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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.41  Maringá jan. 2019  Epub 02-Jan-2019

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v41i1.36839 

História e Filosofia da Educação

História do currículo do curso de Pedagogia da UNESP de Araraquara (1959-2006)

History of curriculum of a Pedagogy course at UNESP Araraquara (1959-2006)

Historia del currículo del curso de Pedagogía de la UNESP de Araraquara (1959-2006)

André Luiz Sena Mariano1 
http://orcid.org/0000-0002-2499-261X

1Departamento de Ciências Humanas, Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal de Alfenas, Rua Gabriel Monteiro da Silva, 700, 37130-000, Alfenas, Minas Gerais, Brasil.


RESUMO.

Este texto, na tentativa de trazer contribuições para a compreensão do curso de Pedagogia, debruça-se sobre a história do curso oferecido pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara, focalizando suas estruturas curriculares. Para tanto, são analisadas as nomenclaturas que compuseram os currículos do curso em suas cinco versões (1959, 1969, 1979, 2000 e 2006), tentando explicar sua configuração à luz dos pressupostos do materialismo cultural, proposto pelo galês Raymond Williams (1921-1988). Nesse sentido, o texto procura mostrar, considerando suas limitações, algumas tensões postas durante os processos de mudança dos currículos, bem como as formas como esses processos se conectam à história do curso de Pedagogia no Brasil; para tanto, se vale, por exemplo, das tensões postas entre a formação do especialista da área educacional e o professor. Finaliza advogando que, além das discussões atinentes à própria configuração do campo científico a ausência de um conhecimento especificamente pedagógico (que aqui passa a ser denominado de conhecimento dominante) pode ser um fator explicativo para as inúmeras crises que marcam a história do curso de pedagogia no Brasil.

Palavras-chave: história do currículo; pedagogia; formação de professores

ABSTRACT.

This text, in the attempt of bringing contributions for the understanding of the course of Pedagogy, leans over on the history of the course offered by University of Sciences and Letters of UNESP of Araraquara, focusing their structures curriculares. For so much, they are analyzed the nomenclatures that composed the curricula of the course in their five versions (1959, 1969, 1979, 2000 and 2006), trying to explain his/her configuration to the light of the presuppositions of the cultural materialism, proposed by Welsh Raymond Williams (1921 -1988). In that sense, the text tries to show, considering their limitations, some put tensions during the processes of change of the curricula, as well as the forms as those processes are connected to the history of the course of Pedagogy in Brazil; for so much, it is been worth, for instance, of the put tensions between the specialist's of the education area formation and the teacher. He/she concludes advocating that, besides the concerning discussions to the own configuration of the scientific field the absence of a knowledge specifically pedagogic (that here passes the denominated being of dominant knowledge) it can be an explanatory factor for the countless crises that mark the history of the pedagogy course in Brazil.

Keywords: curriculum of history; pedagogy; teacher education.

RESUMEN.

Este texto, en el intento de traer contribuciones para la comprensión del curso de Pedagogía, se centra en la historia del curso ofrecido por la Facultad de Ciencias y Letras de la UNESP de Araraquara, enfocando sus estructuras curriculares. Para ello, se analizan las nomenclaturas que compusieron los currículos del curso en sus cinco versiones (1959, 1969, 1979, 2000 y 2006), intentando explicar su configuración a la luz de los presupuestos del materialismo cultural propuesto por el galés Raymond Williams (1921-1988). En este sentido, el texto busca mostrar, considerando sus limitaciones, algunas tensiones puestas durante los procesos de cambio de los currículos, así como las formas como esos procesos se conectan a la historia del curso de Pedagogía en Brasil; para tanto, se vale, por ejemplo, de las tensiones puestas entre la formación del especialista del área educativa y el profesor. En el caso de la enseñanza de la lengua española, en el siglo XX, en el siglo XVIII, en el siglo XVIII, en el siglo XVIII, Brasil.

Palabras-clave: historia del currículo; pedagogia; formación de profesores

Introdução

A formação de professores vem ganhando significativo destaque nas pesquisas em educação. Ainda que os temas e focos de interesse estejam variando, há preocupação em se pensar as contribuições e limites da formação inicial e continuada de professores para o sistema educacional brasileiro. Nesse bojo, se inserem as reflexões alusivas à história, identidade1 e futuro do curso de Pedagogia; curso marcado, historicamente, pela formação do especialista em educação, agora multifacetada na formação de um profissional que lide com as várias funções componentes da realidade escolar.

Este texto, na tentativa de trazer contribuições para a compreensão do curso de Pedagogia, debruça-se sobre a história do curso oferecido pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, focalizando suas estruturas curriculares. Para tanto, são analisadas as nomenclaturas que compuseram os currículos do curso de 1959 a 2006, tentando explicar sua configuração à luz dos pressupostos do materialismo cultural. Isso porque as disciplinas são aqui concebidas como elementos que configuram a prática educativa, que é, por sua vez, uma prática cultural, ou seja, as disciplinas são os artefatos que materializam o conhecimento - que é sempre parte da cultura e nunca ela toda (Forquin, 1993) - nas estruturas curriculares.

No que se refere a isso, procuramos eleger as obras do galês Raymond Williams (1921-1988) como tentativa de trazer outras análises para o campo da história do currículo do curso. Sem nenhuma tentativa de apresentar o pensamento do autor como panaceia para a análise das fontes, o que se procura é apontar reflexões acerca do potencial heurístico que sua obra apresenta para a compreensão da história do currículo.

Raymond Williams define, na introdução de seu Marxismo e Literatura, que o materialismo cultural é “[...] uma teoria das especificidades da produção cultural e literária material, dentro do materialismo histórico” (Williams, 1979, p. 12). A partir dessa definição, é possível encontrar as premissas de que a cultura seja também localizada como um modo de produção da vida humana.

No que se refere a isso, Williams (1979, p. 93, destaques do original) assevera que:

Se ‘produção’ em uma sociedade capitalista é a produção de mercadorias, então, termos diferentes e capciosos acabam sendo usados para qualquer outro tipo de produção ou de força produtiva. O mais das vezes o que se suprime é a produção material da ‘política’. E, no entanto, qualquer classe dominante devota uma parte significativa da produção material ao estabelecimento da ordem política. A ordem social e política que mantém o capitalismo de mercado, assim como as lutas políticas e sociais que o criaram, são, necessariamente, uma produção material. Dos castelos aos palácios, das igrejas às prisões, reformatórios e escolas, das armas ao controle da imprensa: uma classe dominante, de formas variadas, ainda que sempre materialmente, produz uma ordem política e social. Estas nunca são atividades superestruturais. São as produções materiais necessárias que possibilitam a continuação de um modo de produção auto-sustentado apenas na aparência. A complexidade desse processo é especialmente notável nas sociedades capitalistas avançadas, onde não se pode isolar ‘produção’ e ‘indústria’ da produção também material da ‘defesa’, da ‘lei da ordem’, do ‘bem-estar’, do ‘entretenimento’ e da ‘opinião pública’. Ao não conseguir entender o caráter material da produção da ordem política e social, um materialismo especializado (e burguês), tampouco e de forma mais flagrante, conseguiu perceber o caráter de produção de uma ordem cultural. O conceito de ‘superestrutura’, nesse caso, não foi uma redução, mas uma evasão.

Percebe-se que Williams insere a dinâmica cultural nas contradições inerentes a uma sociedade capitalista, ou seja, ao mesmo tempo em que reconhece haver uma dinâmica impressa no e a partir dos meios de produção que ensejam o alijamento e a alienação de uma parcela significativa da sociedade, ele enfatiza essa mesma produção cultural como possibilidades de transformação e luta em torno da maneira como os significados e os modos de vida são gerados e concretamente vividos. Dessa forma, cabe-nos procurar construir elementos para refletir sobre as tensões em torno da construção da identidade profissional a partir do currículo do curso e, outrossim, de que forma tais tensões podem ser explicitadas a partir dos pressupostos do materialismo cultural de Raymond Williams.

O curso de pedagogia de Araraquara: aproximações ao materialismo cultural

O curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, campus de Araraquara, foi instalado em 19592, quando essa ainda era uma faculdade isolada de ensino superior3. Ao longo de sua existência, apesar das controvérsias e complexidades que marcaram a história da Pedagogia no país, bem como o processo de reestruturação das faculdades que deu origem à UNESP, em 1976, o curso manteve uma composição curricular submetida a poucas alterações, contando com cinco versões desde a primeira, em 1959; a segunda, em 1969 (impactada pelo parecer do Conselho Federal de Educação - CFE) publicado no mesmo ano e gerando nova estrutura em 1970); a terceira, em 1979 (e contando o acréscimo de quarta habilitação em 1983); a quarta em 2000 e a quinta, última, data de 2006.

Ao olhar para as alterações empreendidas a longo desse tempo, de antemão, é possível afirmar que o “[...] curso esteve, sempre, preocupado com o atendimento das demandas sociais” (Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia, 2006). Todavia, essa preocupação, em momento algum, transformou-o em refém das orientações emanadas dos órgãos oficiais; ao invés de ser mero reflexo dessas orientações, ele preservou a sua autonomia e sua especificidade. O curso, a julgar por esse panorama, não se configurou como mero veículo de reprodução de uma cultura hegemônica, mas também se fez partícipe de um processo de produção ao dar ênfase às suas especificidades e procurar, a partir de suas fontes de implantação, sempre efetuar um levantamento das demandas locais. Nesse sentido, vê-se corroborada a afirmação de Williams (2013) quando advoga que a cultura não seja localizada como mera reprodução de uma ordem social vigente, mas que ela também se insere, ao mesmo tempo em que reproduz, numa perspectiva de produção.

Silva (2006), ao problematizar a construção da identidade do curso de Pedagogia no Brasil em uma perspectiva histórica, advoga que, desde sua origem, em 1939, o curso foi marcado por uma crise que parece caminhar por veredas insolúveis. Um curso inicialmente marcado por uma perspectiva de formação de bacharéis em educação e dos docentes responsáveis pelas disciplinas pedagógicas no curso formação de professores em nível médio, foi, gradativamente, sendo tomado pelo debate ‘quem pode mais pode menos’. Em outras palavras, se o curso era capaz de formar aqueles que seriam os formadores de professores para as etapas iniciais da escolarização, seria igualmente capaz de habilitar seus egressos a trabalharem neste nível de ensino.

A este respeito, Brzezinski (1996) pontua que pairou no ar a premissa de que os conteúdos das etapas iniciais poderiam ser aprendidos num ‘toque de mágica’, por encantamento, uma vez que os cursos de Pedagogia, da forma como estavam organizados em seus momentos iniciais, não apresentavam disciplinas voltadas aos conteúdos específicos relativos à escolarização da infância.

A primeira matriz curricular do curso revela o forte acento em uma formação pautada em generalidades, na qual não se encontravam traços que pudessem apontar nem para a formação do especialista em educação, nem para a docência. Nessa primeira versão, em 1959, percebe-se um curso com uma forte formação humanística, de cunho geral, que privilegiava, não só a formação de um bacharel em educação - com conteúdos genéricos -, mas, também, a construção de arcabouço teórico que ensejava um posicionamento crítico diante da realidade.

Na primeira série, o curso era composto por cadeiras - nomenclatura constante dos documentos - de História da Educação. Filosofia da Educação; Análise Algébrica e Infinitesimal. Geometria. Cálculos Numéricos e de Observação (Complementos de Matemática); Filosofia. História da Filosofia; Sociologia; Pedagogia Geral. Educação Comparada; Fundamentos Biológicos da Educação; Fundamentos Sociológicos da Educação. Na segunda série, as cadeiras ofertadas eram: Filosofia da Educação; Psicologia. Psicologia Educacional. Psicologia do Adolescente; Estatística Geral. Estatística Aplicada. Organizações Econômicas das Indústrias; Filosofia e História da Filosofia; Pedagogia Geral; Fundamentos Sociológicos da Educação. Na terceira série, as cadeiras ofertadas eram: Filosofia da Educação; Pedagogia Geral; Psicologia; Educação Comparada; Administração Escolar e Higiene.

A partir desse primeiro desenho curricular, a afirmação de Brzezinski mostra-se pertinente. Para a autora “Com essa configuração curricular o bacharelado em pedagogia percorria um caminho oposto aos demais bacharelados. Estudavam-se generalidades como conteúdo de base e superpunha-se o específico num curso à parte - o de didática da pedagogia” (Brzezinski, 1996, p. 44). No caso do curso em pauta, chama a atenção a inexistência da disciplina de Didática, considerada o carro chefe dos cursos de formação de professores.

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que parecia ser possível e profícua a construção de uma formação de cunho mais geral, a organização curricular da UNESP4, assim como o de outros cursos no Brasil tal qual apontado pelas autoras Silva (2006) e Brzezinski (1996) - revelava uma dificuldade em definir uma base de conhecimento específico para a formação do pedagogo.

A partir desse cenário inicial de implantação do curso, em fins da década de 1950, é possível depreender que, a julgar pelas considerações das autoras e pelas constatações feitas a partir da análise da matriz curricular, o elemento dominante (Williams, 1979) na formação do pedagogo era uma formação generalista em ciências humanas, perpassando, por vezes, disciplinas de cunho distante dessa área como o Cálculo Infinitesimal. Não há elementos para verificar em que medida os diferentes cursos em vigência à época organizavam suas matrizes, contudo já é possível perceber uma tensão em torno da própria concepção de formação, ou seja, o currículo de um curso não é a mera justaposição ou alocação de disciplinas, é, sim, um terreno de disputas. Com isso, é possível apontar para a importância de estudos que se aprofundem na compreensão das fontes e a correlação de forças internas ao corpo docente, a fim de verificar, por exemplo, em que medida o perfil dos idealizadores do curso se fez sentir em sua organização curricular. Um currículo não é só expressão das orientações legais, mas, sobretudo, responde, ao mesmo tempo, a uma concepção de formação assumida pelo corpo docente e a um jogo de forças em torno da definição dos espaços que cada disciplina deve ocupar na formação. O currículo é expressão, também, das forças que se fazem sentir no campo científico (Bourdieu, 2005).

Para além da correlação de forças internas, é preciso pensar que a educação, nesse cenário da década de 1950 e início de 1960, insere-se como um assunto considerado estratégico para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país. Nesse sentido, os cursos de Pedagogia refletem uma formação mais enciclopédica e permanecem ainda com acessos restritos, ou seja, eram poucos os cursos existentes e oferecendo uma formação marcada pelo domínio de um sólido arcabouço conceitual da área de humanidades. Embora os Estados Unidos começassem a construir uma hegemonia econômica e cultural, esse desenho curricular parece se aproximar dos modelos europeus que estiveram presentes na própria gênese da universidade pública brasileira.

Pouco depois de sua implantação, o curso da UNESP viveu a promulgação do Parecer 251/62 (Parecer nº. 251/62, 1963). Nas análises empreendidas por Silva (2006) e Brzezinski (1996), esse parecer não foi capaz de tocar na essência da profissão de pedagogo e, consequentemente, do seu curso. Os problemas basilares foram mantidos, uma vez que o parecer erigiu suas considerações enveredando por um caminho oposto, ou seja, começou por definir as disciplinas que deveriam compor a formação de um profissional para o qual não se tinha a devida clareza de suas funções no espaço escolar. Em outras palavras, as disputas em torno da organização curricular do curso de Pedagogia expressam mais uma tentativa de responder à função a ser desempenhada pelo profissional a uma configuração de um campo de conhecimento específico.

Acerca desse parecer, Silva (2006, p. 17) afirma que:

[...] o interessante é apontar que os legisladores trataram a questão do curso de pedagogia começando por onde, muito provavelmente, deveriam ter terminado, ou seja, fixaram um currículo mínimo visando a formação de um profissional ao qual se referem vagamente e sem considerar a existência ou não de um campo de trabalho que o demandasse. Com isso, as disciplinas opcionais resultaram difusas e ofereciam poucas possibilidades para fazer do aluno técnico da educação.

O curso de Araraquara, respeitando sua especificidade e, mais uma vez, configurando-se como um elemento produtor de cultura, não respondeu a esse parecer com grandes alterações ou criação imediata de uma nova estrutura curricular, posto que este não tocou nos problemas cruciais do curso, mantendo sua configuração quase inalterada. Uma mudança do currículo pré-ativo (Goodson, 1995) não é só um reflexo de órgãos legisladores, mas revela, mormente, a concepção de formação de professores que o corpo docente daquele curso possui.

A despeito de analisar o curso de Pedagogia de maneira global, Brzezinski (1996) auxilia a compreender que essa primeira versão da dinâmica legitima a ideia de um curso que, pautado em uma formação generalista, secundariza a formação do professor a um modelo que se assemelha ao tão propalado ‘3+1’5. No que se refere, por exemplo, à dicotomia entre conteúdo e forma na organização curricular do curso e que pode ser identificada nessa primeira versão do curso, a autora assim se pronuncia:

Afirmo, entretanto, que a organização curricular indicada provocaria a separação entre conteúdo e método. Seria impossível ocorrerem momentos de concomitância, se as disciplinas de didática e prática de ensino eram acrescentadas ao bacharelado para formar o licenciado na etapa final do curso de pedagogia. Então, por um ‘passe de mágica’, com apenas duas disciplinas, o bacharel se transformava em professor licenciado. Insistia o relator em que estas disciplinas, didática e prática de ensino, não tinham caráter de treinamento didático, porque este fluiria no decorrer de todo o curso de bacharelado. Sob a égide do princípio da concomitância entre conteúdo e método, o relator afirmava que as disciplinas jamais poderiam separar ‘o que’ se ensina do ‘como ensinar’ e que a metodologia adotada pelo professor de cada disciplina do bacharelado deveria eliminar a predominância do conteúdo da matéria sobre o método (Brzezinski, 1996, p. 57, destaques do original).

Como já fora apontado, o curso de Araraquara sequer possuía a disciplina de Didática, deixando evidente que a formação do professor não era aspecto que merecesse relevo na concepção curricular assumida.

Em 1969, há a implementação de uma segunda versão de dinâmica curricular. Nela, percebe-se resquícios do Parecer 251/62 (Parecer nº. 251/62, 1963), na indicação e disposição de algumas disciplinas e, também, um movimento que incorpora as orientações do Parecer 252/69 (Parecer nº 252/69, 1969), que viria a marcar decisivamente a história do curso de Pedagogia no Brasil, com a criação das habilitações. Esse parecer publicado em 1969 é corolário da Reforma Universitária implementada pela Lei nº 5.540/68 (Lei nº 5.540, 1968), que criou as habilitações e ensejou grande fragmentação na formação do pedagogo6.

Esse fato - o de haver resquícios do parecer 251/62 e a incorporação de elementos do parecer 252/69 - permite aproximações com a discussão do movimento cultural defendido por Williams (1979). Não há mudança possível sem que sejam encontrados elementos residuais e em que entram em confronto com o novo, o emergente. No caso do curso de Pedagogia de Araraquara, o elemento residual foi a concepção de formação pautada em disciplinas de formação geral tal qual era indicado pelo Parecer de 62; emergente tornou-se a maneira de organizar essa formação, por meio de habilitações, tal como propunha o parecer de 69. Todavia, o que se pode notar é que esse elemento emergente foi tendo seu contorno alterado ao longo do tempo: se ele surge, nesse momento, de maneira tímida e organizado em duas grandes frentes - a formação do administrador e do professor para os cursos normais - ele passa a ganhar contornos que o levam a se tornar o elemento hegemônico, identificado no momento em que o curso passa a ser dominado pela formação em habilitações.

Acerca desse ‘embate’ entre os elementos residuais que permaneciam como frutos do primeiro parecer, e os novos elementos, um Ofício 550/70, emitido pelo professor Rivadávia Marques Júnior, explica a situação a qual, por ocasião da publicação do novo parecer, o curso se encontrava. O professor Rivadávia assim se pronuncia, no ofício em tela:

1 - Quanto à inadequação do projeto de reestruturação do Curso de Pedagogia, tal como está formulado e estruturado no Processo nº 1216/69 (CEE (nº 256/69 FFCLA), em relação ao Parecer CFE - nº 252/69 e Resolução nº 2, do CFE, de 12/5/69 [...] a) O Departamento de Pedagogia tomou conhecimento do Parecer Walnir Chagas antes de sua aprovação pelo CFE, no início de fevereiro de 1969, quando então já havia chegado a uma reestruturação da parte básica do curso [...] c) Foi diante dêste quadro de referências que o Departamento de Pedagogia iniciou um processo de ajuste do currículo já reelaborado no Parecer Walnir Chagas. Depois de um semestre e pouco de discussões, o Departamento encontrava-se diante de uma situação de fato: executar uma reforma para vigir durante um ano e iniciar, a partir de 1970, progressivamente, outro, nos têrmos do Parecer CFE - nº 252/69 [...] Procurou-se, no entanto, introduzir, como mínimo nos ‘conjuntos’ existentes, e que dispunha o PerecrWalnir Chagas a fim de assegurar aos licenciandos de 1970 condições necessárias para candidatarem-se às novas funções previstas nas habilitações caso fôssem criadas pela administração pública antes de 1975. Conciliava-se, assim, uma programação para os ‘conjuntos’, a vigorar em 69 e 70, com o mínimo de Parecer CFE nº 252/69, tendo-se como motivo predominante a necessidade dos alunos.

Esse ajuste feito pelo curso, em sua estrutura recém-implantada, implicou um atendimento singular ao Parecer 252/69 (Parecer nº 252/69, 1969); isso porque o curso se restringiu a duas habilitações: o curso de formação de professores para os cursos normais e o curso de formação de administradores escolares. Como já fora apontado, era um esboço de algo que foi, durante anos, o elemento dominante do curso: a formação por meio de habilitações.

A dinâmica curricular do curso preservou disciplinas da estrutura anterior que fora somente vivida por um ano, em 1969, e incorporou novos elementos que começavam a dar contornos mais específicos às discussões educacionais. Nesse sentido, a primeira série era composta por: Introdução à Educação, Fundamentos Biológicos da Educação, História da Educação, Psicologia, Educação Moral e Cívica7, Sociologia Geral; na segunda série, estavam alocadas as seguintes disciplinas: Teoria Geral da Educação, Estatística Aplicada à Educação; Sociologia da Educação; Psicologia da Educação; Introdução à Economia, Filosofia, Filosofia da Educação; Educação Brasileira. Na terceira série, eram iniciados os estudos das habilitações, sendo ofertadas, ainda, duas disciplinas do eixo de formação geral, a saber: Estrutura e Funcionamento do Ensino de Primeiro Grau e Didática e Prática de Ensino.

A habilitação para a formação de professores para o curso normal oferecia as seguintes disciplinas: Fundamentos de Metodologia, Currículos e Programas, Metodologia do Ensino de Primeiro Grau, Prática de Ensino em Escola de Primeiro Grau e Avaliação do Rendimento Escolar. A habilitação em Administração Escolar, chamada de curso de Administradores Escolares, oferecia: Estatística Aplicada à Educação, Currículos e Programas, Princípios e Métodos de Administração Escolar, Economia da Educação, Legislação do Ensino e Avaliação do Rendimento Escolar.

O que se pode notar, além da sobreposição de disciplinas entre uma habilitação e outra, é o caráter dominante assumido pelo curso e que começa a ser desenhado nessa versão curricular: a formação pautada em generalidades começa a dar lugar à formação do especialista em educação, neste caso sendo entendida como o administrador escolar. Além disso, o curso passa a contar com disciplinas mais voltadas à formação do professor do curso normal, tendo, pela primeira vez, a Didática como componente de sua organização.

Com isso, é possível constatar, então, que, ao mesmo tempo em que o curso respondia ao parecer, visando a ensejar a transferência de discentes entre instituições nacionais, preservava sua base específica e padecia da crise de identidade que assolava o curso e sua definição profissional. Ademais, o fato de haver duas habilitações com a sobreposição de disciplinas parece ser um aspecto revelador de uma disputa de poder em torno da definição de formação a ser ensejada. Aqui, faz-se mister lembrar que currículo é território de poder e de contestação, ou seja, essa sobreposição pode revelar as forças que, naquele momento, estavam se tornando hegemônicas no interior do curso.

Em contrapartida, é possível acrescentar que as disciplinas mais voltadas para as discussões de método, que foram implementadas nesse segundo movimento de transformação do currículo, são reveladoras da dualidade que perdurava. Ou seja, ao lado da emergência trazida por componentes mais próximos das funções desempenhadas no interior das unidades escolares, havia o residual de um curso de formação geral sem o estabelecimento de nexos com os novos componentes que se desenhavam e, consequentemente, a dificuldade na definição de um conteúdo específico para o curso. Em outras palavras, é possível notar uma organização curricular que parece denotar preocupação com as formas de ensinar, por meio das disciplinas de Metodologia, mas essas formas parecem estar desatreladas de um domínio de conteúdos curriculares. Aqui, fica evidente que a configuração de forças em torno das quais se organiza o currículo coloca a docência como um elemento secundário em seu bojo.

A formação docente, por força da legislação, torna-se elemento emergente e obriga a configuração curricular dominante a se reconfigurar. Todavia, ainda que haja essa pressão, pode-se inferir que essa ênfase não foi, ainda nesse momento, reconhecida como elemento dominante, sendo subsumida a uma discussão de metodologias descoladas dos conteúdos mais específicos. Talvez, através desse novo desenho, já não se possa falar em elementos residuais traduzidos em nomenclaturas, mas, sim, identificam-se os elementos dominantes marcados pela formação do administrador escolar.

Outrossim, é importante lembrar aqui que o contexto de produção desse novo currículo encontra-se imerso num cenário contraditório: de um lado, se vê forçado a responder à criação de habilitações que fragmentaram a formação cultural e, ainda que não diretamente voltado a tal fim, acabavam se inserindo no contexto de uma formação mais pontual, especializada; por outro lado, as universidades públicas também se configuravam como nichos de resistência ao regime ditatorial instaurado e fomentadoras de pensamento crítico evidenciado, por exemplo, com a abertura e expansão de programas de pós-graduação na área8.

A terceira versão curricular do curso, implantada em 1979, responde, ainda que de maneira aparentemente tardia, ao Parecer CFE 252/69, por meio da ampliação de suas habilitações. E por que o termo aparentemente? Porque, em primeiro lugar, os documentos que registram essa caminhada para a terceira versão da estrutura curricular apontam que ela estava sendo discutida desde 1977, num momento em que os cursos da UNESP eram convocados a alterar as dinâmicas que funcionavam em regimes semestrais para regimes anuais; em segundo lugar, mas não menos importante, nesse ínterim a os institutos isolados de ensino superior do Estado de São Paulo, do qual a instituição que sediava o curso de Pedagogia fazia parte, foram reagrupadas dando origem à UNESP (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho).

A respeito dessa alteração, um pedido de reconsideração do Parecer 15/80 da CCG referente à restruturação do curso de Pedagogia, enviado pelos chefes dos departamentos da área de educação (Professora Neuza Cervi Costa/Departamento de Psicologia da Educação; Maria Aparecida Lima Grande/Departamento de Ciências da Educação; e Alda Junqueira Marin/Departamento de Didática) e despachado pelo diretor do Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação (ILCSE), Francisco da Silva Borba, afirmava, no referido parecer, que:

Tal proposta de reestruturação, na verdade, não surgiu em 1979. Muitos de seus elementos já vinham sendo objeto de discussão de 1977. Alguns obstáculos começaram, então, a aparecer e que podem ser resumidos no seguinte: dificuldade em integrar o conteúdo das disciplinas, por causa da fragmentação com que, em conjunto, se apresentavam, talvez devido à adoção do próprio critério de disciplinas de integralização semestral; a dificuldade de entrosamento entre disciplinas ministradas por docentes da área de Educação e disciplinas ministradas por docentes de outros departamentos (Parecer 15/80, 1980, p. 2).

Todavia, foi em 1983, que essa terceira estrutura curricular ganhou uma versão definitiva, com a inclusão da habilitação em Educação Especial - ensino de Deficientes Mentais.

O que se pode notar nessa versão implantada durante o período militar são as palavras de Silva, quando afirma que o curso passou a sofrer uma ingerência direta das tarefas a serem desenvolvidas no ambiente escolar. Ou seja, mais uma vez prevalece a formação organizada a partir do exercício da função profissional e não a partir do campo científico. O Parecer CFE 252/69, como corolário da Reforma Universitária Lei nº 5.540/68 (Lei nº 5.540, 1968), nas palavras da autora, torna aguda a fragmentação da formação do pedagogo. De acordo com Silva (2006, p. 26):

[...] esse parecer não deixa dúvida quanto ao profissional, ou melhor, aos profissionais a que se referem ao ser apresentado como o instrumento legal que fixa os mínimos de currículo e duração para o curso de graduação em pedagogia, visando à formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção no âmbito de escolas e sistemas escolares [...] ao reformular a estrutura curricular do curso, cria habilitações para a formação de profissionais específicos para cada conjunto dessas atividades, fragmentando a formação do pedagogo (Silva, 2006, p. 26).

No curso da UNESP, campus de Araraquara, em sua segunda versão curricular, essa fragmentação da formação, com as ramificações em diversas habilitações já se fazia sentir, mas foi acentuada na terceira versão, inclusive como requisito posto pelo próprio parecer. Nesse sentido, foram suprimidas as disciplinas de formação mais geral, dando destaque àquelas mais relativas ao campo educacional. Os três primeiros anos foram marcados pelos conteúdos relativos ao magistério das matérias pedagógicas do ensino médio, sendo preservada, ao lado disso, uma formação que estaria, a rigor, mais próxima do bacharel da educação, ou seja, as discussões das ciências da educação.

A formação do especialista em educação, que teve seus primeiros contornos na dinâmica anterior, ganhou características de elemento dominante, inclusive contando com a força do parecer para isso. Todavia, essa dominância foi ganhando novas configurações, pois, se na segunda versão, era só a formação do administrador escolar, na terceira versão, a o especialista era reconhecido a partir das funções de administração, supervisão e orientação escolar. O caráter emergente da estrutura estava na oferta da habilitação em educação especial. Um elemento marcadamente residual não está, nesse caso, atrelado às nomenclaturas, mas, sim, a permanência de uma formação que se faz via função a ser desempenhada. O caminho curricular do curso, mais uma vez, se define pelo mercado de trabalho e não pelo campo científico.

Essa terceira versão, nas duas primeiras séries, o curso oferecia disciplinas como Sociologia Geral, Sociologia da Educação, Filosofia da Educação, História Educação, Psicologia da Educação, Teoria Geral da Educação, Didática (desatrelada da Prática de Ensino), Estrutura e Funcionamento do Ensino, Avaliação do Rendimento Escolar e Estatística Aplicada à Educação. Na terceira série, alguns conteúdos mais atinentes à dimensão prática da docência se faziam presentes, tais como: Metodologia do Ensino de 1º e 2º graus; Prática de Ensino de 1º e 2º graus e Introdução aos Estudos de Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Ciências.

A quarta série era marcada pelo oferecimento de quatro habilitações, a saber: Administração Escolar, Supervisão Escolar, Orientação Educacional e Educação Especial, com ênfase em ensino de Deficientes Mentais.

Essa situação curricular ensejada pelo parecer CFE 252/69 (Parecer nº 252/69, 1969), ao mesmo tempo em que permitiu o traçado de uma definição de um mercado de trabalho mais específico ao profissional formado pelo curso, agudizou a fragmentação da formação, uma vez que as estruturas curriculares das habilitações não possuíam eixos comuns, funcionando praticamente como cursos isolados de curta duração, no interior da Pedagogia. Isso se revela no fato de o egresso poder cursar as outras habilitações, sem limite de tempo, e gastando um ano em cada uma delas.

Essa delicada relação do curso de Pedagogia com o mercado de trabalho, que fora imposta pelo parecer CFE 252/69, é também retratada por Brzezinski (1996). De acordo com ela:

Em síntese, a reforma universitária, durante o governo militar, reformulou o curso de Pedagogia pelo Parecer 252/69, provocando mudanças estruturais que aprofundaram mais a indefinição de sua identidade ao fragmentar a formação do pedagogo em habilitações técnicas efetivas na graduação. Apesar disso, os legisladores de 1969 estavam convictos de que, com a reforma, se definia, de uma vez por todas, a identidade do referido curso. Eles também tinham certeza de que se definia uma política profissional de absorção do egresso pelo mercado de trabalho. Pela política adotada, o especialista formado pelo curso de pedagogia já tinha endereço certo: ele ocuparia funções específicas na escola e nos sistemas de educação (Brzezinski, 1996, p. 76-7).

Mais uma vez, o que se percebe é que os conflitos externos e os embates em torno das leis que regulamentaram o curso de Pedagogia se fizeram sentir no curso de Araraquara. Contudo, dada a especificidade da instituição que acabara de se formar a partir da reunião dos institutos isolados de ensino superior, os campi de Araraquara e Marília ofertaram habilitações em Educação Especial; essas habilitações obedeceram às especificidades de cada campus, Marília com corpo docente já consolidado na área e Araraquara, com discussões incipientes, mas ensejando a contratação de novos professores especialistas.

Essa terceira versão, grande marcador identitário do curso de Pedagogia, perdurou por quase duas décadas, vindo a ser alterada somente no ano 2000. Essa alteração, que culminou na quarta versão curricular, foi oriunda de um amadurecimento do corpo docente por meio de, entre outras coisas, titulação e abertura de programa de pós-graduação na área e, também, de um novo entendimento no que se refere à formação docente a ser ofertada pelo curso.

Além dessa qualificação interna, é possível apontar alguns desdobramentos da LDB Lei nº 9.394/96 (1996), que trouxe um sério agravamento ao curso de Pedagogia, com a promulgação de pareceres ulteriores que advogavam que a formação de professores deveria restringir-se aos cursos normais superiores e, à Pedagogia, caberia a formação do especialista em educação - eixo que já vinha, historicamente, se consolidando como aspecto dominante no curso.

Em que pesem as inúmeras controvérsias desse período, a quarta versão funcionou como um mecanismo que antecipou algumas orientações que constariam nas diretrizes do curso em 2006. Foi reassumido o regime semestral para a formação dos profissionais da educação, o fim das habilitações voltadas para as funções especializadas dentro das unidades escolares e a docência foi reconhecida como o eixo central formação do pedagogo.

No que se refere a isso, faz-se mister, a julgar pela alteração drástica empreendida a partir da quarta versão, reconhecer o impacto que isso trouxe para o trabalho no interior do curso. Isso porque é possível notar que, de um momento inicial marcado pela formação em generalidades, o curso de Pedagogia passou a ter nas habilitações específicas o aspecto que configurou como garantidor de sua identidade. A formação de um especialista em educação, originada a partir da versão de 1969, e ainda que a definição dessa função tenha variado ao longo do tempo, por exemplo, com a extinção da figura do inspetor escolar, com a supressão da função de orientação educacional nas escolas da rede pública, pode ser apontada como elemento dominante do curso.

Ao contrário disso, é possível inferir que o eixo curricular em torno da formação de docentes ainda que tenha dividido espaços com a formação de especialistas para o exercício de outras funções nas mesmas dinâmicas curriculares, parece não ter gozado do mesmo prestígio ao longo do tempo e, também, por força da legislação. Em outras palavras, a formação de docentes, que sequer contou com disciplinas específicas para tal nas primeiras matrizes curriculares e depois viu o acréscimo da Didática como seu aspecto nevrálgico, não se apresentou como elemento dominante em momento algum permanecendo e, por vezes, perdendo força no jogo de forças definidor das matrizes curriculares. Tal permanência pode ser apontada como uma espécie de ‘continuidade predisposta’, submetida ao crivo da tradição seletiva. Essa permanência residual não é, tal como advoga Williams (1979), simples permanência, mas é mantida por força das configurações sociais que formam essa tradição. A esse movimento talvez se deva o fato de a universidade, em raras ocasiões, reconhecer a formação de professores como uma tarefa socialmente relevante; o ato de nobreza está na formação dos bacharéis/especialistas; esse pode ser um fator que ajude a entender a permanência da formação de professores, por força da lei, mas não seu caráter hegemônico.

Todavia, a partir da quarta versão, aquilo que se configurava como residual, em verdade, ganha caráter de emergência (Williams, 1979), a partir de outros pressupostos. Esse é o reconhecimento de que a história é processo e os elementos que são residuais numa dada conjuntura podem se tornar dominantes em outra. Em outras palavras, o curso de Araraquara passou a se organizar em três grandes blocos formativos e, a partir de então, assumidos de maneira equitativa na estrutura curricular: num primeiro, a formação do especialista em educação - que foi dominante nas duas últimas versões curriculares, passa a ser residual a partir desta quarta, ou seja, permanece pela força da tradição seletiva, mas perde sua força dadas as configurações sociais e históricas. E esse cenário não se configura como simples permanência, pois é interessante notar, neste caso, a hegemonia da formação do administrador escolar - a partir dessa quarta versão, denominada gestão escolar. A formação do gestor surgiu, na segunda versão, como primeira formação para função não docente; na terceira versão, ela permaneceu ao lado de outras habilitações para funções escolares - orientação e supervisão; todavia, foi a única formação para uma especialização que permaneceu. As habilitações em supervisão escolar e orientação educacional foram extintas e a própria habilitação em administração escolar também o foi. Mas, a configuração das disciplinas permite constatar a sua permanência diluída em disciplinas desse primeiro bloco denominado formação geral em pedagogia. Mais uma vez, o jogo de forças postos na definição curricular se faz sentir e a gestão tem várias de suas disciplinas mantidas na dinâmica, enquanto as outras duas habilitações foram suprimidas quase que por completo9.

Num segundo bloco, o eixo de formação de professores para a educação especial - que permanece em função da especificidade do corpo docente, demonstrando o importante fato de que o curso não foi, mais uma vez, mero refratário das leis maiores; num terceiro bloco, o eixo de formação de professores para os anos iniciais do ensino fundamental, que, dado o reconhecimento dos embates históricos, políticos e culturais entre os aspectos residuais, dominantes e emergentes, acaba, amiúde, emergindo com força, respondendo às dinâmicas sociais, e obriga a uma reconfiguração dos elementos hegemônicos até então.

A partir disso, é possível e instigante pensar no imenso impacto que isso gerou para o corpo docente. Elementos da docência que parecem, por vezes, compor os interesses de pesquisa, de especialização, mas não conteúdos curriculares, passa a ter igual peso ao que, até então, era considerado dominante, impondo a este a necessidade de se reconfigurar e, por vezes, perder sua força momentânea, tornando-se residual - a perda da hegemonia não significa a inexorável supressão desse eixo de formação e, tampouco, de que esse não possa tornar-se, novamente, dominante em outro momento histórico, quer por força da legislação ou por opção política do corpo docente de Araraquara.

A quarta e a quinta versões apresentam, entre si, poucas diferenças em torno do elemento nuclear da formação do pedagogo e, em função dessa semelhança significativa e pelo pouco tempo de vigência da quarta versão, a opção é de apresentar a estrutura da quinta versão, já modificada pelas diretrizes do curso de Pedagogia publicadas em 2006. A mudança mais significativa está na extinção do eixo de formação de professores para a educação especial. O curso passa a contar com o rol de disciplinas da formação geral em Pedagogia, disciplinas voltadas para a formação de professores para os anos iniciais da escolarização e, mais recentemente, as disciplinas de formação de professores para educação infantil. Este novo eixo de formação, tal qual ocorrido na versão anterior, gera, em seu caráter emergente, novo impacto, implicando, por vezes, a contratação de professores especialistas para assumir esse eixo formativo.

Estruturado em uma lógica semestral, o currículo atual oferta disciplinas de formação geral em pedagogia - mais próximas às funções a serem desempenhadas pelo pedagogo no espaço escolar, bem como disciplinas dos eixos de formação de professores, a saber: Psicologia da Educação, História da Educação, Sociologia da Educação, Filosofia da Educação e Estrutura e Funcionamento da Educação Básica, Pedagogias da Infância, Desenvolvimento e Educação Infantil, Educação Infantil: Creches, Educação Infantil: Pré-Escolas , Filosofia para Crianças, Didática, Estado, Sociedade e Educação, Educação Especial, Psicologia da Educação, Sócio-Antropologia, Cultura e Escola, Teoria e Prática do Currículo, Política Educacional Brasileira, Ação Pedagógica Integrada, Gestão Educacional, Linguagens em Educação, Educação Fundamental: Anos Iniciais, Coordenação Pedagógica, Jogos, Brinquedos e Brincadeiras da Infância, Formação de Identidade e Escolarização e as disciplinas de Conteúdo, Metodologia e Prática de Ensino de: Alfabetização; Ciências; História e Geografia; Matemática; Língua Portuguesa.

Percebe-se, nesta versão que vigora, uma emergência de disciplinas mais alusivas ao campo prático da docência e a permanência de disciplinas que visam à formação do especialista em educação. Todavia, seguindo uma orientação das diretrizes, não se constata mais a formação fragmentada em diversas habilitações no interior do curso, o que, por um lado, representa algo positivo ao proporcionar uma discussão do fenômeno educacional e da função do pedagogo a partir de abordagens multidisciplinares e multidimensionais e, por outro, o elemento residual facilmente identificável é a dificuldade na definição de um conteúdo específico para o curso de pedagogia, evidenciado pela crescente pulverização da formação em dezenas de disciplinas (mais de quarenta) e que pode, mais uma vez, ser explicado pelo movimento de ser a discussão da função a ser desempenhada pelo pedagogo o aspecto que parece contribuir decisivamente para a organização curricular do curso. Outro elemento residual é a formação para a gestão escolar, que teve seu nome alterado, a organização por habilitações extintas, mas permanece, ao lado da docência, como marcador identitário do curso.

As duas últimas versões curriculares se inserem num contexto político e social de forte crescimento econômico e, principalmente, de ascensão de grupos sociais desfavorecidos ao ensino superior gratuito. Neste sentido, é possível verificar, já no final dos anos 1990, a centralidade atribuída à formação de professores nas políticas educativas sem que isso implicasse, necessariamente, um incremento ao desenvolvimento das licenciaturas. Assistia-se, por exemplo, a um forte questionamento acerca do papel das universidades como instâncias formadoras privilegiadas procurando ressaltar a importância de se investir na formação via educação à distância. Essa modalidade, além de ser considerada menos dispendiosa, conseguiria atingir a um público maior e num espaço de tempo menor, algo que foi conhecido como aligeiramento da formação (Torres, 1998).

Talvez, seja possível reconhecer, por exemplo, que a assunção da formação de professores como elemento central ao curso de pedagogia em questão tenha sido uma tentativa de reforçar a importância de se manter a formação docente em nível superior e em instituições que coadunem ensino, pesquisa e extensão. Em outras palavras, caberia aqui uma investigação acerca das formas como essas últimas versões curriculares também se configuraram como marcadores de resistência e de uma tradição que procurava manter a formação docente em nível superior, atendendo ao preconizado pela última LDBEN (Lei nº 9.394/96, 1996), ainda que os esforços de investimentos públicos acabassem por revelar certo descaso com tal prerrogativa.

Considerações finais

Uma análise da nomenclatura das disciplinas componentes do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências e Letras, de Araraquara, revela algo que Silva (2006) chama de crise de identidade. Entretanto, aquilo que para a autora representa um óbice à definição de uma identidade profissional, em verdade, pode ser visto como a forma pela qual a identidade requer ser reconhecida: como algo em processo, em construção. Talvez, a autora se refira a uma identidade pronta, acabada, porque idealizada. Mas, a história do curso revela uma identidade construída pela via da tensão, da disputa, dos avanços e retrocessos que marcam desde as legislações até as organizações curriculares do curso.

Como o curso reflete um movimento histórico e a história é processo, é possível perceber que, a tentativa de aproximação do currículo do curso aos pressupostos trazidos por Raymond Williams (1979), revela que, ao longo do tempo, ele foi marcado pela indefinição quanto a um elemento que, tanto do ponto de vista da alocação de disciplinas quanto de eixos formativos, pudesse ser considerado hegemônico. Como exemplo disso, a formação do especialista em educação, que parece ser aquilo que predominou na história do curso, e, ainda que essa função tenha variado ao longo do tempo - administrador, gestor, supervisor, inspetor, orientador educacional - num dado momento emergiu - aqui, na segunda versão - tornou-se hegemônica na terceira versão e ganhou novas roupagens nas últimas. A função de administrador escolar é um exemplo de elemento residual, que já gozou do status de dominante, em pleno auge de uma dinâmica que expressava a fragmentação da formação e que foi aquela que mais vigorou no curso. Hoje, ainda que diluída em disciplinas e que, por força da legislação, não obedece aos pressupostos do momento em que dominou, vai permanecendo e dando o tom da competência que se espera do profissional, ao lado daquela voltado ao exercício da docência. Nesse sentido, pode-se apontar que a formação do especialista, diluída em várias disciplinas, permanece por força da tradição seletiva ou daquilo que Williams (1979) denomina de ‘continuidade predisposta’.

Além dessa permanência residual da formação do especialista, a formação de professores para os anos iniciais e para a educação infantil tornou-se aspecto emergente, estabelecendo-se nas versões de 2000 (para os anos iniciais) e 2006 (para educação infantil). Esse embate já faz perceber um terreno delicado na composição curricular do curso, qual seja: emergente obriga o residual - e mesmo o dominante que aqui foi suprimido - a se repensar. As transformações culturais e, por conseguinte, as curriculares não se erigem sem embates.

A partir dessa premissa é possível reconhecer que, longe de ser mera alocação de disciplinas e nomenclaturas, as estruturas curriculares revelam a multidimensionalidade dos jogos de interesses que compõem um currículo. Tal como defende Goodson (1995), ao teorizar acerca da construção histórica e epistemológica do currículo, é possível pensar em arranjos que refletem os embates históricos, sociais e culturais de uma dada época. Nesse sentido, o currículo do curso de Pedagogia de Araraquara não se comportou como mero reflexo das instâncias superiores, mas procurou, ao respeitar a especificidade de seu corpo docente, responder às orientações ao mesmo tempo em que preservou focos de pesquisa de seu corpo docente expressos em nomenclaturas disciplinares.

Quando se pensa, então, em eixos formativos, é possível identificar, na história desse curso, a formação do especialista, que foi elemento dominante durante uma dada época, hoje, como residual; ao passo que a formação de docentes parece configurar-se como elemento emergente.

Todavia, a crise do curso, apontada por Silva (2006), fica nítida quando se analisam os componentes curriculares. Percebe-se um momento inicial com ausência de uma discussão específica do campo educacional com a formação do profissional balizada em elementos generalizantes. Ao longo do tempo, os componentes mais gerais vão perdendo espaço e ganham relevo os componentes mais próximos ao campo educacional; tal aspecto, por um lado, revela um esforço de tentar delinear as discussões educacionais a partir do conhecimento produzido no interior do campo (ainda que essa discussão não possa prescindir de pressupostos teóricos de outras áreas do saber), por outro, revelam a permanência de uma indefinição relativa aos conhecimentos pedagógicos.

A ausência de um eixo de componentes curriculares como aspecto dominante da formação pode ser um elemento que marque a crise histórica que assola o curso de Pedagogia. Essa ausência de núcleo disciplinares dominantes não é algo peculiar ao curso de Araraquara, sendo uma crise geral que marca a história do curso de Pedagogia no Brasil. Talvez, essa ausência seja um fator explicativo do desprestígio do curso frente aos demais cursos universitários. Por outro lado, é possível apontar que, ao contrário daqueles autores que sugerem uma crise histórica (Silva, 2006), a identidade do curso é marcada mais pelas discussões relativas à função a ser exercida pelo profissional nas unidades escolares que pelo campo científico; a organização curricular sofre, além das pressões internas dadas pela configuração de forças do campo científico, a ingerência do mercado de trabalho. Isso, a nosso ver, não pode ser chamado de crise, mas é a forma como a identidade profissional desse curso se configura: com maiores influências da função escolar, fato que não implica um currículo como mero reflexo do mercado trabalho; por isso, as inúmeras tensões e contestações em torno de seus desenhos.

Dessa forma, outro fator que pode ajudar a entender melhor essas alterações que marcam o currículo do curso de Araraquara bem como o curso de Pedagogia no Brasil, está nessa relação entre formação e mercado de trabalho. O curso esteve, ao longo do tempo, submetido a pressões externas que funcionaram como catalizadoras de novas configurações curriculares; em outras palavras, o que se percebe é que o currículo do curso foi, por vezes, mais determinado pelos fatores exógenos10 à universidade que por razões endógenas. Ademais, essa relação também sofreu grande ingerência do Curso Normal de professores, uma vez que a Pedagogia, nem mesmo à época pós LDB (Lei nº 9.394/96, 1996), goza do prestígio de ser o lócus de formação de professores para as etapas iniciais da escolarização11.

Em termos disciplinares, chama a atenção o papel desempenhado pela didática. A despeito de ser considerada a disciplina por excelência da formação docente, ela só se fez presente na segunda versão do curso e permanece, não como simples continuidade, como uma disciplina atrelado ao bloco da formação geral em pedagogia e não um componente da formação de professores. A nosso ver, esse é um aspecto que merece uma investigação mais aprofundada, uma vez que a Didática, ainda que considerada o grande marcador identitário da formação de professores, no curso de Araraquara, ela ganha contornos de uma formação geral e que não a atrela, diretamente, àquilo que a definiu historicamente.

As nomenclaturas disciplinares aqui trazidas evidenciam, por fim, um embate que também se faz sentir nas definições legais do curso; a disputa que marca o campo científico (Bourdieu, 2005) apresenta ressonâncias nas definições e disposições das disciplinas ao longo do curso. Nesse sentido, ao curso de Araraquara, a considerar a história de suas versões curriculares e a característica da última versão em vigência, pode reconhecer que é preciso assumir um eixo dominante para a formação do pedagogo - seja ele qual for: a do especialista ou a de professores -, permitindo um conhecimento sólido e aprofundado, ao invés de um grande conjunto de disciplinas que, ao lidar e tentar equilibrar as tensões entre os elementos residuais e os emergentes - acaba fragmentando e pulverizando a complexidade do fenômeno educacional. Essa fragmentação, ainda que a diretriz do curso reconheça como profícua, torna superficial e fragilizada a compreensão das práticas educacionais na sociedade atual. Em outras palavras, um olhar mais acurado para a configuração histórica do currículo do curso pode ser um bom caminho para o entendimento das crises que permanecem, das que se modificam e das novas que, em função das mudanças históricas e sociais, vão se fazendo presentes e colocando em xeque a definição do curso e de sua identidade profissional.

Referências

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1 Neste trabalho, o conceito de identidade é assumido pela perspectiva da identidade profissional e não pela perspectiva social, embora reconheçamos a profunda relação entre elas. A este respeito, consultar Dubar (2005).

2Para a organização deste trabalho, foram analisados os documentos que apresentam as matrizes curriculares do curso nos anos de 1959, 1969, 1979, 2000 e 2006 (Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia, 1959, 1969, 1979, 2000, 2006).

3Para compreender o processo de organização e transformação das faculdades isoladas do estado de São Paulo em Universidade Estadual Paulista (UNESP), consultar Vaidergorn (1995).

4Aqui, vamos chamar, sempre, de curso vinculado à UNESP, mas reiteramos que de sua criação, em 1959, até 1976, o curso esteve vinculado aos institutos isolados de ensino superior do estado de São Paulo.

5No caso da Pedagogia, tal modelo pode ser constatado quando se percebe uma formação genérica organizada em três anos e o acréscimo de algumas disciplinas como as responsáveis pela formação docente, em um ano somente.

6Faz-se mister lembrar, também, do acordo MEC/USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) que, por meio de assessorias, impunha os padrões do sistema de ensino americano ao brasileiro.

7Lembrado que, em função do estabelecimento do estado ditatorial a partir de 1964, esta disciplina passou a ser obrigatória em todos os níveis de ensino.

8Registra-se que o primeiro programa de pós-graduação em educação foi instalado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1965. O primeiro programa em universidade pública foi da Universidade Federal de Santa Maria, instalado em 1970 e mantido pela Organização dos Estados Americanos.

9Neste sentido, a habilitação em orientação educacional contou a manutenção de uma disciplina denominada Orientação Educacional e Formação do Educador; a habilitação em supervisão escolar contou com a disciplina Teoria e Prática do Currículo (embora a disciplina tenha sido alocada no interior dessa habilitação na terceira versão, não foi entendida como restrita a ela, pois, na versão anterior, compôs o leque de disciplinas da administração escolar); e a habilitação em administração escolar, além da disciplina Teoria e Prática do Currículo, contou com disciplinas como Estado, Sociedade e Educação, Política Educacional Brasileira, Gestão Educacional e a recém-criada Coordenação Pedagógica.

10Faz-se mister aqui lembrar que as versões curriculares analisadas não ficaram isentas de influências dos processos mais amplos pelos quais o país passou. Como exemplo disso, reitera-se o fato de que o currículo foi acometido pela agudização da formação em especialidades, que teve seu ápice a partir da Reforma Universitária Lei nº 5.540/68 (1968) e da Lei nº 5.692/71 (1971). Neste sentido, caberia pensar na possibilidade de uma análise mais ampla dessas versões a partir dos processos de crise pelos quais passou o sistema capitalista, marcado pelas ditaduras que assolaram boa parte da América Latina, por exemplo. Embora saibamos da importância de um estudo dessa natureza e sua pertinência com o referencial do materialismo cultural aqui apresentado, entendemos que escapa ao escopo deste texto e apontamos essa lacuna a ser preenchida por trabalhos futuros.

111 Para se compreender melhor essa relação entre Escola Normal e Curso de Pedagogia no Brasil, o artigo de Leonor Tanuri (2000), ‘História da Formação de Professores’, apresenta-se como um bom ponto de partida.

Recebido: 23 de Abril de 2017; Aceito: 19 de Março de 2018

E-mail: senamariano@gmail.com

INFORMAÇÕES SOBRE O AUTOR André Luiz Sena Mariano: Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Campus de Araraquara), Mestre e Doutor em Educação (na Área de Concentração em Metodologia de Ensino), ambos pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é Professor Adjunto do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL/MG). É Pesquisador Associado ao GEPCIE - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura e Instituições Educacionais, sediado na Unesp/Araraquara (e onde realizou estágio de pós-doutoramento na área de História da Educação) e lidera, na UNIFAL-MG, o Grupo de Pesquisa "Educação, Sociedade e Teorias Pedagógicas". É cadastrado junto à Rede Latinoamericana de Estudos sobre Trabalho Docente (RED ESTRADO). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Sociologia da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: professor iniciante, formação de professores, trabalho docente, relações de gênero, currículo e cultura escolar.

NOTA: O autor André Luiz Sena Mariano foi responsável pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

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