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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.24  Caxias do Sul  2019  Epub 31-Jul-2020

https://doi.org/10.18226/21784612.v24.e019030 

RESENHA

L’ECUYER, C. Educar na curiosidade: a criança como protagonista da sua educação São Paulo: Fons Sapientiae, 2015.

Nancibel Webber Gonzalez* 
http://orcid.org/0000-0002-0174-3215

* Doutoranda em Educação pela Universidade Católica de Santa Fe - Argentina. E-mail: nancibelw@gmail.com

L’ECUYER, C. Educar na curiosidade: a criança como protagonista da sua educação. São Paulo: Fons Sapientiae, 2015.


Catherine L’Ecuyer é canadense e radicada na Espanha. Graduada em Direito possui especialização pelo IESE Business School e o título de Mestre Europeu Oficial em Pesquisa. É autora do artigo “The wonder approach to learning”, publicado pela revista Frontiers in Human Neuroscience, o que converte sua tese em uma teoria de aprendizagem. É autora de Educar en el assombro (24ª edição), traduzido ao português como Educar na curiosidade: a criança como protagonista de sua educação e Educar en la realidad (8ª edição), traduzido ao português como Educar na realidade.

L’Ecuyer assessorou o governo do Estado de Puebla - México, para uma reforma da Educação Infantil, formou parte de um grupo de trabalho para o governo da Espanha sobre o uso das novas tecnologias pelas crianças e participou da elaboração de um relatório sobre leitura digital para o Centre for Research on Latin America and the Caribbean (CERLAC) (UNESCO). Recebeu o prêmio Pajarita da Associação Espanhola de Fabricantes de Brinquedos por promover a cultura do brinquedo nos meios de comunicação. Ministra palestras sobre educação em diversos países, mantém um blog educativo com mais de 1 milhão de visitas e escreve artigos sobre educação para o jornal El País. É colaboradora do grupo de pesquisa MenteCérebro da Universidad de Navarra - Espanha. Atualmente, a autora desenvolve pesquisa doutoral em Educação Infantil, com foco no método Montessori, pela Universidad de Navarra.

Educar na curiosidade: a criança como protagonista de sua educação é o livro que apresenta ao público a tese da “Educação na curiosidade”, que foi divulgada no meio acadêmico através do artigo “The wonder approach to learning”, publicado em 2014 pela prestigiosa revista suíça Frontiers in Human Neuroscience, como um novo (ou “não tão novo”, nas palavras da própria autora) enfoque sobre a aprendizagem. De acordo com a tese da “Educação na curiosidade”, que recupera premissas educativas presentes na filosofia clássica, a educação é um processo de abertura que inicia no interior da pessoa e se abre à realidade com o objetivo de ampliar os horizontes, desenvolvendo o conhecimento conforme as possibilidades da própria natureza humana. Nesse processo, a aprendizagem ocorre em resposta a algo que provoca assombro e convida a criança a investigar.

Na introdução, L’Ecuyer adverte sobre a redução crescente da capacidade das crianças de se interessarem pela realidade que as rodeia, de manter a concentração e da capacidade de espera, o que as leva a tornaremse adolescentes desmotivadas. Na primeira parte do livro, L’Ecuyer demonstra como a curiosidade da criança se manifesta, através de exemplos do cotidiano, mostrando que as perguntas aparentemente ilógicas feitas pelas crianças, como “Por que não chove para cima?”, não são reivindicações de respostas racionais, mas expressões de admiração diante de algo que é de uma determinada maneira, mas que poderia ser de outra. Na segunda parte, a autora tece algumas considerações para tornar possível a educação na curiosidade, sobre o jogo livre, o contato com a natureza, o respeito pela infância, a rotina humana, a mediação de um cuidador adulto e o silêncio interior.

A proposta educativa de L’Ecuyer parte da própria natureza da criança, que se caracteriza pela curiosidade que a leva a conhecer o mundo e se fundamenta na concepção aristotélica de educação como aperfeiçoamento daquilo que é capaz a natureza humana. Nesse processo, a admiração diante dos elementos da natureza é o que leva as crianças a se interessarem pelos seres, a explorar e descobrir suas propriedades e seus mecanismos de funcionamento. De acordo com a pesquisa realizada pela autora, a curiosidade admirada se revela como uma motivação intrínseca que poderia ser considerada como “estimulação precoce natural”. Essa perspectiva condiz com a postura de filósofos como: Platão, Aristóteles e Tomás de Aquino, que identificavam, no assombro, o início do processo de conhecimento. O assombro, nesse caso, é considerado um sentimento de elevação resultante da admiração, que transcende os limites do próprio sujeito e que dá início ao descobrimento e à aprendizagem.

Independentemente de quais sejam os processos cognitivos envolvidos na aprendizagem, a curiosidade é a origem do conhecimento na criança, pois a leva a buscar estímulos que a surpreendam, provocando o desejo de conhecer mais. Por isso, a autora considera a importância de proporcionar um ambiente favorável ao descobrimento, repleto de natureza e beleza, na medida do possível, em que a criança possa explorar com liberdade interna, guiada pela curiosidade e acompanhada por um cuidador com quem se sinta segura. A concepção de assombro (como princípio da aprendizagem) se opõe à educação mecanicista, que, antes de respeitar a curiosidade natural da criança, busca programá-la de acordo com ideais impostos pela sociedade através de estímulos que nem sempre satisfazem as motivações internas, os interesses e os ritmos próprios da criança.

Baseando-se em fontes científicas, L’Ecuyer também questiona a superestimulação das crianças, a qual ocorre através da saturação de bens materiais, caprichos, atividades extraescolares, falta de sono, estímulos para adiantar etapas, intensidade exagerada de sons e movimentos acelerados de imagem. Essa estimulação excessiva substitui o motor interno da criança, anulando sua curiosidade, criatividade e imaginação, em um processo que inicia com uma sensação de euforia, que acostuma a criança a níveis cada vez mais elevados de estimulação, excitando-a e a deixando hiperativa. A criança superestimulada está sempre em busca de novas sensações e, exigindo cada vez mais estimulação, entra em um círculo vicioso que inclui conteúdos cada vez mais rápidos ou agressivos, processo que entorpece o desejo inato por desvendar os mistérios e descobrir as leis do mundo físico, potencializando a formação de um adolescente desmotivado e ávido por entretenimento.

L’Ecuyer aponta a uma importante diferença entre educar, que visa a promover o desenvolvimento do potencial da própria criança, e inculcar, que aponta à adequação do comportamento. Educar é um processo cuja finalidade é “a própria criança, não o que se pretende conseguir com ela” e, nesse sentido, precisamos acolhê-la e ajudá-la a desenvolver-se, pois “quem educa aceita a criança como ela é e a acompanha na busca pela excelência, rodeando-a de oportunidades para que as encontre por si mesma, protegendo seu olhar daquilo que não lhe convém”, ou seja, deixando de projetar sobre a criança as complexidades do mundo adulto. Inculcar, por outro lado, implica a imposição de conteúdo, ideias ou parâmetros de comportamento que devem ser internalizados pela criança e que atendem a objetivos externos ou com aquilo que a sociedade considera útil.

Alguns aspectos favorecem a educação na curiosidade, como o jogo livre, que proporciona espaço para o exercício da liberdade interior, a criatividade e a imaginação. A possibilidade de experimentar a própria natureza ensina a respeitá-la e a desenvolver a paciência, pois é necessário aprender a esperar que a planta cresça e dê frutos, por exemplo. O respeito pela infância permite que a criança viva intensamente o presente, descanse adequadamente e desenvolva gradualmente as etapas cognitiva e afetiva. Uma rotina humana outorga sentido às sequências de atividades que a criança realiza junto com seres queridos, para que se sinta segura e encorajada a descobrir o mundo. A mediação de um cuidador adulto, com o qual a criança mantém vínculo de afeto, possibilita à criança compartilhar suas descobertas, incentivando-a a aprofundar seu conhecimento. O silêncio interior, que existe quando se acalma o barulho das multitarefas e aparelhos tecnológicos, possibilita e estimula as perguntas que surgem da curiosidade e na observação da realidade.

Sintetizando, educar na curiosidade consiste em: respeitar a liberdade interior da criança, considerando-a como sujeito de seu processo educativo; respeitar seus ritmos próprios, fomentando o silêncio e o jogo livre; e respeitar as etapas da infância, rodeando-a de beleza, sem saturar os sentidos. O comportamento desmotivado na adolescência corresponde, em muitos casos, a um “grito de protesto da natureza” diante de algo que foi imposto à criança e que não corresponde às suas verdadeiras necessidades. A saturação de estímulos sensoriais resultante da oferta excessiva de itens não solicitados naturalmente pela criança, por exemplo, acaba por inibir o instinto de curiosidade, que é o motor inato da aprendizagem.

Para fomentar o renascimento da curiosidade entre as crianças, que consiste em uma das competências infantis mais importantes, é necessário preservar o sentido do mistério, em vez de tentar racionalizar e abarcar todas as coisas como se isso fosse possível, permitindo que se entreguem ao impulso de conhecer o inesgotável, ampliando os horizontes e o conhecimento. Para isso, o enfoque da educação na curiosidade atualiza a premissa clássica de que é preciso proporcionar e preservar a beleza, entendida como expressão daquilo que é belo e bom para a criança, ajudando-a a desenvolver a sensibilidade para percebê-la diretamente na natureza e no ambiente, em vez de substitui-la por imagens virtuais e mediocridades que entorpecem a capacidade infantil de perceber e admirar a beleza que a rodeia.

Educar na curiosidade apresenta uma postura educativa diferente e renovada, fundamentada em perspectivas que superam o modelo tradicional de ensino e, por isso, a leitura do livro pode resultar muito útil a professores e pais que pretendem promover uma educação adequada à infância e à própria natureza humana, mais aberta à criatividade que à conformidade, à descoberta do mundo do que à inculcação de padrões de comportamento. Dessa forma, poderemos proporcionar melhores oportunidades de desenvolvimento da criatividade para a construção de uma sociedade mais justa e humana, considerando que “destruir a imaginação, a curiosidade e a criatividade de uma criança para inculcar nela, o antes possível e contra sua natureza, uma atitude racional é típico de uma sociedade fria, cínica e calculista”.

REFERÊNCIAS

L’ECUYER, C. Educar na curiosidade: a criança como protagonista da sua educação São Paulo: Fons Sapientiae, 2015. [ Links ]

Recebido: 16 de Abril de 2019; Aceito: 28 de Abril de 2019

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