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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.24  Caxias do Sul  2019  Epub 31-Jul-2020

https://doi.org/10.18226/21784612.v24.e019027 

ARTIGOS

A ética do gênio: aproximações entre Otto Weininger e Ludwig Wittgenstein

The ethics of the genius: approximation between Otto Weininger and Ludwig Wittgenstein

*Doutor em Filosofia. Professor no Unicuritiba. E-mail: edimarbrigido@hotmail.com


Resumo

Em Modern moral philosophy (1958), Elisabeth Anscombe aponta para uma atitude tipicamente wittgensteiniana que corresponde a uma crítica e, ao mesmo tempo, a uma rejeição às formas tradicionais de pensar a ética. A consequência mais radical dessa crítica rompe, de maneira original, a exigência de “tornar-se um ser humano melhor”, realizando uma atividade sobre si mesmo, com a finalidade de se constituir como sujeito ético. Tendo essa perspectiva como fundamento, esta pesquisa defende a existência de um itinerário - indicativo, não prescritivo - que conduz à constituição do sujeito ético na filosofia de Wittgenstein, do qual o gênio resulta como figura central. Para tornar plausível e sustentar essa afirmação, propõe-se uma aproximação entre o pensamento de Wittgenstein e o pensamento moral de Otto Weininger, registrado nas linhas de Sexo e caráter.

Palavras-chave: Ética; Gênio; Dever; Sujeito ético

Abstract

In Modern moral philosophy (1958), Elisabeth Anscombe points to a typically Wittgensteinian attitude that corresponds to a criticism and, at the same time, a rejection of traditional ways of thinking ethics. The most radical consequence of this criticism is an original break in the requirement to “become a better human being” by performing an activity on oneself in order to constitute itself as an ethical subject. With this perspective as its foundation, this research defends the existence of an itinerary - indicative, not prescriptive - that leads to the constitution of the ethical subject in Wittgenstein’s philosophy, from which genius is the central figure. In order to render plausible and to support this statement, we propose an approximation between Wittgenstein’s thinking and Otto Weininger’s moral thinking, recorded in the lines of Sexo e caráter.

Keywords: Ethics; Genius; Duty; Ethical subject

1 Introdução

Este estudo consiste em afirmar que há indícios, no conjunto dos escritos de Wittgenstein, de uma preocupação com o que se denomina de constituição do sujeito ético, do qual o gênio resulta como personagem central. Pretende-se defender essa proposta apresentando uma aproximação entre o pensamento de Otto Weininger, especialmente a partir da obra Sexo e caráter, e o de Wittgenstein. Há razões para se acreditar que a ética do gênio, em Wittgenstein, só poderá ser devidamente compreendida a partir da contribuição decorrente dessa aproximação (1993, p. 33),1 legítima e necessária.

O termo gênio torna-se recorrente nos escritos tardios de Wittgenstein, sobretudo a partir de registros datados do ano de 1931, ganhando maior destaque nas páginas escritas em 1942, quando o conceito é empregado em mais de 13 parágrafos, de maneira especial, nos textos que deram origem à obra Cultura e valor. (2000).

Ray Monk publicou, em 1995, O dever do gênio, na qual, apesar de ter um título importante para esta pesquisa, deixa, em aberto, a questão referente à identidade desse gênio. Talvez, como uma possível característica herdada de Wittgenstein, Monk tenha optado por deixar implícito, nas entrelinhas da sua obra, o verdadeiro estatuto do gênio, bem como seu dever. É nossa tarefa, então, nos deter naqueles momentos em que o próprio Wittgenstein, a partir de seus Diários, de Cultura e Valor (2000) e da Conferência sobre Ética (1995), oferece pistas a respeito da natureza ética do gênio. Antes de adentrar mais propriamente nessas obras, é salutar reconhecer o relevo dessa abordagem a partir da contribuição de Otto Weininger, que desempenhou uma influência inconteste sobre a vida e a atividade filosófica de Wittgenstein.

2 A influência de Otto Weininger a partir da obra Sexo e caráter

O gênio não é o ‘talento mais o carácter’, mas o carácter que se manifesta sob a forma de um talento especial.

(Ludwig Wittgenstein)

Otto Weininger (1880-1903) exerceu influência direta sobre a vida e a atitude filosófica de Wittgenstein, e, por esse motivo, não pode ser omitido, uma vez que suas considerações expressas por meio de Sexo e caráter2 (1903), servem de fundamento para sustentar tese a respeito da figura do gênio, presente na filosofia de Wittgenstein. De acordo com as considerações de Rudolf Haller (1990), o contato intelectual entre os dois pensadores se deu ainda durante os anos da juventude de Wittgenstein, quando ele teve acesso ao texto de Weininger. A filosofia wittgensteiniana, quando aproximada ao pensamento moral de Weininger, de modo especial ao pensamento expresso em Sexo e caráter, revela o itinerário que o sujeito deve percorrer para descobrir o verdadeiro sentido da vida e, assim, tornarse genial. É esse o itinerário que Wittgenstein se propôs a percorrer durante cada um dos anos de sua vida.

De acordo com Weininger, a construção do gênio consiste em uma entrega total e sem reservas aos imperativos da genialidade, a qual consiste em viver a plena vida do espírito. Trata-se de uma exigência que se constitui como uma atitude ética, e que, caso não fosse atingida, a única solução possível consistiria em suicídio. Como se sabe, Weininger, que era judeu3 e homossexual,4 considerava-se um caso sem solução, e, para ser fiel às suas próprias exigências morais, em outubro de 1903, com apenas 23 anos de idade, cometeu suicídio dentro da casa onde Ludwig van Beethoven havia morrido em 1827. (JANIK; TOULMIN, 1991, p. 72). Não há dúvidas de que essa foi a lição mais dura para o jovem Wittgenstein, lição que o ajudou a buscar uma vida verdadeiramente genial.

A atitude radical de Weininger revela, em mais alto grau, as exigências de uma vida legitimamente pautada pela ética. Essa mesma exigência fará parte dos princípios morais de Wittgenstein, que não aceitará uma atitude que fuja dessa radicalidade. A respeito do suicídio de Weininger, Monk comenta o seguinte:

O suicídio de Weininger pareceu a muitos uma conseqüência lógica da argumentação do seu livro e foi sobre tudo isso que fez dele tamanha “causa célebre” na Viena anterior à Primeira Guerra. O fato de tirar a própria vida foi visto não como uma maneira de fugir ao sofrimento, mas como uma ação ética, como a corajosa aceitação de uma conclusão trágica. (1995, p. 33).

Ao considerar que o suicídio de Weininger deve ser compreendido como uma “corajosa aceitação de uma conclusão trágica”, Monk se refere ao fato de que, para Weininger (1985, p. 117, tradução nossa), a genialidade era um atributo que poderia ser atribuído apenas ao homem, pois ele vive “de maneira mais consciente que a mulher”, que seria dominada pelos impulsos sexuais. Weininger associa as categorias de masculinidade e feminilidade à personalidade e ao comportamento moral do ser humano, no qual, ao masculino são atribuídos a qualidade racional e as capacidades criativa e intuitiva, enquanto que ao feminino é associado o ímpeto inconsciente, origem e causa de toda imoralidade e corrupção social.

A mulher, em razão de sua condição de submissão e entrega desenfreada à sexualidade, é incapaz de viver com liberdade e no pleno uso da racionalidade, portanto, incapaz de atingir a plenitude de uma vida mais elevada, que possa ser denominada de ética.5 Em suas considerações, Weininger (1985, p. 117, tradução nossa), conclui que “a genialidade aparece como uma espécie de masculinidade superior, e em consequência, a mulher nunca poderá ser genial”. Por ser homossexual, Weininger acreditava que a melhor alternativa para sua condição seria, numa demonstração ética de extrema coragem e honestidade intelectual, dar fim à sua própria existência.

Nas páginas de Sexo e caráter, não é possível encontrar uma definição conclusiva a respeito da identidade do gênio. O que se sabe é que Weininger dá alguns indicativos a esse respeito, considerando que o gênio é um homem constituído de pensamentos luminosos e comprometido com suas atividades intelectuais, sendo habilidoso tanto em questões filosóficas quanto em artístico-culturais.

O gênio é umas vezes reflexivo e científico, outras predisposto às manifestações artísticas [...] enfim, seu interesse pode concentrarse em determinado momento sobre a cultura e a história da humanidade e em outras ocasiões dirigir-se em direção à natureza. (WEININGER, 1985, p. 114, tradução nossa).

Um pouco mais à frente (1985, p. 171, grifo do autor) o autor dá uma “definição momentânea” para o conceito de gênio: “Um homem pode denominar-se genial quando vive em relação consciente com o universo”. Ainda de acordo com ele (1985, p. 110-111), há de se considerar que o gênio não se confunde com o talento nem com a inteligência, embora essas relações sejam estabelecidas com frequência pela opinião popular. Muitos homens medíocres acreditam que o gênio seja o mais alto grau, a plenitude máxima da manifestação de um talento específico, no que seria errôneo acreditar. Para Weininger o talento pode ser transmitido pelo núcleo familiar; é como uma família que tem talento musical como característica comum (a família de Bach pode ser um exemplo ilustrativo),6 ou a habilidade para as artes plásticas ou mesmo para a arquitetura.

Não seria legítimo, porém, associar esse talento herdado pelos membros da família como um indício de genialidade. De modo contrário, o gênio se constrói sozinho, na solidão e no silêncio dos seus dias, “não é geral, é sempre individual”. (WEININGER, 1985, p. 110). Ainda de acordo com o autor de Sexo e caráter, muitas mulheres acreditam que o homem inteligente é um grande gênio. Também essa relação não se sustenta, haja vista que o homem que é apenas inteligente é superficial; o gênio vai além dessa categoria. O sujeito genial é capaz de compreender a si mesmo e aos outros, e graças ao seu talento intuitivo, torna-se capaz de discernir, com maior clareza, a respeito do certo e do errado; do bem e do mal; do profano e do sublime, o que manifesta a agudeza ética desse ser e o seu caráter genial.

O homem que externa em sua vida esses atributos e essas qualidades, merece ser agraciado com o título de gênio. Tais homens, em geral, são aqueles grandes artistas, filósofos e alguns fundadores de religiões.7Entretanto, o gênio é a consciência mais elevada, aquela que se constitui não de forma unilateral, como a manifestação de um talento específico, como se observa no caso de alguns artistas e, principalmente, no caso de alguns cientistas. (1985, p. 116). Weininger nega a possibilidade de que cientistas e políticos possam desfrutar dessa condição: “O homem superior não pode ser um simples psicólogo empírico para o qual somente existem singularidades que tenta reunir mediante associações, etc., nem é um simples físico que vê o mundo composto de átomos e moléculas”. (WEININGER, 1985, p. 169-170, grifo do autor). O gênio toma tudo em sua totalidade, não fragmenta partes da realidade, mas contempla o mundo como um todo, pois possui uma percepção mais profunda e universal: “O homem universal tem em si o mundo inteiro” (1985, p. 169), e não uma parte dele. O que torna o homem genial é seu interesse e sua capacidade de versar sobre diferentes assuntos, em diferentes áreas, pois o todo lhe é familiar e lhe inspira curiosidade.

O homem que está em relação íntima com o maior número de coisas, que as capta melhor, que não deixa escapar o mínimo detalhe; que compreende mais facilmente e mais profundamente que os demais porque possui ao máximo o dom de medida e de limite. O indivíduo genial é o que tem clara consciência do maior número de coisas. Por isso sua sensibilidade é, sem dúvida, a melhor. (WEININGER, 1985, p. 117, grifo do autor).

Ao destacar por duas vezes, no fragmento anterior, que o gênio é o homem que está em relação íntima com o maior número de coisas, Weininger reforça sua oposição àquele tipo de indivíduo medíocre que investe seu talento em apenas um propósito específico. Esses homens espirituosos são tangencialmente superficiais porque não são possuídos pelo objeto ou pela realidade que estudam e porque suas proposições, aparentemente brilhantes, são formulações vazias de uma experiência de mundo corrompida e desonesta; tudo o que desejam é que suas teorias e atividades sejam tomadas como verdadeiras e reconhecidas como grandiosas pelos demais homens.8

Essa informação é relevante e justifica o motivo pelo qual Wittgenstein temia não conseguir produzir uma obra que pudesse ser considerada legítima e honesta. Ele não queria ser um homem medíocre. A posição de Weininger pode ter motivado Wittgenstein de diferentes modos, porém, a nosso ver, duas informações são relevantes para compreender o exato ponto de toque entre ambos:

Primeiro: Wittgenstein procurou, de todos os modos, manifestar essa genialidade da qual fala Weininger. Seu esforço concentrou-se em torno da tentativa incessante de melhorar a si mesmo, ainda que mergulhado em um contexto social marcado pela crise cultural e por uma profunda decadência moral, não recuou diante do desafio de ser uma pessoa sóbria e honesta, não se deixando afetar pelo meio em que se encontrava inserido, mas cultivando o zelo por uma vida mais autêntica e digna dos grandes mestres que o precederam.

Segundo: Wittgenstein se dedicou ao trabalho filosófico, intelectual e artístico, recusou reproduzir aquilo que considerava ser a expressão de uma arte ou de uma filosofia agonizante, lutou com persistência e diligência para dar o seu melhor e revelar o talento genial que havia dentro de si. Manifestou, de forma enfática, sua indiferença pelo conhecimento científico e pelo possível progresso que essa área pudesse conquistar. Não queria ser reconhecido como um cientista, mas como um filósofo-artista (filósofopoeta; filósofo-arquiteto). Com isso, esquivou-se da terrível possibilidade de restringir sua existência à manifestação de um talento apenas.

Certamente, essa dupla perspectiva não é um alvo fácil de ser atingido. Weininger decreta que a genialidade é uma condição passageira, e não uma conquista perene. Desse modo, é comum aos gênios verem seu talento diminuir, sofrendo uma alternância entre os picos plenos de criatividade e produção intelectual e os desertos inférteis onde nada pode ser produzido. Essa “periodicidade do gênio tem por consequência que os anos estéreis sejam seguidos por outros frutíferos, e as épocas ampliadamente criadoras são seguidas de outras totalmente improdutivas”. (WEININGER, 1985, p. 113, tradução nossa). Em momentos de esterilidade, o gênio julga-se, “psicologicamente - não logicamente” (WEININGER, 1985, p. 113, grifo do autor), o pior dos homens, indigno de sua existência e da estima dos demais. Nessa fase, teme perder seu dom, sua genialidade e se tornar um homem medíocre e interiormente pobre. A angústia torna-se uma indesejável companheira de viagem; afinal, a exigência moral consigo e com os outros é tamanha que a única consequência possível é uma vida marcada pela insatisfação. Esses sentimentos acompanharam Wittgenstein de forma recorrente.

Em março de 1913, escreveu para Russell confessando:

Sempre que tento pensar sobre lógica, minhas idéias ficam tão vagas que nada chega a se cristalizar. O que sinto é a maldição de todos aqueles que têm só meio-talento; é como um homem que nos leva por um corredor escuro com uma vela e justamente quando estamos no meio do corredor a vela se apaga e ficamos sozinhos. (1913, p. 53).

Em seus momentos criativos, era comum sentir-se acima de todos os demais homens, entretanto, enquanto atravessava pelo vale escuro, sentiase profundamente deprimido e incapaz de realizar algo sublime. Nesses momentos, segundo Weininger (1985, p. 114), os homens superiores pensam em dar um fim à sua própria vida.

É importante destacar que esse rigor, presente na filosofia moral de Weininger, encontra seu fundamento angular no pensamento de Kant. Sendo assim, é possível afirmar que o dever do gênio é um dever do homem para consigo mesmo; afinal, “a verdade, a pureza, a fidelidade, a felicidade, a sinceridade frente a si mesmo é a única ética possível”. (WEININGER, 1985, p. 160). A constituição do sujeito ético em Wittgenstein passa por este imperativo: o dever para consigo mesmo.

A teoria moral de Kant parte da existência de um sujeito transempírico que corresponde às dimensões da lógica e da ética (1985, p. 155); esse sujeito é o eu inteligível, a própria personalidade, o que Wittgenstein chama de eu filosófico, no Tractatus. Esse homem está submetido a um imperativo interno, do qual “a ética exige que o Eu inteligível obre livre de todo o lastro do empirismo, e assim pode ser realizado pela ética, em toda a sua pureza [...]. Somente existem deveres para consigo mesmo. Isso é a natureza da ética”. (1985, p. 161, grifo do autor). O que está em cena são a crítica de Weininger e também a de Kant àqueles homens medianos que vivem submissos a uma construção social da moral. Para esse tipo de homem, incapaz de se autogovernar, são necessárias leis divinas, preceitos e normas criadas por homens ou por deuses, para administrar e orientar a conduta humana.

Pode-se afirmar que para a maior parte dos homens, Jeová é necessário de um modo ou de outro. A minoria (os homens geniais) não possuem uma vida heterônoma. Os demais justificam sempre suas ações e omissões, seus pensamentos e seu ser, ao menos na teoria, a outra pessoa, trata-se de um deus pessoal como o dos judeus, ou de um indivíduo amado, respeitado ou temido. Só assim atuam em conformidade externa e formal com a lei moral. (WEININGER, 1985, p. 162, grifo do autor).

O homem inteligível é autônomo e não necessita das regras impostas socialmente para cumprir seu dever. Para ele basta o imperativo categórico que é capaz de produzir a autêntica lei moral. É por esse motivo que a ética se configura como um dever para consigo mesmo, pois o homem é unicamente responsável por si mesmo, e não há dignidade e dever maiores que isso. O imperativo interno é mais radical, mais perfeito e mais exigente do que toda e qualquer moral construída socialmente.

Evidentemente, todo o exposto até aqui representa uma pequena parte das considerações deixadas por Weininger em sua complexa - e também polêmica - obra. As informações contidas acima foram selecionadas porque demonstram ser um fundamento importante parase compreender a proposta de Wittgenstein. Por esse motivo, doravante, passa-se a aproximar ambos os pensadores. O intuito reside no propósito de lançar luzes sobre o pensamento de Wittgenstein a partir do pensamento de Weininger.

3 Weininger presente na filosofia de Wittgenstein

No ano de 1931, Wittgenstein utilizou, pela primeira vez o termo gênio em suas anotações. Nesta citação pode-se ler o seguinte: “Entre os Judeus o ‘gênio’ só se encontra no homem santo. O mais grandioso dos pensadores Judeus não passa de um talento”. (VB, 2000, p. 36). Em virtude da carência de fundamentos, e, na ausência de qualquer referência mais objetiva, tal passagem poderia passar despercebida para um leitor que estivesse interessado em questões mais específicas. Porém, se tomarmos esse apontamento à luz das anotações que se seguem a partir de 1937, tal assentamento torna-se revelador e nos permite concluir o caráter que o gênio assume nos escritos de Wittgenstein. Ao afirmar que entre os judeus o gênio só se encontra no homem santo, sinônimo de homem bom, Wittgenstein revela a dimensão ética imbricada na figura do gênio. Temse, aí, o fundamento que serve de sustento para esta pesquisa, e o ponto de partida para uma genuína investigação filosófica.

Ao empregar a expressão homem santo, que poderia ser traduzido apenas pelo substantivo santidade, ou mesmo bondade, o filósofo de Viena está fazendo alusão à perspectiva ética, uma vez que santidade é um termo que remete a Deus, e Deus é a fonte de todo o bem. Evidentemente, faz-se necessário destacar que não se está discutindo questões de cunho teológico. Ao abordar termos dessa natureza (santidade; homem santo; Deus; judeu), Wittgenstein não pretende dar a eles um tratamento religioso, como costumeiramente se faria. Pelo contrário, esse recurso é apenas mais uma forma de expressar, por meio de analogias, aquilo que há de mais elevado; afinal de contas, “o modo como usas a palavra ‘Deus’ não mostra a quem te referes - mas antes àquilo a que te referes”. (VB, 2000, p. 79, grifo do autor).9

Certamente, o que se está defendendo aqui consiste na relação entre o conceito de gênio e o conceito de ética, de tal modo que, dessa relação, tenhamos como resultado um sujeito ético, que Wittgenstein denomina de gênio. Para tornar mais clara esta tese, veja-se o que ele diz em uma anotação realizada entre 1939 e 1940:

A medida do gênio é o caráter - embora o caráter, por si só, não seja equivalente ao gênio. O gênio não é o “talento mais o caráter”, mas o caráter que se manifesta sob a forma de um talento especial. Assim como um homem manifestará coragem ao saltar à agua para socorrer alguém, outro manifesta-la-á escrevendo uma sinfonia (eis um exemplo fraco). (VB, 2000, p. 59).

Esse registro, além de esclarecedor, é angular e serve de evidência àquilo que se pretende explorar, o que exige que seja observado de forma atenta em seus mínimos detalhes. Em virtude disso, objetiva-se chamar a atenção para, ao menos, três pontos:

Primeiro: Wittgenstein inicia dizendo que “a medida do gênio é o caráter”, o que, como já tratado anteriormente, sabe-se que está relacionado com a dimensão ética. Porém, nesse excerto, ele indica que “o caráter, por si só, não seja equivalente ao gênio”, o que denota que apenas o caráter não é suficiente para formar o gênio. Se se tomar como apoio as considerações de Weininger (1985, p. 114), pode-se inferir que o que torna o homem genial é a capacidade de viver em profunda e reverente relação com o universo, sendo capaz de produzir pensamentos luminosos e de estar comprometido com as atividades intelectuais, artísticas e culturais.

Segundo: aparece nesta citação um novo termo que não pode ser ignorado: trata-se do talento (talent). “O gênio não é o ‘talento mais o caráter’, mas o caráter que se manifesta sob a forma de um talento especial”. O gênio é um caráter que se mostra, que se revela em suas atitudes por meio de um talento que é uma inclinação natural de um sujeito para realizar determinada atividade em conformidade com seu caráter. Dito de outro modo, para ser genial, não basta ter um caráter adequado, mas é preciso demonstrar isso por meio de um gesto efetivo, o qual Wittgenstein chama de talento.

O que parece estar em questão nesse ponto é uma espécie de primado da razão prática, ao estilo kantiano, no sentido de que o caráter precisa se manifestar concretamente por meio de um talento inclinado para o bem. No entanto, seguindo os apontamentos de Rudolf Haller (1990, p. 100) em Wittgenstein e a filosofia austríaca: questões, “a justificativa para essa primazia é inacessível, uma vez que Wittgenstein não desenvolveu sua ética (e não poderia fazê-lo)”. É necessário acentuar que Wittgenstein não a desenvolveu no sentido teórico, mas a expressou de forma inconteste em sua vida prática: “Frente a teoria ética, a vida ética.” (CARMONA, 2011, p. 213). Nesse momento, não é necessário aprofundar essa questão, o que se fará mais à frente.

Por fim, um terceiro aspecto desse fragmento extraído de Cultura e valor precisa ser sondado: Wittgenstein recorre a dois exemplos, considerados por ele como fracos, para ilustrar o que acabara de afirmar. Nota-se a preocupação do filósofo em ser bem-compreendido, evitando, assim, repetir a experiência vivida anteriormente quando publicara o Tractatus. Os exemplos têm como intuito ilustrar aquilo que fora proferido anteriormente, a saber, que o caráter se manifesta. O homem corajoso salta à água para socorrer alguém, assim torna manifesto por meio de um talento

(a coragem) seu caráter. Do mesmo modo, outro homem pode manifestar seu caráter por meio de um talento especial como a composição de uma sinfonia, a pintura de uma tela, ou ainda, a construção de uma bela casa. Essa concepção figura compatível com a teoria ética de Aristóteles, no sentido de que os talentos devem ser praticados.10 Ainda é cedo para afirmar, embora caminhemos para esse fim, mas parece que este é o mais alto e claro dever do gênio: manifestar seu caráter por meio do talento.

Dessas três considerações apresentadas é possível extrair ainda mais uma informação salutar. Ao falar de talento (talent), o termo faz referência a uma categoria de atividades que fazem parte do campo da estética. O termo não foi utilizado de forma acidental; pelo contrário, o que se infere disso tudo é a já conhecida assimilação eternizada por meio do aforismo 6.421: “Ética e estética são uma só”. Mais uma vez, Wittgenstein reforça o elo entre ética e estética e demonstra de que modo ambas se relacionam com o gênio. Disso se pode inferir que o gênio é um sujeito ético, uma vez que possui um caráter e, ao mesmo tempo, é um sujeito estético, uma vez que manifesta esse caráter por meio de um talento especial, como a arquitetura, por exemplo.

Talvez um exemplo paradigmático dessa asserção se encontra na pessoa de Shakespeare, que em diversos momentos, é elogiado por Wittgenstein como sendo um homem de grande talento: “Não acredito que Shakespeare se possa pôr a par de qualquer outro poeta” (VB, 2000, p. 123) e, um pouco abaixo, confessa: “Eu só conseguiria admirar Shakespeare; nunca fazer algo como ele.” (VB, 2000, p. 123). Esse grande poeta arriscou usar seu talento com coragem, pois seu caráter assim o exigiu, e isso garante a admiração e o respeito de Wittgenstein.

A constatação acima é reforçada por Wittgenstein (2000, p. 63) quando assinala: “Poderia dizer: ‘O gênio é o talento usado com coragem’.” Porém, quanto à possível origem desse talento, não é possível afirmar com segurança, mas se a aproximação com Weininger for legítima, então poderá admitir que o talento pode ser herdado do núcleo familiar. Contudo, o que se sabe é que Wittgenstein temia perder esse talento, o que ele próprio assegurou em seus Diários:

É para mim sempre terrível quando penso como todo o meu ofício depende de um dom, que me pode ser tirado a todo o momento. Eu penso muito frequentemente, sempre de novo, nisto & em geral em como tudo pode ser tirado a alguém & em absoluto, não damos conta de tudo aquilo [que] temos & o mais essencial de tudo [do que temos], só é notado, justamente, quando de repente o perdemos. (MP, 2010, p. 26).

Essa citação torna público o receio que ele mantinha em perder seu dom, ou, se preferirmos, seu talento, os quais podem ser tomados como sinônimos aqui. Se a aproximação com a perspectiva aristotélica estiver correta,11 então seria legítimo considerar que o talento depende da prática, e é somente mediante a prática (mediante a manifestação no mundo dos fatos), que seria possível manter esse talento, afinal de contas: “Querer pensar é uma coisa, ter talento para o fazer, [é] outra.” (VB, 2000, p. 70).

É interessante notar os reflexos desse ponto de vista na maneira como o próprio Wittgenstein produz sua filosofia. A atividade filosófica assemelha-se a uma atividade inerente à natureza humana, mas de tal modo que sua ocorrência não depende simplesmente de uma decisão da vontade através da qual o sujeito exerça e administre perfeitamente essa vontade.

Tem-se, aqui, a dimensão artística da própria produção filosófica que é nada mais que um caráter que se revela por meio de um talento.

De todo o exposto até aqui, o que sobressai é a profunda relação entre caráter e talento, os quais fazem parte da constituição do sujeito ético. Essa perspectiva ganha novo olhar a partir de um apontamento de 1950 em que Wittgenstein faz uma interessante análise a respeito do ponto de vista defendido por Weininger. O comentário é o seguinte:

Nada há de injurioso em dizer que o caráter do homem pode ser influenciado pelo mundo exterior (Weininger). Pois isso apenas significa que, como o sabemos por experiência, os homens mudam com as circunstâncias. Se se perguntar: como poderia o homem, o seu elemento ético, ser forçado pelo ambiente? - A resposta é a seguinte: embora ele possa dizer “Nenhum ser humano tem de ceder à compulsão”, estará, no entanto, a agir sob tais circunstâncias de tal ou tal maneira.

“Tu não TENS de, posso mostrar-te uma outra saída (diferente), mas não a aproveitas”. (VB, 2000, p. 122, grifo do autor).

O comentário de Wittgenstein chama a atenção para o fato de que o caráter pode ser suscetível aos acontecimentos que podem ocorrer no mundo dos fatos. Isso demonstra a vulnerabilidade à qual o sujeito ético está exposto, e que Wittgenstein toma como sendo uma fatalidade. Se os acontecimentos do mundo têm o poder de influenciar no caráter, seria possível pensar em felicidade?

3 A felicidade é o bem moral fundamental

A felicidade é o bem moral fundamental. Parte-se dessa perspectiva, entretanto, é preciso locubrar que, de acordo com os apontamentos de Wittgenstein, as ações humanas, sejam elas boas, sejam elas más, não fazem diferença para o modo como os fatos se apresentam no mundo, uma vez que esses fatos só alteram os limites do mundo, ou seja, o modo como o mundo aparece para o agente moral. O agente bem-intencionado gera e é acompanhado pela felicidade; diferentemente, é a realidade do agente malintencionado, que acarretará como consequência o oposto à felicidade. Isso pode ser confirmado nas palavras do próprio autor, quando afirma que “o mundo do homem feliz é diferente do mundo do homem infeliz”. (TLP 6.43). A felicidade é independente dos fatos do mundo, e o homem feliz não se confunde com os acontecimentos fortuitos do mundo. É possível concluir que o gênio é aquele sujeito que aprendeu a viver assim. A recompensa ou a punição ética reside na própria ação e não deve ser pensada em associação com suas consequências no mundo dos fatos. A recompensa para a boa intenção é a felicidade. Disso resulta esta conclusão: o bem moral fundamental é a felicidade.

Para ser feliz, é preciso superar os limites que circundam o sujeito empírico em sua vida imediatista, ascendendo à vida plena do espírito que só pode ser conquistada pelo eu filosófico, aquele que supera as categorias de tempo e espaço, vivendo mais livremente no presente. Isso é o que se configura como a constituição do sujeito ético. Trata-se, portanto, de um movimento individual, diante do qual o sujeito que deseja a genialidade precisará realizar, com suas próprias forças; afinal, Wittgenstein é categórico ao defender que “não se pode levar os homens ao bem; apenas se lhes pode indicar o caminho para qualquer lugar”. (VB, 2000, p. 15). A metáfora que ajuda a ilustrar essa ideia pode ser extraída de um comentário registrado por Wittgenstein no ano final da Segunda Guerra Mundial: “É como se eu estivesse perdido e perguntasse a alguém o caminho para casa. Ele diz que não vai mostrar e acompanha-me ao longo de um caminho agradável e tranquilo.” (VB, 2000, p. 74, grifo do autor).

Retornar para casa é o que há de mais importante para Wittgenstein, devendo ser compreendido como o retorno àquilo que é fundamental, ou seja, à contemplação da essência do mundo. Só assim, retornando para casa, se torna viável redescobrir o sentido da vida e, consequentemente, encontrar a paz e a felicidade almejadas. Evidentemente, a citação que foi utilizada acima acena a outra perspectiva que não deve ser esquecida: tratase da figura do amigo que acompanha o sujeito por parte do caminho. Defendeu-se que a constituição do sujeito ético em Wittgenstein é um trabalho do homem sobre si mesmo, sendo, portanto, intransferível. Todavia, fica evidente que o pensador vienense não nega a possibilidade de existência de uma pessoa ou de uma doutrina que cumpra com a finalidade de indicar, e tão somente indicar, o caminho. Ainda assim, o caminho se faz por aquele que decide seguir por ele, caminhando decididamente. As teorias éticas, as normas e os valores morais e sociais servem apenas de material auxiliar e puramente indicativo para apontar a uma direção. Essa posição é inequívoca na filosofia de Wittgenstein: “Aquilo a que me oponho é ao conceito de uma exactidão ideal que nos seja dada, por assim dizer, a priori. Temos diferentes ideais de exactidão em diferentes épocas; e nenhum deles é superior.” (VB, 2000, p. 62, grifo do autor).

Seguir essas regras postuladas a priori não é suficiente para dar vida ao gênio, uma vez que, geralmente, o homem se torna genial por percorrer caminhos novos, nunca antes desbravados por quem quer que seja. Essa atitude exige a virtude da coragem, qualidade que nem todos os homens possuem. Por essa razão, Wittgenstein diz: “Serão grandes todos os homens? Não.” (VB, 2000, p. 74, grifo do autor). Nem todos os homens tornar-seão grandes gênios, uma vez que lhes falta coragem para tal.

Considerações finais

Decorre da aproximação que realizamos entre Weininger e Wittgenstein uma abordagem ética totalmente original e, ao mesmo tempo, descomprometida com os recursos que usualmente foram empregados pelas teorias moral-tradicionais. Ao enveredar pelas páginas escritas pelos punhos de Wittgenstein, o leitor encontra um vasto e desafiador número de considerações a respeito dessa questão, mas, em momento algum, se depara com algo que possa ser designado como uma teoria ética, ao menos não no sentido estrito do termo. De forma contrária, seguindo o influxo de Weininger, Wittgenstein defende uma abordagem mais flexível e, concomitantemente, mais complexa desse tema, trazendo a ética à esfera da experiência prática, protagonizando a recusa da influência teóriconormativa.

Advogando uma espécie de terapia do abandono das formulações teoréticas articuladas pelos grandes mestres de moral, o filósofo de Viena adverte que o método eficaz a ser seguido, de agora em diante, é aquele que é dado pelo exemplo da natureza (CV, 2000, p. 66); nada de dogmatismos. O resultado desse modo de proceder é a cura da enfermidade que provoca inúmeras ilusões e múltiplos equívocos de ordem moral. Essa atitude se justifica pelo fato de que Wittgenstein não está preocupado com a filosofia moral, mas com a vida moral, aquela que é capaz de encontrar algum sentido em sua existência, dando vida plena ao gênio.

Por fim, apoiados nas páginas escritas por Weininger, pode-se concluir que a constituição do sujeito ético corresponde a um trabalho constante do homem sobre si mesmo, procurando o caminho certo que possa fazer dele um ser humano melhor. Tornar-se genial significa abrir mão das fórmulas e dos preceitos prefixados pela filosofia moral, tomando apenas o exemplo da natureza como guia. Isso corresponde a uma tarefa pessoal; afinal, “não se pode levar os homens ao bem; apenas se lhes pode indicar o caminho para qualquer lugar”. (2000, p. 15).

Contudo, há de se considerar que ainda existem portas que não foram suficientemente abertas; outras ainda que permanecem à espera das chaves corretas. Deixemos a cargo do leitor e de pesquisas futuras a abertura dessas portas. Isso se justifica em virtude do fato de que a filosofia é, acima de tudo, uma atividade vital e não um corpo de regras e doutrinas acerca de um conjunto delimitado de problemas, razão por que não pode cessar.

Referências

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1Silvia Rivera (1993, p. 33), em texto intitulado Ludwig Wittgenstein: la vida de un filósofo [a vida de um filósofo], defende um ponto de vista semelhante ao nosso. Seguindo suas considerações, é muito importante estabalecer a relação entre o pensamento de Wittgenstein com o pensamento de outros autores e também com outras escolas filosóficas, o que propicia não apenas um manejo mais fácil dos textos, mas também nos previne e tranquiliza em relação a qualquer possível acaso inesperado. No original, é possível ler o seguinte: “Muy importante es establecer su relación con otros autores, y también con diversas escuelas filosóficas. Estos datos no solo nos hacen manejar más fácilmente el texto, sino que nos tranquilizan y nos previenen contra cualquier tipo de azar o imprevisto.” (1993, p. 33).

2Já no prefácio de Sexo e caráter, Weininger expõe o objetivo da obra que consiste em analisar a relação entre os sexos a partir de uma análise nova e conclusiva. Segundo o autor, não se trata de uma pesquisa que visa a reunir os resultados de experiências científicas em torno do tema, mas uma investigação que procura reunir todas as diferenças entre homens e mulheres em um único princípio fundamental.

3A questão judaica sempre foi abordada como um problema para Weininger. Em suas considerações, o povo judeu era inferior a todos os demais povos e era responsável pela decadência moral da humanidade, uma vez que o predomínio da figura feminina, em sua cultura, era fator de degeneração moral. “O judeu genuíno, como a mulher genuína, vivem unicamente como espécie, não como individuos.” (WEININGER, 1985, p. 306, grifo do autor). Por não viver a dimensão individual, os judeus, bem como as mulheres, estariam privados da genialidade, o que ele sentencia em outra citação: “Esta falta de profundidade [impossibilidade de cultivar a individualidade] é o que explica também a ausência de verdadeiros grandes homens entre os judeus, e constitui a causa no judaíismo, como nas mulheres, lhes estar negada a genialidade.” (1985, p. 312). No original pode-se ler: “El judio genuino, como la mujer genuina, unicamente vive en la especie, no como individualidad.” (WEININGER, 1985, p. 306, grifo do autor); “Esta falta de profundidad es la que explica también la ausencia de verdaderos grandes hombres entre los judíos, y constitui la causa de que al judaismo, como a las mujeres, les está negada la genialidad.” (1985, p. 312). Para ver mais a esse respeito, sugerimos a leitura do Capítulo XIII da segunda parte da obra Sexo e caráter.

4Como se verá nas páginas seguintes, a figura feminina é considerada imoral por Otto Weininger, uma vez que as mulheres são mais suscetíveis à genitalidade e aos prazeres corporais. Nesse sentido, o homossexual, por ter tendências tipicamente femininas, também traz características comuns às mulheres. De acordo com sua análise (1985, p. 57-58), a homossexualidade possui sua base em uma pré-disposição natural, não sendo, portanto, adquirida nem herdada dos pais. É importante destacar que a teoria de Weininger não aborda a homossexaulidade como anomalia ou depravação moral. O problema, segundo ele, é que o homossexual situa-se entre os extremos ideias: o masculino e o feminino. No caso do invertido sexual masculino, que adquire tendências do sexo oposto, essa carga feminina é prejudicial, pois interfere na construção do sujeito genial; em suas palavras, “a homossexualidade deve ser considerada como a condição sexual dos graus intermediários que se estendem ininterruptamente entre as formas extremas, as quais constituem, na realidade, casos ideais”. (WEININGER, 1985, p. 59). Além disso, o autor acredita que a tendência homossexual existe em todos os seres humanos, variando apenas a intensidade com que essa tendência se manifesta na vida de cada um. Assim, “a inversão sexual não é, pois, segundo essa teoria, uma exceção da lei natural, mas um caso especial dela mesma”. (p. 61). Mais a esse respeito poderá ser consultado na primeira parte obra Sexo e caratér, de Otto Weiniger, Capítulos IV e V.

5As diferenças entre homens e mulheres, bem como a questão a respeito da “condição” feminina são exploradas em diversos capítulo da obra Sexo e caráter. Não é objetivo do texto aprofundar essa questão nesta pesquisa, motivo pelo qual sugere-se aos interessados a leitura da Segunda Parte da obra de Weininger, Capítulos I, II e III.

6A família de Johann Sebastian Bach (1685-1750) desfrutava de uma longa tradição musical. (OTTERBACH, 2003). Esse dado serve de suporte para fundamentar a tese de Weininger que sugere a possibilidade de um talento ser transmitido de pai para filho. (WEININGER, 1985).

7“O fundador de religiões é o homem que vivia sem Deus, e logo se sentiu penetrado pela máxima fé. “Excede a nossa capacidade compreender como um homem normalmente mau se transforma em bom.” (2003, p. 323, grifo do autor). Weininger considera Jesus Cristo como o mais original dos judeus e o maior de todos os gênios fundadores de religião, pois foi capaz de se libertar do judaísmo que havia em si e fundar uma religião sublime.

8Otto Weininger (1985, p. 110-111) destaca: “Los hombres que solo són ‘ingeniosos’ son superficiales. No llegan a ser poseídos completamente por el objeto que estudian, no sienten por él un verdadero interés y no saben vencer los obstáculos por la perseverancia. Sólo les interesa que sus ideas brillen y centelleen como una gema bien tallada, pero poco les importa que su pensamiento sea luminoso. Esto se debe a que únicamente piensan en lo que otros ‘dirán’ acerca de sus pensamentos”.

9É de conhecimento público que, quando Wittgenstein se utiliza da palavra Deus, não está fazendo referência a uma divindade específica, mas, de maneira análoga, recorre a esse termo para descrever um evento ou um fato que ele considerava extraordinário. VB = Cultura e valor; TLP = Tractatus logico-philosophicus; MP = Movimentos de pensamento.

10Não faz parte de nossos objetivos aprofundar a simetria entre a ótica aristotélica e a wittgensteiniana no que diz respeito a matéria de ética. Para fins puramente metodológicos, seria suficiente indicar que Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco, realizou uma ampla investigação acerca da relação entre teoria e prática, considerando que “[...] em relação a todas as faculdades que nos vêm por natureza recebemos primeiro a potencialidade, e somente mais tarde exibimos a atividade [...]; quanto às várias formas de excelencia moral, todavia, adquirimo-las por havê-las efetivamente praticado, tal como fazemos com as artes. [...] por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente.” (ARISTÓTELES, 2001, p. 35). Não é de todo infundado julgar que, no que toca essa questão, Wittgenstein estaria em concordância com o pensamento do filósofo grego.

11Poderíamos completar o que foi exposto destacando que, em Aristóteles, “há duas espécies de excelência [virtude/talento]: a intelectual e a moral. Em grande parte a excelência intelectual deve tanto o seu nascimento quanto o seu crescimento à instrução (por isso ela requer experiência e tempo); quanto à excelência moral, ela é produto do hábito, razão pela qual seu nome é derivado, com uma ligeira variação, da palavra ‘hábito’. É evidente, portanto, que nenhuma das várias formas de excelência moral se constitui em nós por natureza, pois nada que existe em nós por natureza pode ser alterado pelo hábito. [...] Portanto, nem por natureza nem contrariamente à natureza a excelência moral é engendrada em nós, mas a natureza nos dá a capacidade de recebê-la, e esta capacidade se aperfeiçoa com o hábito”. (ARISTÓTELES, 2001, p. 35).

Recebido: 02 de Agosto de 2018; Aceito: 30 de Maio de 2019

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