SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.25Proposiciones en clases-sueño por la Educación de la DiferenciaUma breve reflexão sobre o direito à preguiça índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Conjectura: Filosofia e Educação

versión impresa ISSN 0103-1457versión On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.25  Caxias do Sul  2020

https://doi.org/10.18226/21784612.v25.e020033 

ARTIGOS

A formação inicial como espaço de desconstrução da experiência primeira: a construção do espírito científico do profissional pedagogo

Initial training as a space for the unique experience: the construction of the scientific spirit of the professional pedagogue

Ana Sara Castaman* 
http://orcid.org/0000-0002-5292-3646

Mario Luiz Junges Júnior** 
http://orcid.org/0000-0002-1148-2709

Josimar de Aparecido Vieira*** 
http://orcid.org/0000-0003-3156-8590

*Graduada em Psicologia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci. Mestra em Educação nas Ciências pela Unijuí). Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Atualmente, é Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS). E-mail: ana.castaman@sertao.ifrs.edu.br

**Mestrando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de Passo Fundo (UPF). Bolsista Prosup/Capes. Acadêmico no curso de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Básica e Profissional do IFRS, Campus Sertão. Especialista em Teorias e Metodologias da Educação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) E-mail: mariojunges@hotmail.com

***Graduado em Pedagogia pela Fundação de Ensino do Desenvolvimento do Oeste. Especialização em Supervisão Escolar. Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Atualmente é Professor no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico da área de Pedagogia do IFRS – Campus Sertão. E-mail: josimar.vieira@sertao.ifrs.edu.br


Resumo

Partindo do pressuposto de que os obstáculos epistemológicos, propostos por Gaston Bachelard, provocam situações de imobilidade frente ao conhecimento, impossibilitando, na maioria das vezes, o desen volvimento científico e bloqueando as capacidades dos sujeitos para uma atuação crítica e questionadora, característica da nova ciência, este artigo tem a finalidade de refletir sobre as contribuições da formação inicial do pedagogo para a desconstrução da experiência primeira. Para tanto, optou-se por uma pesquisa bibliográfica e documental pautada nos estudos de Bachelard que trata dos obstáculos epistemológicos à formação do espírito científico, nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia e dados de Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu de 08 (oito) Instituições Públicas e Privadas de Ensino Superior dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, no recorte temporal de 2018. Tal relação, entre o que descreve as Diretrizes e o que Bachelard pontua na formação do espírito científico, apresenta-se como possibilidade de compreensão e abertura de discussões a respeito do distanciamento de profissionais pedagogos dos espaços de pesquisa e experiências científicas em educação. A partir do contato com as obras pesquisadas e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, Licenciatura (BRASIL, 2006), percebeu-se entendimentos sobre a formação do pedagogo pesquisador, assim como pretextos para a necessidade de se continuar insistindo nessa dimensão formativa. Ainda, constatou-se que a formação inicial pode colaborar para a constituição do espírito científico do pedagogo, ampliando suas atuações enquanto cientista da educação. Para isso, torna-se necessário que os cursos de formação inicial tenham como fundamento a existência de obstáculos que podem, de modo negativo, contribuir para a inércia de seus estudantes.

Palavras-chave Espírito científico; Formação de pedagogos; Diretrizes Curriculares da Pedagogia

Abstract

Based on the assumption that the epistemological obstacles, proposed by Gaston Bachelard, cause situations of immobility in the face of knowledge, making scientific development impossible in most cases, and blocking the subjects’ capacities for critical and questioning action, characteristic of the new science, this article aims to reflect on the contributions of the pedagogue’s initial formation to the deconstruction of the first experience. For this purpose, bibliographic and documentary research based on Bachelard’s studies was chosen, which deals with the epistemological obstacles to the formation of the scientific spirit, in the National Curricular Guidelines of the Pedagogy Course and data from Stricto Sensu Post-Graduation Programs of 08 (eight) Public and Private Institutions of Higher Education of the States of Rio Grande do Sul and Santa Catarina, in the 2018 time cut. This relationship, between what describes the Guidelines and what Bachelard points out in the formation of the scientific spirit, presents itself as a possibility of understanding and opening discussions about the distance of educational professionals from the spaces of research and scientific experiences in education. From the contact with the researched works and the National Curricular Guidelines for the Pedagogy Course, Degree (BRASIL, 2006), understandings about the formation of the research pedagogue were perceived, as well as pretexts for the need to continue insisting on this formative dimension. Furthermore, it was observed that initial formation can collaborate with the constitution of the scientific spirit of the pedagogue, extending his actions as a scientist of education. For this, it is necessary that the courses of initial formation be based on the existence of obstacles that can, in a negative way, contribute to the inertia of their students.

Keywords Scientific spirit; Pedagogic training; Pedagogy Curriculum Guidelines

Introdução

O contato com professores com formação inicial em curso superior de Pedagogia faz transparecer certa dificuldade em abrir mão de conhecimentos adquiridos de forma direta pela observação, como é o caso da avaliação de situações de sala de aula que poderiam ser melhor trabalhadas, caso se buscasse uma compreensão teórica aprofundada. O que geralmente se tem visto é a redução do curso de Pedagogia a metodologias de ensino e a procedimentos, o que é uma visão reducionista de ciência: “[...] pedagogia é, então, o campo do conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação, isto é, do ato educativo, da prática educativa concreta que se realiza na sociedade como um dos ingredientes básicos da configuração da atividade humana” (LIBÂNEO, 2004, p. 30).

Além disso, um breve olhar sobre oito programas de pós-graduação stricto sensu (acadêmico) da área da Educação, dos Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, que foram escolhidos de forma aleatória, faz florescer dúvidas quanto ao baixo número de pedagogos matriculados em comparação com profissionais formados em outras áreas. No Quadro 1, apresentam-se dados organizados pelos autores, a partir de informações obtidas dos sites dos citados programas de algumas instituições privadas e públicas, de ingressantes no recorte temporal do ano de 2018. Delimitaram-se esse período e essas Instituições de Ensino Superior (IESs), visto que os dados foram extraídos de seus sites, e nem todas as IESs apresentam os referenciais deliberadamente. Ainda se destaca que, para mapear a formação inicial dos estudantes, acessaram-se as informações disponíveis em todos os Currículos lattes da listagem dos matriculados.

Quadro 1 Amostra de matrículas (2018) em Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu, na área de Educação, em instituições públicas e privadas 

Instituição Curso N. de estudantes matriculados N. de estudantes pedagogos
Universidade de Passo Fundo Mestrado em Educação 20 5
Universidade Federal da Fronteira Sul – Chapecó Mestrado em Educação 20 8
Universidade de Caxias do Sul Mestrado em Educação 25 4
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Frederico Westphalen Mestrado em Educação 16 3
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Mestrado em Educação nas Ciências 25 8
Universidade Comunitária da Região de Chapecó Mestrado em Educação 21 10
Universidade de Santa Cruz do Sul Mestrado em Educação 10 1
Universidade La Salle Mestrado em Educação 27 11

Fonte: Elaborado pelos autores (2019).

Considerando os estudos de Bachelard (2005), no que se refere aos obstáculos epistemológicos, há situações de imobilidade do conhecimento, o que impossibilita o desenvolvimento científico e bloqueia a capacidade dos sujeitos para uma atuação crítica e questionadora, característica da nova ciência. Em busca do que poderia estar por trás deste número reduzido de pedagogos nos espaços de pesquisa e de experiências científicas, surge a hipótese de não ocorrer a desconstrução do que Bachelard (2005) descreve como “experiência primeira”, mantendo os profissionais pedagogos agarrados em achados facilitados e referenciados em percepções frágeis e sem profundidade. Assim, aventou-se a seguinte indagação: De que modo a formação inicial do pedagogo pode contribuir para a desconstrução da experiência primeira?

Diante dessa problemática, estabeleceu-se como finalidade deste trabalho refletir sobre as contribuições da formação inicial do pedagogo para a desconstrução da experiência primeira. Considerando esse propósito, este estudo se caracteriza como pesquisa exploratório-descritiva e foi desenvolvido seguindo a abordagem que se assenta numa perspectiva qualitativa, seguindo os movimentos e as contradições próprios dos espaços educativos. Segue orientação naquilo que Minayo (2002) salienta, ou seja, a pesquisa qualitativa trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Contou com pesquisa bibliográfica e documental que fundamenta e orienta o trabalho, realizada a partir de material publicado, constituído, principalmente, de livros, artigos de periódicos e, atualmente, com material disponibilizado na internet com incidência em obras de autores como Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1999), Bachelard (2000, 2005), Lüdke (2002), Elliott (2003), Pimenta (2005), Libâneo (2006), Melo (2006), Gomes e Fonseca (2007), Leite (2007), Fonseca (2008), Santos (2008), Velanes (2017), Castaman e Junges Júnior. (2018), entre outros que se ocupam com a temática. Ainda: analisou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura (BRASIL, 2006).

Com essa perspectiva demarcada, o trabalho está organizado em três seções: inicialmente tratou de aproximar as ideias de Bachelard (2000, 2005) em relação à formação do espírito científico e as noções de obstáculo epistemológico, com foco na experiência primeira e no conhecimento geral. Após esse contato, buscou-se apresentar os fundamentos que organizam os Cursos de Pedagogia, a partir de um olhar voltado às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, Licenciatura. Na sequência, optou-se por relacionar os conceitos bachelardianos com os achados nas diretrizes, como forma de verificação das potencialidades da formação inicial em Pedagogia para o desenvolvimento de cientistas da educação. Por fim, encontram-se discorridas as considerações finais deste estudo.

A formação do espírito científico em Bachelard: o obstáculo da “experiência primeira” e da generalização

Em sua obra denominada A formação do espírito científico, Bachelard (2005, p. 8) destaca, logo no início, que a formação do espírito científico é uma forma de provar que o “pensamento abstrato não é sinônimo de má consciência científica”. Tal afirmação ganha força com as palavras de Santos (2008) ao identificar a necessidade de ser ampliada a capacidade da ciência, a partir da quebra de um paradigma dominante, construído nos séculos anteriores e que caracterizam as ciências naturais como superiores às chamadas humanidades.

Tratar das capacidades de abstração, em Bachelard (2005), é aproximar daquilo que o próprio autor expõe sobre a capacidade crítica inerente ao espírito científico. Isso ocorre, na medida em que se entende que a construção do espírito científico requer uma reconstrução do que se sabe e a abstração transita nesse caminho, visto que coloca, em xeque, o modelo de ciência que compõe o paradigma dominante, proposto por Santos (2008).

Para Bachelard (2005) o espírito científico está atrelado a uma capacidade de reconstrução do conhecimento já adquirido. Nesse sentido, o espírito científico reivindica uma capacidade crítica em relação ao que se conhece e se reconstrói constantemente esses saberes. Bachelard (2005) chama a atenção para o fato de que o fazer científico vem com o intuito de retificar erros, sendo necessário o levantamento de questionamentos que ultrapassem a barreira da experiência comum. Freire (1997, p. 35) afirma que “a curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura do esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital”.

Nas palavras de Bachelard (2005), já no denominado “Discurso Preliminar”, da obra A formação do espírito científico, verifica-se a primeira inserção do conceito experiência comum. Nessa seção, o autor alerta para o fato de que a experiência comum tem, como contraponto, a experiência científica. O caráter de construção e de contradição, visto na experiência científica, não é encontrado na experiência comum. Logo, implica uma experiência sem reflexão, marcada apenas pela percepção e pela aceitação do que se percebe. É entendida por Bachelard como um obstáculo e um contrapensamento ao conhecimento científico.

A expressão experiência comum é encontrada, também, nos escritos de Bourdieu quando faz referência à tentação do profetismo, à ruptura do conhecimento científico (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 1999) e, em outro momento, ao tratar da construção do objeto (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 1999). Sobre esse ponto, Melo (2006, p. 3), ao discutir questões teóricas de Bachelard, explica que “o cientista aproxima-se do objeto, na nova ciência, não mais por métodos baseados nos sentidos, na experiência comum, mas aproxima-se através da teoria”. De acordo com Lüdke (2002, p. 42), “[...] é inquestionável a importância do papel da formação teórica para o pesquisador. É a teoria que vai muni-lo de elementos para interrogar os dados e procurar entender a trama de fatores que envolvem o problema que ele tenta enfrentar”.

Em Bachelard, constata-se que o rompimento com a experiência comum deve atentar para o reconhecimento e a superação de certos obstáculos epistemológicos.

Quando se procuram as condições psicológicas do progresso da ciência, logo se chega à convicção de que é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser colocado. E não se trata de considerar obstáculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a fragilidade dos sentidos e do espírito humano: é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos

(2005, p. 17).

Tendo em vista que o espírito científico requer constante amadurecimento, Bachelard (2005) coloca os obstáculos epistemológicos como situações causadoras de inércia ante um conhecimento, o que impossibilita uma ação crítica que possa sobrepujar. Nesse contexto, é imprescindível ocorrer questionamentos e perguntas que saiam em busca de respostas capazes de construir o conhecimento científico. “Um obstáculo epistemológico se incrusta no conhecimento não questionado” (BACHELARD, 2005, p. 19).

Quanto a esse espaço, para que o obstáculo epistemológico se encrave (BACHELARD, 2005apud BERGSON, 1934) evidencia um aspecto que leva a não problematização de um conhecimento anterior. Bachelard (2005), parafraseando Bergson (1934), cita que se tende a acreditar mais e, por consequência, questionar menos aquelas ideias que são mais próximas, conferindo ares de idealização. Em tal atitude acrítica, em relação a um conhecimento, Bachelard (2005) elucida o que chama de “instinto conservativo”, que sustenta respostas e comprovações ao seu próprio saber, em consonância com as ideias empregadas assiduamente.

Em relação ao instinto conservativo, Bachelard (2005) o propõe em oposição a um instinto formativo (voltado à busca, à construção e à reconstrução do conhecimento). Nesse sentido, transparece a ideia sobre se manter vigilante no que diz respeito ao instinto conservativo, dado que “chega o momento em que o espírito prefere o que confirma seu saber àquilo que contradiz, em que gosta mais de respostas do que de perguntas. O instinto conservativo passa, então, a dominar, e cessa o crescimento espiritual” (BACHELARD, 2005, p. 19).

Se se pensar em uma hipotética lógica evolutiva marcada por um instinto (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 1999), teria, em Bachelard (2005), a derrubada desse pressuposto, assim como questionado por Bourdieu ao dialogar com Durkheim. A saber, “com efeito, até mesmo as espécies animais mais elevadas não são de modo algum impelidas pela necessidade de progredir e, mesmo entre as sociedades humanas, existem muitas que se comprazem em permanecer indefinidamente estacionárias” (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 1999, p. 153).

Nesse direcionamento, há um curso próprio da natureza humana marcado, antes, pela inércia, pela noção conservativa apontada por Bachelard (2005). Dentro do conceito de obstáculo epistemológico e de sua relação com a passividade do espírito em face do conhecimento, Bachelard (2005) descreve alguns desses obstáculos partindo do que ele classifica como “experiência primeira”, seguida da generalização, do obstáculo verbal, do conhecimento unitário e pragmático, do substancialismo, do obstáculo realista, do animista, do mito da digestão, da libido e do conhecimento científico e, por fim, do conhecimento quantitativo.

Pode-se abordar um a um dos obstáculos epistemológicos organizados por Bachelard (2005), porém a intenção é a elaboração da experiência primeira e do conhecimento em geral a partir da aproximação com os dois primeiros obstáculos Bachelard (2005, p. 29) assume que a experiência primeira é aquela “[...] colocada antes e acima da crítica – crítica esta que é, necessariamente, elemento integrante do espírito científico”. Ainda: conceitua conhecimento geral como aquele “que falta precisão, ou melhor, o conhecimento que não é apresentado junto com as condições de sua determinação precisa, não é conhecimento científico [...] é quase fatalmente conhecimento vago” (BACHELARD, 2005, p. 90).

Destarte, pode-se enfatizar que obstáculos não são estanques ou que se encerram com a superação dos dois primeiros. Importa explicitar que há uma continuidade no aparecimento de obstáculos epistemológicos, “assim que uma dificuldade se revela importante, pode-se ter certeza de que, ao superá-la, vai se deparar com um obstáculo oposto” (BACHELARD, 2005, p. 26). Partindo desse pressuposto, a escolha de trabalhar com a experiência primeira e o conhecimento geral deu-se por ser aquela, nas palavras de Bachelard (2005, p. 25), “um obstáculo inicial para a cultura científica”. No tocante ao conhecimento geral, esse espaço segue a sequência por prezar pelas palavras de Bachelard (2005) quando faz referência aos pares de obstáculos opostos.

Transitando pelos caminhos da experiência primeira, para um melhor entendimento dessa ideia, Bachelard (2005) a apresenta como a experiência que se sobrepõe à crítica, logo, distancia o sujeito daquilo que é característica do espírito científico. Para Bachelard (2005) a experiência primeira está sublinhada por uma relação de fascínio com o fato, o que torna essa experiência uma base movediça e frágil para o conhecimento.

Há, na experiência primeira, um encantamento por aquilo que a natureza oferece. Nesse furor acabam sendo deixados de lado o questionamento e a busca pelo entendimento daquilo que foi visto. Bachelard (2005) retrata diversas situações, principalmente de períodos do século XVIII, nas quais o deslumbramento pelo fenômeno desloca para a insignificância que envolve o acontecimento. Nesse sentido,

o espírito científico deve formar-se contra a Natureza, contra o que é, em nós e fora de nós, o impulso e a informação da Natureza, contra o arrebatamento natural, contra o fato colorido e corriqueiro. O espírito científico deve formar-se enquanto se reforma. Só pode aprender com a Natureza se purificar as substâncias naturais e puser em ordem os fenômenos baralhados

(BACHELARD, 2005, p. 29).

Diferentemente de outros tempos, a ciência idealizada por Bachelard (2005) é aquela que ultrapassa a fase do imediatismo, da experiência primeira, e se desloca para um conhecimento com vistas a alcançar o real. A orientação de Velanes (2017), é a de que a experiência imediata deve ser substituída pela construção do conhecimento. “O conhecimento científico não é óbvio, mas construído. Com efeito, a objetividade do conhecimento só é possível quando o cientista se afasta do imediatismo” (VELANES, 2017, p. 68).

Como forma de apresentar ao leitor um exemplo da experiência primeira, Bachelard cita o caso de estudos sobre a eletricidade.

[...] Ao ler vários livros dedicados à ciência da eletricidade no século XVIII, o leitor moderno perceberá, a nosso ver, a dificuldade que tiveram para deixar de lado o aspecto pitoresco da observação primeira, para descolorir o fenômeno elétrico, para expurgar da experiência os elementos parasitas e os aspectos irregulares. Ficará claro que a primeira visão empírica não oferece nem o desenho exato dos fenômenos, nem ao menos a descrição bem ordenada e hierarquizada dos fenômenos. [...] Assim, essas doutrinas primitivas, referentes a fenômenos tão complexos, apresentavam-se como doutrinas fáceis, condição indispensável para que fossem divertidas, para que interessassem um público mundano

(BACHELARD, 2005, p. 37).

Bachelard (2005) explica que a experiência primeira é um obstáculo para o real entendimento de um fenômeno, e seu uso acaba sendo aceito pelo comodismo à criticidade ao imediato. Para o espírito científico esses artifícios sedutores não podem compor um conhecimento que busque características fundantes, sendo necessário o rompimento com esse modelo.

O segundo obstáculo ao desenvolvimento do espírito científico descrito por Bachelard (2005), é o do conhecimento geral. O uso das generalidades ganha força no pensamento pré-científico pela facilidade com que explica determinados fenômenos. “O pensamento pré-científico não limita seu objeto: mal conclui uma experiência específica, já procura generalizá-la aos mais variados domínios” (BACHELARD, 2005, p. 84). Destarte, o científico prima pela objetividade, não se direcionando à universalização dos conceitos como ponto necessariamente a ser atingido.

A generalidade, manifesta por Bachelard (2005), surge muito próxima da experiência primeira. Quando não se experiencia de forma crítica, há a tendência de que ocorram generalizações incipientes, tal qual o exemplo utilizado pelo autor em relação ao uso de generalizações fáceis para determinados fenômenos.

Quase sempre, a fim de indicar de modo simples como o raciocínio indutivo, baseado numa série de fatos particulares, leva à lei científica geral, os professores de filosofia descrevem rapidamente a queda de vários corpos e concluem: todos os corpos caem. Para se desculparem de tal banalidade, pretendem mostrar que, com esse exemplo, têm o indispensável para marcar um progresso decisivo do pensamento científico

(BACHELARD, 2005, p. 70).

Como pôde ser visto, a generalização alcançada no exemplo trazido por Bachelard (2005) não sustenta toda a gama de fatos que podem ser encontrados quando se trata de explicação sobre a gravidade. O simples fato de se trazer à baila os corpos leves, pensamento de Aristóteles apresentado por Bachelard (2005), faz vir à tona a fragilidade da generalização, e a manutenção desse obstáculo promove o distanciamento da construção do espírito científico.

A orientação de Gomes e Oliveira (2007) é no sentido de que a generalização, embora facilite a compreensão imediata, acaba bloqueando a busca pelo aprofundamento sobre os fenômenos. “A lei geral é suficientemente satisfatória, para que se perca o interesse por estudá-la. Parte dos obstáculos propostos é, de alguma forma, consequência de generalizações inapropriadas [...]” (GOMES; OLIVEIRA, 2007, p. 98).

Tendo em vista que a intenção deste artigo é verificar as contribuições na formação inicial do Pedagogo para a desconstrução primeira, problematizou-se, nesta primeira seção, a partir dos dois primeiros obstáculos epistemológicos detalhados por Bachelard (2005). Assim, analisa-se, a seguir, a aproximação desses com os elementos que organizam a referida formação.

O Pedagogo como pesquisador: O que dizem as diretrizes?

As investigações que fazem referência aos direcionamentos à Pedagogia, para a formação de professores, ganha força com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura, a Resolução CNE/CP n. 1, de 2006 (BRASIL, 2006). Esse documento serve de referência à formação de profissionais pedagogos à atuação na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Em consonância com esse movimento, surgem questionamentos quanto à redução do campo de atuação do profissional da Pedagogia, como o publicado por Libâneo (2006, p. 6). Crítico incisivo do modelo adotado pela Resolução de 2006, o autor descreve a Pedagogia como “[...] o campo do conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação – do ato educativo, da prática educativa como componente integrante da atividade humana [...]” (2006, p. 6).

As percepções críticas de Libâneo (2006) não distanciam a Pedagogia da formação de professores. Castaman e Junges Júnior (2018) aludem que para Libâneo (2006) a Pedagogia pode e deve atuar de forma ampla quando se trata da educação, abrangendo estudos sobre a prática educativa, mas se colocando de forma a trabalhar com os referenciais teóricos que envolvem a educação.

Dada a abrangência do campo educacional, não por acaso a pedagogia tem sua atuação com uma amplitude que possa atender a todos os espaços educacionais. Isto se dá pelo entendimento da pedagogia de que os processos educacionais ocorrem apenas na sala de aula, mas ultrapassam a esfera do ensino escolar

(CASTAMAN; JUNGES JÚNIOR, 2018, p. 186).

Sem dúvidas a visão de Pedagogia enquanto ciência da educação não fica restrita ao pensamento de Libâneo (2006) e Castaman e Junges Júnior (2018). Em resenha do livro Pedagogia como ciência da educação”, elaborada por Libâneo e Parreira (2007), é possível examinar a ideia de que os direcionamentos dados pelos planos de educação, nacionais, estaduais ou municipais, acabam gerando perda de sentido e de identidade à Pedagogia, o que reduz sua atuação e abre espaços para ciências como a Psicologia e a Sociologia nos estudos sobre educação.

Dado o número de olhares que enxergam a Pedagogia como ciência que ultrapassa as paredes das salas de aula e tem potencialidades para o estudo amplo da educação, cabe entrar em contato com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, Licenciatura, para o entendimento do que o Conselho Nacional de Educação (CNE) determina para a formação de Pedagogos e sua proximidade com a formação do pesquisador da educação. O art. 2º da Resolução CNE/CP n. 1 (BRASIL, 2006) antecipa o direcionamento dado pelas Diretrizes Curriculares e descreve a que se destina:

Art. 2º. As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos

(BRASIL, 2006, p. 1).

Ainda que o art. 2º das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, Licenciatura, ao fim, faça uso da expressão “outras áreas” nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos, não fica evidente a que áreas se refere, dado que sinaliza de forma positiva às orientações de Libâneo (2006), quando destaca o norte proposto pelo referido documento. No entanto, ao observar o art. 3º, Parágrafo único, II, temos indicação de que “para a formação do licenciado em Pedagogia é central: II – a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de interesse da área educacional (BRASIL, 2006, p. 1). Nesse mesmo sentido investigativo, verifica-se, no art. 4º, III, um texto que revela ser a atividade docente a produção e a difusão de conhecimentos, ordenamento que coloca o profissional Pedagogo em uma ação ampliada no que se refere à educação.

Mantendo-se o foco nos pontos da Resolução que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura, que apresentem relação com a investigação científica, cita-se o art. 5º, XIV:

Art. 5º. O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a: [...] XIV – realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre outros: sobre alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes desenvolvem suas experiências não-escolares; sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecológicos; sobre propostas curriculares; e sobre organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas

(BRASIL, 2006, p. 2-3).

Além das possíveis aptidões elencadas no art. 5º a serem desenvolvidas no estudante de Pedagogia, esse poderá participar de outras atividades formativas que venham ampliar sua capacidade investigativa. O art. 7º, ao tratar da carga horária do curso de Pedagogia – licenciatura garante 2.800 horas de atividades formativas, incluindo a participação na realização de pesquisas e na participação em grupos de estudos, além de 100 horas que podem ser utilizadas para a iniciação científica do estudante (BRASIL, 2006). Como se pode examinar, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura, tratam de um direcionamento, embutido na formação do professor para a pesquisa. Ainda assim, alguns questionamentos são levantados por Leite (2007, p. 116), quando do pensamento do Pedagogo como pesquisador: “Assim, por a Pedagogia buscar amparo teórico em outras ciências, como pode o pedagogo ser cientista da educação, se ele tem de recorrer aos conceitos de outras disciplinas?”

Outro ponto que pode ser questionado, ainda que os cursos de Pedagogia, conforme apontam as Diretrizes Curriculares, possam dar uma formação inicial à pesquisa, é a de que essa acaba sendo identificada, não como uma ciência que produz conhecimento, mas uma aplicação de conhecimentos de ciências como a Sociologia e a Psicologia (LEITE, 2007), como discutido anteriormente. Contudo, Leite (2007, p. 118-119) argumenta que é um erro citar a Pedagogia como uma aplicadora de conhecimentos, isto se dá por não ser o Pedagogo “[...] apenas um profissional que se limita a repassar/implementar formulações elaboradas naquelas disciplinas, pois, quando elas, na prática, não têm o desdobramento previsto, é ele, o pedagogo, quem tem que as redefinir, elaborando novos procedimentos” e, para tanto, são os conhecimentos adquiridos na sua formação que lhe conferem a condição necessária.

A formação em Pedagogia como espaço de construção do cientista da educação

A formação do espírito científico requer uma reconstrução dos saberes anteriores. No entendimento de Bachelard (2005), essa reconstrução só é possível a partir de uma postura e de uma capacidade crítica constantes diante do que se sabe. Para tanto, o questionamento é necessário para o entendimento e a derrubada de possíveis entraves e erros encontrados na construção do conhecimento científico. Ao colocar o objetivo de trilhar o caminho da ciência, cabe o contraponto ao que Bachelard (2005) chama de “experiência comum”. Nesse modelo de experiência (comum), não são encontrados questionamentos ou contradições. As reflexões não aparecem sobre aquilo que foi percebido, mas se tomam essas percepções como fatos consumados.

Busca-se, nas palavras de Melo (2006), respaldo para a tentativa de indagar, na formação inicial do Pedagogo, a possibilidade de superação do obstáculo da experiência primeira, conforme revelada por Bachelard (2005). Para que se consiga a superação, mesmo a partir do encontro com a teoria, Bachelard (2005) observa a necessidade, antes de tudo, de que o sujeito tenha condições de reconhecer a existência de obstáculos epistemológicos à formação como cientista. Entende-se que, ao alcançar esse ponto, é que se faz possível a superação de tais obstáculos como o da experiência primeira, por exemplo.

Uma das principais características dos obstáculos epistemológicos à formação do espírito científico propostos por Bachelard (2005), diz respeito ao seu posicionamento em relação ao sujeito. Embora a palavra obstáculo possa representar algo que está fora, Bachelard (2005) menciona que tais bloqueios são internos, estão dentro do sujeito, o que dificulta sua percepção e exige maior esforço para sua superação.

Na experiência primeira, talvez, não por acaso, no primeiro obstáculo epistemológico descrito por Bachelard (2005), há a condição passiva do sujeito em relação ao conhecimento anterior, ao seu contato inicial com o fenômeno. Nesse caso, não há uma posição crítica ou de tentativa de maior entendimento daquilo que foi recebido pela percepção. Possivelmente um dos pontos mais difíceis de superar, na experiência primeira, é a comodidade do saber fácil. Questionar o que se tem como certo demanda esforço e aceitação de uma condição de não saber, de desconhecimento ante o que se tinha como certo.

Tendo em vista as práticas orientadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura (BRASIL, 2006), são encontrados espaços de discussão que podem ser tidos como capazes de auxiliar na superação do obstáculo da experiência primeira, como é o caso dos processos de iniciação científica, para os quais são reservadas 100 horas durante o curso de Pedagogia. Conforme dados das Diretrizes Curriculares, no art. 7º, institui-se [...] “III – 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos, por meio da iniciação científica, da extensão e da monitoria” (BRASIL, 2006, p. 4). Demo (1997) salienta que a pesquisa é um princípio educativo que permite formar sujeitos de consciência crítica, capazes de reconstruir, por meio dessa uma nova realidade acerca do problema pesquisado.

Molina e Garrido (2010) complementam que a pesquisa é inerente ao trabalho docente, já que pode qualificar o ensino, desenvolver a autonomia do professor e produzir conhecimento em relação ao ensino. Trata-se de uma pesquisa-ação em benefício do desenvolvimento e do crescimento profissional do professor (ELLIOTT, 2003).

Nessa direção, é necessário que o professor reflita sobre sua prática e rompa com aspectos imobilizados que, porventura, estejam dificultando ou gerando uma visão nebulosa de sua constituição como profissional da educação. É nesse processo reflexivo de forma dinâmica que vai se (des)construindo a identidade do professor que é pesquisador de sua própria prática. Pimenta (2005) traz considerações sobre a identidade profissional e afirma que

uma identidade profissional se constrói a partir da significação social da profissão, da revisão constante dos significados sociais da profissão, da revisão das tradições. Mas também da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas; práticas que resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Ainda, do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias. Se constrói, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano, a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor

(PIMENTA, 2005, p. 12).

No entanto, apesar de o questionamento e da pesquisa constituírem-se como fundamentais na formação de um pedagogo reflexivo e pesquisador, como explicam Gomes e Oliveira (2007), o auxílio para a superação da experiência primeira poderá ocorrer desde que o professor suponha a existência de um conhecimento no futuro Pedagogo, uma vez que todo estudante, ao chegar no nível superior, vem carregado de conceitos e de conhecimentos adquiridos na Educação Básica, principalmente, de percepções de como ser professor. Caso contrário, o que ocorrerá será a adição de novos conhecimentos, sem a necessária reconstrução do que já estava com o estudante.

Outro ponto elencado por Bachelard (2005) e complementado por Gomes e Oliveira (2007) e que deve pesar na formação inicial é o perigo do uso de artifícios de sedução.

É possível minimizar e até mesmo retificar essa experiência primeira por meio de uma ação que o autor chamou de “trazer a bancada do laboratório para o quadro-negro”, ou seja, procurar impedir que aconteçam apenas satisfações e admirações por imagens, preocupando-se com os fundamentos explicativos dos fenômenos presentes nas atividades experimentais

(GOMES; OLIVEIRA, 2007, p. 97).

É dentro de espaços formativos que não buscam a explicação para os fenômenos estudados que se desenvolvem obstáculos como o da experiência primeira e, como consequência, o do conhecimento geral, ampliando os impedimentos para a formação do espírito científico, explicam Gomes e Oliveira (2007). Como leciona Bachelard (2005, p. 67-68), “o educador deve procurar, portanto, destacar sempre o observador de seu objeto, defender o aluno da massa de afetividade que se concentra em certos fenômenos rapidamente simbolizados e, de certa forma, muito interessantes”. Bachelard (2000) enfatiza que a tarefa do professor caracteriza-se:

[...] no esforço de mudar de cultura experimental, de derrubar os obstáculos já amontoados pela vida cotidiana, de propiciar rupturas com o senso comum, com um saber que se institui da opinião e com a tradição empiricista das impressões primeiras. Assim, o epistemólogo tem de tomar os factos como idéias [sic], inserindo-os num sistema de pensamento

(2000, p. 168).

Destarte, torna-se imprescindível, na formação inicial em Pedagogia, a reflexão e a internalização da concepção de prática científica. Assim, o Pedagogo compreenderá a necessidade de rupturas e da abertura a uma dialética da descontinuidade, de olhares múltiplos ao objeto, de sentimento de construção histórica e de reconstruções e retificações permanentes, “[...] que não se conforma com as impressões primeiras e com os dados do senso comum e da apreensão da realidade por meios não científicos” (FONSECA, 2008, p. 365).

Cabe, então, aos espaços de formação inicial “[...] a tarefa mais difícil: colocar a cultura científica em estado de mobilização permanente, substituir o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer, enfim, à razão razões para evoluir” (BACHELARD, 2005, p. 24) ou, como bem exploram Gomes e Oliveira (2007), a formação deve apresentar ao estudante fortes motivos para seu amadurecimento.

Para isso, é fundamental que o Curso de Pedagogia deve se manter articulado às diferentes dimensões e espaços da vida social, sendo, ele próprio, elemento constitutivo e constituinte das relações sociais mais amplas. A formação inicial de pedagogos deve ser desenvolvida de forma mais alargada, no sentido de possibilitar uma crescente capacidade de adaptação a novas realidades e tornar os estudantes capazes de se desenvolverem autonomamente.

Considerações finais

Em suma, este artigo refletiu acerca das contribuições da formação inicial do Pedagogo para a desconstrução da experiência primeira, a partir dos pressupostos de Bachelard e da análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura. Constatou-se que as potencialidades na formação inicial, após o contato com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura, revigoram as expectativas em relação ao desenvolvimento de profissionais em condições de fortalecer os conhecimentos científicos da educação.

Contudo, para que a formação inicial possa contribuir para a formação do espírito científico do pedagogo, propiciando a ampliação de sua atuação como cientista da educação, é necessário que os cursos de formação inicial tenham como fundamento a existência de obstáculos que podem, de forma negativa, colaborar para a inércia de seus estudantes.

Por fim, salienta-se que dúvidas ainda pairam nas reflexões sobre o processo de formação de Pedagogos. A colaboração dos autores referenciados neste artigo permitiram perceber entendimentos acerca da formação do pedagogo-pesquisador, assim como pretextos para a necessidade de se continuar insistindo nessa dimensão formativa. Por se tratar de uma análise inacabada, sugere outras buscas teóricas e a análise de novas referências que problematizem a formação de Pedagogos. As considerações aqui situadas são inacabadas e requerem ser aprofundadas e melhor validadas em outras investigações, na perspectiva da recriação do Curso de Pedagogia.

Referências

BACHELARD, G. A epistemologia. Lisboa: Edições 70, 2000. [ Links ]

BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. 5. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. [ Links ]

BOURDIEU, P.; CHAMBOREDON, J.; PASSERON, J. A profissão sociólogo: preliminares epistemológicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília, DF: MEC, 2006. [ Links ]

CASTAMAN, A. S.; JUNGES JÚNIOR, M. L. A docência e o processo de ensino e aprendizagem: as contribuições da psicologia enquanto base teórica na formação de pedagogos. In: DICKMANN, I. Vozes da educação. São Paulo: Dialogar, 2018. v. 1. [ Links ]

DEMO, P. Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 1997. [ Links ]

ELLIOTT, J. A. docência como aprendizagem. In: SEBARROJA, J. C. et al. Pedagogo do século XX. Porto Alegre: Artmed, 2003. [ Links ]

FONSECA, D. M. A pedagogia científica de Bachelard: uma reflexão a favor da qualidade da prática e da pesquisa docente. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 361-370, maio/ago. 2008. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997. [ Links ]

GOMES, H. J. P.; OLIVEIRA, O. B. Obstáculos epistemológicos no ensino de ciências: um estudo sobre suas influêcias nas concepções de átomo. Ciências e Cognição, Rio de Janeiro, v. 12, p. 96-109, 2007. [ Links ]

LEITE, I. O pedagogo e o cientista da educação. Momento, Rio Grande, v. 18, n. 1, p. 113-123, 2007. [ Links ]

LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e pedagogos, para quê. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2004. [ Links ]

LIBÂNEO, J. C. Diretrizes curriculares da Pedagogia: imprecisões teóricas e concepção estreita da formação profissional de educadores. Educação e Socie dade, Campinas, v. 27, n. 96, p. 843-876, out. 2006. [ Links ]

LIBÂNEO, J. C.; PARREIRA, L. D. Pedagogia como ciência da educação (Resenha). Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 131, p. 511-518, maio/ago. 2007. [ Links ]

LÜDKE, M. A complexa relação entre o professor e a pesquisa. In: ANDRÉ, M. E. D. A. (org). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 2. ed. São Paulo: Papirus, 2002. [ Links ]

MELO, A. A construção do objeto turístico: diálogos com a epistemologia de Gaston Bachelard e Pierre Bourdieu. SEMINTUR. 4., 2006, Caxias do Sul Anais [...],Caxias do Sul, 2006. Disponível em: https://www.ucs.br/ucs/tplSemMenus/eventos/seminarios_semintur/semin_tur_4/arquivos_4_seminario/GT14-10.pdf. Acesso em: 1o. out. 2018. [ Links ]

MINAYO, M. C. S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 21. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. [ Links ]

MOLINA, R.; GARRIDO, E. A produção acadêmica sobre Pesquisa-Ação em Educação no Brasil: mapeamento das dissertações e teses defendidas no período de 1966-2002. Revista Brasileira de pesquisa sobre formação docente. Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 27-40, jan./jul. 2010. [ Links ]

PIMENTA, S. G. Professor-pesquisador: mitos e possibilidades. Contrapontos, Itajaí, v. 5, n. 1, p. 9-22, jan./abr. 2005. [ Links ]

SANTOS, B. de Souza. Um discurso sobre as ciências. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008. [ Links ]

VELANES, D. Alguns aspectos sobre o novo espírito científico na epistemologia de Gaston Bachelard. Saberes, Natal, v. 1, n. 16, p. 66-82, ago. 2017. [ Links ]

Recebido: 21 de Maio de 2020; Aceito: 02 de Junho de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.