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Conjectura: Filosofia e Educação

Print version ISSN 0103-1457On-line version ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.25  Caxias do Sul  2020

https://doi.org/10.18226/21784612.v25.dossie.16 

DOSSIÊ: FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA CRÍTICA: PREOCUPAÇÕES E TENDÊNCIAS ATUAIS

Paradoxo mercantilização do Ensino Superior e formação profissional humana: uma crítica a partir das contribuições de Paulo Freire

Paradox merchantability of Higher Education and vocational training: a critical view from Paulo Freire’s contributions

Nilda Stecanela* 
http://orcid.org/0000-0001-9946-0848

Márcia Speguen de Quadros Piccoli** 
http://orcid.org/0000-0002-3394-8143

*Pós-doutorado no Institute of Education/University of London (2015-2016). Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora no PPGEdu da Universidade de Caxias do Sul. Pesquisadora de Produtividade do CNPq. E-mail: nstecane@ucs.br

**Doutoranda em Educação pela Universidade de Caxias do Sul. E-mail: msquadro@ucs.br


Resumo

O texto se debruça sobre os princípios constantes no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) de quatro Instituições Comunitárias de Ensino Superior (ICESs), duas localizadas no Rio Grande do Sul e duas situadas em Santa Catarina. O propósito é analisá-los segundo três categorias analíticas tomadas das obras de Paulo Freire: abertura para o diálogo. autonomia; e emancipação. A análise documental retrata os procedimentos adotados na construção dos dados empíricos, segundo a abordagem de Bacellar (2005). O estudo observa o atual cenário da Educação Superior, que indica um processo de mercantilização que desafia os movimentos das universidades, especialmente das universidades comunitárias devido à natureza pública não estatal, sem fins lucrativos e legitimadas pela Lei n. 12.881/2013. O argumento central do texto se constrói em torno da seguinte problematização: Como articular a lógica de mercado com uma formação profissional humana e de qualidade, em oposição à objetificação dos projetos de formação e de atuação profissional? Entre os resultados do estudo, estão

o relevo dos propósitos das universidades comunitárias e indicadores articulados com a geração de capital humano e com a geração de capital de conhecimento, considerados como possíveis alternativas para posicionar as ICESs como instituições que não serão absorvidas pelo cenário da Educação como um negócio, não obstante as fronteiras permeáveis entre o dentro e o fora da academia.

Palavras-chave Ensino Superior; Universidades comunitárias; Formação profissional humana

Abstract

The text focuses on the principles contained in the Institutional Development Plan (PDI) of four Community Higher Education Institutions (ICES), two located in Rio Grande do Sul and two located in Santa Catarina. The purpose is to analyze them according to three analytical categories taken from Paulo Freire’s works: openness to dialogue; autonomy and emancipation. The documentary analysis portrays the procedures adopted in the construction of empirical data, according to the approach of Bacellar (2005). The study looks at the current scenario of Higher Education which indicates a process of commercialization that challenges the movements of universities, especially non-profit, community universities due to their nonstate public nature, legitimized by Law n. 12.881/2013. The central argument of the text is built around the following problematization: How to articulate the logic of the market with a human and quality professional formation, as opposed to the objectification of the training and professional projects? Among the results of the study are the prominence of the purposes of the community universities and indicators articulated with the generation of human capital and the generation of knowledge capital, considered as possible alternatives to position the ICES as institutions that will not be absorbed by the Education scenario as a business, despite the permeable boundaries between inside and outside the academy.

Keywords Higher Education; Community university; Human vocational training

Introdução

A intenção do texto é apresentar uma análise dos princípios constantes no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) de quatro Instituições Comunitárias de Ensino Superior (ICES), duas localizadas no Rio Grande do Sul e duas situadas em Santa Catarina, considerando três categorias analíticas tomadas das obras de Paulo Freire, a saber: abertura para o diálogo; autonomia; e emancipação.

O critério para a escolha das ICESs cujos PDIs foram analisados seguiu as seguintes definições: universidades laicas, reconhecidas como comunitárias, com, no mínimo, quatro mestrados e dois doutorados implantados, credenciadas no sistema federal e com maior número de alunos nos estados mencionados. As duas instituições do Rio Grande do Sul fazem parte do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), instituído em 1993, e as duas instituições de Santa Catarina compõem a Associação Catarinense das Fundações Educacionais (ACAFE), fundada em 1974.

O estudo é mobilizado pela participação das autoras do texto como colaboradoras em projeto de pesquisa que estuda a articulação entre identidade e imagem institucional de universidades comunitárias no Sul do Brasil.1

A análise documental foi o procedimento adotado na construção dos dados, orientada pela abordagem de Bacellar (2005). O adentramento nos documentos institucionais (PDIs) das quatro ICESs possibilitou não somente a localização dos princípios orientativos de cada instituição, mas, também, uma análise comparativa e um olhar mais do que contemplativo, pois se fez necessário um processo de impregnação e categorização dos conteúdos dos textos analisados. Esse movimento, vinculado às categorias alicerçadas em Paulo Freire, denotou um novo sentido, pertinente à reflexão sobre o paradoxo mercantilização e formação profissional humana.

O atual cenário da Educação Superior indica um processo de mercantilização que desafia os movimentos das Instituições de Ensino Superior (IESs), especialmente das ICESs, por serem consideradas instituições de natureza pública não estatal (FIOREZE, 2017), ou seja, sem fins lucrativos e legitimadas pela Lei n. 12.881/2013, que dispõe sobre a definição, a qualificação, as prerrogativas e finalidades dessas IESs. De acordo com Schmidt (2010, p. 29), as ICESs “não estão orientadas para a maximização do lucro, sendo os resultados financeiros reinvestidos na própria universidade”. Além disso, por terem sua origem na mobilização das comunidades onde estão inseridas, as ICESs voltam-se ao atendimento das demandas regionais, portanto, agregam a concepção de desenvolvimento baseado em conhecimento. Na mesma direção, o portfólio de cursos não segue simplesmente a lógica de mercado; ao contrário, é pensado e disponibilizado à formação profissional requerida e articulada à matriz produtiva e às relações socioculturais do território onde estão instaladas. A inserção na comunidade é uma marca forte dessas ICESs, potencializada pela interação com os diversos segmentos da comunidade regional, num esforço constante para ampliar, também, a inserção nos cenários nacional e internacional. Desse modo, os diferentes perfis da população do seu entorno são considerados nas modalidades e níveis de formação ofertados, a exemplo dos cursos na modalidade a distância, dos cursos de curta duração e das licenciaturas nem sempre rentáveis se analisados isoladamente.

Os desafios que se apresentam à Educação Superior mostram que muitos projetos profissionais e de vida estão sendo direcionados pela lógica de mercado. Isso requer uma atitude de vigilância por parte das instituições comunitárias, no sentido de não se distanciarem de sua identidade institucional, mas, ao mesmo tempo, de buscarem a articulação de ações para o enfrentamento da lógica predatório-mercantilista. Como articular essas duas dimensões: a lógica de mercado e a da formação profissional humana e de qualidade, tendo presente as diretrizes do PDI e as categorias de análise mencionadas, em oposição à coisificação (STECANELA, 2018) dos projetos de formação e de atuação profissional? O conceito de Freire em relação à coisificação busca o enfrentamento da visão do homem como recurso, como coisa ou objeto para tal fim, fortalecendo a defesa da totalidade do ser como alguém em interação, como ser autônomo, ativo e participativo das questões democráticas.

O cruzamento dos princípios institucionais que compõem os quatro PDIs observados com as três categorias de análise sinalizadas neste trabalho, evidencia o propósito de uma IES comunitária e ressalta a relevância da articulação entre dois importantes indicadores que emergem deste estudo, ou seja, a geração de capital humano e a geração de capital de conhecimento, como alternativas capazes de posicionar as ICESs como instituições que não serão absorvidas pelo cenário da Educação como um negócio, não obstante as fronteiras permeáveis entre o dentro e o fora da academia.

Perante as intenções e contextos apresentados, o texto se estrutura, além dessa introdução, em duas sessões nas quais: 1) as ICESs são tematizadas ante o desafio da mercantilização do Ensino Superior; e 2) os dados são submetidos a um diálogo em três dimensões: entre os objetivos e argumento do texto, os dados empíricos e os interlocutores teóricos. Por fim, as considerações finais com as principais sínteses e achados do estudo, seguidos pelas referências acessadas.

1 A identidade das ICESs e a mercantilização da Educação Superior

Importante é recorrer aos percursos históricos de implantação da Educação Superior no Brasil. Para isso, buscamos, na sistematização, em Neves (1995), a análise desse processo em pelo menos quatro fases: instalação; centralização; interiorização; e novos modelos regionais. Segundo Fioreze (2017), esses momentos históricos estão intimamente relacionados aos processos de desenvolvimento econômico, político e cultural da sociedade.

A fase inicial, situada entre os anos de 1883 e 1930, é chamada de “Instalação” e, como o próprio nome diz, representa a “criação de escolas e faculdades isoladas de nível superior que, posteriormente, eram agregadas para formar uma universidade” (NEVES, 1995, p. 6).

Posteriormente, a segunda fase, identificada como “Centralização”, situada entre os anos de 1930 e 1960, marca a instalação das IESs nas capitais. É nesse recorte temporal, por exemplo, que surgem, no Rio Grande do Sul, a Pontifícia Universidade Católica, em 1948, em Porto Alegre; a Universidade de Porto Alegre (UPA), essa mantida pelo Estado e, posteriormente, transformada na Universidade do Rio Grande do Sul (URGS), que, após ser federalizada, originou a atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). (FIOREZE, 2017).

A terceira fase é identificada por Neves (1995) como “Interiorização” e compreende o período de 1960 a 1990, quando as regiões do interior dos estados criam suas universidades e faculdades. No Rio Grande do Sul, a precursora desse movimento foi a Universidade de Santa Maria, com “um projeto influenciado pela absorção de modelos estrangeiros, baseado num intenso processo de modernização de cunho desenvolvimentista” (NEVES, 1995, p. 9). Nesse período, surgem as universidades comunitárias que cumprem um importante papel no processo de expansão pela interiorização do Ensino Superior. Conforme afirmam Morosini e Franco (2006, p. 65), essas instituições, muitas vezes, “cumprem o papel do Estado onde inexistiria ensino superior”.

Por fim, a quarta fase, que corresponde a década de 1990, é identificada como “Novos modelos regionais”, caracterizando os processos de regionalização das IESs e a disseminação da Educação Superior com a criação de “IESs multi-campi, núcleos universitários e instituições isoladas” (NEVES, 1995, p. 5). Esse é um momento em que as IESs privadas diversificam a oferta de cursos, passam a dar mais valor à titulação do corpo docente e direcionam investimentos à pesquisa e a novas tecnologias.

Neves (1995) registra que o Rio Grande do Sul seguiu um movimento distinto do restante do País, à medida em que,

ao invés da multiplicação de escolas e universidades particulares com caráter empresarial, o que se assistiu foi a criação de instituições privadas, concentradas principalmente no nordeste e noroeste do estado, com forte caráter comunitário, resultado da iniciativa de lideranças locais motivadas pelas necessidades e perspectivas de desenvolvimento regional e apoiadas na ação política de representantes locais

(NEVES, 1995, p. 1).

Embora o modelo das IESs comunitárias tenha surgido no Brasil a partir de 1960, sua qualificação foi promulgada somente em 2013 com a Lei n. 12.881. Essas instituições possuem algumas características que favorecem uma relação muito próxima da comunidade onde estão inseridas. Conforme estudo de Schmidt (2010), o próprio histórico de constituição dessas instituições traz, em si, a consolidação de um modelo institucional que existe e foi criado em decorrência de demandas da sociedade civil e do poder público local, a quem pertence o patrimônio. Conceitualmente, as ICESs, de acordo com a lei mencionada, possuem as seguintes características:

Art. 1º. Estão constituídas na forma de associação ou fundação, com personalidade jurídica de direito privado; é patrimônio pertencente a entidades da sociedade civil e/ou poder público; sem fins lucrativos e com aplicação integral no País dos seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; mantêm escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão; possui transparência administrativa e em caso de extinção destina seu patrimônio para uma instituição pública ou congênere

(BRASIL, 2013).

O Comung (1994, p. 5) também se manifesta sobre o caráter comunitário das ICESs, como algo decorrente da “sua inserção na história do povo da região, da sua gestão democrática e transparente, [...] e pela sua política de extensão universitária à comunidade”.

As ICESs, geralmente, são mantidas por uma fundação, cujo conselho gestor comporta a representação de distintos setores da comunidade regional. Essa característica enaltece seu caráter público e sua gestão influenciada pelas demandas regionais.

Longhi (1998apudFIOREZE, 2017) analisa a inter-relação entre o próprio termo comunitário e o caráter regional das universidades, sendo que o comunitário praticamente se define como regional. Descreve, ainda, que a vocação regional se constitui em elemento distintivo dessas instituições, organizadas por meio de uma estrutura regionalizada por campi, centros de extensão ou extensão de cursos. Nesse contexto, reforça-se a importância de que as ICESs considerem o seu papel como vetor do desenvolvimento regional. Esse desenvolvimento de entorno socioeconômico pode ser traduzido por meio de avanço das capacidades humanas dos indivíduos, atingida pela formação integral; criação de novo conhecimento e preservação do passado; interação universidade-sociedade nos seus ambientes de ensino e de pesquisa; pesquisa sistematicamente a sociedade em que está inserida, a partir de seus múltiplos ângulos (saúde, educação, história, gestão, engenharia); e, a partir disso, promove ações para uma sociedade mais próspera e melhor. Essas são, portanto, necessidades sempre presentes e dinâmicas, o que denota um caráter ora transformador ora de transformação própria desse perfil institucional, o que estabelece um senso de propósito e significado. Nesse conceito, a universidade comunitária passa a se entender como pertencente à história da região no seu passado, presente e no seu futuro. Responder, portanto, qual é o futuro da universidade comunitária é pensar, num primeiro momento, qual é o futuro da região na qual está inserida.

Conforme descreve Fioreze (2017, p. 154), “a caraterização das universidades comunitárias como públicas, porém não estatais, é um aspecto central de sua constituição, que demarca seu movimento na direção de uma distinção tanto com relação ao modelo público estatal quanto com relação ao modelo privado mercantil”. Essa concepção, ou seja, de existir na e para a comunidade, pode ser um significativo diferencial desse modelo institucional, paralelo aos princípios de qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão e de inovação. Contudo, nem sempre esse propósito é percebido pela comunidade, dificultando a constituição do senso de pertencimento e, consequentemente, de responsabilidade e engajamento por sua existência e manutenção.

Para essas instituições, a conquista da identidade de universidades de pesquisa aconteceu de modo gradativo, nas últimas décadas, com a implantação de cursos de pós-graduação em nível stricto sensu; com a oferta de formação profissional em nível superior; e com o desenvolvimento da pesquisa e da extensão. No entanto, a manutenção da identidade como uma universidade tem se mostrado um árduo desafio, tendo em conta o processo de mercantilização da Educação e o avanço das instituições mercadológicas. Isso tem impulsionado as ICESs a também vibrarem na frequência de um fenômeno desenvolvido por McCowan (2018) como sendo um processo de desagregação, no âmbito do qual ocorrem a oferta de diferentes modalidades de formação superior, a exemplo de cursos superiores de curta duração, como é o caso dos cursos de tecnologia, e dos cursos na modalidade a distância.

Segundo McCowan (2018, p. 465), a dinâmica da “desagregação” [unbundling] é impulsionada pelo crescimento do setor com fins lucrativos e permite que as universidades trabalhem com a oferta desmembrada de produtos almejados pelos estudantes ou pela comunidade que, anteriormente, eram disponibilizados apenas em programas fechados ou em pacotes. As críticas e defesas desse modelo são diversas: alguns defendem como algo desejado, necessário e inevitável; outros caracterizam como uma grande ameaça ao modelo tradicional. Na realidade, diante do cenário atual que se apresenta às ICESs, essa disrupção já impera, exigindo uma reinvenção de muitos processos acadêmicos e administrativos. Situações que podem exemplificar isso estão relacionadas ao crescimento de instituições somente de ensino e a oferta de cursos on-line abertos e massivos, identificados por McCowan (2018, p. 466) como Massive Opening On line Massive Courses (MOOCs). Essa situação traz consigo a mercantilização do Ensino Superior, tendo a lógica de mercado numa posição que, muitas vezes, se sobressai em relação à qualidade da formação profissional, ademais, de uma formação profissional humana.

Na reflexão sobre o embate mercadológico a ser vencido pelas ICESs é importante considerar que, de acordo com McCowan (2018), a desagregação não deve ser assumida como tendência inevitável, pois, em alguns momentos, a reagregação também tem se mostrado uma alternativa favorável, e ambas podem surgir num processo cíclico e não linear no decorrer da história, alterando os movimentos conforme as circunstâncias de cada momento. Independentemente de desagregar, ou não, McCowan (2018) também alerta sobre o cuidado que as universidades devem ter em relação às mudanças a serem feitas, na tentativa de responder às exigências do ambiente externo. Conforme o autor, “isso não significa aceitar todas as formas de mudança, independentemente de seu valor, e renunciar ao seu papel também como agentes e formadores da sociedade” (p. 480). Desse modo, as adaptações necessárias para acompanhar os movimentos externos não podem representar ameaças ao propósito central de uma universidade comunitária vinculado aos seus princípios institucionais.

Sobre a elucidação do perfil das universidades comunitárias, McCowan (2016) alerta sobre a fragilidade conceitual e teórica do que é e para que serve a universidade. Longo (2019, p. 77) observa que, para esse autor “a dicotomia público/privado não dá conta de explicar os atributos que caracterizam uma universidade”. Por isso, para compreender as características das IES, McCowan (2016) propõe um modelo amparado em três dimensões-chave para análise da anatomia das IESs: valor, função e interação. A dimensão valor está relacionada à razão de ser da universidade, ou seja, o porquê de sua existência; a função, como o próprio nome diz, reflete seu papel como responsável por produzir, armazenar, disseminar e aplicar o conhecimento; e a interação que diz respeito aos relacionamentos estabelecidos entre a instituição e a sociedade.

2 Princípios institucionais das ICESs: uma análise à luz das contribuições de Paulo Freire

Conforme anunciado na abertura do texto, recorremos a três categorias de análise tomadas das contribuições de Paulo Freire, para observar os princípios institucionais de quatro universidades, duas pertencentes ao Comung e duas pertencentes à Acafe, ou seja, abertura para o diálogo; autonomia; e emancipação.

Sobre a abertura para o diálogo, Freire se refere a um comportamento que está condicionado a uma postura dialético-problematizadora, que exerce papel central para uma educação libertadora. Na abordagem que desenvolve sobre o diálogo em Freire, Zitkoski (2018, p. 140) afirma que é por meio do diálogo que podemos olhar o mundo e a nossa existência em sociedade, e que isso é um processo permanente em construção, “como realidade inacabada e em constante transformação”. Na obra Pedagogia da autonomia (1996, p. 153), Freire trata da importância da postura dialógica, argumentando que “testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios, são saberes necessários à prática educativa”. Ressalta, ainda, que essa abertura só é possível pelo diálogo, nas relações estabelecidas com os outros, na pronúncia da palavra como reveladora dos nossos limites explicativos e dos nossos modos de ver o mundo. Não há dúvidas de que o diálogo é central no desenvolvimento de um projeto pedagógico-crítico que pretenda o estímulo à autonomia e que tenha, no horizonte, a emancipação possibilitada por nossa ação humanizadora.

A autonomia é um conceito desenvolvido por Freire, como um processo a ser construído, por meio de tomadas de decisão que propiciam a humanização e a solidariedade. Machado (2018, p. 61) destaca que a autonomia é “considerada como uma das categorias centrais na obra de Freire” por se constituir “uma tarefa fundamental no ato de educar”, ademais, por ser considerada um “direito pessoal na construção de uma sociedade democrática que a todos respeita e dignifica”. A centralidade da autonomia, nos processos educativos, se deve, também, por seu caráter transversal, uma vez que se articula a outros princípios básicos envolvidos na prática educativa. As análises de Machado (2018, p. 61) sobre a autonomia em Freire sistematizam que “todo processo de autonomia e de construção de consciência nos sujeitos exige uma reflexão crítica e prática, de modo que o próprio discurso teórico terá de ser alinhado a sua aplicação”. O convite à assumpção de nossa autonomia feito por Freire na obra Pedagogia da autonomia (1996) é uma provocação ao processo de conscientização que desafia a passagem da curiosidade ingênua à curiosidade crítico-epistemológica em todas as instâncias do nosso viver, agir e sentir. Em outras palavras, trata-se de um movimento de transição dos processos de alienação e dominação para processos de libertação e emancipação.

Por sua vez, a emancipação desafiada por Freire configura um modo de intervenção no mundo, a ser assumido por indivíduos dispostos a construir uma sociedade liberta dos processos de opressão e engajada no exercício da autonomia. Para Moreira (2018, p. 181) a emancipação de que trata Freire é “uma grande conquista política a ser efetivada pela práxis humana, na luta ininterrupta a favor da libertação das pessoas de suas vidas desumanizadas pela opressão e dominação social”. A consolidação dos processos de emancipação também está conectada ao diálogo crítico a ser estabelecido entre as diversas culturas, excluindo-se, desse cenário, as posições autoritárias.

Com base na análise do quadro construído por Longo (2019), contendo os princípios institucionais das quatro universidades selecionadas para o presente estudo, as categorias anteriormente descritas foram evocadas para o exame dos ecos dessa presença ou ausência nos propósitos expressos nos PDIs observados.

Três PDIs analisados consideram o recorte temporal compreendido entre 2017 e 2021, e um deles comporta o recorte 2018-2022, ou seja, todos computam quatro anos, conforme orientação das políticas educacionais brasileiras.

Para fins de preservação da identidade das ICESs estudadas, foi adotada a codificação ICES1, ICES2, ICES3 e ICES4, sem identificação do estado onde estão localizadas. O modo de expressão dos princípios varia de uma instituição a outra, valendo-se de frases isoladas, expressões e frases curtas.

Quadro 1 Princípios institucionais das ICESs observadas 

ICES1
(PDI 2017-2021)
ICES2
(PDI 2017-2021)
ICES3
PDI 2017-2021)
ICES4
(PDI 2018-2022)
– Respeito à pessoa;
– Responsabilidade social;
– Qualificação institucional;
– Prevalência do interesse institucional;
– Inovação;
– Inserção local e global;
– Gestão democrática;
– Compromisso com o meio ambiente;
– Autonomia;
– Sustentabilidade.
– Respeito ao pluralismo de ideias;
– Compromisso social com o desenvolvimento regional e global;
– Produção e uso da tecnologia a serviço da humanização;
– Ética no relacionamento;
– Formação e profissionalização de vanguarda.
– Promoção da formação integral do homem;
– Qualidade educativa;
– Universalidade de campos de conhecimento;
– Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão;
– Gestão democrática;
– Responsabilidade social-universitária;
– Inovação;
– Sustentabilidade acadêmico-financeira.
– Excelência na formação integral do cidadão;
– Universalidade de campos de conhecimento;
– Flexibilidade de métodos e concepções pedagógicas;
– Equilíbrio nas dimensões acadêmicas;
– Inserção na comunidade;
– Gestão democrática, participativa, transparente e descentralizada;
– Valorização e capacitação dos profissionais;
– Compromisso socioambiental;
– Respeito à biodiversidade, à diversidade étnicoideológico-cultural e aos valores humanos.

Fonte: Quadro adaptado de Longo (2019, p. 88) pelas autoras.

A quantidade de princípios expressos em cada ICES varia entre cinco e dez, totalizando 32 princípios analisados no conjunto das quatro ICESs. Observa-se que alguns princípios são comuns a todas as ICESs, e outros são específicos e relacionados, provavelmente, aos desafios e à inserção de cada instituição nas comunidades que as originam.

Os princípios institucionais que caracterizam certa semelhança entre as quatro ICESs são: respeito à pessoa; responsabilidade social; preocupação com a qualidade institucional; opção por uma gestão democrática; e questões relacionadas à ética.

No que tange às diferenças, podemos observar que, por exemplo, a menção à inovação propriamente dita aparece como princípio em duas ICESs. Numa terceira instituição, é possível percebê-lo de modo subliminar e, na quarta ICES, não há menção direta ou indireta. Já o princípio da inserção local-global está presente em duas ICESs. Uma terceira instituição faz referência somente à inserção na comunidade e, numa quarta instituição, não há evidências dessa informação. Interessante é observar que o compromisso com o meio ambiente está presente em apenas duas ICESs, sendo que duas instituições não destacam a sustentabilidade como princípio, e outras duas o expressam diretamente no emprego da expressão. Por sua vez, a autonomia aparece como princípio em apenas uma instituição, mas, de modo geral, fica subentendida nos princípios das quatro ICESs, por exemplo, por meio da valorização e capacitação dos profissionais, da universalidade dos campos de conhecimento, no respeito ao pluralismo de ideias. Somente uma das quatro instituições destacou o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

É prudente observar que a descrição anterior não tem a pretensão de emitir juízo de valor sobre o perfil e/ou formatação textual dos princípios institucionais das ICESs observadas, tampouco tomar posição sobre o que deveria (ou não) ser contemplado. A lente de pesquisa em questão olha para o que está definido e publicado nos PDIs das quatro ICESs, em especial, busca os ecos das três categorias de análise anunciadas, ou seja, a abertura para o diálogo, a autonomia e a emancipação.

Inferimos que a categoria abertura para o diálogo se faz presente no princípio do respeito à pessoa, como um modo de pautar o ponto de partida às relações estabelecidas no âmbito das ações das ICESs. Também, a gestão democrática e a ética asseguram a convivência na diversidade e a priorização dos interesses institucionais aos individuais. Ambos os princípios se conectam com a possibilidade de escuta e respeito à pluralidade de ideias, bem como à discussão sobre os temas de interesse da coletividade de modo aberto e descentralizado, em uma perspectiva dialógica em que quem fala fala com alguém e não apenas para alguém. Isso pressupõe uma abertura para o diálogo, direcionado ao cultivo de um investimento permanente em “ações que acolham as necessidades específicas de convivência e de acesso ao conhecimento, superando qualquer tipo de discriminação” (PDI ICES1, p. 21). Ainda sob essa perspectiva, “a ação educacional precisa valorizar o sujeito, a partir de sua singularidade, potencializando e valorizando as experiências dos envolvidos, fomentando a riqueza que a heterogeneidade pode proporcionar” (PDI ICES1, p. 21). Esse posicionamento, visto pela perspectiva dialógica, também fica registrado no PDI da ICES4 ao manifestar que a sua prática “pauta-se no respeito às diferenças individuais, na liberdade de expressão política, filosófica, cultural e religiosa e no diálogo permanente entre professores, estudantes e coordenação” (PDI ICES4, p. 37). A ICES4 também reitera a importância do “diálogo com os diferentes segmentos sociais, de modo a perceber as suas aspirações e necessidades, articulando-as com a produção científica institucional” (PDI ICES4, p. 45).

O princípio da gestão democrática orienta a participação da comunidade acadêmica nos processos de planejamento e de gestão e, nesse cenário, a abertura ao diálogo torna-se imprescindível para uma governança voltada à consideração das vozes e expectativas da maioria. De acordo com o PDI da ICES1 (2017, p. 21), “a efetivação está na realização de projetos coletivos, na interlocução com o mundo do trabalho, na aproximação da Universidade com a sociedade, constituindo o significado social do trabalho acadêmico”. O princípio de compromisso com o meio ambiente coloca as ICESs numa posição de participação e promoção de ações que contribuam para o desenvolvimento sustentável com o objetivo de preservação da vida.

Por sua vez, a categoria autonomia estabelece relação com o princípio de “respeito à pessoa” e da “qualificação institucional”, considerando o posicionamento da excelência no horizonte dos movimentos, visando ao aprimoramento dos recursos humanos, da infraestrutura, e dos processos organizacionais, dos projetos, programas e ações. Isso afeta também a dimensão pedagógica, por meio de desafios cognitivos, espaços de troca, multiplicidade de perspectivas, concepções, abordagens teóricas e multiplicidade de condições de acesso à informação e à construção do conhecimento. Assim, é possível trabalhar a dimensão de um sujeito ativo, autônomo, comprometido e autor do seu processo de aprendizagem. Além disso, a inserção local-global ao demonstrar a amplitude dos impactos de uma ICES, traz consigo a responsabilidade dos indivíduos que, de alguma maneira, interagem com essas instituições, pois suas ações podem ter grandes repercussões, e isso é passível de influências nos resultados institucionais, refletindo-se no desenvolvimento autônomo do ser humano. A autonomia, como categoria de análise vinculada aos princípios institucionais, está presente nos PDIs atendendo às questões de autonomia didático-científica, administrativa, disciplinar, de gestão financeira e patrimonial, para assegurar o cumprimento da missão institucional. Ao buscar uma articulação com a autonomia de Paulo Freire, é possível perceber que as ICESs buscam a “promoção da autonomia, da interação, da interdisciplinaridade, da cooperação e da autoria” (PDI ICES1, p. 20). Dessa maneira, as práticas pedagógicas reorganizam-se a partir de “problematização, de questionamento e de reflexão, construindo conhecimento acerca do objeto de estudo, de forma ativa e interativa, compartilhando as aprendizagens por meio de diversos tipos de representação” (PDI ICES1, p. 20). A ICES3 também faz menção à autonomia em um de seus objetivos quando refere a intenção de contribuir na formação de “cidadãos responsáveis que busquem soluções democráticas para os problemas econômicos e sociais” (PDI ICES3, p. 8). Vale mencionar, ainda, que, ao ressaltar os aspectos humanísticos inerentes à Educação Superior, a ICES2 reforça que isso “não leva à produção de um sistema de homogeneização dos sujeitos e de suas escolhas, mas à criação de condições para que as pessoas tenham acesso a práticas que lhes permitam decisões acerca de seu futuro, que, por sua vez, implica a continuidade e a projeção da história” (PDI ICES2, p. 25).

Por fim, a categoria analítica emancipação ecoa como um desejo de autonomia institucional que, embora se predisponha à abertura ao outro, seja esse outro o conjunto das pessoas que compõe a comunidade acadêmica ou a própria comunidade do entorno da instituição, ainda assim, é uma autonomia regulada pelas políticas educacionais e invadida pelas lógicas de mercado, comprometendo, assim, os movimentos autônomos e sintonizados com o que preconizam seus PDIs. Ressoam, aqui, as múltiplas e possíveis respostas que reverberam a chamada presente no título deste texto: Diante do paradoxo mercantilização da Educação Superior e uma formação profissional humana, qual é a força dos princípios institucionais analisados no âmbito dos PDIs das quatro ICESs?

A evocação dos princípios respeito à pessoa e responsabilidade social faz alusão ao bem comum como critério norteador das ações das ICESs e também podem ser colocados em sintonia com a categoria emancipação. Isso se justifica na medida em que se considera a contemporaneidade como um lugar com desafios de ordem social, ambiental, educacional, política, técnica, dentre outros. O enfrentamento da realidade dura que se apresenta requer uma vigilância na formação profissional rumo à excelência sem, contudo, descuidar da formação humana no sentido de fortalecimento da autonomia para as escolhas conscientes sobre quais rumos tomar ante a tantos desafios e apelos.

A indissiociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, como um princípio que confere identidade a uma universidade, aparenta ter atingido o nível de naturalização, talvez, até de banalização nos discursos acadêmicos, haja vista que foi mencionado por apenas uma ICES. Contudo, é por meio das perguntas que acompanham, por exemplo, um problema de pesquisa, ou das perguntas que compõem a postura dos professores que adotam a pesquisa como princípio educativo ou, ainda, através dos problemas que emergem no contato com a realidade social oportunizado pela extensão, que a curiosidade e a criatividade são estimuladas e fomentadas. Como ressonância, pode estar o inconformismo com os retratos da realidade recortados de seus contextos, bem como o encontro com o empreendedorismo e a inovação, que ecoam como possibilidades associadas ao prazer da descoberta e ao pensamento inclusivo na articulação entre os saberes. Ademais, o princípio sustentabilidade, aproximado da categoria emancipação, pode fomentar um olhar mais abrangente para o que o termo, em si, encerra, ou seja, para além da concepção vinculada à sustentabilidade financeira, mobilizando as comunidades interna e externa ao exercício das demais dimensões de sustentabilidade, ancoradas, também, nos aspectos sociais, ambientais, culturais, cooperativos, propositivos, entre outros. Em sintonia com esses aspectos, a ICES2 demarca que o conhecimento a ser propagado “viabilizar-se-á em condições de igualdade, equidade, emancipação, solidariedade e respeito à pluralidade” (PDI, ICES2, p. 27), reforçando a argumentação dos princípios mencionados nesse contexto.

Os princípios institucionais de um PDI são bússolas orientadoras das práticas acadêmicas. Podem permanecer estáticos no texto dos documentos, contudo, precisam ser traduzidos em práticas cotidianas e associados a valores como: responsabilidade, cidadania, democracia, justiça, liberdade, alteridade, solidariedade e respeito. Eis um grande desafio: transpor o que está concebido institucionalmente como algo a ser vivido e percebido socialmente. Concebido, vivido e percebido são dimensões do cotidiano sinalizadas por Lefebvre (1991) e analisadas por Pais (2015). De modo simplificado, o concebido pode ser entendido como um papel orientativo ao vivido, sendo, esse último, um substrato para fertilizar o percebido. Em outras palavras, o concebido é o que está institucionalizado; o vivido está relacionado à experiência prática da vida cotidiana, e o percebido está vinculado aos sentidos atribuídos pelo sujeito à sua trajetória (STECANELA, 2016, p. 345). O entrelaçamento dessas dimensões pode contribuir para a compreensão do paradoxo vivido atualmente pelas universidades comunitárias: por um lado, o propósito em manterem sua identidade de instituição pública não estatal; por outro, o desafio de se abrirem ao mercado sem ter uma tradição mercadológica; por outro, ainda, o abalo na imagem percebida como consequência da crise identitária instalada.

Assim, é possível interpretar que a atuação das ICESs com ações que possam promover a transposição do concebido (princípios institucionais) para o vivido (experiências) pode potencializar o reconhecimento, por parte da sociedade (percebido), daquilo que é significativo, que tem valor, e que, neste texto, está relacionado às categorias analisadas com base em Paulo Freire, em busca da promoção de uma formação profissional humana. Vale frisar que o concebido, o vivido e o percebido são processos que ocorrem de modo entrelaçado, o que os torna indissociáveis.

Considerações finais

Os trânsitos teóricos e empíricos percorridos no texto possibilitaram um entrecruzamento entre os princípios institucionais constantes nos PDIs das quatro ICESs observadas e as categorias analíticas tomadas da perspectiva teórica desenvolvida por Paulo Freire: abertura ao diálogo, autonomia e emancipação.

Além disso, a reflexão sobre o paradoxo que envolve o processo de mercantilização da Educação Superior e os desafios à efetivação de uma formação profissional em uma dimensão humana, evidencia os propósitos das universidades comunitárias em preservar seus princípios e em desenvolver ações voltadas ao desenvolvimento regional. Contudo, esse movimento requer a compreensão do fenômeno da desagregação abordado por McCowan (2006), bem como das dimensões-chave que esse pesquisador evoca para analisar a anatomia da universidade, ou seja, a partir das dimensões: função, valor e interação. Ambas as sínteses, desagregação e dimensões-chave para análise da anatomia das universidades, exigem acolher os diferentes níveis de porosidade que são demandados às ICESs, a partir dos dilemas desencadeados pela lógica neoliberal que trata a Educação como bem de consumo e mercadoria, seguindo a lógica do mundo dos negócios. Certo grau de permeabilidade entre as fronteiras, que demarcam o interior e o exterior dessas instituições, é aceitável, especialmente nas adaptações aos diferentes perfis da população que compõem a comunidade e no atendimento às demandas relacionadas aos desenvolvimentos social, econômico e cultural da sociedade. Contudo, evidencia-se a necessidade de uma vigilância negociada, cuja negociação aqui empregada associa-se ao sentido original da palavra negócio, do latin, não ócio, como forma de se dedicar ao que é positivo, de trabalhar para, vinculada a um processo de resistência e de persistência em preservar as origens e a identidade de uma universidade comunitária.

O adentramento nos princípios das quatro ICESs permite também uma aproximação com um modelo específico de universidade, identificado por Douglass (2014, p. 7), como sendo as Flagship Universities, as quais preconizam a relevância de suas ações, não somente no conjunto das atividades existentes, mas num modelo que valoriza a cultura institucional e da região onde estão inseridas. A identidade dessas instituições vai além de reforçar o status que possuem, devido a uma missão maior que compreende o ecossistema de uma universidade produtiva e eficaz. A preocupação com o regional e o nacional e que, por sua vez, é globalmente influente, demonstra uma das principais características de uma universidade emblemática. Douglass (2014) apresenta alguns indicadores que podem ser somados àqueles projetados como resultado deste trabalho: a) o engajamento com o desenvolvimento econômico-social da região; b) a produtividade em pesquisa paralelamente à responsabilidade com o ensino; c) a transferência de tecnologia; d) a governança compartilhada nas instâncias de gestão; (e) a liberdade acadêmica e de expressão, em consonância com as dinâmicas regulatórias; f) a qualidade institucional; g) o processo de avaliação regular, significativo e satisfatório; h) a atração e a retenção de estudantes; i) a presença de professores e técnicos administrativos de alto nível; e j) o consenso para iniciativas políticas e sustentáveis.

Diante disso, na contramão de padrões impostos pela mercantilização do Ensino Superior, as palavras de Sobrinho (2005, p. 170) evidenciam e reforçam as responsabilidades éticas e sociais de uma universidade. Para esse autor, a Educação Superior “é um patrimônio público na medida em que exerce funções de caráter político e ético, muito mais que uma simples função instrumental de capacitação técnica e treinamento de profissionais para as empresas”.

Embora os obstáculos a transpor sejam cada vez maiores, ainda é válido destacar as palavras de Pinho e Santos (2017, p. 504), ao argumentarem que a Educação universitária “pode contribuir para subverter a lógica de dominação e exploração humana, por meio de uma ação transformadora de nossas práticas sociais, objetivando a formação humanizadora do sujeito”.

Assim, para que os indicadores de capital humano, de conhecimento e, também, de impacto social sejam prospectados institucional e percebidos socialmente, torna-se necessário, a organização de projetos que valorizem a formação de profissionais de excelência e, além disso, que considerem que os cursos superiores fazem parte dos projetos de vida das pessoas, envolvendo também a realização pessoal. Ademais, o compromisso com a produção, socialização e aplicação do conhecimento torna ainda mais presente a luta pela garantia da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, promovendo, também, a estreita articulação entre valor, função e interação no âmbito de uma universidade comunitária.

1O projeto obteve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Edital Universal/2014) e desenvolveu uma proposta de investigação em rede, sob a coordenação da Professora Regina Célia Linhares Hostins, pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

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Recebido: 12 de Setembro de 2019; Aceito: 28 de Outubro de 2019

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