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Conjectura: Filosofia e Educação

Print version ISSN 0103-1457On-line version ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.25  Caxias do Sul  2020

https://doi.org/10.18226/21784612.v25.e020027 

RESENHAS

ARROYO, Miguel G. Vidas Ameaçadas: Exigências-respostas éticas da Educação e da Docência. Petr[opoles: Vozes, 2019.

Caroline Birnfeldt* 
http://orcid.org/0000-0001-8450-0472

Marina Fagundes Weisheimer** 
http://orcid.org/0000-0001-6051-8723

*Mestranda (Bolsista CNPq) em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Graduada no curso de Licenciatura em Matemática pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa em Inclusão (Gepi/Unisinos/CNPq) e o Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Matemática e Tecnologia/CNPq /IFRS. E-mail: cbirnfeldt@gmail.com

**Mestranda em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), na linha de pesquisa Educação, História e Políticas. Graduada no curso de Licenciatura em Pedagogia pela Unisinos e formação no Curso Normal – Magistério – pelo Colégio Estadual 25 de Julho. E-mail: weisheimermarina@gmail.com


Em Vidas ameaçadas: exigências-respostas éticas da educação e da docência, Miguel Gonzalez Arroyo desdobra suas análises em torno da questão: “Que demandas éticas chegam à educação, à docência dos rostos-corpos educandos que chegam em vidas ameaçadas?” (ARROYO, 2019, p. 22). Ao pontuar que vivemos tempos em que a opressão política é radicalizada, o autor sinaliza que às escolas públicas e à EJA chegam infâncias e adolescências de forma legitimada, pois descritas como ameaçadoras de vidas dignas de proteção. Desses corpos vêm apelos de toda ordem e exigências éticas, pois esperam reconhecimento. Assim, a exigência ética “o que fazer para que as vidas dos educandos mereçam ser vividas” perpassa toda a obra (p. 23).

Miguel Gonzalez Arroyo é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (1970). Possui Mestrado em Ciência Política pela mesma instituição (1974), e Doutorado em Educação pela Stanford University (1976). Em 2015 recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal Fluminense (UFF). Segundo informações de seu Currículo Lattes, atualmente é Professor Titular Emérito na Faculdade de Educação da UFMG. É autor de diversos livros e artigos, bem como acompanha propostas educativas em redes públicas de ensino de todo o País. Sua atuação na área de educação tem ênfase em Política Educacional e Administração de Sistemas Educacionais.

A obra de Arroyo (2019) divide-se em uma apresentação seguida de três partes, que agrupam, respectivamente, o 4º, o 5º, e o 14º capítulos. Ao longo delas, expõe importantes perguntas que se direcionam a discussões e evidências que compõem sua argumentação. Cabe destacar que alguns desses questionamentos, arrolados ao longo do livro, referem-se ao título: Quais são as exigências e respostas éticas exigidas da educação e da docência que vêm dessas vidas ameaçadas? Nas duas primeiras partes, o autor apresenta pistas dessas exigências-respostas, mas é, na parte final, que situa tal objetivo. Para chegar a essa parte, Arroyo reúne seus esforços antes de descrever quais vidas são ameaçadas, que ameaças sofrem, de quem vêm essas ameaças e por quais motivos. Uma das hipóteses que sustentam a discussão do livro é que “o Estado criminaliza os mesmos coletivos sociais, raciais, étnicos, de classe que vinham lutando por educação pública” (p. 27). No decorrer das páginas, ele expõe evidências que sustentam tal hipótese.

O capítulo “De imagens quebradas a vidas ameaçadas” é responsável pela apresentação da obra resenhada. Nele o autor sinaliza que, no presente, formas antigas de opressão e de roubo de humanidades são radicalizadas. Corpos antes condenados a vidas precárias tornam-se ameaçados, e das escolas exigem respostas mais radicais, para serem reconhecidos como sujeitos que merecem ter a vida protegida. Vive-se o desmonte do Estado de Direitos, que, ao invés de proteger todas as vidas, passa a criar pacotes que criminalizam e ameaçam algumas em específico. Violências oriundas do Estado são legitimadas.

Na Parte 1, “Que vidas ameaçadas?”, o autor apresenta, em quatro capítulos, respostas à pergunta que intitula a seção. Para isso, parte do argumento de que se vivencia uma mudança de um Estado de Direitos para um Estado de Justiça justiceira. Esse deixa de ter a função de proteger todas as vidas e passa a ser gestor de vidas ameaçadas. Assim, ao se dedicar à análise da conjuntura brasileira, refere que esse Estado de Justiça justiceira, de criminalização, tem como destinatários os mesmos coletivos sociais, raciais e étnicos que, historicamente, foram os mais oprimidos ao longo de toda nossa história. Além disso, nas últimas décadas, esses coletivos ousaram constituir movimentos de resistência por se afirmarem como sujeitos de direitos humanos e de vidas justas.

Tal análise permite a afirmativa de que a vida desses coletivos está em permanente Estado de Exceção, assim como apontado por Walter Benjamim, em citação na obra resenhada: “Para os oprimidos o Estado de Exceção sempre foi a regra” (p. 46). Nessa lógica, por meio de ações de repressão e extermínio, ocorre a tentativa de convencimento da população de que os jovens, os adolescentes e as crianças pobres e negros são uma ameaça à ordem social. Esses sujeitos passam a receber a classificação de delinquentes, sub-humanos e ineducáveis, “logo punidos pela justiça penal, ou pior, à mercê do extermínio pelas forças de repressão à delinquência” (p. 67). De todas as análises, conclui-se que a segregação social e a racial não ficaram no passado. Dessa forma, à educação e à docência cabe mostrar as vidas ameaçadas que chegam às escolas e à EJA, vítimas de injustiças e violências, submetidas a imorais tratos históricos e de condições de classe e raça.

Já na Parte 2, “Que ameaças? De quem? Por quê?”, por meio das referidas questões como perguntas articuladoras, o autor destaca a ameaça ao primeiro direito humano: à vida. Arroyo ressalta que a população brasileira vive tempos marcados pela ameaça ao direito à vida, que é a ameaça política mais radical, que sintetiza e põe em risco todos os demais direitos humanos. Para o autor, ao reprimir qualquer luta dos coletivos sociais, o Estado reprime o direito à vida, negando-lhes o direito de ser gente. De acordo com suas análises, diversas fontes expõem que existem vidas merecedoras de serem vividas, logo protegidas pelo Estado, o Nós e os Outros, cujas vidas são extermináveis e sem proteção. Argumenta que são tempos de uma imoralidade política, em que o valor das vidas passíveis de serem vividas, aquelas dignas de proteção, legitimam extermínios, ameaças e a negação do valor de outras vidas.

Nesse Estado de Exceção permanente, o Nós é entendido como o ser racional, culto e civilizado, enquanto os Outros são os incultos, que devem ser moralizados e não devem exigir direitos, inclusive à vida. Nessa lógica, o autor expõe que uma hipótese que o acompanha é que a educação, os educadores, as universidades e as ciências humanas, por terem dado voz aos Outros, e, assim ameaçado o poder do Nós, são atacados. Além disso, nesses tempos autoritários, em que o desprezo à pobreza legitima o mesmo ato às escolas públicas, defende-se que os gastos públicos devem ser investidos em vidas rentáveis, logo, vivíveis. Aos Outros, os não rentáveis, destinam-se ameaças ao direito de sobrevivência, legitimadas não apenas por preconceitos, mas por motivação econômica. Além disso, soma-se à pobreza a negação dos direitos trabalhistas, o que aumenta a precarização do trabalho para as vidas residuais, que precisam encontrar formas de sobrevivência, formas, essas, que também ameaçam a vida. E na Parte 3, “Que exigências-respostas éticas”, que finaliza a obra, o autor intenta apresentar quais são as exigências-respostas éticas que chegam às escolas dessas vidas em risco. Para isso, ao longo dos 14 capítulos que compõem essa parte, elenca os temas que merecem tempo de estudo e pesquisa nos momentos de formação inicial e continuada, além de exigências e respostas éticas postas à educação e à docência. Além dessa listagem, Arroyo faz destaques específicos ao longo da seção. Ressalta que, diante dessas vidas ameaçadas, a docência deve reafirmar o valor de toda vida humana e “não legitimar que são merecedores das violências que sofrem. São vítimas” (p. 141). Quanto ao conhecimento dos currículos, cabe garantir que esses sujeitos entendam as estruturas de desproteção que vitimam seus coletivos historicamente. Um ponto central, nessa parte do livro, é a exigência de que os docentes devem aprender das mães, cujos filhos são vidas ameaçadas, a ética da proteção. As lições das mães que nunca duvidam que a vida de seus filhos merece ser protegida e vivida são carregadas de exigências radicais éticas tanto para as políticas quanto para a pedagogia e a docência. Nesse sentido, é uma exigência pedagógica tomar partido em defesa do direito dessas crianças, adolescentes e jovens de terem uma vida digna de ser protegida e vivida. Diante da criminalização das vítimas de históricas injustiças estruturais, destaca que a reação esperada é a vinculação da justiça em defesa do direito a uma vida justa e digna com ética e educação. Essas vidas ameaçadas exigem justiça.

A obra resenhada evidenciou que, na atualidade brasileira, passou-se a viver tempos em que a vida de coletivos sociais é historicamente ameaçada, é resposta com requintes políticos. O processo de decretar vidas ameaçadas de forma legítima ameaça também a educação pública e o trabalho docente, além dos outros direitos humanos. O livro de Arroyo une, ao longo das três partes, perguntas que exigem reflexão por parte do leitor, o que é de grande valia para direcionar as práticas docentes dos profissionais nas escolas, bem como das pesquisas realizadas nessa área.

Apesar de não finalizar a obra com uma clássica conclusão, o desenvolvimento da última parte, com a elucidação das exigências e respostas éticas postas à docência e à educação, de forma clara e coerente, tornou-se uma relevante forma de fechar a linha argumentativa do livro todo. Além disso, o detalhamento de temas que devem ser pesquisados e estudados nos momentos de formação, torna o livro um forte aliado aos professores de vidas ameaçadas durante a prática docente. Ao apresentar quais são as exigências éticas pelas quais os estudantes clamam, deixa clara a responsabilidade das escolas públicas em exigir justiça e proteção a essas vidas, que merecem ser vividas de forma digna.

Portanto, a leitura do livro se apresenta como sendo substancial para pesquisadores, professores de todos os níveis da educação, assim como para alunos de licenciatura e Programas de Pós-Graduação. Por tratar de temas que atravessam tanto o campo teórico da educação quanto do direito, da justiça e da configuração da sociedade brasileira, é uma obra indicada, também, àqueles interessados em conhecer e problematizar a temática, a fim de entender o momento que a educação e a sociedade brasileira vivem e contribuir para que todas as vidas tenham o direito de ser vivíveis de forma digna, e não ameaçadas por quem deveria protegê-las.

Recebido: 02 de Setembro de 2020; Aceito: 15 de Setembro de 2020

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