem, como há certas coisas que ele não poderia fazer e dizer, há coisas que seu representante não pode fazer e dizer em seu nome - basicamente, destruir ou amofinar suas vidas. Um Estado que age nesse sentido põe-se em contradição consigo mesmo, uma contradição que reside na sua impossibilidade de representar os indivíduos que o instituem. A máscara jurídica pode, portanto, cair, se a encenação não estiver bem montada; o cristal da representação pode se quebrar, sendo que, nesse caso, o jogo jurídico vem a ser suspenso em virtude de suas próprias regras - as que estabelecem as condições da representação sobre as quais o jogo se assenta. Hobbes discrimina dois casos em que isso pode acontecer.

O jogo encontra-se suspenso toda vez que o Estado não for capaz de oferecer proteção aos cidadãos: “[...] entende-se que a obrigação dos súditos para com o soberano dura enquanto e apenas enquanto dura também o poder mediante o qual ele é capaz de protegê-los; porque o direito que por natureza os homens têm de defender-se a si mesmos não pode ser abandonado através de pacto algum.” (L, XXI, p. 135). Hobbes está pensando aqui nos casos em que a Soberania deixa de ser soberana - os exemplos que oferece em seguida são o da derrota na guerra e o da renúncia. Mas isso se aplica também a situações em que a Soberania entra em contradição consigo mesma, quando seus atos atentam contra si mesma e contra a unidade do Estado, não podendo ser considerados atos seus. Nesse caso, a Soberania perde sua autoridade, que reside precisamente em sua capacidade de representar.

O jogo encontra-se também suspenso - e, nesse caso, parcialmente suspenso - no caso da aplicação do direito penal.15 Hobbes não oferece uma resposta simples à questão de saber se o Estado representa o criminoso no momento que o pune. Esse é um problema que se coloca apenas para o Leviatã, já que nas obras anteriores a instituição do Estado não é pensada em termos de autorização e representação. E para esse problema novo, Hobbes não apresenta uma solução inequívoca.

Assim, numa passagem do Capítulo XVIII, ele parece se comprometer com a tese de que o criminoso é representado pelo ato de punir:

Se aquele que tentar depor seu soberano for morto, ou por ele castigado devido a essa tentativa, será autor de seu próprio castigo, dado que por instituição é o autor de tudo o que o soberano fizer. E dado que constitui injustiça alguém fazer coisa devido à qual possa ser castigado por sua própria autoridade, também a esse título ele estará sendo injusto. (L, XVIII, p. 107).

Trata-se aqui do crime máximo que é o crime de lesa-majestade. Nesse caso, é importante notar que Hobbes observa que o criminoso não apenas comete o crime pelo qual será punido, como incorre numa segunda injustiça: ser “autor do próprio castigo”. Como a injustiça é para Hobbes comparável ao absurdo ou a uma inconsistência lógica (L, XIV), pode-se entender que a injustiça nesse caso consiste precisamente na incoerência de se fazer autor do próprio castigo. Ou seja, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, Hobbes não estaria afirmando nessa passagem que o criminoso é autor do próprio castigo,16 mas que, ao se colocar nessa posição, sua pessoa se torna inconsistente, dado que, justamente, ele não pode ser considerado o autor do próprio castigo; esse ato não lhe pode ser atribuído e, portanto, não o representa. Se é assim, pode-se dizer que o crime de lesa-majestade é um crime pelo qual o criminoso deixa pelo seu próprio ato de representar a si mesmo como sujeito jurídico na cena jurídica do Estado, deixa de estar ali representado, colocando-se fora do Estado. O seu castigo não é por isso uma punição17 - e, de fato, não é da punição que se trata nessa passagem, mas dos direitos fundamentais da Soberania (os direitos da Soberania enquanto Estado): trata-se aqui do direito da Soberania de tratar como inimigos os indivíduos que busquem depô-la.

Mas o que dizer do crime comum, do crime para o qual não está em jogo a contestação da Soberania, que é ainda reconhecida como a instância à qual pertence o direito de punir? A resposta de Hobbes, mais uma vez, não é simples. De um lado, ele diz que17 Hobbes diz explicitamente ao tratar da punição: “[...] os danos infligidos a quem é um inimigo declarado não poder ser classificados como penas.” (L. XXVIII, p. 187).

[s]e o soberano ordenar a alguém (mesmo que justamente condenado) que se mate, se fira ou se mutile a si mesmo, ou que não resista aos que o atacarem, ou que se abstenha de usar os alimentos, o ar, os medicamentos, ou qualquer outra coisa sem a qual não poderá viver, esse alguém tem a liberdade de desobedecer. Se alguém for interrogado pelo soberano ou por sua autoridade, relativamente a um crime que cometeu, não é obrigado (a não ser que receba garantia de perdão) a confessá-lo, porque ninguém pode ser obrigado por um pacto a acusar-se a si próprio. (L, XXI, p. 133).

Embora Hobbes não se refira aqui à teoria da representação, levando em conta que dissera um pouco antes que a obrigação e a liberdade são calculadas a partir do “ato de submissão” e que esse ato, por sua vez, é uma ato de autorização, o fato do criminoso ter o direito de resistir parece implicar que ele não pode ter autorizado o ato da punição e que, portanto, não se vê representado por ele. Assim, ao dizer que há o direito de resistir à punição, Hobbes está dizendo que o ato de punir não representa o criminoso.

Contudo, logo em seguida, e agora se referindo à teoria da autorização/representação, Hobbes parece dizer algo ligeiramente diferente:

O consentimento de um súdito ao poder soberano está contido nas palavras eu autorizo, ou assumo como minhas, todas as suas ações, nas quais não há qualquer espécie de restrição a sua antiga liberdade natural. Porque ao permitir-lhe (allow) que me mate não fico obrigado a matar-me quando ele mo ordena. Uma coisa é dizer mata-me ou a meu companheiro, se te aprouver, e outra é dizer matar-me-ei, ou a meu companheiro (L, XXI, p. 133).

“Permitir que me mate” é, de acordo com a teoria da autorização do Leviatã, o mesmo que autorizar esse ato, que, sendo o ato de punição máxima, implica a autorização das penas inferiores. Hobbes está, portanto, dizendo que o súdito se vê representado pela punição. Em seguida, ele precisa que isso não significa que ele seja obrigado a aplicar a pena ou a não resistir à punição. E isso porque esse ato não pode ser compreendido como tendo sido autorizado por ele; porque não o representa. Como então entender a questão do direito de resistência à punição do ponto de vista da teoria da representação? Afinal, o criminoso encontra-se ou não representado na punição?

Penso que para responder a essa questão é preciso distinguir entre dois atos em que consiste a punição. Em primeiro lugar, o ato de prescrever a pena. Esse ato representa o criminoso na medida em que representa todos os cidadãos que têm interesse no cumprimento da lei, o que inclui o criminoso cujo crime não pretende pôr a perder a Soberania do Estado. Mas há ainda um segundo ato, que é o da aplicação da pena. Esse ato não pode representar o criminoso, não pode ser reconhecido como seu e atribuído a sua pessoa, ainda que possa ser pensado como um ato do Estado, representante de todas as outras pessoas submetidas à sua proteção jurídica.

Mas, se é assim, a aplicação da punição cria, em relação ao criminoso, uma espécie de vácuo representativo. Se o Estado não representa o criminoso no momento da punição, isso quer dizer que, para esse indivíduo, o Estado está suspenso. O criminoso se vê assim diante da seguinte alternativa: resistir à punição, o que pode fazer com direito, valendo-se de sua posição de estar fora do Estado;18 ou aceitá-la e, por meio disso, reintroduzir-se no Estado, com o que ele aceita que o Estado continua a representá-lo em todos os outros atos que não o da punição. Trata-se de uma espécie de reatualização do pacto, o que o criminoso, contudo, só pode fazer se a punição estiver dosada de tal maneira a lhe ser mais interessante reingressar no Estado do que manter-se fora dele. Cada vez que escolhe seguir ou infringir uma lei, e, a partir daí, aceitar ou resistir à punição que se seguirá da infração, o indivíduo escolhe, de acordo com suas motivações e razões particulares (e não apenas segundo razões jurídicas), se quer se colocar fora ou dentro do Estado constituído.

O mesmo vale para o Estado, que também escolhe, de acordo com sua política de criminalização e punição, a quem representa, a quem não representa. Nesse sentido, vale atentar para a importante distinção estabelecida por Hobbes entre os atos do Estado que podem ser compreendidos como atos de aplicação do direito penal, e os atos que, não podendo ser assim compreendidos, caracterizam-se como atos de hostilidade:

Os danos causados pela autoridade pública, sem condenação pública anterior, não devem ser classificados como penas, mas como atos hostis. Porque o ato devido ao qual se aplica a alguém uma pena deve primeiro ser julgado pela autoridade pública como transgressão da lei. […] Todo dano infligido sem intenção ou possibilidade de predispor o delinquente, ou outros homens, através do exemplo, à obediência às leis, não é pena, mas ato de hostilidade, porque sem tal finalidade nenhum dano merece receber esse nome. […] Se uma pena for determinada e prescrita pela própria lei, e se depois de cometido o crime for infligida uma pena mais pesada, o excesso não é pena, e sim ato de hostilidade [...] (L, XXVIII, p. 186-187).

Hobbes não faz uso da teoria da representação para apresentar essa distinção. Mas é possível fazer essa referência e dizer que as ações do Estado que extrapolam o seu direito de punir, caracterizando-se como hostis, são atos que não podem ser considerados atos do Estado, não podem ser representados como tais porque não representam o cidadão. O cidadão hostilizado é, assim, como que expulso para fora do Estado pelo próprio Estado, que, em virtude de seus atos, deixa de representá-lo e como que o instiga a resistir.

Isso quer dizer que não apenas cada indivíduo, pela porta do direito penal, permanece livre para escolher se participa ou não do jogo de representações em que consiste o Estado, como também o Estado, a depender do modo como exerce o direito penal, escolhe a quem inclui no seu campo de representação, a quem exclui, estando excluídos todos aqueles a quem o Estado trata com hostilidade, a quem pune fora dos limites da lei.

Isso quer dizer que a representatividade do Estado tem graus: o Estado não está totalmente presente ou ausente, mas é para alguns e não para outros, mais para alguns e menos para outros, sendo que o cálculo dessa representatividade é algo que os cidadãos, bem como os agentes do Estado, fazem o tempo todo, atualizando o ato hipotético de instituição da Soberania. A autorização é um ato continuado, sendo preciso que os agentes do Estado respeitem os limites da representação, para que o Estado retenha sua autoridade.

Daí ser importante entender o direito de resistência como um direito natural, isto é, como um direito que o homem exerce enquanto corpo, no momento em que, colocando-se ou tendo sido colocado para fora do Estado, ele não se vê mais representado num espaço jurídico, não sendo mais, portanto, uma pessoa, mas simplesmente um corpo. A importância disso está em ver que o jogo jurídico tem um lado de fora, uma porta de saída. A depender de como os indivíduos se portam diante do Estado e o Estado diante dos indivíduos, o cristal da representação pode apresentar rachaduras cada vez mais sérias, a ponto de levar à dissolução total do Estado, o que equivale à sua incapacidade de sustentar o jogo de representações jurídicas em que consiste.

A possibilidade da desobediência civil pode ser considerada irrisória num Estado fortemente representativo, que enfrenta pouca resistência de seus cidadãos. Mas num Estado pouco representativo, essa possibilidade pode levar à sua dissolução, quando as formas de resistência excedem sua capacidade de proteção. Seja como for, o importante é notar que o Estado para Hobbes pode ser mais ou menos representativo, ter mais ou menos autoridade, e que isso depende não apenas de sua capacidade de exercer racionalmente a sua função legislativa e de convencer que o faz (daí ser importante que o Estado se encarregue da educação dos cidadãos), como também da sua política de criminalização e punição, que pode ser mais ou menos inclusiva.

Assim, ao contrário do que afirma Pitkin (1967), o Estado tem obrigações derivadas do fato de ser um representante da multidão - ele tem que preservar as condições de representação. Do contrário, quem se esgarça é o Estado e não propriamente o governo, ainda que o esfacelamento do Estado leve consigo o esfacelamento do governo. Esse esfacelamento pode ser dar por etapas, como numa doença - e é Hobbes quem faz uso dessa metáfora ao tratar do tema da dissolução do Estado.

Nesse ponto, Hobbes e Rousseau novamente se distinguem, pois, ainda que Rousseau se valha da metáfora da doença para tratar da dissolução do Estado (CS, III, 11), o que indica que ele vê essa dissolução como um processo, o processo em questão é aquele pelo qual as decisões de governo progressivamente se afastam da Vontade Geral, sendo que essa ou é ou não é, não havendo meio-termo - “a vontade geral é invariavelmente reta e tende sempre à utilidade pública.” (CS, II, 3). Ou seja, para Rousseau um ato de governo é ou não é um ato de Estado, mas esse ato é ou não um ato do Estado a depender se diz ou não à Vontade Geral. Para Hobbes, em contrapartida, os atos do Estado, e não apenas os de governo, na medida em que são representativos, podem ser mais ou menos: podem representar alguns e não outros e podem ser progressivamente exclusivos, até o ponto de não representar mais ninguém. O Estado (e não apenas o de governo) pode ser saudável ou estar doente, a depender da autoridade que suas instituições normativas adquirem em sua capacidade de representar e, com isso, unir em torno de si a multidão.

V

Pode-se falar, portanto, com Hobbes, de crise da representação democrática como crise do Estado. Nada nos impede de pensar, contra as preferências monarquistas de Hobbes, mas a partir de sua teoria do Estado, que um governo democrático é a melhor maneira de evitar o colapso do Estado, cuja natureza é representativa. Mas é importante manter a diferença, pois a partir daí podemos entender que a representação entra em crise não apenas quando o governo não é responsivo às opiniões oriundas da sociedade civil, mas também - o que é muito mais grave - quando o Estado deixa uma grande parcela da população do lado de fora da sua proteção jurídica, quando marginaliza, criminaliza e pune sistematicamente boa parte de seus supostos cidadãos, tratando-os, portanto, não como cidadãos e pessoas jurídicas, mas como meros corpos, os quais são desse modo impelidos à resistência pelos meios que se fizerem disponíveis, ou quando os agentes do Estado se portam de tal maneira a desrespeitar as condições mínimas de representatividade do Estado, quando se apoderam de suas instituições, sem qualquer disfarce e máscara, sem nenhum respeito pelas artes cênicas, para fazer valer seus interesses particulares em detrimento, não digo da Vontade Geral, pois o conceito não faz sentido nos quadros do hobbesianismo, mas das outras vontades e interesses particulares ou de grupos que, se não estiverem refletidos do cristal da representação jurídica em que consiste o Estado, se verão impelidos a resistir e se fazer valer fora dos limites da representação, contra o Estado.

Qualquer semelhança com o Estado brasileiro em sua atual agonia (que tem por foco o Judiciário e a aplicação do direito penal) não é mera coincidência. É a prova de que Hobbes oferece um esquema fértil ao qual podemos ainda recorrer para entender os desafios enfrentados pela democracia, na medida em que ela é não apenas uma forma de governo como também (e primeiramente) uma forma de Estado. É também um convite para explorarmos o léxico da representação, quando se trata de democracia.

Referências

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11) não ser limitada por pacto anterior; 2) não ser limitada pelo pacto de sua instituição; 3) ser autorizada pela vontade da maioria; 4) não poder ser acusada de injúria; e 5) não poder ser punida.

2Segundo a enumeração de Hobbes: 1) ser juiz das opiniões e doutrinas ou governar as opiniões; 2) definir a propriedade; 3) julgar as controvérsias entre os cidadãos; 4) fazer a guerra e a paz; 5) escolher conselheiros, ministros, magistrados e funcionários; 6) recompensar e punir; e 7) conceder títulos de honra.

3Hobbes diz explicitamente em relação ao primeiro dessa série de direitos, o direito de governar as opiniões.

4A distinção clara entre os dois tipos de direitos ou faculdades da Soberania - entre os que denominei direitos do Estado e direitos de governo - é uma precisão importante que aparece apenas no Leviatã. Ela se tornou possível com a teoria da autorização, introduzida nessa obra, que permitiu pensar que o primeiro grupo de direitos como decorrentes diretos do ato de autorizar todas as ações do Soberano, o que, como veremos adiante, equivale à instituição da Soberania enquanto instância representante.

5Nesse livro, Tuck retoma o argumento, já anteriormente apresentado no artigo “Hobbes on Democracy” (2006) a favor de um Hobbes democrata. Mas, se no artigo de 2006 o olhar é retrospectivo, tratando de apresentar Hobbes como o herdeiro de uma certa teoria da democracia que remonta a Aristóteles, no livro de 2009, o olhar é prospectivo, tratando de mostrar que Rousseau chegou à noção de soberania popular a partir de Hobbes, sendo Hobbes, desse modo, uma parada obrigatória para se pensar no que a democracia moderna veio a se tornar a partir do século XVIII. Para uma crítica ao artigo de 2006, veja-se Koestra (2006). O argumento prospectivo do livro parece-me, contudo, escapar dessas críticas, já que ali não se trata de dizer que Hobbes fosse um democrata segundo o modo como a democracia era pensada em seu tempo a partir de Aristóteles (sob esse aspecto, ele é monarquista), mas que ele contribuiu para a formulação de um conceito moderno de democracia, ainda insuspeito para ele. É nesse sentido me refiro aos “aspectos democráticos” do pensamento hobbesiano, mais especificamente de sua teoria do Estado.

6 Tuck (2009, p. 2) observa que “no Contrato Social Rousseau descreve esse tipo de democracia [restrito aos atos de Soberania] como uma “república”, em parte precisamente para evitar a implicação contida na noção familiar de democracia de que ela deve ter um governo democrático. Mas nas Cartas da montanha ele aplica de bom grado o termo democracia a esse tipo de república, e na nona carta ele torna claro (mais claro, de fato, do que tinha feito no próprio Contrato social), que uma distinção desse tipo é o que permitiu a reaparição da democracia no mundo moderno […]”.

7Segundo Tuck (2009, p. 133), devemos ser cautelosos na avaliação dessa diferença entre Hobbes e Rousseau, que se revela menor do que pode parecer à primeira vista. “A distinção que Rousseau faz entre atos do soberano aplicados à totalidade do povo e atos governamentais que não o fazem não mapeia diretamente a estrutura institucional de nenhum Estado no seu próprio tempo e desde então.” “A principal força de observação de Rousseau sobre a necessária generalidade da lei em contraste com a particularidade do governo é a de chamar atenção para o caráter fundamental da soberania popular” (2009, p.134), um ponto que já havia sido estabelecido por Hobbes.

8O contrato social, II, 1: “[...] o soberano, não passando de um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo; pode-se transmitir-se o poder - não porém a vontade.” Em III, 1, Rousseau esclarece que se o poder legislativo só pode ser exercido pelo próprio povo, o poder executivo pode não ser (e preferencialmente não é) exercido pelo povo, devendo, então, ser transmitido a uma instância governante, que governa em seu lugar e por seu mandato. As referências a O contrato social serão feitas pelas letras CS.

9A Vontade Geral, diz Rousseau, não é a soma das vontades particulares, mas o que resta, quando se retiram das vontades particulares “os mais e os menos.” (CS, II, 3).

10“Quanto maior a harmonia reinante nas assembléias, isto é, quanto mais as opiniões aproximam-se da unanimidade, tanto mais prevalece a vontade geral; porém os debates intermináveis, as dissensões e os tumultos anunciam o predomínio dos interesses particulares e o declínio do Estado. (CS, IV, 2).

11Hobbes entende que o discurso valorativo exprime as paixões do locutor, sendo sempre relativo a quem fala: “as palavras “bom”, “mau” e “desprezível” são sempre usadas em relação à pessoa que as usa.” (L, VI, p. 33). Apesar disso, ocorre que um discurso exprimindo apenas a opinião do locutor seja tomado como verdadeiro, com base exclusivamente na “autoridade e na opinião favorável que temos acerca de quem fez a afirmação.” (L, VII, p. 41). É isso o que explica o poder dos homens eloquentes, que suplanta os de ciência. (L, X, p. 54). A referência ao Leviatã, na edição e tradução indicadas nas referências, far-se-á pela letra L.

12Isso é mais contundente no De Cive, em que Hobbes diz que “a aristocracia ou cúria dos optimates com poder soberano tem sua origem numa democracia que transfere seus direito àquela” (VII, 8) e que “como a aristocracia, também a monarquia se deriva da autoridade do povo que transfere seu direito, isto é, o poder soberano, a um homem.” (VII, 11). No Leviatã, essas observações são substituídas por esta, em que o termo democracia desaparece, mas não a ideia de um fundamento democrático da soberania: “Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concordam ou pactuam, cada um com cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser representante), todos, sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembléia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes homens.” (L, XVIII, p. 107, grifo meu).

13Ao polemizar com Pitkin, Runciman (2009) defende que, enquanto representante do Estado, o Soberano não precisa ser responsivo. A responsividade da representação, Runciman a desloca para a relação entre o Soberano e a multidão que autoriza seus atos. Desenvolverei um argumento diverso, ao insistir que é o Estado propriamente, e não o governo, que é representativo na sua relação com a multidão. Embora minha análise seja convergente com a de Runciman na intenção de resgatar o potencial democrático da teoria hobbesiana da representação, dela se distingue em dois aspectos fundamentais: 1) minha intenção não é a de atualizar a teoria hobbesiana da representação, mas de reconstrui-la no seu tempo lógico e histórico, para avaliar, a partir daí, no que ela ainda nos serve; 2) não penso que os textos de Hobbes sustentem a distinção proposta por Runciman entre autorização e representação. A representação em seu sentido jurídico é para Hobbes o exato equivalente da autorização, e a distinção proposta por Runciman mais atrapalha do que ajuda quando se trata, não de atualizar, mas de pensar os aspectos democráticos da teoria hobbesiana da representação tal como ela se apresenta nos Capítulos XVI e XVII do Leviatã.

14Para o desenvolvimento desse ponto, ver Limongi (2000).

15A questão do fundamento do direito penal é um assunto intrincado em Hobbes, tendo em vista a dificuldade de derivar o direito de punir pertencente ao Estado do pacto de sua instituição. Como os contratantes poderiam conferir à Soberania o direito de puni-los segundo a sua discrição, o que inclui o direito de matá-los, se eles a instituem em vista da autoproteção? Ao longo de sua obra, Hobbes ensaia diversas soluções para essa questão e todas enfrentam dificuldades. Não quero discutir esses problemas aqui, mas, assumindo que a filosofia de Hobbes apresenta elementos para pensar coerentemente o direito penal, assumindo que o direito de punir encontra-se bem fundamentado (sobre isso, ver Zarka, (1995); traduzido para o português em Zarka (2000)), quero tratar da questão da sua aplicação, para indicar que esse é um momento em que o jogo das representações jurídicas se encontra suspenso e, dessa vez, não inteiramente suspenso, mas apenas em relação àquele a quem se aplica a punição.

16Como supõem Gauthier (GAUTHIER, 1969, p. 147) e Zarka (2000, p. 168) em suas respectivas discussões sobre o direito de punir.

17Hobbes diz explicitamente ao tratar da punição: “[...] os danos infligidos a quem é um inimigo declarado não poder ser classificados como penas.” (L. XXVIII, p. 187).

18Segundo Hobbes, “caso um grande número de homens em conjunto tenha já resistido injustamente ao poder soberano, ou tenha cometido algum crime capital, pelo qual cada um deles pode esperar a morte, terão eles ou não a liberdade de se unirem e se ajudarem e defenderem uns aos outros? Certamente que têm: porque se limitam a defender suas vidas, o que tanto o culpado como o inocente podem fazer. Sem dúvida, havia injustiça na primeira falta ao dever; mas o ato de pegar em armas subsequente a essa primeira falta, embora seja para manter o que fizerem, não constitui um novo ato injusto. E se for apenas para defender suas vidas, de modo algum será injusto.” (L, XXI, p. 134).

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