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Conjectura: Filosofia e Educação

versión impresa ISSN 0103-1457versión On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.24  Caxias do Sul  2019  Epub 31-Jul-2020

https://doi.org/10.18226/21784612.v24.e019021 

ENTREVISTAS

Gaudêncio Frigotto: um diálogo sobre o contexto político e educacional brasileiro

Ricardo Gonçalves Severo* 
http://orcid.org/0000-0001-8413-7159

* Doutor em Ciências Sociais (PUCRS). Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Rio Grande (FURG). E-mail: rgsevero@furg.br


Gaudêncio Frigotto é professor associado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor titular aposentado na Universidade Federal Fluminense (UFF). Homenageado por diversas universidades e associações, é uma referência nacional na defesa da democracia, da escola pública e na discussão acerca da Educação Profissional e do Ensino Médio, no campo dos estudos de Educação e Trabalho. Nos últimos anos, diante dos ataques à educação pública brasileira e à democracia, o Prof. Frigotto foi responsável pela organização de dois livros: A disputa da educação democrática em sociedade antidemocrática: escola democrática, antídoto à escola sem partido (2018) e Escola sem Partido: esfinge que ameac’a a educac’aÞo e a sociedade brasileira (2017) que, rapidamente, tornaram-se referência para todos os que colocaram-se como resistência aos desmontes educacionais.

No mês de abril de 2019, o Prof. Gaudência Frigotto esteve no Rio Grande do Sul para participar de uma audiência pública no Conselho Estadual de Educação, acerca do “notório saber” na educação profissional e de uma palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com o tema Os retrocessos nas políticas educacionais nos governos Temer e Bolsonaro, atividade realizada por ocasião do lançamento do livro de Gabriel Grabowski1 (2019). Na ocasião tivemos a oportunidade de conversar com o Prof. Gaudêncio Frigotto e realizar a entrevista que apresentamos a seguir.

E: Professor, primeiro obrigado pelo seu tempo, sei que estava corrido ...

GF: Não, não, não, mas isso é nossa militância, é parceira né, não tem jeito. O tempo é; só mesmo se não desse. Eu pensei que pudesse fazer pela manhã. E dava, porque meu voo chegaria aqui 10 horas, mas cancelaram o voo por causa de um temporal enorme no Rio, fui à São Paulo. Ainda bem que vim. Mas um prazer, um prazer. Nós somos parceiros.

E: A primeira pergunta que queremos lhe fazer é qual é a sua avaliação dos primeiros meses de governo Bolsonaro, em relação à educação? Como o senhor vê o que tem sido feito?

GF: O governo Bolsonaro, no seu núcleo ideológico, é anticiência, antieducação integral. É uma regressão jamais imaginada para aqueles que passaram, como eu, por todas as reformas educacionais desde as leis de equivalência. É um governo que pauta a educação pública com brutal displicência. Neste breve período, tem buscado realizar o desmonte do pouco que existe de educação pública, que vai da préescola à pós-graduação, e atacando, sobretudo, aquelas áreas que têm a ver com a cidadania. Se observarmos o núcleo do Ministério da Educação, o núcleo dos direitos humanos, o núcleo do Ministério de Relações Exteriores, ali tem um núcleo ideológico, onde mora, digamos, tanto as teses da ideologia de gênero, quanto as teses do “domínio da cultura marxista”, quanto às teses conservadoras contra a laicidade e a secularização. Enfim, é uma regressão do ponto de vista do conhecimento, e do ponto de vista da cidadania.

E: O senhor organizou duas obras sobre o projeto escola sem partido e quais as perspectivas (2017; 2018). Qual é o papel que o senhor vê do projeto Escola sem Partido dentro desse bloco do poder? Como é que ele se articula?

GF: O projeto Escola sem Partido tem uma origem nos anos 2004. Como é que eu interpreto? Com ascensão ao poder de um governo com base popular a classe burguesa brasileira e seus setores mais conservadores, mais reacionários, acenderam o sinal de que havia de se organizar, tanto atacando a disputa do conteúdo do método e da gestão, e no dinheiro à escola pública, quanto do ponto de vista ideológico. Do ponto de vista da perspectiva da educação, o Todos pela Educação2 pega esse lado da disputa de qual o conteúdo, qual a forma e qual o método de ensinar, além da disputa pelo fundo público. O Escola sem Partido não. É um fundamentalismo que se apega naquilo que é mais retrógrado que existe do ponto de vista humano, eu diria. É composto por grupos da merco-Igreja, são os vendilhões do templo, como diria (Leonel) Brizola e que trazem a ideia da supremacia da religião, e não da espiritualidade. Também atacam aquilo que denominam como “valores da família” e se opõem ao que denominam como a “ideologia de gênero”, os LGBTs. Esta é também uma plataforma política utilizada pelo presidente eleito e pelos seus filhos. Então, o Escola sem Partido, dito pelo senhor presidente, é o horizonte de como vê a escola pública. Ou seja, é algo absolutamente estranho até mesmo para a sociologia clássica. Veja, Durkheim, o grande pai da sociologia clássica, compreendia ser papel da escola arrancar da família os filhos que vivem o mundo privado, o mundo particular, e colocálos na diversidade que é a sociedade, para que eles possam viver em sociedade. Então eu citei agora no debate, no conselho, uma síntese da análise do professor Luíz Antônio Cunha (2016), que mostra quais são as características deste projeto reacionário: primeiro, o combate à secularização, à laicidade e ao público, em especial a defesa do ensino religioso nas escolas.

Segundo, o combate e a perseguição daqueles que reproduzem a “ideologia de gênero”. Terceiro, a escola sem partido como plataforma política. Quarto, a militarização das escolas e quinto, a tese da educação em casa. Então a escola sem partido ganha fórum de política de governo, é disto que nós temos que ter clareza. Eu não estou dizendo isso a partir do nada, mas a partir da própria fala do chefe maior, presidente da república, que coloca isso como uma diretriz do seu governo. Palavras como pluralidade, diversidade estão sendo banalizadas como sendo de comunistas ou de bolivarianos, então é algo que penetra em uma sociedade pouco letrada, dominada nas grandes cidades por duas forças brutais: a alienação do tráfico e a alienação, sobretudo, destas denominações neopentecostais, que fazem a merco-Igreja, a Igreja como negócio, e aproveitam a fragilidade da situação destas populações, para também orientá-las politicamente, tendo peso decisivo nas eleições de 2018.

E: Certo. Professor, nós estávamos comentando que toda a proposta do Escola sem Partido está voltada para a escola pública, certo? Ela tem, pode ser dito, que o projeto tem a ver com projeto de governo, já iniciada com o (Michel) Temer, da Reforma do Ensino Médio na sua compreensão?

GF: Eu relaciono três fundamentalismos que formam uma unidade no diverso. O pimeiro deles é o fundamentalismo econômico, ao qual voltamos de forma radical. Há uma noção de que tudo é mercado. A reforma da previdência não é reforma, é acabar com a previdência. A forma mais fácil de reformar é acabar. Qual é o pressuposto disso? Voltamos lá ao início da discussão da natureza humana, lá em Locke, Hume, Adam Smith, Berkeley, Bentham, que diziam que todos nós recebíamos uma mesma natureza humana e, portanto, deixamos cada um de nós escolher; a sociedade vai ter harmonia, e cada um vai ter de acordo com o seu mérito. E aí vem a ideia da meritocracia. O que acontece? Essa visão joga fora toda uma história de uma dominação de uma classe sobre a outra, desde a sociedade antiga, a escravidão, da medieval e da sociedade hoje assimétrica sob o capitalismo. É mesma coisa que dizer que os brasileiros, as famílias, adultas e adultos, que têm uma média salarial de 800 reais; é a mesma coisa que dizer que os filhos destas famílias, destes sujeitos adultos, têm as mesmas chances de escolha de um filho do Faustão, que ganha 5 milhões mensais na Rede Globo. Ou então que, no dia seguinte da abolição da escravidão, o ex-escravos estavam nas mesmas condições de escolha do que seus ex-donos. Então esse é o fundamentalismo para o qual regredimos. Veja, o século XX foi um dos mais sangrentos da História da humanidade. Ocorreram duas guerras mundiais, uma revolução socialista em cima deste pressuposto; então o próprio capitalismo está regredindo a teses mais violentas.

O outro fundamentalismo é o político, e tem traços protofascistas ou neofascistas de que, nas democracias relativas de uma sociedade capitalista, o teu adversário é alguém a eliminar. Para o fundamentalismo político, tu tens que eliminar o outro. Eliminar fisicamente. A semana que antecedeu as eleições, havia ameaças físicas a negros, a LGBTs, a intelectuais, etc. Os erros que se cometem ainda existem em uma institucionalidade, como tiveram isso, portanto o fundamentalismo político ele é, na expressão, eu usaria até uma categorização de um liberal social que eu gosto muito que é esse autor de Esquerda e Direita (2011)...

E: Norberto Bobbio ...

GF: Isso. Nesse livro ele apresenta estas categorias. Existe uma extrema esquerda que tem como projeto superar o capitalismo, tem uma esquerda social-democrata, 3que postula diminuir desigualdades melhorando o capitalismo. Uma direita que tem no seu centro um liberalismo de mercado, e tem uma extrema direita, cujos exemplos que ele dá são os regimes fascistas, de Mussolini e nazistas de Hitler. Então, eu não seria irresponsável em dizer que nós estaríamos com um fascismo no Brasil, mas também não seria injusto afirmar que temos elementos fortes de protofascismo.

Tem um historiador americano, Mark Bray, que diz: “Não precisam muitos fascistas para instaurar um regime fascista, só que exista vácuo na sociedade”. E, por fim, um fundamentalismo religioso. E esse fundamentalismo religioso também é fanático, também quer eliminar as outras religiões, também quer perseguir o diverso, quando não o desigual. Então esses três fundamentalismos tornam, no meu ponto de vista, um poder explosivo contra os pobres e contra o pensamento divergente.

Imagine você que isso foi construído, também, havia dois signos, um que tem a ver com a meritocracia, e outro que tem que a ver com o pensamento crítico, 2014: “petralha” e “mortadela”. “Petralha”, evidente que existia o objeto e o golpe de estado de 2016, que se colima, era se acabar com um partido, e com todos os problemas que ele possa ter, várias correntes. Mas o bloco de poder, que não é o que assumiu o governo, essa é uma outra questão. O bloco de poder do golpe é o grupo de 90, que se imaginava fazendo o golpe, que assumiria o poder e teria as reformas liberais, talvez não ultraliberais, e buscaria se manter no poder. No entanto, houve um aprofundamento naquilo que identifico com os três elementos que vivemos na sociedade, que é a estupidez humana, que considera que tudo é mercado; a insensatez humana sobre várias medidas que desagregam a sociedade, e a insanidade de quando você tem como políticas armar a população para defender a propriedade e a liberdade. Isto é insano, é uma insanidade. Então este conjunto de elementos, de fundamentalismo, nos coloca em uma situação que nós temos que pensar muito dentro das instituições que ainda têm algum poder de defesa e de reação.

E: O senhor chamou a atenção para um elemento que também tem me sensibilizado e ao grupo do qual participamos, que bom, o fascismo ele é um elemento histórico, mas ele tem algumas raízes que oAdorno (1950) percebia no anti-intelectualismo, na agressão exacerbada, contra outros grupos, o elemento religioso...

GF: Queimar os livros de filosofia e sociologia ...

E: Perfeito. Junto a isso, que o grupo que fez o golpe é o de 90 (noventa),4e esse outro grupo que assumiu o poder ele tem uma perspectiva mais agressiva em relação à política de eliminação do outro, mas eles se comunicam na sua interpretação? Há continuidades?

GF: Se comunicam por um processo de classe. Veja, eu vou usar o exemplo da Rede Globo. A Rede Globo está sendo ridicularizada, está sendo gozada. Gozação a céu aberto. Entretanto, ela não pode se colocar contra as reformas, que são reformas que ela mesma defende. E ela é, na verdade, uma das autoras de ter jogado o poder naquilo que agora lhe é um problema. São contradições, e eu acho que tem que explorar contradições, e eu sou um crítico há muito tempo do Judiciário, eu e muita gente, e tomei como uma das questões, o que li em uma tese de doutorado sobre o vale de Jequitinhonha, a autora, que não me lembro o nome agora, dizia: “Aqui se comete a justeza da injustiça”; então a justiça é sempre um poder dominante. Obviamente tem aí matizes, mas hoje eu estou defendendo o Judiciário contra o ataque que está sendo feito justamente por essas forças. Se a gente não ler isso, especialmente o pensamento crítico, nós temos que defender que se você colocar, caçar quatro ou cinco juízes do Supremo e colocar outros cinco, a festa está completa. Então há contradições, nesse sentido a autorização da entrevista ao Lula é o sinal positivo destas contradições, é extremamente positivo, mostrando ao mundo que de fato o julgamento do ex-presidente, concordemos ou não, gostemos ou não do (Luís Inácio) Lula (da Silva), foi um julgamento político, mas, juridicamente, os argumentos absolutamente risíveis, se não cínicos. Então isso está aparecendo, só não ganha mais força porque somos uma sociedade manietada, para desinformação, para a não democratização das mídias, e por aí vai.

E: Em relação à justiça, mais cedo, nós acompanhamos na audiência pública uma das perguntas, que nos são impostas algumas coisas e como é que nós podemos dizer não, já que é lei?E isso, uma resposta que eu achei muito interessante, que a lei tem determinadas interpretações, dependendo de quem tem o poder ou não. E eu quero fazer esse gancho de novo em relação às reformas do Ensino Médio. Temos acompanhado uma das escolas que aderiu ao ensino integral e a coordenadora pedagógica disse: “Nós somos obrigadas agora a ficar 4 anos com projeto, nos foram prometida “n” coisas, como curso de formação continuada, melhorias da infraestrutura e que os alunos também teriam o mínimo de infraestrutura para permanência. Nada disso aconteceu, e nós estamos com um universo de quase 90 estudantes, grande quantidade de evasão, pois não têm dinheiro para ficar o dia inteiro na escola e eles preferem sair para procurar um estágio ou alguma coisa assim”. Eu queria lhe perguntar, em relação a isso: O senhor tem percebido um cenário parecido em outras escolas?

GF: Eu fui em uma audiência pública há um ano, logo depois da contrarreforma, em Alagoas. Todas as escolas públicas que tinham sido consultadas para ter a experiência da escola integral, nenhum diretor queria. Por uma única razão, que você está colocando ali, que o Miguel Arroyo sintetiza de uma forma brilhante: “Mais escola desta escola, que horror”.

Não tem lugar para o professor, não tem bebedouro, então, e também esse jovem, pelas razões econômicas, se você não lhe dá uma bolsa, se você não lhe dá uma refeição, de manhã, tarde e noite como era há pouco a proposta do CIEP, ele não fica, não fica não é porque não quer, mas por que não pode. E de outro ângulo, que você coloca na questão, é para uma escola ser em tempo integral.

Eu vi agora na Suécia, fica de manhã à noite, mas tem todas as atividades esportivas, cinemas, curso de corte e costura, curso para fazer comida, enfim vão aprender coisas da vida. Ficam o dia, mas não é só escola, é uma escola que tem espaço, que, enfim, é educadora no seu espaço físico, na sua estrutura. Então, a escola de tempo integral no Brasil não é uma escola íntegra ou integral, porque na verdade isso é uma estratégia míope, de segurar esse jovem na escola porque na rua ele pode ser incômodo. A escola de tempo integral tem que ter uma base material, que começa pelo prédio, pela sala, pelo laboratório, pelo tipo de serviço de educação que você oferece. Nas escolas privadas, você paga tudo, tem tudo isso. Tem piscina, tem inglês, tem espanhol, tem japonês, se o estudante quer aprender. São escolas de 5, 8 mil reais que se paga. Então, é uma lei que não vai pegar. E o jovem não suporta. As ocupações das escolas no Paraná, no Rio de Janeiro e em São Paulo mostraram isso. Os jovens diziam: “Queremos ficar na escola, mas queremos bebedouro, banheiro, professor.” Se você olha nos institutos federais, e eu vou nos institutos federais, a garotada ama ficar lá dentro. Tem competição de esporte, tem coral, tem teatro, e quem mais ama é quem vem exatamente, é esses que mais precisam da profissionalização. É uma escola que de fato promove cidadãos no seu duplo sentido. Cidadãos para interpretar minimamente a sociedade e prepará-los para o mundo do trabalho, porque o mercado de trabalho é cada vez menor.

E: Para encerrar professor, resgatando da audiência pública, o senhor deu um foco também para a educação profissional e fez algumas relações muito interessantes sobre o notório saber e sobre reforma mercadológica, em especial o que está sendo entendido e incentivado pelo atual governo. Quais são as experiências que o senhor percebeu já e quais são os possíveis resultados da aplicação do notório saber e desta perspectiva mercadológica?

GF: Todas as reformas, a Emenda 95, a reforma da previdência, ou a contrarreforma da previdência, a contrarreforma trabalhista, a contrarreforma da educação média, e agora a proposta da carteira verde e amarela, no fundo é liquidar com o trabalhador público, é ir diminuindo, diminuindo o trabalhador público, e o trabalhador público ser gerido pelos critérios de mercado. O colega do SINPRO (Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS) colocou muito bem a questão; o sistema (S) não contrata professor, não tem concurso, não tem carreira, não tem nada disso. Não tem uma perspectiva de longo prazo. Então você tem prefeituras, por exemplo em Santa Catarina, que fez uma concorrência pública para professor que oferecem menor salário por tempo para Educação Física.

Eu estava fazendo uma conferência na Escola Sul, da CUT, e um professor que estava presente comentou: “Eu sou de uma escola que vão aplicar o modelo da gestão da escola pública. O Instituto Ayrton Senna assume a escola, orienta todo o processo pedagógico e a diretora é a síndica da escola, vai cuidar da briga, vai chamar a polícia, enfim, o projeto pedagógico é um projeto privado”. Isso que eu dizia, a tendência é uma senaização do sistema público de educação. Oxalá fosse com as estruturas que o SENAI tem, mas o SENAI, quando eu estudei lá, na década de 70, cujo texto que eu fiz, Fazendo pela mão a cabeça dos trabalhadores (1983), então é uma tendência. A (terceirização) é uma tendência ao trabalho intermitente. A própria reforma do Ensino Médio está orientando os estados: se vocês têm problemas educacionais, ofereçam a educação profissional. Na audiência pública que tivemos hoje, o representante dos estudantes fez referência ao município de 5 mil habitantes que tem apenas uma escola. Primeiro, ela vai oferecer, se a lei disser 2, ela vai oferecer uma educação profissional e outra pela metade, porque não tem professores. Então o aluno não escolhe, é a escola que vai dizer. Enfim, é uma tendência que, como eu tenho dito nas palestras, nós temos que combater no detalhe e no todo. E imaginar que isso possa prosperar, que se sedimente por 20 anos... Então como as forças democráticas, eu volto ao termo, mesmo tendo uma ideologia, uma perspectiva que o capitalismo é uma sociedade anti-humana, antiética, antidemocrática, mas nós lidamos dentro da, como diria Bertold Brecht, “teoria o caminho todo, na política um passo de cada vez”, entende? E nós temos agora, nós avançamos passos na Constituinte, nós avançamos passos em disputas, nós temos que dar um passo atrás (nunca negando princípios), nós temos que agregar forças que veem exatamente este bloco que está na extrema esquerda na categorização do (Norberto) Bobbio (2011). E, portanto, é retomar o papel das instituições, que teve um papel extremamente importante para acabar os 21 anos de ditadura, a OAB, ordem de imprensa, enfim, instituições universitárias, sindicatos, enfim, temos que juntar forças que lutem neste divisor, que está presente cada vez mais na sociedade.

E: Ótimo. Bom professor, muito obrigado pelo seu tempo ...

GF: Eu que agradeço. Só finalizando, eu acho que a gente tem que ter uma perspectiva de que crise também é a oportunidade de a sociedade começar a se perceber. Eu sempre cito o Florestan Fernandes (1977, p. 5) quando diz que “a história não se abre e fecha por si, são os homens e mulheres em luta que abrem e fecham o circuito da história”.5 Uma das grandes questões que eu acho que, isto eu faria grande questão de dizer, tomando Mia Couto, esse escritor de Moçambique , que fez um pequeno texto, vale a pena ver, Murar o medo,6 porque são regimes de intimidação e o medo, individualmente, a gente sempre o tem. Eu individualmente tenho medo, mas no coletivo, e nós temos que cada vez mais valorizar o coletivo, portanto as instituições têm que se valer.

A minha instituição, eu pertenço à UERJ, e ela tem que me defender, eu represento, eu estou falando como professor da UERJ, não necessariamente o que a UERJ pensa, mas eu sou um professor lá. Eu sou um concursado lá, o meu sindicato, a minha instituição, como disse Marilena Chauí, logo depois da eleição”. No primeiro momento, nós temos que nos apegar à institucionalidade, agora é a hora do movimento também; das forças se organizarem e começarem a dizer ‘chega!’ Vamos congregar forças para dizer ‘Isso não!’”

Referências

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BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 3. ed. São Paulo: Ed. da Unesp, 2011. [ Links ]

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BRAY, Mark. Cinco lições de história para antifascistas. Revista Serrote. Disponível em: https://www.revistaserrote.com.br/2018/03/cinco-licoes-de-historia-paraantifascistas-por-mark-bray/. [ Links ]

CUNHA, Luiz Antônio. O projeto reacionário de educação. 2016. [ Links ]

FERNANDES, Florestan. Os circuitos da História. São Paulo: Hucitec, 1977. [ Links ]

FRIGOTTO, Gaudencio (org.). Escola sem Partido: esfinge que ameac’a a educac’aÞo e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2017. [ Links ]

FRIGOTTO, Gaudêncio; PENNA, Fernando; QUEIROZ, Felipe. Educação democrática: antídoto ao escola sem partido. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2018. [ Links ]

FRIGOTTO, Gaudêncio. Fazendo pelas mãos a cabeça do trabalhador: o trabalho como elemento pedagógico na formação profissional. Cadernos de Pesquisa, n. 47, p. 38-45, nov. 1983. [ Links ]

FRIGOTTO, Gaudêncio. Os circuitos da História e o balanço da educação no Brasil na primeira década do século XXI. Revista Brasileira de Educação, v. 16, n. 46, p. 235-274, jan./abr. 2011. [ Links ]

GRABOWSKI, Gabriel. A desconstrução do futuro: juventudes, reforma do ensino médio e retrocesso das políticas educacionais. Porto Alegre: Carta, 2019. [ Links ]

MOTTA, Vânia Cardoso; FRIGOTTO, Gaudêncio. Por que a urgência da reforma do Ensino Médio?: Medida Provisória n. 746/2016 (Lei n. 13.415/2017). Educação e Sociedade, Campinas, v. 38, n. 139, p. 355-372, abr./jun. 2017. [ Links ]

1Somos gratos ao Gabriel Grabowski, organizador das atividades, que auxiliou nosso contato e agenda com Gaudêncio Frigotto para a realização desta entrevista.

2Site da organização: https://www.todospelaeducacao.org.br/. Mais informações sobre os objetivos do Todos pela Educação pode ser encontrado no artigo POR QUE A URGÊNCIA DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO? MEDIDA PROVISÓRIA Nº 746/2016 (LEI n. 13.415/2017), de Vânia C. Motta e Gaudêncio Frigotto (2017).

3Autor do livro ANTIFA: the anti-fascist handbook (2017). O autor escreveu uma síntese das Cinco lições de história para antifascistas. Disponível em: https://www.revistaserrote.com.br/2018/03/cinco-licoes-de-historia-para-antifascistas-pormark-bray/.

4Referência aos governos de Fernando Collor de Melo (1990-1992), Itamar Franco (19901993) e de Fernando Henrique Cardoso (1994-2001). Mesmo considerando diferenças entre os governos, o período foi marcado pela aplicação de um receituário neoliberal.

5Gaudêncio Frigotto abordou o tema na 33ª Conferência de Abertura da 33ª Reunião Anual da ANPEd, com palestra de título Os circuitos da História e o balanço da educação no Brasil na primeira década do século XXI (2011).

6Disponível em: https://www.miacouto.org/murar-o-medo/.

Recebido: 16 de Julho de 2019; Aceito: 19 de Agosto de 2019

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