Introdução
O objeto de estudo é o ensino rural, projetado por Sud Mennucci (1892 - 1948) para o estado de São Paulo. Foi uma proposta de educação para o trabalhador rural, com vistas a fixar o homem no campo por meio do ensino. Historiadores da educação denominaram esse movimento de ruralismo pedagógico e de ruralização do ensino. Em seus escritos, porém, Sud Mennucci empregou o termo ensino rural ou, simplesmente, ruralização, relacionando-o à formação para o trabalho e às práticas de saúde. Contudo, ao se referir à área rural, o autor utiliza o termo campo, que neste artigo deve ser assim entendido.
O educador ocupou o cargo de Diretor-geral do Ensino do estado de São Paulo por três vezes. Pela primeira vez, entre 24 de novembro de 1931 a 24 de maio de 1932; pela segunda vez, entre 5 e 24 de agosto de 1933. Nessas duas gestões, embora curtas, preocupou-se com o ensino paulista em geral e, particularmente, com o ensino rural. Nesse período, criou no Departamento de Educação a Assistência Técnica do Ensino Rural e expediu o Decreto nº 6.047, de 19 de agosto de 1933, pelo qual instalou a Escola Normal Rural de Piracicaba, transformou em rural o grupo escolar de Butantan e o grupo escolar Arnaldo Barreto, de Tremembé. Em 1943, ocupou pela terceira vez o cargo de Diretor-geral do Ensino, permanecendo até 1945. Elaborou, também, a reforma do ensino rural, a qual serviu de base para a Consolidação das Leis de Ensino do Estado, em 1947.
Ajudou a fundar, em 1930, o Centro de Professorado Paulista, do qual assumiu o cargo de diretor e de editor da Revista do Professor. Foi diretor do jornal O Estado de S. Paulo, em 1925, e nos anos seguintes assumiu a diretoria do jornal O Tempo e a da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Em 1943, voltou a dirigir o jornal O Estado de S. Paulo, aglutinando a tarefa com a Diretoria-Geral do Ensino, até 1945. Faleceu em 1948.
Neste estudo entende-se a proposta do pedagogo como uma relação educativa que produziu o que Alves (2005, p. 10) considerou “[...] uma forma histórica de educador e uma forma histórica de educando”. Compactua-se com Alves (2005) a utilização do termo educador em seu sentido mais amplo, uma vez que historicamente abarca também os preceptores da Antiguidade e os mestres medievais. O termo professor surge somente na Modernidade. Nos escritos de Sud Mennucci, a relação educativa foi direcionada à ‘educação para o trabalho’ e orientada para que, “[...] além do ensino das disciplinas formais das escolas urbanas [...]”, desenvolvesse também programas “[...] acerca da pequena lavoura, da criação de pequenos animais e das indústrias domésticas” (Mennucci, 1944, p. 32). A forma histórica da relação educativa baseou-se nas necessidades sociais do homem do campo. Para o autor o homem do campo precisava criar hábitos de trabalho e adquirir “[...] conhecimentos que tornem esse trabalho o mais produtivo possível com o mínimo esforço. [...] A escola primaria rural (deveria ensinar) o aproveitamento inteligente de suas energias, conduzidas e disciplinadas com espírito racional” (Mennucci, 1944, p. 27).
A leitura das obras de Mennucci revela o educador como a figura exponencial do ensino, agregado a vários pedagogos das décadas de 1920 a 1940 que promoveram o ensino para o homem do campo. No livro A ruralização (1944), o autor pronunciou-se sobre o que entendia por ensino rural: a correspondência da educação às necessidades socioeconômicas da população do campo e o preparo do professor, um elemento da lavoura que tivesse “[...] conhecimentos bastantes de agricultura, de tecnologia e de profilaxia que correspondesse às necessidades sociais e econômicas da população, valorizando o trabalho na roça” (Mennucci, 1944, p. 33).
Dois objetivos delinearam este estudo: captar as necessidades sociais da época em que Sud Mennucci formulou sua proposta educacional e apreender as funções sociais que a educação escolar exerceu naquela formação social.
A proposta de uma intervenção histórica na educação paulista numa época determinada foi investigada como um pretérito que apresentou um tema polêmico que ainda é atual, pois, o ensino rural, até agora, pugna em estabelecer uma relação educativa coerente e eficiente. O que foi investigado marca a relevância do ensino rural, porque reconstituiu a educação pelo caminho da história e dialogou com determinado pretérito, no intuito de inquirir o que de passado está presente no presente. Houve o entendimento de que há uma história significativa para revelar.
A metodologia
Inquiriu-se o ensino rural de Sud Mennucci com base no conhecimento das leis que regeram a sociedade no desenvolvimento do campo, nos anos de 1920 a 1948, pois, o ensino rural implantado por Sud Mennucci brotou de uma absoluta necessidade social de seu tempo. Examinou-se a forma histórica de organização, o que só foi possível depois de terem sido identificadas as leis que regem a produção da sociedade. A produção de mercadorias foi condição essencial para que se investigasse o ensino rural. Nesse sentido, captar a forma histórica da relação educativa somente foi possível após conhecer as leis que produziram e reproduziram as relações sociais da época.
Por relações sociais entendem-se aquelas que se realizam concretamente na sociedade capitalista e esta, ao produzir e reproduzir a vida material, desune o capital da força de trabalho. A ruralização - entendida por Sud Mennucci como as premências sociais e econômicas do povo rural - e o ensino rural foram captados como funções sociais exigidas pelo campo, sintonizadas por ele e registradas em livros, conferências, jornais e decretos.
Os escritos do autor foram submetidos à análise de conteúdo, especificamente à análise temática. A sistematização dos dados foi feita mediante temas extraídos das próprias obras, e a análise, mediante a categoria singular/particular/universal, revelada por Marx (1980a, p. 402), quando explicou “[...] a relação entre a divisão manufatureira do trabalho e a divisão social do trabalho, a qual constitui a base geral de toda a produção de mercadorias”.
Ele considerou a categoria em três momentos: os grandes ramos da produção social em sua totalidade, como “[...] divisão do trabalho em geral [...]”; a separação da produção em espécies e subespécies da agricultura ou da indústria, como “[...] divisão do trabalho em particular [...]”; e a divisão do trabalho efetuada dentro de uma oficina, como “[...] divisão do trabalho singularizada” (Marx, 1980a, p. 402). O singular, o particular e o universal formam uma unidade de análise.
Neste artigo, o objetivo foi captar as necessidades sociais do povo rural e apreender a função social que o ensino rural, proposto por Mennucci, exerceu como instrumento de superação das desigualdades sociais no campo - o singular da categoria. O particular expressou a lavoura atrasada e os agricultores sem perspectiva para obter recursos e competir. A ‘base geral de toda a produção de mercadorias’ foi a produção mais desenvolvida e modernizada da lavoura do café, àquela época - o universal da categoria de análise.
O ensino rural e os métodos de ensino
Para instituir a relação educativa, considerada neste estudo como uma nova forma de professor e uma nova forma de aluno, Sud Mennucci pressupôs o diagnóstico das necessidades sociais da população rural de seu tempo. Ao formulá-la, concebeu um tipo de docente rural que interagisse com os alunos da roça, porque constatou que o professor não se adaptava ao que dele se esperava: “Falta-lhe tudo para tanto: falta-lhe a idade, falta-lhe o preparo, a capacidade de adaptação, o savoir faire, o entusiasmo, a fé, e principalmente aquela qualidade que só a experiência da vida concede” (Mennucci, 2006, p. 55). Na sua concepção, o modelo de escola da cidade não se aplicava à escola rural:
[...] na elaboração das leis, na constituição de nossa disciplina social, é sempre a cidade que leva a melhor. Toda a organização de nossos serviços públicos ou de utilidade coletiva é feita e processada à revelia da zona rural e como se ela não existisse. E os nossos reformadores estão tão fortemente imbuídos desse conceito fundamental da polis que nem sequer chegam a percebê-lo (Mennucci, 2006, p. 40).
O método de ensino instituído por Sud Mennucci no ensino primário do estado de São Paulo, para a cidade e o campo, foi um método misto e ativo, e sofreu oposição de intelectuais da Escola Nova, que também recebeu as denominações de Escola Ativa e Escola Progressista.
O educador posicionou-se: “O nosso aparelhamento escolar é do tipo de Escola Ativa. Confessamos que foi o método Analítico para o ensino de leitura que operou milagre. É que esse método saiu inteirinho das experiências de Decroly” (Mennucci, 1929b, p. 2). Decroly foi um dos precursores da Escola Ativa na qual preconizava a possibilidade de o aluno conduzir o próprio aprendizado. Conforme Lourenço Filho (2002, p. 283), Decroly “[...] não abandona os fundamentos de um ensino pela intuição [...]” verdade que se estende a Kerschensteiner, Claparède e Ferrière. Mennucci (1929a) afirma que as Escolas Novas destes quatro pedagogos inspiraram seu Método Ativo de ensino.
Mennucci (1929a) criticava a liberdade excessiva presente nas propostas de Dewey e de Montessori, afirmando que Escola Ativa significava educação ativa, processos novos criados conforme as singularidades brasileiras e não mera reprodução de modelos estrangeiros, conforme ele entendia ser a versão da Escola Nova no Brasil, defendida por Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo.
Para Mennucci (1929b, p. 2), o melhor da Terceira Conferência de Educação foi o reconhecimento de que São Paulo continuava à “[...] testa do movimento pedagógico nacional, tanto em quantidade como em qualidade de trabalho”. Nesta Conferência, questionou-se seu pouco entusiasmo pela Escola Ativa. Ele replicou, afirmando a dinamicidade de seu método e esclarecendo que na cidade de São Paulo não se aplicava nem o Método Ativo nem o tradicional; há “[...] um tipo misto [...]”, que funde os dois sistemas (Mennucci, 1929b, p. 2).
Para expor o método de ensino de Sud Mennucci - ‘obra do professorado paulista’, definido por ele -, recorreu-se aos artigos que publicou no jornal O Estado de São Paulo, de outubro de 1929 a janeiro de 1930.
Em um dos artigos, ele certificou-se de que havia vários tipos de Escola Ativa, mas faltavam-lhes “[...] tentativas de experiências interessadas em resolver o enigma da alma infantil. Nessas tentativas são ainda a inteligência, a sagacidade e a penetração individuais as principais armas de guia do professorado” (Mennucci, 1929c, p. 3). Ele desconfiava da excessiva ‘liberdade do aluno’, advogada pela Pedagogia Nova. Citou Flayol, diretora da Escola Normal em Paris, que escreveu em La methode Montessori en action:
Nessas escolas, a liberdade do aluno é completa, absoluta. [Os alunos] Fazem o que desejam fazer sem tempo e sem tarefa marcada. Abandonam o estudo quando lhes apraz; retomam-no quando lhes dá na telha. Há apenas um exercício obrigatório para o ensino de domínio de si mesmo: é a lição do silêncio. À ordem da diretora, ou de um aluno destacado, as crianças se imobilizam nos seus lugares, na obscuridade se possível, ou com as mãos sobre os olhos. O mais completo silêncio reina [...] No meio desse recolhimento, a diretora [...] chama, em voz baixa, um colega, que se levanta sem bulha e se dirige o mais silenciosamente possível para o lado de onde veio a voz (Flayol apud Mennucci, 1929a, p. 3).
À desconfiança manifestada à Escola Nova acrescentou a argumentação: “Tudo leva à separação e ao parcelamento. Logo Escola Nova para os mais hábeis; escola clássica para os comuns [...]”, pois “[...] o tipo comum não precisa deduzir e analisar para além de um certo limite” (Mennucci, 1929a, p. 3). Assestou o punhal à liberdade individual, defendida pela Escola Renovada, atribuindo-a ao sistema político autoritário:
Repare-se que todas as escolas novas italianas têm por lema a liberdade individual, que é decorrente de um clima de ampla justiça. Entretanto, quem as amparou com a Reforma Gentile, foi Mussolini, que se declarou adversário e mesmo a negação das chamadas conquistas do homem em 1780 (Mennucci, 1929a, p. 3).
Ao argumentar com o amparo de Mussolini à Escola Renovada da Itália, poderia ele acrescentar que, no Brasil, a Pedagogia Nova também floresceu nas décadas da ditadura Vargas. Se tivesse adicionado essa informação, não poderia, porém, produzir uma análise correta, porque ele próprio, nas três vezes que foi Diretor-geral do Ensino no estado de São Paulo, cumpriu sua tarefa à época da ditadura Vargas, sob a intervenção federal dos governadores Manoel Rabello, Pedro Manoel de Toledo, Daltro Filho e Fernando de Souza Costa.
Incluiu a Pedagogia Nova na “[...] velha e descarada mania de tomar modelos de fora e de seguir normas de outras terras!” (Mennucci, 1946, p. 72). Distinguiu-a de sua proposta e considerou seu método analítico para o ensino da leitura saído “[...] inteirinho das experiências de Decroly e Mme. Degrand, revelando a marcha real da aquisição dos conhecimentos das crianças” (Mennucci, 1929b. p. 2). Acrescentou que os professores paulistas criaram “[...] esse tipo novo de escola, de caráter coletivo, dinâmico [...]”, cuja característica é ser um Método Ativo (Mennucci, 1929b, p. 2). O novo tipo de escola referiu-se à mistura entre o Método Intuitivo da escola tradicional e o ativo dos renovadores europeus.
Elogiou Ferraz de Campos que usou essa metodologia para o ensino de Aritmética; João de Toledo, para o ensino de História Pátria; Firmino de Proença, para o de Geografia; Cimbelino de Freitas, para a metodologia de Desenho; e João Gomes Junior, para a de Música; ele próprio, para a língua vernácula. Assim, “[...] teremos acabado com os artigos de importação para realizar uma obra fruto de nossa própria tarimba” (Mennucci, 1929b, p. 2).
Na história educacional brasileira e paulista, a transição do Método Intuitivo para o Escolanovista apresentou várias tendências nas primeiras décadas de 1900, todas provindas da Europa e dos Estados Unidos. Em pesquisa realizada no oeste do estado de Santa Catarina, Hoff (2012) encontrou a permanência desses métodos de transição na década de 1940, em plena época hegemônica da Escola Nova.
No artigo Escola paulista I, Sud Mennucci declarou-se “Partidário da Escola Ativa, tipo misto, mas sem nunca me haver comprometido com a aceitação de um determinado tipo dos que existem pelo mundo” (Mennucci, 1929c, p. 3). Afirmou que criou “[...] uma escola brasileira [...]” para não imitar “[...] as escolas de outros países [...]”, confirmando o caráter ativo de seu método: “Quando Escola Ativa quer dizer educação ativa, emprego de processos novos, de acordo com a nossa psique e com as nossas singularidades específicas, fruto de nosso tirocínio e da nossa experiência, estou de acordo e bato palmas” (Mennucci, 1929c, p. 3).
No artigo Escola paulista II, Sud Mennucci escreveu, criticando a Escola Nova, cujo ensino não se dirige ao cérebro humano, “[...] que é o centro das chamadas atividades intelectuais. [...] Só há transmissibilidade de conhecimentos quando o conhecimento se integra à consciência do aluno e fica fazendo parte do seu patrimônio sensível” (Mennucci, 1929d, p. 3).
Em Escola paulista III, afirmou: “A obra inteligente que o professorado de São Paulo realizou, nestes últimos três lustros, pode resumir-se em meia dúzia de linhas: apanhou o método analítico-sintético na sua fase de vulgarização, adaptou-o a suas escolas, processou-o a sua moda” (Mennucci, 1929e, p. 6). Resumiu aqui o que, anteriormente, escrevera: nada de imitação estrangeira no seu método.
No artigo de 14 de novembro de 1929, escreveu que o método analítico não proveio dos Estados Unidos, mas, foi adotado “[...] ostensivamente por Decroly que lhe deu, em 1907, as bases científicas” (Mennucci, 1929f, p. 3). Deu razão a Decroly, porque cientificamente “[...] as palavras só vêm depois; as sílabas depois das palavras; as letras depois das sílabas” (Mennucci, 1929f, p. 3). Outro pedagogo igualmente influenciou sua proposta educativa: “Kerschensteiner [...] também se embeiçou pelo método analítico, como aqui fez o Dr. Oscar Thompson. Para Kerschensteiner, o método funda-se na imagem das palavras” (Mennucci, 1929f, p. 3) O ponto de partida constitui-se com frases de cinco a seis palavras tiradas da atividade prática da escola. Explicou: “Ora bem que fizeram os professores paulistas com esse método? Adaptaram-no às necessidades de São Paulo. Aqui é que está a obra da inteligência” (Mennucci, 1929f, p. 3).
Renato Jardim (1867-1951), em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo (1929, p. 3), apressou-se a demonstrar que não havia o menor parentesco entre a escola intelectualista de São Paulo e a Escola Renovada. Sud Mennucci (1929h, p. 4) revidou: “Esse método é o mesmo que está em uso na Bélgica com Decroly, na Suíça com Claparède e Ferrière, na Alemanha com Kerschensteiner, o que prova que São Paulo está no bom caminho, desde 1906 e, de modo geral, desde 1911”.
No último artigo de jornal, A escola paulista (conclusão), de 1º de janeiro de 1930, rebateu novamente a crítica de Jardim, que atribuiu ao ensino de Sud Mennucci a responsabilidade pela tese da ‘nacionalização da Escola Ativa’. Rebateu: “Não fui eu, o que não tem, contudo, a mínima importância porque a expressão é perfeitamente defensável” (Mennucci, 1930, p. 2). Mennucci (1930) esclarece que a nacionalização não significava redução dos princípios universais ao caráter nacional, mas significava “[...] estudo cuidadoso para verificar como se deveriam aplicar e adaptar esses princípios às nossas singularidades específicas” (Mennucci, 1930, p. 2). O educador exemplifica: “A Escola Ativa na Europa é ministrada em cinco, seis, sete horas diárias; em Minas Gerais, três horas diárias. Isso é nacionalizar a Escola Nova: encaixar o sistema europeu em tão diversas condições locais” (Mennucci, 1930, p. 2).
À questão de São Paulo não possuir uma Escola Renovada quando ela já existia em alguns estados brasileiros, respondeu usando a fala do Dr. Moreira de Souza, Diretor-geral do Ensino do Ceará:
A obra de educação de São Paulo está solidificada. [...] a mais adiantada que existe no sul. [...] Ainda bem que me perguntaram se as reformas de ensino no Distrito Federal e em Minas Gerais não ultrapassam ao que existe em São Paulo. As reformas sim; o que existe de fato, não (Mennucci, 1930, p. 2).
No dia 12 de novembro de 1929, no jornal O Estado de São Paulo, Mennucci mencionou a história contada por Dewey: em 1900, Dewey andou à cata de cadeiras e carteiras nos armazéns e nas lojas que se adaptassem às necessidades das crianças. Um dos lojistas falou: “Desejam algo para que a criança possa trabalhar e todos estes móveis são para que ela escute.” E Dewey remata: “Isto resume a história da educação tradicional” (Mennucci, 1929d, p. 3).
Criticou, também, “[...] os reformadores pedagógicos [que] mesmo depois de quarenta anos da República [...]” não conseguiram entender “[...] a agudeza daquela piada de Jules Embree: para um aluno da roça é muito mais importante saber a maneira perfeita da ordenha de uma vaca do que a lista completa dos reis da Inglaterra” (Mennucci, 1944, p. 25). Com comparações, continuou:
Certo, a um menino do campo interessa muito mais fortemente aprender como se faz corretamente um enxerto do que decorar o inexpressivo rol das capitanias hereditárias e dos seus donatários mais ou menos devorados pelos índios. E que para uma menina campônia é de muito maior utilidade aprender a organizar os menus diários e racionais para a dieta alimentar da família, do que perder-se no cipoal da descrição das batalhas contra Lopez (Mennucci, 1944, p. 25-26).
Essas comparações remetem às metas de superação propostas por Mennucci (1944, p. 25): “[...] aulas formais, contínuas, livrescas, literárias, com lições sem o mínimo de interesse para a mentalidade infantil”. Para ele, “[...] a escola rural não pode continuar a ser o que tem sido até hoje: uma escola de cidade enxertada à força no campo” (Mennucci, 1944, p. 27). Por conseguinte, propôs que a escola “[...] precisa ser um aparelho educativo organizado em função da produção [...] do meio a que serve”. Expandiu a ideia: “Impossível, portanto, separar a educação da produção” (Mennucci, 1944, p. 28).
Os instrumentos didáticos
Sud Mennucci, em seu ensino de Geografia, ressaltou o instrumento didático: “O intuito imediato do ensino é obter que o aprendiz saiba ler um mapa. [...] O mapa faz o mesmo papel do livro de leitura ou da partitura musical e que é um símbolo abreviado de uma realidade concreta. [...] A carta geográfica é a realidade objetiva em resumo” (Mennucci, 1936, p. 7), revelando a parte do Método Intuitivo que incorporou a seu ensino.
Trata-se, escreveu ele, de “[...] um jogo didático para levar o aluno da noção da realidade viva e vivida à sua transposição para uma carta geográfica” (Mennucci, 1936, p. 8). Essa transposição compreende três fases: “A noção real e intuitiva das coisas”, que se consegue com “as excursões escolares”. Segue a explicação: “Obtida essa percepção para o patrimônio intelectual do aluno, [...] é mister que a noção passe de sua consciência para o inconsciente, mediante uma fase de elaboração e tal se consegue com a modelagem, que constituirá a segunda fase”. A criança dá “[...] vida e forma ao que viu”. O professor vai estabelecer “[...] a noção fundamental de escala e proporção [...]”, porque o aluno, ao operar o seu mundo, não opera no mesmo tamanho em que o observou (Mennucci, 1936, p. 8).
Obtida a noção de escala, “[...] o discípulo passará naturalmente da leitura do mapa em relevo, que ele mesmo fez, para a carta geográfica, que representa, com outros sinais, o trabalho da argila” (Mennucci, 1936, p. 9). O professor deverá mostrar cursos de rios, transpondo serras e divisores de águas, para entender os relevos. Dessa forma, o segredo do ensino é o aluno ter “[...] a sensação nítida, ao contemplar a carta geográfica, de que a olha do alto de um elevadíssimo pico”. Se não conseguir dos seus alunos essa sensação perfeita, “[...] todo o seu ensino cai no livresco e na memorização” (Mennucci, 1936, p. 11).
Este artigo estudou a organização do trabalho didático com base no ensino de Geografia, no ensino da leitura e no uso dos livros-textos avaliados por Sud Mennucci no livro Rodapés (1927). Entendemo-la, não centrada no professor, nem no aluno, mas, na supremacia dos recursos didáticos, como apresentados por Alves (2005) e outros. Alves inferiu: “No caso da escola moderna, a supremacia inquestionável é exercida pelo manual didático, que subordina todas as demais aos seus desígnios e funções” (Alves, 2005, p. 4). Sud Mennucci (1936) considerou o recurso didático como fundamental no ensino, ao utilizar manuais, mapas, livros, anotações de viagens e de excursões. Apresentou os “[...] livros de texto para acompanhar o desenrolar das matérias escolares nas aulas [...]”. Alertou que há meios pedagógicos que condenam as lições do livro, o que, a seu ver, é “[...] pueril e contraproducente [...]”. Argumentou: “Eliminados os livros de texto, os professores passaram a ditar pontos ou a dar apostilas, o que é o mesmo, e fazem-no clandestinamente, embora sigam o método da elaboração sistemática das cartas pelos alunos, o que fixa os conhecimentos.” Revelou assim que “[...] o livro de texto é indispensável, principalmente para crianças de curso primário” (Mennucci, 1936, p. 11). O educador concluiu que o mapa tem o mesmo papel do livro: “Isso se consegue com a prática quotidiana da fatura de mapas pelos alunos, em classe e em casa” (Mennucci, 1936, p. 12).
Em Rodapés (1927), Sud Mennucci analisou sob o aspecto didático do ensino diversos livros como Urupês, de Monteiro Lobato; Sombras que vivem, de João de Toledo; Manhã, de Graco Silveira; Saudade, de Thales Andrade; Fruta do Mato, de Afrânio Peixoto, e muitos outros.
Os instrumentos de trabalho impuseram-se no seu ensino rural. No âmbito da educação escolar, o mapa, o manual didático, as visitas aos campos, a utilização do rádio e as práticas agrícolas foram recursos didáticos, utilizados por Sud Mennucci, nas atividades escolares. O educador dispôs recursos didáticos variados às escolas primárias do campo, “[...] perfeitamente conformes com o meio rural em que se acham localizadas, de acordo com as atividades que ali exercem” (Mennucci, 1944, p.51) e consoantes com o planejamento, a metodologia e os conteúdos trabalhados que, na opinião de Cardoso (2013), também são recursos didáticos a revelar a prática educativa: “Não apenas os materiais didáticos, mas também, o planejamento curricular, a metodologia empregada, os conteúdos trabalhados, os estatutos, enfim os recursos que medeiam a prática educativa” (Cardoso, 2013, p. 205).
A relação educativa
Cada época, concretamente, produz a relação educativa que lhe é peculiar. Isto é, produz uma forma histórica de educador e uma forma histórica de estudante; produz igualmente, os recursos didáticos e o espaço físico que lhe particularizam, vistos como condições necessárias à sua realização (Alves, 2005, p. 11).
A nova relação educativa, proposta por Sud Mennucci, permitiu o exercício das funções sociais da escola rural que se explicitam na correspondência da educação às necessidades socioeconômicas da população rural e o preparo do professor para um aparelho escolar organizado em razão do meio a que serve. Uma das funções do ensino rural de Sud Mennucci equiparou-se ao que pretendiam os discursos de educadores e políticos: os poderes da educação para promover o desenvolvimento social e econômico. Com eles, o educador acreditava que o ensino escolar, auxiliado pelas políticas implantadas para o setor rural, seria capaz de prender o homem à terra. Ele entendia as ‘misérias da roça’ e detectava que a cidade tudo tinha e tudo recebia dos governantes, enquanto a pequena lavoura ficava abandonada à sua sorte. Fez um diagnóstico correto da situação do campo, mas seu pensamento não abrangeu a problemática das tendências gerais da produção, pois, o movimento do capital estava subordinando os trabalhadores rurais e urbanos ao assalariamento e seria difícil mantê-los em atividades nas suas propriedades.
Percebeu-se, logo no início da leitura dos escritos de Sud Mennucci, que o ensino rural abria o leque da relação educativa, instituindo uma forma de relacionamento a envolver toda a comunidade rural: professores, administradores, equipes técnico-administrativas, jovens, família, comunidade e escola rural. Era a ruralização pretendida por ele. Para fixar o homem ao campo e para formar indivíduos ativos, adequados às características da ideologia do Brasil agrícola, ele se empenhou para conseguir mudar a natureza da escola e dar-lhe uma nova relação educativa, orientada para a formação do pequeno proprietário rural, mediante a função social de criar um homem que permanecesse no campo com sua dignidade e seu valor.
Assim a Escola Normal Rural foi instalada na esperança de “[...] formar um profissional entendido de agricultura, que seja ao mesmo tempo um enfermeiro, um mestre que entre para o campo com a convicção inabalável de que precisa ser ali um incentivador de progresso” (Mennucci, 2006, p. 92).
O público-alvo do ensino, as necessidades sociais do campo e a reorganização do trabalho
Quando o investigador anda favorável à decifração de documentos e conferencia com eles, situa-se no processo de conhecimento. Instala uma situação em que os fatos sociais revelados em documentos comecem a dialogar com a abstração científica; em tal caso, é da verdade que estão falando. Descobre, bem assim, que os fatos, revelados por documentos, são mais ricos do que parecem ou do que aparecem a nós, assim, ao examinar o ensino rural, aclarou-se a ideia de que ele brotou de determinadas e especificamente históricas atividades dos homens; logo, veio grudado à realidade rural do interior paulista. Na propositura de Sud Mennucci (2006), o real pareceu-lhe injusto e explorador e, exatamente por isso, gerou fortes compromissos assumidos em prol do povo rural. Seu grande valor foi comunicar-se com a realidade social, a avaliar e, a seguir, incriminar o usual, afirmando que a escola esquecera o contato com a realidade.
Na investigação descobriu-se, de início, que uma das funções do ensino rural foi a preparação dos alunos e dos membros da sociedade para seu aproveitamento na lavoura, esgotada e redistribuída, em 1905, pelo governo paulista a trabalhadores rurais. Da mesma forma, a pequena lavoura era mantida em meio aos latifúndios, porque a agricultura paulista precisava “[...] braços para a lavoura [...]”, isso é, “[...] braços para a lavoura do café [...]” (Monbeig, 1952, p. 137), em períodos de safra. O governo acolheu os imigrantes e fundou pequenas propriedades entre 1905 e 1907:
Este esforço de colonização ainda era considerado em função das necessidades dos fazendeiros e não somente destinado a fazer viver os pequenos proprietários por meio de seus próprios produtos. [...] Tratava-se de preparar reservas de mão-de-obra dos plantadores para época da colheita As colônias seriam ‘viveiros’ de trabalhadores que fixariam os imigrantes nas proximidades das fazendas (Monbeig, 1952, p. 143, grifo do autor).
Monbeig revelou o que não circulou nos documentos oficiais: “A tentativa de colonização ficava integrada ao sistema de plantação” (Monbeig, 1952, p. 143).
Novas colônias foram fundadas em 1910 e 1911, todas nas zonas de Campinas e na Mogiana. Possibilitadas pelas ações governamentais, acresceram-se outras que ocorreram com a divisão das antigas fazendas não mais aproveitadas para o café. Nas frentes pioneiras, rumo ao oeste do estado, Monbeig (1952) deparou-se com pequenas propriedades, em cultivo do café e do algodão, e constatou que,
[...] em 1939, propriedades agrícolas com mais de mil alqueires cobriam 68% da superfície do município de Barretos, 77% de Andradina e 70% de Presidente Venceslau. Entretanto, em Olímpia, Araçatuba e Presidente Prudente as fazendas concentravam-se em superfícies de 100 a 1.000 alqueires, das quais a pequena lavoura detinha 39,3%, 39,1% e 40%, respectivamente.
O autor, ainda, detectou a existência de propriedades com até 25 alqueires “[...] a ocupar 11,7% do solo em Olímpia; 17% em Araçatuba; 22,3% em Presidente Prudente; 29% em Mirassol; 46% em Tupã” (Monbeig, 1952, p. 193).
Outra característica apareceu na frente pioneira: a pequena plantação de café, rodeada de plantações variadas de milho, feijão, amendoim entre as leiras e nos roçados: “A pequena plantação cafeeira da franja pioneira não conhece a monocultura” (Monbeig, 1952, p. 247). O cultivo do algodão aumentou na década de 1940 “[...] aos cuidados de pequenos lavradores, proprietários da terra em superfície média de 5 a 7 alqueires na maioria dos municípios” (Monbeig, 1952, p. 257).
A pequena lavoura foi erigida como o local em que se circunscreveram as atividades do ensino rural. Sud Mennucci recolheu dados sobre o abandono do campo e os transformou em metas de superação. Com base nos fatos observados, ele sintonizou as cantilenas da “[...] falta de braços na lavoura do café [...]”, da “[...] ausência de civilização [...]” entre os trabalhadores rurais paulistas e da “[...] miséria da população rural [...]”, nas décadas de 1920, 1930 e 1940, apanhando os feixes atados e desidratados das más condições de cultivo. Acusou “[...] o impreparo educativo do homem do campo [...]”, e também “[...] o impreparo agronômico, apesar dos métodos agrícolas existentes” (Mennucci, 1944, p. 31s).
Seu pensamento pilhou a realidade em contradição: revelou nitidez sobre o baixo custo da produção e da força de trabalho, de um lado, e sobre os grupos oligopolistas do café que dominavam a grande lavoura, de outro. Por isso, propôs-se a processar a “[...] reorganização do trabalho [...]” na pequena lavoura, no intuito de alinhar o Brasil à “[...] interferência dos fenômenos econômicos internacionais [...]”. A essa situação contrapropôs uma tentativa de solução por meio de uma nova relação educativa, “[...] fruto e reflexo da organização do trabalho da sociedade” (Mennucci, 2006, p. 124-138), que “[...] organizasse cientificamente [...]” o trabalho rural. O argumento forte estava na estatística que apresentou: “Dos 44 milhões de habitantes atuais que o Brasil possui, 11 milhões apenas residem nas cidades, quando 33 milhões se espalham pela sua campanha” (Mennucci, 1944, p. 17).
O aparelho educativo, primário e profissional, porém, se encontrava nas cidades: “Enquanto as cidades que terão, na melhor hipótese, um quarto da população geral, recebem quatro quintos dos serviços educativos existentes, a zona rural, que possui os outros três quartos da população, apenas faz jus a um quinto desse aparelhamento” (Mennucci, 1944, p. 20).
O abandono do campo e do trabalhador rural e a redefinição do trabalho agrícola também foram descritos por Ianni (2004, p. 2): “Intensifica-se a imigração de europeus. [...] De repente, todos são desafiados a redefinir a ética do trabalho. Desenvolve-se um vasto e complicado processo sociocultural, psicossocial e ideológico destinado a conferir dignidade ao trabalho e ao trabalhador”.
O capital no campo e as funções sociais das escolas rurais
As descobertas científicas criaram convicção de que
Todos devem gozar das conquistas do saber e do engenho humano. Todos os homens têm direito ao conforto que a ciência, nas suas aplicações práticas, proporciona. Toda gente deve poder permitir-se o luxo de usar meias de seda e roupas de casimira, ir ao cinema, utilizar-se do telefone, servir-se do aeroplano (Mennucci, 2006, p. 11).
Sud Mennucci propôs a “[...] reorganização do trabalho [...]”, mas, “[...] a escola esquecera o contato com a realidade [...]”, porque “[...] o trabalho perdera, de maneira quase absoluta, o seu valor educativo intrínseco” (Mennucci, 2006, p. 23). Ele apontou a causa da pobreza da pequena lavoura: “Todo o edifício econômico do nosso passado, pela conjunção de dois fatores incontornáveis, a desmesurada extensão territorial e a pequena densidade demográfica, baseara-se no latifúndio. E o latifúndio descansava há séculos sobre o lombo do negro” (Mennucci, 2006, p. 42).
Ele tinha certeza de que a transferência da capital do país para o Planalto Goiano - em discussão em 1930 - também em nada adiantaria; seria somente mais uma cidade, onde “[...] as indústrias crescem e proliferam [...]” e onde o “[...] movimento de nossos republicanos históricos organizam a escola citadina” (Mennucci, 2006, p. 60). E acentua:
Toda a estrutura econômica do Brasil é fundamentalmente agrícola. A sua riqueza se exprime comercialmente por intermédio de produtos que se obtêm na faina das lavouras: o café, a cana de açúcar, o milho, o feijão, o arroz, o algodão, o mate, o cacau, a borracha, o fumo, as frutas, num total que não anda longe de 90% da produção global (Mennucci, 2006, p. 87).
Cabe, então, à política fazer os trabalhadores rurais “[...] pequenos proprietários e lavradores, empreendimento esse que não caberia apenas à União, aos Estados e aos Municípios, mas também aos indivíduos, às associações e corporações” (Mennucci, 2006, p. 113). O plano seria “[...] estimular a posse da terra, oferecendo ensanchas e oportunidades à desagregação dos latifúndios” (Mennucci, 2006, p. 125).
As contradições sociais do campo resultaram em atendimentos políticos de baixa qualidade, inclusive os serviços públicos escolares. Cardoso (2013, p. 179) escreveu o seguinte sobre o início do século XX:
Nas regiões centrais das cidades de porte médio e grande, os grupos escolares se destacavam. Nas cidades interioranas e nos bairros populosos, as escolas reunidas se configuraram como um passo intermediário entre as escolas isoladas e os grupos escolares. Mas, a escola do interior, da periferia e da zona rural, que concentravam a maioria da população, continuou a ser a escola isolada, cujo número mais ou menos de 1910, foi maior do que o de grupos escolares.
O recenseamento escolar, feito por Sampaio Dória em 1920, evidenciou que apenas 31,6% das crianças de 7 a 12 anos frequentavam a escola no estado de São Paulo. Segundo Dória, devia-se atacar o analfabetismo e, em 1920, “[...] efetuou a reforma regulamentada pela Lei nº 1.750 de 8 de dezembro do mesmo ano e pelo Decreto 3.356, de 31 de maio de 1921” (Cardoso, 2013, p. 189). Esta reforma foi o esforço de dar instrução primária a todos: “As escolas isoladas - até então classificadas em urbanas, distritais e rurais com a duração do curso de 4, 3 e 2 anos respectivamente - passaram a ter um curso com a duração única de dois anos” (Cardoso, 2013, p. 190).
O educador paulista tinha a certeza de que “[...] o êxodo dos campos prendia-se, em última análise, à dificuldade de obter a posse da terra” (Mennucci, 2006, p. 73). Ele mencionou a consequência: “O homem brasileiro, sem possuir uma organização industrial que se possa apresentar decentemente como um chamariz autêntico das suas atividades, começou a fugir do campo” (Mennucci, 2006, p. 72). O governo deveria estar inclinado a promover as pequenas lavouras: “Se as administrações públicas se mostrassem inclinadas e aplaudi-las e a insinuá-las, dentro de um prazo muito menor do que se imagina, o número de pequenos proprietários estaria elevado a formigueiro. Não faltam os exemplos” (Mennucci, 2006, p. 72). Adquirida a qualidade de produção, o agricultor teria maior assistência da educação e uma confiança no seu futuro. O educador, porém, aderiu a uma consciência costumeira: “Fecha-se uma cadeia para cada escola que se abre” (Mennucci, 2006, p. 45).
Em A crise brasileira de educação (Mennucci, 2006) o autor propôs a eliminação do latifúndio e a defesa da pequena propriedade, que provocaria a permanência do homem rural no campo e efetivaria o ensino rural de qualidade.
Suas intervenções na educação e no ensino rural ajustaram-se à leitura que ele documentou de fatos concretos, cujo enfoque pode ser resumido no despreparo educativo e agronômico do homem do campo; no fato de que três quartos da população vivem na região rural e toda administração governamental está voltada à cidade e nada entende dos problemas novos do campo; e na necessidade de processar a reorganização do trabalho rural, organizar cientificamente o trabalho e criar o trabalhador de qualidade. Ele fez a leitura desses aspectos que caracterizavam as necessidades sociais e que geraram sua proposta de ensino. Apontou muito bem a realidade exploratória do trabalhador rural, suas dificuldades, o desprezo que sofre da cidade e seu despreparo. Com base nas necessidades sociais captadas, elaborou o conceito de homem rural e tentou prepará-lo, dando à escola a função social de formar e dar a educação escolar que o capacitasse a superar os problemas da pequena lavoura.
Ao falar da concorrência da produção capitalista e da necessidade da organização do trabalho, o autor está coerente com o processo da revolução burguesa brasileira, resumido por Ianni (1986, p. 9): “A burguesia se tornou a classe social nacional. Impôs-se como classe dominante” (Ianni, 1986, p. 9). Inicialmente, ela tinha “[...] base agrária, mas combinava-se com interesses predominantes no comércio e setor bancário” (Ianni, 1986, p. 9). Depois, “[...] inicia empreendimentos industriais ou associa-se a capitais aplicados na indústria. Liga os seus negócios com os da burguesia estrangeira, cujos capitais são mais vultosos e cuja tecnologia é mais avançada” (Ianni, 1986, p. 9).
Sud Mennucci compreendia que a realidade rural estava sob o domínio do capital e que o aporte de capital dos fazendeiros foi decisivo para a expansão do café. As ferrovias transportavam os progressos técnicos: máquinas para formar a pasta, secadores artificiais, classificadoras mecânicas a vapor e terreiros de secagem; principalmente, o produto para os navios. O capital financeiro comandava as plantações dos fazendeiros. Os bancos - Brasilianische Bank für Deutschland, Nortdeutsche Bank um Hamburg, Schroder, National City Bank de Nova York, Casa Todor Wille et Cie e Casa Rotschild - faziam empréstimos. Terras foram anexadas por eles em épocas de crise. “A Casa Ville tinha vastas terras na Alta Araraquarense, no fim da Segunda Guerra Mundial” (Ianni, 1986, p. 99). Ianni explicitou a interferência dos bancos nas indústrias e em outras atividades produtivas e analisou a questão, constatando que “[...] mesmo na cidade, as liberdades democráticas tendem a ser efetivadas para a burguesia e setores da classe média; não se estendem aos operários. No campo, raramente chegam lá” (Ianni, 1986, p. 14).
Sud Mennucci indicou os problemas do campo e quis resolvê-los à base de escolas e do ensino. Coletou do campo, de forma ajustada, as necessidades sociais dos trabalhadores das pequenas lavouras, sem, no entanto, conseguir ligar essa singularidade ao movimento geral da produção. Ao registrar o trabalho, o capital financeiro, as ferrovias e as novas tecnologias, - o grande mérito do educador - Sud Mennucci empenhou suas forças em fazer cumprir as novas funções do ensino rural, com poucos resultados, pois, os governos orientavam-se pela modernização da grande lavoura, amparada pelos bancos, pela tecnologia e pela industrialização.
Ele sintonizou sua mente com o que estava ocorrendo no campo, como o êxodo rural, o ‘impreparo educacional e agronômico’, o abandono do pequeno sitiante e, principalmente, a impossibilidade de ‘acesso à posse da terra’. Apresentou sua obra educacional, criticando as causas arraigadas no campo, pouco enfrentadas pelos governantes, como saúde, educação e miséria roceira. Trabalhou dados reais, relativos ao campo e à cidade, sem, no entanto, entendê-los em sua totalidade e sem abordá-los produzidos pelo movimento do capital, permanecendo na superfície, na consciência normal: “As configurações do capital abeiram-se gradualmente da forma em que aparecem na superfície da sociedade, [...] na consciência normal dos próprios agentes da produção” (Marx, 1980b, p. 30).
A falta de formação, de educação escolar, de técnicas agrícolas e de acesso à posse de terras - leitura correta, mas de superfície, de aparência - foram elaboradas por Sud Mennucci como uma marca que atingia o camponês, um ser considerado inferior ao urbano, uma marca que Ianni considera um
[...] estigma [que] não atinge apenas aqueles que pertencem a ‘outras’ etnias, já que atinge também a mulher, o operário, o camponês, os adeptos de outras religiões, o comunista. Trata-se de elaboração psicossocial e cultural com a qual a ‘marca’ transfigura-se em ‘estigma’, expresso em algum signo, emblema, estereótipo, com o qual se assinala, demarca, descreve, qualifica, desqualifica, delimita ou subordina o ‘outro’ e a ‘outra’, indivíduo ou coletividade (Ianni, 2004, p. 220, grifos do autor).
Na investigação, guiada pelos documentos e pela categoria teórica do trabalho, percebeu-se que a estigmatização do trabalhador rural proveio dos concretos rearranjos produtivos e fundiários que o afetaram e o liberaram para vender sua única força, a força de trabalho. As mudanças na estrutura produtiva (café, algodão, pecuária) determinaram mudanças na estrutura fundiária com a concentração de propriedades rurais, de acordo com os interesses do capital. Esta foi a causa do abandono do homem do campo e não o descaso com a educação rural, subordinado à política e à economia, cujo objetivo histórico foi submeter a força de trabalho rural ao capital.
Sud Mennucci, em suas obras, fez uma aferição da realidade rural e, captando as condições indignas do pequeno lavrador, propôs o ensino rural como salvação, garantindo que ‘em dez anos’ tudo estaria resolvido. Este foi seu empenho de uma vida toda. Não se indagou, porém, nem poderia fazê-lo sem uma teoria consistente do social, como o trabalho estava sendo subjugado ao capital. Suas ideias provieram corretamente da realidade, da miséria do trabalhador rural, mas, ambas - as ideias e a realidade donde provieram - divergiam muito, sendo efetivamente o inverso do essencial a investigar, que se resume em analisar a transformação do trabalhador rural e urbano em força de trabalho.
A história comprovou que, à época, a pequena lavoura continuou com dificuldades e o trabalhador da pequena lavoura acabou cedendo sua força de trabalho para os grandes empreendimentos financiados pelo capital.
Considerações finais
A relação educativa de Sud Mennucci teve sua razão de ser, como também foi coerente considerá-la como fruto e reflexo da organização do trabalho da sociedade a que servia. Nas três vezes que esteve à frente da Diretoria-Geral do Ensino, decretou políticas para a educação rural e atribuiu a ela a função de gerar desenvolvimento econômico, político e social para os homens rurais que deveriam permanecer no campo. Seu público-alvo foram os filhos do pequeno proprietário rural com suas pequenas lavouras que, com a formação e a educação, teriam dignidade, valorização e eficiência na pequena lavoura. Captou as necessidades sociais de seu tempo e tentou resolver os problemas agrários pela via educacional.
O ensino rural, analisado sob as leis que regiam a sociedade capitalista, não teve condições de manter o homem no campo, a despeito do comprometimento de sua função pedagógica, porque se mostrou um mecanismo vulnerável frente ao movimento do capital. A relação educativa, criada para o ensino rural, não cumpriu sua função social programada, mas somou pontos no empenho da universalização relativa da educação, a partir das atividades inovadoras das professoras, provenientes da região rural, formadas como enfermeiras, sanitaristas, preparadoras de dietas alimentares, técnica agrícola, atributos da nova relação educativa.
A posição do artigo deixou claro que Sud Mennucci não conseguiria segurar o homem no campo, qualificando-o para o trabalho, mediante o ensino escolar. Nem poderia divisá-lo sem uma teoria consistente do social que indicasse com clareza como o trabalhador rural estava sendo transformado em força de trabalho. As ideias de Sud Mennucci, inclusive as do ensino rural, provieram corretamente da realidade, da miséria do trabalhador rural, mas, ambas - as ideias e a realidade donde provieram - permaneceram na superfície.