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Conjectura: Filosofia e Educação

versión impresa ISSN 0103-1457versión On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.24  Caxias do Sul  2019  Epub 31-Jul-2020

https://doi.org/10.18226/21784612.v24.e019003 

ARTIGOS

Formação de professores na Educação Profissional: uma análise sobre a dimensão pedagógica

Teachers’ education in the Professional Education: an analysis about the pedagogical dimension

* Pós-Doutorado em Educação Matemática pela Universidade de Lisboa. Doutora em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) Rio Claro. Professora Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Coordenadora do grupo de estudos e pesquisa em Educação Matemática e Tecnologias (GEPEM@T). E-mail: adrianarichit@gmail.com

** Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Fronteira Sul. Professor na Universidade do Alto Vale de Rio do Peixe. E-mail: leandrohupalo.lh@gmail.com


Resumo

O artigo examina as perspectivas de formação pedagógica de professores, no âmbito da Educação Profissional no Brasil, olhando- as a partir de resultados de estudos. A investigação consiste em uma análise qualitativo-interpretativa, baseada em uma análise de conteúdo sobre dissertações e teses voltadas à temática formação pedagógica de pr ofessores de Educação Profissional, produzidas no período compreendido entre 2005-2015. Esse recorte temporal foi estabelecido tendo em vista a expansão dos estudos sobre essa tônica concomitantemente à expansão da própria Educação Profissional em nosso país. Os dados foram analisados sob a luz das perspectivas teóricas relacionadas à profissionalidade e à constituição docente, esboçadas por Maurice Tardif, José Contreras e José Gimeno Sacristán. Os resultados evidenciaram perspectivas distintas de formação pedagógica docente, das quais duas são discutidas neste artigo: formação profissional docente que prioriza a articulação entre teoria e prática e a complementaridade entre disciplinas e dimensões formativas, na medida em que os docentes reconhecem a importância e valorizam a dimensão pedagógica da formação para a concretização da prática profissional; e formação profissional docente que se concretiza mediante a constituição profissional do professor e a prática pedagógica, visto que para um grupo de professores dessa modalidade de educação o conhecimento prático assume centralidade na constituição docente.

Palavras-chave: Formação de professores; Educação Profissional; Formação pedagógica; Profissionalidade

Abstract

The paper analyses the perspectives about teacher’s pedagogical education of the professional education in the Brazil from the research results. The investigation consist in a qualitative and interpretative analyses based in a content analyse of dissertation and thesis dedicated to theme teacher pedagogical education in the professional education, which were developed in the period between 2005 and 2015. This temporal cut was established because in this period there was been a studies’ expansion about this theme in our country. Dates were analysed under the theoretical perspectives related to professionalism and teacher constitution outlined by Maurice Tardif, José Contreras and José Gimeno Sacristán. Outcomes revealed different perspectives about teachers’ pedagogical education, two of them are discussed in this paper: teacher professional education that focus about the combination of theory and practice and a complementarity between curricular disciplines and teachers’ education dimensions; and teachers’ professional education which is realized through the teacher professional constitution and the pedagogical practice.

Keywords: Teacher’s education; Professional Education; Pedagogical; Professionalism

Introdução

A formação pedagógica do professor da educação profissional constitui- se em dimensão prioritária no cenário nacional desde a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no âmbito da qual são estabelecidas as dimensões contempladas por essa modalidade de educação. Segundo o art. 39 da LDB, “a educação profissional e tecnológica,1 no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e as dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia”. (BRASIL, 1996, p. 261).

De acordo com as diretrizes legais, a Educação Profissional objetiva, sobretudo, elevar a condição intelectual do ser humano mediante uma formação que ultrapasse o tradicional repertório de suas funções laborais. (BRASIL, 2008). Para alcançar a formação profissional e intelectual desejada para o estudante, a formação do professor dessa modalidade de educação precisa incluir, entre outras, a dimensão pedagógica (BRASIL, 2012), por meio da qual possa promover uma prática profissional coerente e comprometida, na qual estejam imbricados conhecimentos específicos, profissionais, disciplinares, curriculares, científicos e experienciais.

Por outro lado, embora pesquisas sobre formação docente no Brasil tenham avançado nas últimas décadas, ainda são escassos os estudos sobre a formação de professores de Educação Profissional e Tecnológica. Tal carência é evidenciada em Pena (2011) ao mostrar que, em um levantamento realizado em diferentes bancos de dados - Banco de Teses da Capes, anais da ANPEd referentes ao GT 8 - Formação de professores, Revista Brasileira de Educação e Cadernos de Pesquisa, Educação e Sociedade -, utilizando os descritores “formação de professores para a educação profissional”, “formação de professores para o ensino técnico” e “professor do ensino técnico”, foram encontradas apenas duas pesquisas com esse foco, ambas dissertações de Mestrado desenvolvidas entre 2000 e 2009.

A carência de pesquisas na área de formação docente na Educação Profissional evidencia que, embora tal modalidade de ensino tenha crescido consideravelmente no País, nos últimos anos, a formação docente não se apresenta como prioridade nas políticas públicas, resultando na concepção de que o conhecimento técnico e específico da área de atuação ainda é considerado basilar e suficiente para o ensino.

No entanto, estudos sobre Educação Profissional, tais como Araújo (2014), Machado (2011), Urbanetz (2011), Barbacovi (2011) e Kuenzer (2007), revelam, entre outras coisas, que a formação inicial dos professores que atuam nessa modalidade de educação tem sido predominantemente específica e de caráter técnico, principalmente nas áreas relacionadas à tecnologia. Predominam, nas instituições de Educação Profissional, atuando na docência em cursos profissionalizantes, professores com formação meramente técnica e experiência prática, sem qualquer formação pedagógica.

Assumindo a importância e a necessidade de se priorizar a formação pedagógica de professores que atuam em Educação Profissional e, principalmente, a problemática relacionada a essa dimensão da formação docente, debruçamo-nos no exame das perspectivas de formação pedagógica de professores de Educação Profissional evidenciadas em estudos com foco nessa questão.

A pesquisa baseou-se em estudo do tipo bibliográfico, que consistiu na análise de 10 dissertações e teses concluídas recentemente em programas de pós-graduação brasileiros, com foco na Educação Profissional, a partir da qual buscou-se responder a seguinte interrogação: Quais são as principais perspectivas de formação pedagógica de professores, subjacentes às pesquisas com foco na Educação Profissional, desenvolvidas no Brasil, entre 2005 e 2015? Esse recorte temporal foi estabelecido tendo em vista a expansão dos estudos sobre essa matéria na referida década, concomitantemente à expansão da própria Educação Profissional em nosso país, no mesmo período. E a delimitação dessa temática deu-se mediante a necessidade de examinar o modo como essa dimensão da formação profissional docente (dimensão pedagógica), historicamente problemática nessa modalidade educativa, vem sendo concebida e concretizada em face desta expansão, pois, na Educação Profissional, recrutam-se professores “fiando-se apenas em formação específica e experiência prática, crendo que a constituição da docência se dará pelo autodidatismo”. (MACHADO, 2011, p. 691).

Mediante a análise dos resultados de 10 trabalhos selecionados a partir de uma busca realizada no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Biblioteca Digital Brasileira de Teses (BDBT) e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), utilizando os descritores formação docente, educação profissional e formação de professores, identificamos algumas perspectivas de formação pedagógica predominantes nas instituições focadas, das quais duas são abordadas no presente texto: formação profissional docente que prioriza a articulação entre teoria e prática e a complementaridade entre disciplinas e dimensões formativas; e formação profissional docente que se concretiza mediante a constituição profissional do professor e a prática pedagógica.

Profissionalidade e constituição docente: pressupostos à formação de professores

A profissão docente, segundo Castanho (2001), pressupõe características e conhecimentos que tornem o professor um profissional capaz de intervir de maneira ampla e coerente nas distintas situações do cotidiano escolar e que possa deixar marcas positivas no processo de formação dos estudantes. Explicitando as particularidades dos saberes profissionais docentes, Tardif (2013, p. 11) afirma que “o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola”.

Esse entendimento é evidenciado em Nóvoa (2009), o qual afirma que é impossível separar as dimensões pessoais e profissionais na profissão docente, de modo que ensinamos aquilo que somos, e, naquilo que somos, se encontra muito do que ensinamos. Contudo, o processo de se constituir professor é atravessado por crenças, concepções, ideologias, culturas profissionais e conhecimentos distintos que são desenvolvidos ao longo das diversas experiências profissionais e formativas vivenciadas pelo professor. Esses aspectos estão relacionados, entre outras coisas, ao desenvolvimento da profissionalidade docente.

O termo profissionalidade foi recentemente inserido no campo da educação, especificamente nas últimas décadas do século XIX, em face da organização dos professores devido à institucionalização da necessidade de formação docente para exercer a atividade profissional, implicando a definição de um conjunto de saberes indispensáveis para sustentá-la. (NÓVOA, 1995).

De acordo com Monteiro (2008), o termo profissionalidade foi utilizado em educação pela primeira vez na Itália, nos anos 1960 e 1970, em face das lutas dos sindicatos contra a organização capitalista do trabalho. E, a partir da década de 1970, passou a ser utilizado também na França e no Reino Unido, disseminando-se ao redor do mundo a partir de então. Para esse autor, a profissionalidade refere-se a

um saber-comunicar-pedagogicamente, ou seja, com a legitimidade do direito à educação, competência nos saberes a comunicar e sobre comunicação e excelência pessoal. Os profissionais da educação podem, pois, ser considerados como profissionais do direito à educação e da comunicação pedagógica, oficialmente habilitados e socialmente investidos para o exercício da sua função. (2008, p. 47).

Por seu lado, Sacristán (1995, p. 65) entende profissionalidade como sendo a “afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”. E Contreras (2012) refere-se à profissionalidade como o conjunto de qualidades da prática docente em vista das exigências do trabalho educativo. Nessa perspectiva, debater profissionalidade docente significa “não só descrever o desempenho do trabalho de ensinar, mas também expressar valores e pretensões que se deseja alcançar e desenvolver nesta profissão”. (CONTRERAS, 2012, p. 74). Complementarmente, esse autor (2012) apresenta três dimensões definidoras da profissionalidade docente: a obrigação moral e o compromisso de quem ensina para quem aprende; o compromisso com a comunidade e as relações sociais que aí se estabelecem; e a competência profissional, que combina habilidades, princípios e consciência de sentido.

Em uma perspectiva similiar, Roldão (2005, p. 108) define o termo profissionalidade como um “conjunto de atributos, socialmente construídos, que permitem distinguir uma profissão de outros muitos tipos de atividades, igualmente relevantes e valiosas”. Acrescenta quatro elementos para definir o termo profissionalidade docente, baseado em análises das produções científicas de Nóvoa (2009), Sacristán (1995) e Dubar (2005): o reconhecimento social da especificidade da função; o saber específico indispensável à natureza da atividade; o poder de decisão baseado no controle e na autonomia sobre o exercício da atividade pedagógica; e o pertencimento a um grupo coletivo que compartilha, regula e defende o pleno exercício da profissão.

Em face dos entendimentos apresentados, a profissionalidade docente revela-se um processo que se desenvolve nas dimensões individual e coletiva e que se consolida no ambiente de trabalho e tem, na atividade docente e nas relações com os pares, a afirmação ou negação da profissão. Além disso, a profissionalidade docente é afetada pelas condições de trabalho, meios técnicos, respeito, remuneração, prestígio e atração exercida pela profissão, o que constitui um conjunto particular de condições características em um campo profissional específico, que, em geral, oscilam de acordo com as condições de desenvolvimento econômico, social e histórico de cada contexto. (ANDRÉ, 2013).

Popke witz (1991) esclarece seu entendimento acerca de profissionalismo, focado na relação do que é ser professor e o conceito de profissão constituído mediante as condições de trabalho em que a prática profissional se concretiza. Para o autor, ser professor pressupõe compreender que o conceito de profissão é decorrente de uma situação social passível de alterações conforme as condições sociais e históricas do contexto em que tal conceito é instituído e legitimado. Esse aspecto caracteriza o termo profissão como de difícil aproximação, oportunizando uma pluralidade de significações e implicando a falta de uma definição universal. Dessa forma, a profissão docente deve ser entendida como um processo de emergência e diferenciação social de determinado grupo ocupacional, que varia seu estatuto e redefine o conceito de profissão ao longo do período histórico.

Contudo, emergem, no contexto da profissão docente, entendimentos distintos sobre a especificidade da docência, sendo que alguns acabam por ser reducionistas na medida em que reduzem as dimensões da formação e os conhecimentos necessários à prática. Sobre isso, Labaree (2000) afirma que se institui a ideia de que ensinar é muito simples, o que contribui, significativamente,para o desprestígio da profissão e, também, sugere que a profissão docente pode ser exercida sem a devida formação ou, de forma mais objetiva, por qualquer um que detenha boa vontade.

Além disso, Esquinsani (2012) afirma que as expectativas coletivas sobre a docência giram em torno de uma tênue linha que separa o profissionalismo da vocação: há uma relativa dificuldade histórica em definir se os professores são vocacionados e, consequentemente, profissionais, ou se são profissionais e, consequentemente, vocacionados. Esse aspecto tem contribuído com a descaracterização da profissão docente, que, por sua vez, implica a proletarização e a marginalização da classe.

Estudos de Tardif e Lessard (2013), Contreras (2012) e Tardif (2013) discutem tal processo de descaracterização mediante a análise de elementos intrínsecos à profissão, tais como a divisão técnica do trabalho docente e a perda da autonomia dos professores quanto à sua prática pedagógica e participação efetiva nas decisões que afetam a carreira profissional. A consequência desse processo é a marginalização do trabalho docente pela sociedade, que passa a considerar o professor um mero executor de tarefas.

Sumarizando, o conceito de profissionalidade sugere, desse modo, uma compreensão da docência em sua complexidade e numa perspectiva relacional entre os indivíduos, não deixando de considerar os espaços sociais, nos quais os professores efetivam seu trabalho, bem como os valores e desejos intrínsecos no desenvolvimento da profissão. Assim, a noção de profissionalidade docente é complexa e se encontra em processo de constituição conceitual dentro da sociologia das profissões, conforme defendem Ludke e Boing (2004), ao afirmarem que a discussão sobre o termo encontra-se em plena estruturação conceitual, não havendo consenso entre pesquisadores, o que torna mais complexa a definição do conceito.

No que concerne à Educação Profissional, segundo Hobold (2004), quando o professor ingressa na profissão, não está desprovido de conhecimentos de outrora e nem dispensado de aprendizagens futuras. A troca de experiências pode ser ressignificada pelos professores com o objetivo de construir e refletir sobre sua prática pedagógica. Dessa maneira evidencia- se que o processo de formação do professor de Educação Profissional é uma peça-chave à consolidação de uma escola emancipadora e transformadora, sobretudo nessa modalidade educativa que está diretamente ligada às relações de trabalho.

Em outras palavras, a docência, na Educação Profissional, necessita de profissionais com formação pedagógica que lhes possibilite práticas de sala de aula comprometidas com a formação do estudante e não apenas com a apropriação e o desenvolvimento de habilidades e competências específicas de determinada área profissional.

Por fim, no contexto das discussões sobre o processo de formação docente, a questão da profissionalidade é fundamental, pois é parte inerente ao desenvolvimento e à constituição do professor, principalmente na Educação Profissional. Para tal, o seu compromisso com a proposta da educação é elemento essencial à concretização de uma educação comprometida com uma formação mais abrangente dos alunos.

Delineamentos metodológicos do estudo

A análise esboçada neste texto, de natureza qualitativo-interpretativa (ERICKSON, 1986) e baseada em uma análise de conteúdo (BARDIN, 1977), constitui-se em um recorte de uma pesquisa de Mestrado, desenvolvida em torno do objetivo de evidenciar e compreender as perspectivas de formação pedagógica de professores subjacentes a um conjunto de 10 dissertações e teses, defendidas entre 2005-2015, com foco na Educação Profissional.

A análise interpretativa, segundo Erickson (1986), consiste em um processo de interpretação (por parte do pesquisador), dos significados atribuídos pelas pessoas a um dado evento ou fenômeno em estudo, considerando-se as especificidades culturais e sociais do meio em que essa pessoa está inserida e os diversos fatores externos e internos que interferem nesse evento/fenômeno. Tal abordagem ocupa um reconhecido lugar entre as várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem pessoas e relações sociais que são estabelecidas nos mais variados ambientes.

A relevância da temática focada no estudo prende-se a aspectos diversos, dentre eles a expansão da Educação Profissional no Brasil, a partir dos anos

2000, que elevou a demanda por professores para atuar nessa modalidade de educação, que é historicamente marcada pela presença predominante de profissionais com formação em áreas profissionais técnicas e com pouca ou nenhuma formação de natureza pedagógica. E, em face da demanda por docentes para atuar nessas instituições, um novo fenômeno se revelou: a promoção de processos de formação pedagógica de caráter emergencial.

Nesse sentido, interessa investigar, a partir de pesquisas consolidadas sobre essa questão, as perspectivas de formação pedagógica que têm predominado nas ações promovidas e examinadas no âmbito dos estudos realizados no período especificado.

Assim, procedemos a uma busca no Banco de Teses e Dissertações da Capes, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do IBICT, utilizando os descritores: formação docente, educação profissional e formação de professores. Mediante um quantitativo de 109 trabalhos (teses e dissertações), identificados a partir da busca, procedemos à leitura dos resumos dos trabalhos visando a identificar estudos que contemplassem, em suas discussões, a dimensão pedagógica das ações de formação docente nessa modalidade educativa. Dito procedimento levou-nos a identificar dez trabalhos com foco específico em nosso objeto de investigação, dos quais seis eram dissertações, e quatro, teses.

Quadro 1 Dissertações e teses analisadas 

Autor Título do trabalho Natureza
Ogliari (2006) Concepção de formação inicial de professores para a Educação Profissional de nível médio: um aspecto da história da educação no Estado do Paraná. Dissertação
Barbacovi(2011) O professor da Educação Profissional e a conectividade orgânica entre formação e prática docente: um estudo sobre o Ifet/Sudeste de Minas Gerais. Tese
Martins(2011) Trajetórias de constituição da docência na Educação Profissional. Dissertação
Oliveira (2011) Formação continuada de professores e o desenvolvimento de currículos integrados na Educação Profissional r Tecnológica. Dissertação
Urbanetz(2011) A constituição do docente à Educação Profissional. Tese
Costa(2012) Políticas de formação de professores para a Educação Profissional e Tecnológica: cenários contemporâneos. Tese
Lima (2012) A formação de professores nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: um estudo da concepção política. Dissertação
Santos (2013) A autoformação docente no ensino técnicoprofissional na interface com a prática pedagógica: significados e potencialidades. Dissertação
Araújo (2014) A formação docente à Educação Profissional e Tecnológica no IFNMG/Campus Januária. Dissertação
Pinto (2014) A constituição do professor pelo trabalho docente na Educação Profissional: o caso do IFMT/Campus Cuiabá - Octayde Jorge da Silva. Tese

Fonte: Elaborado pelos autores.

E foi a partir da análise realizada, que identificamos algumas perspectivas de formação pedagógica docente de professores que atuam em Educação Profissional, das quais abordamos aqui os argumentos relacionados à formação profissional docente que prioriza a articulação entre teoria e prática e a complementaridade entre disciplinas e dimensões formativas e, ainda, à formação profissional docente que se concretiza mediante a constituição profissional do professor e a prática pedagógica.

Perspectivas de formação pedagógica evidenciadas a partir dos estudos analisados

Em relação ao assunto formação profissional docente que prioriza a articulação entre teoria e prática, e a complementaridade entre disciplinas e dimensões formativas evidenciada nos estudos de Ogliari (2006), Oliveira (2011), Martins (2011), Urbanetz (2011), Costa (2012) e Pinto (2014), foram destacados aspectos relativos ao modo como os professores de Educação Profissional têm buscado articular teoria e prática na concretização da vivência cotidiana de sala de aula, bem como promover a complementaridade entre a formação docente inicial e continuada mediante o envolvimento em ações de formação contínua.

Ogliari ressalta a importância da relação entre a formação geral e a técnica no ensino, atribuindo à formação de professores a mesma necessidade.

F12:Temos a consciência de que a integração, para se efetivar no ensino médio profissional, não depende apenas dos professores das disciplinas ditas comuns, mas também dos outros professores e de outros atores que atuam na escola. (2006, p. 147).

O autor evidencia uma visão de formação profissional que se concretiza na interseção entre a dimensão formativa geral, que circunscreve conhecimentos pedagógicos e culturais da educação, e a dimensão técnica, que abarca os conhecimentos relativos a um campo de atuação profissional específico, estendendo essa compreensão para todos os campos de formação para o trabalho. Assim, sugere uma maior interação e integração entre os professores com formação em licenciatura e os professores bacharéis, assim como os demais membros da comunidade escolar, como forma de promover práticas de sala de aula adequadas ao desenvolvimento dos alunos.

Costa reforça a importância da complementaridade entre a formação técnica e a formação pedagógica, entendendo-as como componentes teóricos e práticos, considerando que tal complementaridade converge para uma educação politécnica.

F2: Esse entendimento tem como pressupostos os princípios de uma formação integrada, em que não haja uma formação propedêutica e uma formação técnica, mas, sim, uma formação politécnica (2012, p. 195).

F3: Indicamos a relevância de referenciar a especificidade da formação de professores para a EPT no bojo do entendimento do lugar em que se concebe o lócus da universidade como privilegiado para formar o docente, que desenvolverá sua profissionalidade seja na educação básica (aqui incluída a EPT) ou no ensino superior. (COSTA, 2012, p. 202).

Evidencia, portanto, a relevância de se promover a formação pedagógica dos professores de Educação Profissional na universidade, considerando as especificidades dessa modalidade de educação, sob a premissa de que todo professor deve conhecer o conteúdo da disciplina sob sua responsabilidade, bem como questionar, recriar, relacionar os diversos conhecimentos e efetivar um processo de iniciação científica com os alunos, incitando-os a buscar novos conhecimentos para antigos aprendizados. Considera, assim, que muitos dos problemas do ensino, decorrentes da formação inadequada dos professores, acabam por dificultar a aprendizagem dos alunos. E esse aspecto pode ser superado mediante o desenvolvimento da dimensão pedagógica da formação do professor.

Enfatizando a complementaridade entre a formação inicial e a formação continuada, o trabalho de Urbanetz (2011) evidencia um processo de valorização do trabalho do professor de Educação Profissional que se concretiza, sobretudo, mediante a aquisição de conhecimentos técnicos da área de atuação e específicos da prática de sala de aula, permeados por elementos de natureza pedagógica.

F4: A pesquisa evidenciou que os professores entrevistados se constituem como docentes a partir da sua experiência de trabalho na engenharia. Ou seja, constituem-se a partir do conhecimento tácito, articulado ao conhecimento científico adquirido na graduação. Assim, a sua competência, reconhecida pelos alunos, resulta da capacidade de, pela experiência, articular teoria e prática no âmbito dos processos de trabalho a serem ensinados. Em resumo, ensinam a partir de sua experiência enquanto profissional da área específica. (URBANETZ, 2011, p. 126-127).

O estudo sinaliza que o comprometimento com questões do ensino e da educação surgem, naturalmente, da competência pedagógica do professor, enfatizando a necessidade de haver uma articulação desses conhecimentos com as diretrizes do mercado de trabalho e com a prática profissional em uma área específica (como engenheiro, por exemplo). Além de reconhecer a importância da formação em nível de licenciatura para o exercício da docência em Educação Profissional, sugere que os professores bacharéis da referida modalidade de educação sejam submetidos a essa formação de caráter pedagógico.

Oliveira (2011) defende a importância da participação do professor nos processos de planejamento do ensino, na construção dos planos de trabalho das disciplinas da Educação Profissional, bem como nos processos de decisão. Segundo o estudo, a participação do professor viabiliza o desenvolvimento de práticas reflexivas e influencia no processo de constituição docente na medida em que promove a articulação entre teoria e prática e o diálogo entre as diversas disciplinas curriculares.

F5: Torna-se necessário desfazer o pressuposto de que a formação pedagógica, no sentido de colocá-la em prática, não é papel do professor para levar a um saber fazer reflexivo, que seja entendido como autoformação. Assim como o currículo necessita ser viabilizado integrando teoria e prática, da mesma maneira a construção das formações de professores carece trabalhar com a indissociabilidade teoria-prática. (OLIVEIRA, 2011, p. 96).

Martins ressalta a importância de o professor de Educação Profissional identificar-se com sua formação inicial, pois esse conhecimento constitui- se em alicerce da docência, caracterizando sua prática e voltado ao contexto do mercado de trabalho.

F6: [...] A forte identificação com o conhecimento próprio da área de Nutrição, parece influenciar a relação com a docência, já que o ofício do professor envolve o saber do conteúdo relativo às suas áreas de formação. Em nosso olhar, essa condição é potencializada com a área de atuação, ou seja, o trabalho na educação profissional, que reflete um ensino aplicado ao contexto do mercado de trabalho. Assim, entendemos que a experiência profissional na área da Nutrição aponta um caminho de sustentação e segurança dessas professoras para atuar na educação e, especialmente, no ensino profissional. (2011, p. 120).

Ao focar as relações que se consolidam entre as experiências profissionais vivenciadas por profissionais da área da Nutrição e sua atuação docente, o estudo mostra que os saberes específicos da área de atuação influenciam na prática docente, na medida em que dão suporte e segurança aos docentes para concretizar o ensino em sala de aula. Além disso, aponta à tomada de consciência dos docentes quanto ao reconhecimento da necessidade de domínio dos saberes pedagógicos basilares à prática docente, ponderando, inclusive, os impactos que a ausência desses pode ocasionar à aprendizagem dos alunos e à qualidade do trabalho docente.

F7: Reconhecemos que a formação dessas docentes não prescinde de referências teóricas ligadas ao trabalho do professor propriamente, já que em suas trajetórias poucas foram as oportunidades de participação em espaços de formação. Mas, não somente nós reconhecemos, mas também as professoras consideram a necessidade e importância de uma qualificação na área educacional, além de indicarem enfaticamente a preocupação e o comprometimento com a aprendizagem dos alunos. (MARTINS, 2011, p. 120).

Em síntese, o estudo de Martins (2011) conclui que o processo de constituição docente do professor de Educação Profissional se concretiza no âmbito da experiência cotidiana, na relação com os pares e a partir do aprimoramento das práticas pedagógicas. Nesse sentido, considera que segurança na atuação docente relaciona-se ao conhecimento do professor em sua área de atuação, favorecendo uma prática pedagógica que vai além dos limites teóricos do ensino e que encontre sustentação na formação para o trabalho.

A categoria temática aqui discutida aponta à necessidade de uma formação docente que prioriza a articulação entre teoria e prática (CONTRERAS, 2012), considerando e valorizando a experiência profissional e os saberes técnicos de formação específica dos professores de Educação Profissional. Nessa perspectiva, os conhecimentos teóricos propositivos articulam-se aos conhecimentos da prática em um processo de ressignificação de ambos. E, nesse processo, a teoria oferece ao professor perspectivas de análise para compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais aos quais está inserido, ao mesmo tempo que lhe é oportunizado compreender-se como profissional e compreender como se dá a atividade docente em um contexto específico, para nele intervir, transformando-o. (PIMENTA; GHEDIN, 2005).

A perspectiva evidenciada, nesses trabalhos, está centrada na importância de oportunizar aos professores de Educação Profissional uma formação docente que valorize a relação entre teoria e prática, favorecendo uma prática reflexiva por parte dos professores. Essa perspectiva encontra aporte em Contreras (2012), na medida em que pressupõe uma concepção de professor como um profissional reflexivo e autônomo, cuja formação lhe permita intervir de forma crítica e consciente nos contextos da prática e nas situações em que as decisões emergem de processos complexos, ambíguos e conflituosos. Ao assumir esse papel, o professor converge a um nível de autonomia docente que deve ser entendida como a independência intelectual e se justifica pela emancipação pessoal da autoridade e pelo controle repressivo, da superação das dependências ideológicas ao questionar criticamente nossa concepção de ensino e de sociedade. Daí decorre o permanente exercício da crítica das condições materiais nas quais o ensino ocorre.

Podemos enfatizar, então, a necessidade e a urgência de superação do modelo de racionalidade instrumental pelo processo de emancipação e autonomia na formação do professor, bem como compreender que a formação pessoal e a profissional se caracterizam como um devir permanente, envolvendo as experiências de formação - inicial e continuada - e as experiências no exercício da profissão, pois a profissão docente pressupõe características e conhecimentos que tornem o professor um profissional capaz de intervir de maneira ampla e coerente nas distintas situações do cotidiano escolar e que possa deixar marcas positivas na formação dos alunos. (CASTANHO, 2001).

Assim, a constituição da profissionalidade docente, no âmbito da Educação Profissional, está centrada no desenvolvimento de saberes docentes que abarcam o professor como pessoa, a identidade profissional que consolidam nessa modalidade de educação, suas experiências de vida e histórias profissionais envolvendo relações com os alunos e demais atores escolares. (TARDIF, 2013). E esse processo, pelas especificidades dessa modalidade de educação, atribuindo relevância à dimensão prática, considerando-a basilar às práticas de sala de aula e atribui à dimensão pedagógica o papel de qualificar a prática, promovendo, desse modo, a articulação entre teoria e prática.

Portanto, nessa perspectiva de formação pedagógica, a prática docente em Educação Profissional consiste em um processo que pressupõe mais do que um conjunto de procedimentos técnicos e sistemáticos de transmissão de conhecimentos estanques. Consiste em um processo consciente e qualificado, que envolve dimensões epistemológicas, éticas e políticas e, ao mesmo tempo, implica um compromisso com a sociedade mediante a finalidade de contribuir à formação consciente e crítica do cidadão e do profissional que atua e interage no contexto social.

Relativamente à perspectiva formação profissional docente que se concretiza mediante a constituição profissional do professor e a prática pedagógica, manifestada nos trabalhos de Barbacovi (2011), Santos (2013), Martins (2011) e Urbanetz (2011), foram destacados aspectos relacionados à ênfase na dimensão prática da formação do professor de Educação Profissional e a importância da formação continuada à melhoria das práticas de sala de aula.

Barbacovi (2011) afirma, em seu estudo, que a prática docente é fator preponderante e determinante na constituição docente do professor de Educação Profissional. Reforça a relação entre a constituição profissional do professor e a atividade pedagógica por ele desenvolvida, atividade essa por meio da qual concretiza-se o processo de formação contínua do professor.

F8: Os dados apontaram que o que mais interfere na constituição docente é a prática docente - como, aliás, afirmaram também a maioria dos respondentes [...]. Não se trata de qualquer prática. A prática docente dotada dos seus sentidos intrínsecos - relações simbióticas entre teoria e prática - é que dá sustentação e firmeza ao próprio processo de formação docente que é contínuo e se faz para além dos cursos formais institucionalmente apresentados. (BARBACOVI, 2011, p. 226).

Os elementos destacados corroboram a ideia de formação contínua como um processo de desenvolvimento de conhecimentos da prática pedagógica em sala de aula, especialmente voltados à Educação Profissional, que se concretiza mediante os significados atribuídos pelos professores aos saberes relativos à tais práticas no contexto das suas atividades sociais e profissionais. E essa formação precisa levar o professor a apropriar-se de conhecimentos que viabilizem práticas reflexivas e adequadas à preparação para o trabalho dos alunos. Reforça que a constituição docente do professor de Educação Profissional está imbuída muito mais pela ação na prática que executa do que, necessariamente, pela aquisição de saberes pedagógicos mediante cursos formais aos quais foi submetido. E tal processo oferece sustentação e firmeza ao próprio processo de se tornar professor a partir da formação docente na dimensão continuada, transcendendo os percursos formativos institucionalmente ofertados.

Santos (2013) aponta à importância da formação continuada, concretizada em serviço, a partir da experiência da prática docente e das interações dos professores com seus pares na Educação Profissional. Argumenta que a formação não acontece apenas em processos formais como cursos de licenciatura, pós-graduação ou de formação continuada, mas também em eventos, congressos, seminários ou outro evento que possa promover o debate acerca do desenvolvimento do trabalho docente.

F9: A pesquisa aponta para um novo perfil de professor da Educação Profissional, que se requer reflexivo, que se reconhece com saberes [...] compreendendo que é parte de um contexto sócio- histórico e nele constrói sua singularidade. (SANTOS, 2013, p. 142).

Nesse sentido, defende um perfil profissional do professor de Educação Profissional que se constitui em um contexto sócio-histórico, considerando suas singularidades e especificidades, reflexivo e alicerçado em saberes. Evidencia que a tomada de consciência por parte do professor é fundamental para que o processo de desenvolvimento profissional aconteça e que a busca pela formação não deve restringir-se apenas às ações ofertadas pela instituição de ensino, na qual o professor trabalha. Sugere, assim, uma visão de formação docente pautada por processos reflexivos e de compreensão do papel assumido pelo professor na Educação em pauta, considerando o contexto social no qual está inserido e as finalidades dessa modalidade educativa. Essa formação pode promover o desenvolvimento profissional do professor contemplando suas singularidades.

Martins (2011) evidencia os processos que interferem na constituição profissional do professor em Educação Profissional, destacando que para os depoentes, o professor tem uma habilidade individual própria para exercer a docência, e que a constituição docente se fundamenta, sobretudo, nas práticas de outros professores.

F10: [...] as professoras, ao afirmarem o reconhecimento de que carregam uma habilidade própria e individual para exercer a docência, de que suas referências teórico-metodológicas estão fundamentadas nas práticas de ex-professores e colegas professores, de que ainda suas experiências no campo da Nutrição lhe conferem argumentos e sustentação para suas dinâmicas de sala, e de que seus desempenhos, abordagens e intervenções educativas são aprimoradas ao longo de suas carreiras aprendendo a ensinar, ensinando, revelam processos de constituição como docentes. (MARTINS, 2011, p. 120-121).

O estudo revela, portanto, uma concepção de que a prática pedagógica em sala de aula tem na dimensão do conhecimento prático, específico do campo de atuação, seu principal componente. E, nesse viés, predomina a perspectiva de que a docência na Educação Profissional se sustenta na prática cotidiana do professor, sofrendo algumas interferências em face da relação com colegas da área de atuação, as quais favorecem o aprimoramento das práticas pedagógicas. E, portanto, a dimensão pedagógica da formação docente não é importante e sequer necessária.

Santos (2013) evidencia as interferências exercidas pelas condições de trabalho do professor e pelo contexto social, no qual está inserido, na sua constituição docente. Constata, assim, que novo perfil profissional docente está emergindo no âmbito da Educação Profissional, o qual revela-se reflexivo e necessita dispor de conhecimentos profissionais distintos para atuar nessa modalidade de educação.

F11: A pesquisa aponta para um novo perfil de professor da Educação Profissional, que se requer reflexivo, que se reconhece com saberes, [...] compreendendo que é parte de um contexto sócio-histórico e nele constrói sua singularidade. (SANTOS, 2013, p. 142).

Nessa perspectiva de formação pedagógica, a profissionalidade docente constitui-se, especialmente, no contexto da prática cotidiana de sala de aula do professor, compondo-se daquilo que é inerente à ação docente, incluindo um conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor (SACRISTÁN, 1995) nessa modalidade de educação, caracterizada por suas particularidades e ambiguidades históricas, sociais e culturais.

Assim, tal profissionalidade é marcada por elementos de natureza diversa que definem a prática docente, levando-se em conta as exigências do trabalho educativo e os valores e pretensões impregnados nesse trabalho e por ele desenvolvido (CONTRERAS, 2012), elementos esses que são próprios dessa modalidade de educação. Além disso, a perspectiva de formação pedagógica docente aqui discutida sugeriu, em alguma medida, a emergência de um perfil profissional docente reflexivo e autônomo, perfil que se constitui em um contexto sócio-histórico, considerando suas singularidades e especificidades, e alicerçado em saberes (CONTRERAS, 2012), cujas especificidades da Educação Profissional atribuem-lhe um papel determinante na formação de um profissional também crítico e autônomo.

Por esse entendimento, a formação docente nessa educação é constituída de e imbuída pela ação prática concretizada pelo professor e menos pelos cursos a que se teve acesso - embora é possível afirmar que os cursos frequentados ajudaram a consolidar essa prática, pois a ação não se faz isoladamente. Essa concepção de formação docente coloca em relevo importantes concepções e tendências que tem pautado os processos de formação docente no Brasil, contemplandos de maneira geral, as especificidades de diferentes níveis e modalidade de ensino, entre elas a Educação Profissional.

Portanto, o professor de Educação Profissional constitui-se professor a partir dos significados sociais da profissão, da reafirmação de práticas e se desenvolve e se adapta ao contexto sócio-político-histórico em que o professor está inserido (PIMENTA, 1999), mas também pela reafirmação das práticas histórica e culturalmente instituídas nessa modalidade educativa que permanecem significativas.

Compreendemos, assim, que as dimensões que constituem o exercício docente estão fortemente articuladas à história de vida dos professores. Tais dimensões indicam os significados atribuídos pelos professores aos acontecimentos, às experiências e às aprendizagens que perpassam pelos caminhos até a tomada de decisão pela docência. Indicam, também, a constituição da profissionalidade docente mediante um confronto entre as teorias e as práticas, a análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes e a construção de novas teorias. Merece destaque, aqui, a perspectiva de formação voltada à promoção de práticas reflexivas e de uma prática profissional que promova, efetivamente, a relação entre teoria e prática também no trabalho cotidiano de sala de aula.

Considerações finais

A análise sobre as 10 dissertações e teses citadas revelou uma fragilidade quanto à formação docente dos professores de Educação Profissional, na medida em que as pesquisas revelaram que a maioria dos docentes entrevistados não possui formação inicial com bases pedagógicas, e que os programas de formação continuada também são escassos. Dessa forma, os professores e demais envolvidos no processo educativo buscam alternativas próprias na tentativa de diminuir a distância pedagógica presente no ensino de Educação Profissional que é constituída, sobretudo, por profissionais oriundos, em sua maioria, de cursos relacionados à área de tecnologia como as engenharias.

Relativamente às ações formativas promovidas no contexto das instituições de Educação Profissional, os resultados dos estudos mostram que tais ações não estão em sintonia com as necessidades do público atendido e com as finalidades dessa modalidade de educação. Uma das características observadas na atuação desses professores é a reprodução de uma prática fragmentada e pragmática, imbuída de um discurso de manutenção do sistema capitalista em prol de uma economia neoliberal.

Os professores de Educação Profissional, em sua maioria formados como bacharéis, desenvolvem o trabalho docente pautados pela racionalidade técnica e, de acordo com os trabalhos analisados, entendem como natural o fato de apenas lecionarem e não produzirem o conhecimento e as estratégias que permeiam o ensino da sua disciplina. Esse aspecto decorre da tradição predominante em Educação Profissional, em que o professor é influenciado e conformado pela ideologia do mundo do trabalho contemporâneo, tendendo a desenvolver sua atividade docente com base, sobretudo, em saberes técnicos e específicos de sua atividade profissional adquiridos na formação inicial universitária.

Em síntese, a análise que realizamos evidenciou que, no âmbito da Educação Profissional, os processos de desenvolvimento da profissionalidade e de constituição docente são influenciados pelos percursos formativos dos professores que atuam nessa modalidade educativa e, também, pelas concepções, crenças, práticas e valores instituídos pelas instituições e cursos em que atuam. Assim, de maneira geral, os professores que têm alguma formação de natureza pedagógica, seja em nível de graduação universitária, seja mediante a frequência em cursos de complementação formativa ou ações de formação continuada ofertadas pelas instituições em que atuam, atribuem relevância a essa dimensão da formação docente, concebendo-a essencial à concretização da relação teoria-prática. Em contrapartida, aqueles professores com formação técnica, em nível de bacharelado ou com algum outro curso profissionalizante e sem formação de natureza pedagógica, consideram que o conhecimento específico da profissão que exercem é suficiente para o exercício da docência na Educação Profissional. Acrescentam, ainda, que o aprimoramento da prática pedagógica de sala de aula se dá na medida em que o professor consegue relacionar esse conhecimento com o mundo do trabalho e, portanto, a constituição docente se concretiza no contexto da prática cotidiana.

Portanto, nosso estudo aponta à necessidade de valorização e promoção dos processos reflexivos sobre a prática docente, pelos próprios docentes, relacionando teoria à prática no trabalho docente, como forma de promover, também, práticas reflexivas e emancipadoras com os alunos em sala de aula. O professor de Educação Profissional precisa assumir a responsabilidade de seu papel no contexto educacional e levantar questões sobre o que e como ensinar, conhecendo os propósitos e as condições escolares, envolvendo a sociedade na educação de uma classe de intelectuais que rompam com os paradigmas que balizam a melhoria da educação.

Mediante esses resultados, vislumbramos a urgência de pensar numa política de formação inicial e continuada quanto à formação docente do professor de Educação Profissional. Também antevemos a urgência de se desenvolver, no interior das instituições, momentos efetivos de trabalho coletivo entre os professores, pois, desse trabalho articulado entre eles e seus saberes, é que poderá surgir, de fato e de modo contínuo, uma prática reflexiva, sendo essa a condição de superação dos desafios também contínuos da profissão.

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1Redação alterada pela Lei 11.741/2008. 2 Resolução CNE/CEB 04/1999 3 Resolução 6/2012, de 20 de setembro de 2012.

2Adotamos a notação F1, F2... para identificar os fragmentos extraídos dos trabalhos analisados, os quais explicitam as perspectivas discutidas nesta seção.

APÊNDICE

SÍNTESE DAS DISSERTAÇÕES E TESES ANALISADAS

Ogliari (2006) investigou a trajetória de formação inicial em licenciatura dos professores do Estado do Paraná que atuam no Ensino Profissionalizante, examinando a Lei 5.692/1971 e a Lei 9.394/1996, considerando os contextos sociais e políticos de cada época. Para tanto, analisou os princípios norteadores da formação docente do professor de Educação Profissional, presentes na legislação citada, bem como discutiu a relação entre a formação do professor e a formação profissional do aluno dessa modalidade educativa. A partir do depoimento de professores que atuavam na Educação Profissional em três instituições do referido Estado, os quais possuíam formação inicial em licenciatura, o autor identificou e problematizou as dificuldades encontradas no que se refere à formação docente, bem como as concepções de formação de professores presentes na Educação Profissional. Como resultados, destaca que os professores de Educação Profissional do Estado do Paraná, particularmente nas instituições investigadas, desconhecem a legislação vigente sobre a formação docente e essa modalidade embora considerem como relevante o conhecimento das leis que regulamentam a profissão docente. E este aspecto evidencia, portanto, falta de clareza sobre as finalidades e propósitos da Educação Profissional, bem como sobre seus princípios reguladores. Aponta, ainda, à existência de uma fragilidade na formação inicial dos professores ao privilegiar a preparação para o trabalho docente apenas à Educação Básica geral e sugere a inserção, nos cursos de licenciatura, de percursos formativos relacionados à Educação Profissional, visto que uma parcela dos professores também atua nessa modalidade.

Barbacovi (2011) investigou a formação de professores da Educação Profissional no Brasil, com foco nos docentes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET) Sudeste de Minas Gerais. A partir de um trabalho composto por análise documental, questionário e entrevistas realizadas com professores daquela instituição, o autor identificou o perfil acadêmico e profissional dos docentes participantes da pesquisa. Mediante o perfil profissional encontrado, o estudo revelou que as marcas do processo de constituição da formação docente são predominantes na prática profissional cotidiana dos professores em sala de aula e, ainda, que os profissionais da referida instituição não atribuem importância significativa à formação pedagógica inicial ou continuada. Como resultado, refere que o elemento que realmente interfere na constituição profissional do professor é a prática docente. Evidenciou, em contrapartida, que a formação docente não tem relação com a prática cotidiana do ofício de professor, sugerindo, então, que não se trata de qualquer prática docente, mas de uma prática dotada de sentidos intrínsecos, a qual sustenta o próprio processo de formação contínua do professor e que se desenvolve para além dos percursos formativos oferecidos pela instituição.

Oliveira (2011) investigou a prática docente no Instituto Federal de Santa Catarina - Campus Florianópolis (Continente) com o objetivo de identificar quais são os sentidos que aqueles docentes atribuem à formação continuada de professores na prática pedagógica, na Educação Profissional. Buscou, também, identificar as relações da prática reflexiva desenvolvida pelos professores e a constituição docente através de entrevistas e, a partir dos resultados obtidos, subsidiar formações docentes que possam atender às demandas profissionais levantadas em face do estudo realizado. Os resultados do trabalho mostram a necessidade de romper com a crença presente em tais instituições, ou seja, de que a formação de professores da Educação Profissional sejam caracterizadas por cursos pontuais e de cunho imediatista. Assumindo uma compreensão contrária, a autora sugere a implementação de processos formativos consistentes e contínuos, que garantam a emancipação profissional e conduzam o professor à autonomia docente. Conclui, assim, que a autoformação docente deve ser pautada pela indissociabilidade entre teoria e prática.

Martins (2011) analisou a formação dos professores do Instituto Federal de Ensino, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC), Campus Florianópolis (Continente), focando os elementos relativos à constituição docente na Educação Profissional. Fundamentada numa pesquisa qualitativa, com base no estudo de caso de docentes da área da Nutrição daquela instituição, analisou a compreensão dos professores acerca dos elementos que subsidiam o processo de construção das práticas docentes e a constituição dos saberes docentes. Como resultados, assinala, a partir dos depoimentos, que a constituição do professor se concretiza através do tempo e de suas experiências no exercício da docência. Em relação à formação docente, segundos os professores entrevistados, sua profissionalidade ancora-se nos modos de ser professor com os quais tiveram contato na formação inicial, particularmente, como nutricionistas antes de atuarem na docência. Aponta, por fim, à necessidade de desenvolver nos professores, por meio de percursos formativos na própria instituição de ensino, a dimensão didático-pedagógica da formação docente, visto que os entrevistados relataram dificuldades em entender o processo educativo e agir sobre ele, sobretudo nos primeiros anos de exercício da profissão docente.

Urbanetz (2011) investigou como se dá a formação do professor de Educação Profissional e a relação dessa formação com o compromisso com a classe trabalhadora, delimitando o estudo aos docentes do curso de Engenharia Elétrica de uma instituição de ensino profissional, em detrimento da intrínseca relação entre a referida área de conhecimento e o capitalismo industrial. A autora apoia seus argumentos na premissa de que a formação do professor se dá em duas dimensões: a constituição do professor pelo trabalho específico e pelo trabalho pedagógico, defendendo a ideia de que o docente precisa, sobretudo, conhecer o trabalho que vai ser ensinado aos alunos, apontando à necessidade de vinculação da ação docente ao mundo do trabalho. Como conclusão evidencia que os professores entrevistados se constituem como docentes a partir de sua experiência de trabalho na Engenharia: sua formação inicial, constituindo-se profissionalmente a partir do conhecimento tácito, articulado ao conhecimento científico adquirido na graduação. Assim, sua competência, reconhecida pelos alunos, resulta da capacidade de, pela experiência, articular teoria e prática no âmbito dos processos de trabalho a serem ensinados. Destaca, ainda, que os docentes entrevistados, embora não possuam formação pedagógica sistematizada, se reconhecem como professores, pois suas práticas pautam-se pelos conhecimentos específicos e técnicos sobre sua área de atuação, os quais foram desenvolvidos na prática.

Lima (2012) examinou a formação continuada de professores em Institutos Federais de Ciência e Tecnologia, focando ações e diretrizes de formação docente presentes nessas instituições. Para tanto, investigou os pressupostos políticos e legais à formação de professores desses institutos, baseando-se em análise documental e realização de entrevistas com reitores das instituições de ensino pesquisadas. Os resultados indicam um cenário permeado de contradições no que se refere à formação de professores nessas instituições, e que o processo de formação precisa ser reformulado, favorecendo a constituição de um profissional docente que intencione romper com a ordem do sistema capitalista vigente. Refere, também, que uma das contradições diz respeito à formação gratuita e pública oferecida por essas instituições, porém, pragmática sob o ponto de vista da manutenção do atendimento das necessidades de um Estado neoliberal. A autora conclui, dessa forma, que a concepção de formação de professores na Educação Profissional valoriza, excessivamente, os saberes técnicos em relação às necessidades humanas da sociedade contemporânea.

Costa (2012) analisou a carência de políticas públicas para a formação de professores da Educação Profissional. Mediante análises documentais e bibliográficas, destacou a existência de programas formativos que facilitaram a inserção de profissionais sem formação inicial em licenciaturas (não professores) na Educação Profissional, mas que acabaram não se transformando em políticas de governo. Destacou a intrínseca relação entre formação docente e “aligeiramento” de tal formação em face da necessidade de docentes diante da expansão da Educação Profissional nos últimos anos. Na falta de uma concepção de formação docente para essa modalidade, a autora identificou que cada uma das instituições de ensino pesquisadas, sendo uma por região geográfica no Brasil, criou alternativas próprias para suprimir as carências de formação pedagógica dos docentes de Educação Profissional. Com isso, concluiu que as diferentes propostas de formação docente são caracterizadas por controvérsias, incertezas, desafios, conflitos e obscuridade em relação à formação de professores dessa educação, de modo que os processos formativos e educativos dessas instituições se configuram em um movimento pendular, definido pelo efeito dos cursos, ora marcados pela oferta de programas, ora pela oferta de licenciaturas.

Santos (2013) analisou a autoformação docente como processo de formação do professor pautado pelo investimento do próprio sujeito a partir da tomada de consciência de suas necessidades e desafios como docente. Para tanto, investigou como ocorre o processo de autoformação de professores no contexto da Educação Profissional, baseando suas análises nos percursos formativos relatados por profissionais do Instituto Federal de Ensino, Ciência e Tecnologia do Piauí - Campus de Picos. Ancorado em uma abordagem qualitativa de pesquisa, estruturado em uma investigação bibliográfica e nas entrevistas com docentes da instituição, o estudo evidenciou a valorização do processo de autoformação docente como base enriquecedora do desenvolvimento pessoal-profissional do professor, valorizando a disposição para mudanças na ação reflexiva concernente à avaliação e à reinvenção de suas práticas formativas. Revelou, ainda, que os professores entrevistados valorizam conhecimentos específicos e pragmáticos devido à experiência laboral que tiveram em indústrias e empresas antes de ingressar na carreira docente. Embora não tenham formação inicial direcionada à docência, tais professores têm a consciência da incompletude de sua formação pedagógica e das fragilidades do trabalho docente que realizam, bem como da necessidade de ressignificar suas práticas educativas. Por fim, escreveu que os motivos que levam os professores a buscar alternativas diferenciadas, na melhoria do ensino, ancoram-se, sobretudo, na necessidade de relacionar teoria e prática com vistas a promover uma formação condizente com o mundo do trabalho. Sobre a autoformação, destaca que os docentes, de forma geral, reconhecem a importância da formação para a docência na Educação Profissional. Conclui que tal posição ratifica a ideia de que há a consciência de que a ausência dessa formação pode impactar a ação de ensinar.

Araújo (2014) analisou a formação docente do professor de Educação Profissional do Instituto Federal de Ensino, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG), Campus Januária. Com o objetivo de analisar como se dá a formação de professores para a Educação Profissional, o estudo se baseou numa perspectiva qualitativo-documental e bibliográfica, além da aplicação de questionário semiaberto aos professores da referida instituição, divididos em dois grupos: aqueles com formação acadêmica inicial (bacharel/engenharia ou tecnólogos) e aqueles com formação inicial em licenciatura plena. Como resultados, apontou a complexa e controversa relação entre formação de professores da Educação Profissional e manutenção da pedagogia do capital e suas intencionalidades na formação de alunos, sobretudo de professores que não cursaram licenciatura. Complementa que a retórica oficial em questão tenta encobrir a formação do cidadão e do compromisso ético com a formação dos sujeitos em prol da manutenção e reprodução da ordem vigente. Destaca, também, que a formação do professor de Educação Profissional está fundamentada em concepções de uma agenda neoliberal, liderada por órgãos internacionais como o Banco Mundial, que preconiza uma pedagogia pragmática em que a qualificação e o desenvolvimento de competências nos alunos definem a prática docente. Concluiu, assim, que a profissão docente se mostra fragilizada e converge, sobretudo, ao enraizamento da cultura de que a formação pedagógica não se faz necessária para a docência, de modo que todos podem exercer tal função na modalidade de Ensino Profissional. Apontou, da mesma forma, a fragilidade nos processos de formação docente, destacando o aligeiramento de tais processos, relacionando-os à lógica do capital e à racionalidade técnica presente na Educação Profissional.

Pinto (2014) focou seu estudo no trabalho docente do professor de Educação Profissional do Instituto Federal de Ensino, Ciência e Tecnologia do Mato Grosso (IFMT) - Coronel Octayde Jorge da Silva, em Cuiabá, com o objetivo de analisar o trabalho docente em busca da compreensão de como se dá a constituição docente a partir do fazer pedagógico. Seguindo uma abordagem qualitativa, de cunho materialista-dialético, a pesquisa baseou-se em documentos institucionais e na análise de conteúdos mediante a realização de entrevistas com professores e diário de campo. Como resultados, apontou à importância do trabalho docente como princípio educativo necessário ao rompimento do modo de pensar dominante em prol de uma docência que almeja, sobretudo, a superação do caráter funcionalista da Educação Profissional. Concluiu, a partir da fala dos professores entrevistados, que a constituição docente, naquela instituição, se dá através do trabalho docente em detrimento da falta de continuidade de programas de formação. Destaca, também, que um dos reflexos da falta de formação docente com bases pedagógicas é a exclusão dos alunos que apresentam dificuldades para desenvolver a Educação Profissional. Por fim, demonstrou que há dois tipos de modelo pedagógico presentes no trabalho docente, na Educação Profissional: o humanista e o taylorista/fordista, sendo este último o predominante.

Recebido: 27 de Novembro de 2017; Aceito: 06 de Outubro de 2018

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