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Acta Scientiarum. Education

Print version ISSN 2178-5198On-line version ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.41  Maringá Jan. 2019  Epub Oct 01, 2019

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v41i1.48068 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Uma perspectiva sobre as escolas na Hispânia Visigoda nos séculos VI-VII

A perspective on schools in Visigoth Hispania in the VI-VII centuries

Una perspectiva sobre las escuelas en la Hispania visigoda en los siglos VI-VII

João Paulo Charrone1 
http://orcid.org/0000-0003-3152-1020

Pâmela Torres Michelette1  * 
http://orcid.org/0000-0001-8137-3017

1Universidade Federal do Piauí, Campus Professora Cinobelina Elvas, Rodovia Bom Jesus-Viana, Km 01, Planalto Horizonte, 64900-000, Bom Jesus, Piauí, Brasil.


RESUMO.

Partimos de dois pressupostos: 1) Os ambientes escolares constituem-se como um locus de poder que ultrapassa a questão educacional; 2) Parte dos pesquisadores que estudaram ou estudam o medievo não se debruçaram suficientemente sobre este assunto, limitando-se apenas a fazerem breves análises gerais. Isso posto, o objetivo desse artigo será discutir as diferentes escolas e como se dava o ensino no reino visigodo, em especial nos séculos VI-VII. Lembrando que a Igreja, monopolizadora desta área, terá no campo educacional mais um elemento de reforço de sua autoridade. Deve ter em mente ainda que o período em questão do trabalho se dá logo após a consolidação desta instituição no reino visigodo com a conversão do reino ao catolicismo niceísta no III Concílio de Toledo (589).

Palavras-chave: Hispânia Visigoda; igreja; escolas; episcopado; concílios

ABSTRACT.

Based on two assumptions: 1) School environments constitute a locus of power that goes beyond the educational issue; 2) Some of the researchers who have studied or are studying the medieval have not sufficiently addressed this subject, but merely made brief general analyzes. That said, the purpose of this article will be to discuss the different schools and how teaching was done in the Visigoth kingdom, especially in the 6th-7th centuries. Remembering that the Church, monopolizing this area, will have in the educational field another element of reinforcement of its authority. It should also be borne in mind that the period in question follows the consolidation of this institution in the Visigoth kingdom with the conversion of the kingdom to Niceist Catholicism in the Third Council of Toledo (589).

Keywords: Hispania Visigoth; church; schools; episcopate; councils

RESUMEN.

Partimos de dos supuestos: 1) Los entornos escolares constituyen un locus de poder que va más allá del tema educativo; 2) Algunos de los investigadores que han estudiado o están estudiando lo medieval no han abordado suficientemente este tema, sino que simplemente hicieron breves análisis generales. Dicho esto, el propósito de este artículo será discutir las diferentes escuelas y cómo se realizó la enseñanza en el reino visigodo, especialmente en los siglos VI y VII. Recordando que la Iglesia, al monopolizar esta área, tendrá en el campo educativo otro elemento de refuerzo de su autoridad. También debe tenerse en cuenta que el período en cuestión sigue a la consolidación de esta institución en el reino visigodo con la conversión del reino al catolicismo de Nicea en el Tercer Concilio de Toledo (589).

Palabras-clave: Hispania Visigoda; iglesia; escuelas; episcopado; concilios

Introdução

Neste artigo buscaremos abordar a educação no reino visigodo, nos séculos VI-VII, buscando identificar a organização desse ensino, seus propósitos, público alvo, conteúdos, entre outras questões correlatas. As dificuldades são muitas, porque não contamos com fontes diretamente interessadas nesse tema e as informações que podemos extrair de outras documentações disponíveis nem sempre nos permitem recompor uma visão geral.

Para, além disso, devemos considerar que a passagem do VI para o VII século e as décadas subsequentes, na Hispânia, se configuraram como um período de movimento das estruturas de poder no reino visigodo. Tal agitação no âmbito da política tinha como objetivos centralizar e equilibrar o exercício do governo. Nessa conjuntura, os eclesiásticos buscaram, por meio de seu elevado capital simbólico, elaborar e fortalecer um único discurso para os diferentes grupos que edificavam o campo de poder. Em outros termos, enquanto que no campo político buscou-se a centralização, no religioso desejava-se realizar uma reestruturação. Evidentemente que o campo educacional não ficou à parte desse cenário de transformações.

A educação foi a base do habitus eclesiástico e seu reconhecimento é central na fundamentação do Poder Simbólico. Quer dizer, a Igreja e sua relação com a educação, não foi inventada pelos prelados, mas sustentou uma proposta de organização. Dessa forma, com o intuito de facilitar o entendimento do papel que o bispo assumiu na sociedade visigoda e na educação, sentimos a necessidade de expor alguns referenciais teóricos propostos por Bourdieu (2012) que nortearam esse trabalho.

Identificamos a propagação dos elementos eclesiásticos na sociedade como uma forma de legitimação do grupo e fortalecimento de seu poder simbólico. A valorização do papel dos prelados na consolidação da educação, ou seja, aumentar o capital simbólico desse membro clerical dentro do referido campo. Uma vez que eles indicam os caminhos e os comportamentos a serem seguidos para se atingir a salvação eterna, o que desta forma legitimava, principalmente, o poder episcopal dentro dessa sociedade. Fica evidente aqui o esforço de manutenção da hegemonia, percebido no discurso educacional, no campo religioso por meio, sobretudo, da consolidação de um habitus eclesiástico, ou seja, dos parâmetros básicos de estruturação da relação da Igreja com o resto da sociedade.

Desse modo, a Igreja, representada nos prelados, buscava o monopólio do poder simbólico não apenas no âmbito religioso. Para isso procurava concentrar a produção de bens simbólicos para se legitimar perante os outros grupos que compunham a sociedade. Isto é, monopolizar o capital específico do campo do reconhecimento, pela via educacional e a autoridade de interpretação do sagrado.

Para Bourdieu (2007; 2012) o habitus que se funda no decorrer de uma história particular determina sua lógica própria à integração pelos agentes. Assim, os agentes fazem parte da história objetivada nas instituições, posto que as habitando se apropriam delas. Portanto, podemos perceber a educação vinculada a diferentes espaços da sociedade. Para Bourdieu, ela é um sistema de legitimação no centro dos campos de poder.

Nesse sentido, optamos por iniciar nossa análise com uma discussão mais abrangente do campo educacional, para em seguida focarmos nos três principais tipos de escola que existiram na Hispânia visigótica que foram a episcopal, monástica e paroquial.

Ao estudarmos os autores que analisaram o reino visigodo, especialmente no que diz respeito ao campo da educação no século VII, nos deparamos com breves análises e uma bibliografia bastante restrita se comparada a outros temas do mesmo período. Explicações essas que tendem majoritariamente a valorizar de forma excessiva o processo de desestruturação do habitus vinculado ao sistema escolar romano e delegando à Igreja, ‘monopolizadora’ de capitais culturais, a função de instituição encarregada da preservação do saber.

É digno de nota sublinhar que nos séculos V e VI houve uma ampliação de escritores cristãos considerados modelos, entre eles citamos Ambrósio, Jerônimo, Agostinho, Hilário, Orígenes e João Crisóstomo. Em outros termos, esses pensadores passaram a serem considerados, clássicos, imitados, seguidos e se converteram em fonte de inspiração tanto no que tange a forma como a temática das obras exegéticas e pastorais que povoavam a literatura do reino visigodo (Velasquez Soriano, 1994).

Havia, no campo social, uma diferença entre a aristocracia gótica e a romana e as camadas populares. Além desses mencionados, destacavam-se alguns grupos profissionais com formação educacional como médicos, arquitetos, juristas; tal diferenciação do ponto de vista geográfico pode ser, grosso modo, mapeada da seguinte forma: o sul da Península era marcada pela predominância da cultura romana (além da bizantina), já o norte, temos a presença marcante dos guerreiros godos, que eram mais romanizados que outros povos germânicos, mas que não haviam perdido por completo sua antiga identidade cultural. Existiam, também, os clérigos, seculares e regulares, que iam desde os mais humildes curas rurais até o bispo de Toledo. E, por último, as mulheres, cuja função na sociedade era diferente das de seus irmãos e maridos. Cada um desses grupos recebeu no campo educacional, desde a mais tenra infância, uma formação muito distinta, porque tinham atribuições diferentes na sociedade, que eram determinadas em parte pelo nascimento e também por decisão paterna (Sánchez Prieto, 2008).

O conjunto de circunstâncias econômicas, sociais e políticas que configuram a história da Hispânia desde o século V até o início do VIII marcaram os limites, no campo cultural, das expressões culturais da sociedade peninsular. Assim, o processo de desmonte da vida urbana não produziu apenas regressão econômica e um ambiente de insegurança, mas afetou superestrutura social. Entre elas, enfatizamos aqui, por motivos claros, o habitus educacional, que, em grande medida, viu-se em dificuldades para manter vivo as antigas possibilidades de contatos culturais. Desse modo, os visigodos estavam limitados no caso das letras, por exemplo, a uma memorização erudita.

Segundo Riché (1971), regiões como a Hispânia, Itália, Gália do Sul e África permaneceram ainda nos séculos VI-VII marcadas pela cultura antiga. Para ele isso ocorreu pela ligação que se estabeleceu entre a Península e o Império Bizantino. A aristocracia viveu em cidades de tipo romano, como Sevilha, Mérida, Tarragona, Saragoça, Toledo, cujos monumentos foram preservados ou reparados. Além é claro da escrita que se manteve.

Não podemos deixar, também, de mencionar que o desenvolvimento do campo cultural visigodo está vinculado as influências provenientes de uma das áreas mais romanizadas do Mediterrâneo, o norte da África. Dessa região, desembarcaram, um considerável número de homens que estavam fugindo das perseguições vândalas e posteriormente do avanço berbere. Esses refugiados eram em boa parte eclesiásticos (bispos e monges) que chegaram na Hispânia com seu capital cultural, bibliotecas, costumes e com o peso das tradições orientais. Evidentemente que isso repercutiu na produção literária1 e artística da época (García de Cortázar, 2004).

Para melhor entender o funcionamento do campo educacional visigodo temos que considerar que a expansão do cristianismo, no início do século VI, já era um dado claro e completo. Isso é perceptível, por exemplo, no fato de que a maior parte dos escritores cristãos tiveram uma formação eclesiástica monástica. E não só, pois, constatamos que as obras de caráter doutrinal e exegético revelam que seus autores continuaram adquirindo uma substancial formação cultural e mantiveram uma preocupação com a educação, especialmente daqueles que deveriam ocupar cargos eclesiásticos. Isso gerou, segundo Velasquez Soriano (1994), um clima de consolidação do campo cultural que passava para esses intelectuais por dois caminhos: a preocupação com as questões de ordem religiosa e a revitalização da literatura para a doutrina cristã.

É importante destacarmos que durante o estabelecimento do reino visigodo, no século VI, a administração dos monarcas era direcionada a diferenciação entre visigodos e hispano-romanos, até mesmo no campo jurídico. Esse cenário também incidia nos aspectos religiosos, uma vez que, diferenciava visigodos e hispano-romanos pelos credos arianos e niceísta respectivamente. Essa perspectiva, se por um lado, esteve ligada a determinação goda acarretou inclusive uma aproximação dos habitantes anteriores com a Igreja católica e de seus parâmetros, entre eles a educação realizada pela mesma (Díaz, 2006).

Em relação ao campo linguístico no reino visigodo, o latim foi mantido como única língua escrita na Península e os escritos tiveram um papel fundamental nas relações sociais. Inclui-se desde a troca de cartas, até testamentos, atas de compra e venda, profissões de fé exigidas aos judeus convertidos, libertação dos escravos, convocação em justiça. No âmbito da cultura escrita consideramos como um dos maiores exemplos, dessa formação social, as atas conciliares e os manuais utilizados pelos clérigos rurais, bem como as homílias, dentre tantos outros exemplos que poderíamos citar aqui. Isso demonstra a importância que a escrita teve para essa sociedade. Do ponto de vista estilístico, destacamos que a minúscula visigoda, originária da escrita cursiva latina, fixou-se no decorrer do século VII e desapareceu da Península nos séculos IX-XII (Rucquoi, 1995).

Observamos que para que isso tivesse podido acontecer foi necessário um habitus educacional que tenha instruído e formado essas figuras. Atestando que o ensino, mesmo sendo restritivo a pequenos núcleos da sociedade da época, tinha relativa qualidade. Evidente que isso se diversificava de uma região para outra, Sevilha e Toledo, por exemplo, eram lugares que possuíam uma estrutura de ensino e conseguiram moldar personalidades importantes e de grande cabedal intelectual e produtivo para suas épocas.

No campo da educação, como no da administração, os quadros eclesiásticos, detentores do capital cultural, foram lentamente substituindo os poderes públicos e laicos no decorrer dos séculos IV e V. Por extensão, as escolas paroquiais e episcopais sucederam as escolas municipais. A Igreja, no contexto pós-conversão2, demonstrou um interesse crescente no controle do ensino, especialmente, como forma de combater as heresias (Rucquoi, 1995).

Nesse sentido, as escolas se tornaram parte de um projeto de fortalecimento da Igreja, pois atuavam na catequização da população e na formação e expansão do clero. Fazia parte do habitus, do período, atribuir às as pessoas de mais idade, a responsabilidade de promoverem a organização escolar com o intuito de propagar e ratificar uma cultura com elementos específicos e de inspiração religiosa dentro do reino. Para, dessa forma, difundirem a sua forma de agir, pensar e enxergar o mundo no contexto pós-conversão, isso é, em um ambiente em que a Igreja precisava firmar suas bases.

Assim, podemos identificar três funções aos quais, a educação serviu aos interesses da Igreja: primeiramente, assegurar que o corpo eclesiástico fortalecesse seus referenciais e se distanciasse dos anteriores a conversão; inter-relacionar-se com o campo de poder, propiciando uma maior atuação política com a colaboração e apoio da monarquia e, por último, tornar-se um paradigma para toda a sociedade visigoda, principalmente pela ação catequizante que caracterizava essa instituição como o único meio de se alcançar a salvação junto a Deus.

O contexto, pós-conversão, fez com que o futuro da Igreja fosse incerto, pois ela não tinha garantias que os reis sucessores que subissem ao poder revertessem o processo a favor do credo ariano. Dessa maneira, umas das principais preocupações do clero, foi tentar assegurar a perpetuação do capital simbólico da Igreja e, por extensão, de seus membros. Justamente por isso era tão importante o fortalecimento dessa instituição em diferentes campos e grupos sociais que compunham a conjuntura do período.

O papel educador que a Igreja adotou estava vinculado ligado à função de disciplinamento do clero exprimindo-se como condição crucial à propagação de seu discurso. Dito de outra maneira, para ter sucesso no processo de incutir sua ortodoxia, na formação social visigoda, era imprescindível ter sob seu controle um clero coeso e qualificado. Dessa maneira, é perceptível o empenho do corpus clerical na manutenção da primazia desse discurso, no campo religioso, uma vez que isso era condição sine qua non para obtenção tanto do fortalecimento de um habitus eclesiástico como dos principais preceitos da estrutura da Igreja e da sociedade.

Assim, o episcopado passou a delimitar funções e responsabilidades para os diferentes agentes/grupos da sociedade. Esse novo cenário produziu um elevado capital de autoridade aos membros do alto clero e aqueles que estavam de modo direto vinculados a eles.

A formação desses grupos, muito reduzida, ficava a cargo de um habitus de contato e docência pessoal por meio do discipulado em seu entorno, cuja cultura, valores morais ou prestígio pessoal dos mestres atraíam os interessados em aprender, sob sua vigilância, o caminho das matérias eclesiásticas e clássicas. Essa configuração individualizada foi o alicerce do preceito educacional hispano visigodo, tanto para as instituições educacionais de cunho episcopal quanto para as monacais, que se tornaram centros de cultura dos quais despontaram várias lideranças tanto eclesiásticas quanto leigas (García de Cortázar, 2004).

A Igreja buscou, dessa forma, acumular capital simbólico para alcançar o controle da salvação e manter uma autoridade sobre os diferentes campos que compunham a sociedade visigoda. Contudo, o projeto educacional que a Igreja colocava em prática não abarcava a questão restrita do ensino. Esse projeto foi muito mais abrangente e ambicioso, pois englobava outros elementos e práticas como: os concílios, os sermões, as hagiografias, as regras monacais, entre outros, que extrapolam o caráter formal de uma instituição de ensino, mas que envolviam os demais campos e ambientes sociais.

O capital de autoridade que o episcopado almejava, perante a sociedade, não poderia se concretizar sem que tivesse alcançado a legitimidade nas bases políticas do reino. Por isso, no campo social, tornava-se extremamente importante ter membros da aristocracia compondo o corpo de ‘estudantes’. Afinal, isso possibilitava uma maior aproximação e, consequentemente, a consolidação da aliança entre episcopado e governantes, de uma forma que um autentificasse a existência do outro.

Um dos pontos que podemos observar em relação à educação, no reino visigodo, é que ela foi, essencialmente, um fenômeno urbano. Reforçamos essa questão a partir da discussão que Sotomayor (2004) fez no texto Las relaciones iglesia urbana-iglesia rural en los concílios hispano-romanos y visigodos. O autor trata essa questão com base na documentação conciliar, pois apesar de existirem comunidades cristãs rurais, a organização eclesiástica era estritamente urbana. Apesar de Sotomayor não abordar a questão do ensino, em seu texto, sua análise nos traz à tona como tema os espaços de atuação do episcopado visigodo, leia-se as urbes. Desse modo, podemos concluir que a maior organização educacional estava nas cidades e não nos campos que ficaram a margem desse processo.

Para fazermos a afirmação acima consideramos que algumas cidades se tornaram centros de referência na de formação clerical. Destacamos Mérida, Palência, Sevilha, Saragoça, Toledo3 dentre as principais cidades. As três últimas dispunham de importantes bibliotecas, bem como de bispos que deram maior prestígio a esses espaços. A existência dessas escolas episcopais contribuiu para reforçar o papel dessas cidades como centros culturais. Os mosteiros criados nas proximidades dessas urbes, na segunda metade do século VI, como o de Servitanum perto de Mérida e o de Agali nas cercanias de Toledo, reforçaram ainda mais este papel (Rucquoi, 1995).

É muito difícil determinar, com precisão, o habitus escolar no reino visigodo, mas podemos identificar o seu caráter excludente, como uma de suas características. Primeiramente, tinha-se a preocupação com os futuros clérigos. As escolas de formação de membros para a Igreja estavam abertas aos distintos segmentos sociais que quisessem ingressar na Igreja, com a ressalva que os altos postos, tais como episcopado, eram destinados para as elites locais (Rainha, 2007).

Como já mencionamos anteriormente, a ausência de escolas laicas acresceu o capital simbólico das religiosas. Dessa forma, os professores que atendiam à aristocracia e até mesmo membros da aristocracia germânica foram, em sua maioria, clérigos e boa parte dos educados nessas escolas (Silva, 2002).

Escolas Episcopais

O campo educacional se expandiu para vários lugares. Fruto, em grande medida, do II Concílio de Toledo (527). Nesse sínodo, presidido pelo bispo Montano, não só se propôs reviver a ordenança das decisões conciliares anteriores, como também, instituiu oficialmente as escolas episcopais.

Essas se tornaram espaços de grande importância, notoriedade e consolidação do capital simbólico prelatício. Apesar de não terem o mesmo status que as escolas monásticas4, eram as únicas a propiciar educação superior aos clérigos. É importante destacar que elas ficavam sob total encargo dos bispos e funcionavam em suas sedes.

Um dos pontos a respeito das escolas episcopais pontuados pelo II Concílio de Toledo, cânone 1, explicita que as crianças destinadas ao clero deveriam, a partir do momento em que fossem tonsuradas, instruídas na ‘casa da igreja’, sob a vigilância direta de um bispo:

A respeito daqueles que foram consagrados a vida clerical desde os primeiros anos de sua infância por vontade de seus pais, decretamos que se observe o seguinte: que uma vez tonsurados e entregues para o ministério dos eleitos, devem ser instruídos pelo propósito de importância, nas coisas da Igreja debaixo da inspeção do bispo, e quando completarem dezoito anos lhes perguntarão se querem se casar ou não. Aqueles que por inspiração de Deus lhes agradar a graça da castidade e prometerem que guardarão o voto de continência sem o laço conjugal, estes como aspirantes de uma vida mais austera serão colocados debaixo do jugo suave do Senhor e primeiramente receberão, completados os vinte anos, o subdiaconato, uma vez que tenham provado a sinceridade de sua profissão. E se chegarem aos vinte e cinco anos sem culpa nem mácula, serão promovidos ao ofício de diaconato se o bispo comprovar que podem cumpri-lo prudentemente. Contudo, devem esses salvos de que esquecendo alguma vez sua promessa se entregam depois ao casamento terreno ou as relações ilícitas, e se acaso fizerem algo disso, serão condenados como réus do sacrilégio e considerados como estranhos para a Igreja. Mas aqueles que no momento de serem interrogados, por sua própria vontade mentirem o desejo de casar-se, não poderemos negar-lhes a permissão que lhe foi concedida pelos apóstolos, de tal modo que uma vez que tenham alcançado a idade madura, vivendo em matrimônio, si de comum acordo prometerem renunciar as obras da carne, possam aspirar aos graus eclesiásticos (Vives, 1963, p. 42-43, tradução nossa)5.

Para aqueles que renunciaram ao sacerdócio sairiam do atrium em que até então viviam com os outros oblatos, e tomariam uma esposa, certamente continuando a pertencer ao clero nos graus inferiores. Assim, toda a Igreja não seria completamente prejudicada, pois aqueles que escolhessem esse caminho prosseguiam dedicando-se às coisas divinas, estabelecidas pela oferta dos pais (Fernández Alonso, 1955).

A Igreja visigoda teve uma grande preocupação em relação às questões morais, por isso que a retidão nas condutas era tão valorizada, pois elas eram um dos princípios norteadores da concepção de ‘espelhos’ que deveriam ser as lideranças religiosas e políticas do reino para seus pares e para o restante da sociedade.

Não podemos deixar de mencionar que existiam outras preocupações em manter elevado o capital simbólico clerical. Desse modo, os clérigos deveriam se afastar dos perigos do pecado, mantendo uma postura enérgica e vigilante para não serem levados pelas tentações. Portanto, esperava-se que o corpus eclesiástico guardasse uma postura moderada e sóbria. A Igreja, ao menos no plano teórico, defendia um estilo de vida que era compatível com suas funções e sua doutrina. Em outras palavras, a questão exemplar era fundamental, pois como ela poderia exigir e ensinar o caminho certo para seus pupilos e fiéis se a escola do corpo clerical não fosse a primeira a dar bons exemplos a sociedade. Estamos diante, portanto da ideia de ‘espelho’, uma vez que a imagem que o bispo refletia era essencial para que a Igreja conseguisse fortalecer seu discurso para aqueles que a compunham.

Ainda, no cânone 1 do II Concílio de Toledo se estabelecem-se dois princípios importantes: o primeiro, no campo educacional, foi a necessidade dos clérigos contarem com uma formação adequada e o segundo, no campo religioso, foi a difusão da ideia de que cada bispo tinha capital de autoridade para resolver o problema em sua diocese.

O segundo cânone desse concílio trata do campo educacional, incluindo a relação que os bispos criaram com seus discípulos. Entre os aspectos destacados havia uma tentativa de impedir que os discípulos abandonassem a igreja da qual receberam formação. Em virtude disso, existia uma orientação para que os bispos de outra diocese não aceitassem esses ‘educandos’, exceto se houvesse consenso entre os clérigos. Essa proibição era uma maneira de impedir que aquele que exerceu o papel de primeiro mestre não perder o trabalho dedicado à instrução do jovem:

Deste modo se teve por bem estabelecer que nenhum daqueles que recebem esta educação, forçados por qualquer ocasião se atrevam, abandonando sua própria igreja, a passar para outra. E o bispo que acaso se atreva a receber sem conhecimento do próprio bispo, saiba que será réu perante todos seus irmãos, porque é muito difícil que um arranque e se aproprie do que o outro diminuiu da rusticidade e a debilidade da infância (Vives, 1963, p. 43, tradução nossa)6.

Boa parte da historiografia ressalta a importância do cânon 1, do II Concílio de Toledo, e não dão a devida importância para o 2 cânone. Todavia, esse cânon também estabelece, no campo da educação e da religião, fortes tendências que instruem o trabalho do educar pastoral da Igreja visigótica. As orientações são sobre a cristianização das populações rurais - rural sensu - e a preparação das crianças e jovens destinados ao clero - squalore infantiae.

Para Fontaine (2002), este modelo de formação existia desde o momento em que desapareceram as escolas públicas, ou seja, desde o contexto da decadência das instituições urbanas. Esse novo habitus escolar teve uma grande importância tanto para a melhora do nível cultural como para a formação moral e religiosa dos clérigos. Assim, identificamos, no campo educacional, uma influência do II Concílio de Toledo, no que tange a preocupação com a formação daqueles que seguiriam a vida religiosa, no IV Concílio de Toledo, cânone 25:

A ignorância, mãe de todos os erros, deve ser evitada, sobretudo nos bispos de Deus que tomaram sobre si o ofício de ensinar o povo. A Sagrada Escritura adverte os bispos para que leiam, quando o apóstolo São Paulo disse a Timóteo: “Ocupa-te na leitura, na exortação e no ensino, e seja sempre constante nestas tarefas”; e conheçam, portanto, os bispos, a Escritura santa e os cânones, para que todo o seu trabalho consista na predicação e na doutrina e seja a edificação de todos, tanto pela ciência da fé como pela legalidade de sua conduta (Vives, 1963, p. 202, tradução nossa)7.

Martín Hernández (1970), destaca o fato da Igreja demonstrar preocupação com a formação e a preparação de seus clérigos para seleção de bons religiosos. Isso teria relação direta no campo da educação com outro problema que ele enfrentava nesse contexto: a falta de unidade na formação de seus eclesiásticos, que muitas vezes, encontravam-se despreparados seja para exercer suas funções seja para dar continuidade ao trabalho de formação dos futuros membros do corpo clerical. O I concílio de Braga (561), cânone 20, demonstrou essas preocupações:

Também se achou por bem que não se passe de secular ao grau episcopal, sem antes durante um ano completo, no ofício da leitura ou subdiaconato, não se tenha familiarizado com a disciplina eclesiástica, e assim, perito em cada um dos graus, chegue ao episcopado. Pois é muito repreensivo que aquele que ainda não aprendeu se atreva já a ensinar, estando também este proibido pelas antigas disposições dos Padres (Vives, 1963, p. 75, tradução nossa)8.

Isso fica bastante evidente no Concílio de Narbona (589), no mesmo ano em que foi celebrado o III Concílio de Toledo. O cânone 11, desse sínodo, demonstra-nos a atenção que a Igreja estava tendo com a formação de seus integrantes:

A partir de agora não estará permitido a nenhum bispo ordenar qualquer diácono ou presbítero que não saiba ler, e aqueles que já foram ordenados, os obrigue a aprender, e aquele diácono ou presbítero com pouco estudo nas letras que atrase com uma leitura lenta ou cumprir seu ofício, e não estiver preparado para tudo na igreja, o pagamento será removido e será humilhado até que cumpra e honre o que sabe ou será na Igreja de Deus; e se não estiver exercitando a leitura e persistir na preguiça e não quiser aproveitar, que seja enviado a um monastério, porque não é possível edificar o povo se não é por meio da leitura sagrada (Vives, 1963, p. 148-149, tradução nossa)9.

Identificamos duas preocupações principais, a primeira, o baixo capital intelectual de alguns membros da Igreja e a que damos destaque, pois todo o cânone acaba gravitando em torno da apreensão dos problemas com a leitura. Isso foi identificado não apenas nesse contexto, como em outros momentos. A atenção ao campo educacional deve-se, em larga medida, a doutrina religiosa estar embasada na Bíblia, bem como, e em outras leituras que perpassavam pelo contexto religioso como as hagiografias, os sermões, as atas conciliares, etc. Dessa forma, seria inconcebível ter um clérigo com dificuldade em exercer parte de suas funções.

Face a esse quadro, a formação do clero se efetivava em torno da sede episcopal. Um dos fatores que contribuiu para a propagação deste modelo foi também o II Concílio de Vaison (529), de iniciativa de São Cesário que prescreveu:

[...] a todos os padres encarregados da paróquia receber em suas casas jovens de qualidade de leitores, a fim de educá-los cristãmente, de ensinar-lhes os salmos e as lições da Escritura, e toda a lei do Senhor, de maneira a poderem preparar para si, entre eles, dignos sucessores (Pontal, 1989).

Vale lembrar que esse modelo já se encontrava em uso na Itália e na Hispânia visigoda, aparecendo no Concílio de Mérida (666), cânone 18:

[...] elejam para si alguns clérigos entre os servos da sua igreja, aos quais com boa vontade os eduque de tal modo que possam celebrar dignamente o ofício santo e sejam também aptos para seu serviço (Vives, 1963, p. 338, tradução nossa)10.

Os temas estudados nas escolas do reino, de forma geral, reproduziam o habitus escolar do Império romano. Os principais conteúdos gravitavam em torno do Trivium e do Quadrivium. Para Riché (1962), os concílios visigóticos se preocuparam, mais que os da Gália, em organizar as escolas do reino, mas deixaram a cargo de cada bispo a liberdade para instruir a seus clérigos como melhor os parecesse. Isso nos permite observar que o nível entre as escolas seria desigual, já que o ensino ficava muitas vezes pautado na personalidade e no capital intelectual dos prelados responsáveis pela instrução de seus discípulos.

Riché (1962), crítica o posicionamento dos autores espanhóis que enfatizam uma certa abrangência do papel das artes liberais no currículo do ensino visigótico, ele considera que o Trivium e o Quadrivium estiveram mais presentes nos monastérios do que nas escolas episcopais. Fontaine (2002), por seu turno, defende que existiu certo conhecimento dessas áreas, em virtude das bibliotecas, que foram instrumentos indispensáveis para os autores da época.

Dos autores espanhóis que se dedicam a estudar o campo educacional mencionaremos três nomes. O primeiro Dominguez Del Val (1970), esse argumenta que havia o estudo das artes liberais, mas questiona o estudo dos autores clássicos nas escolas episcopais. Os demais autores são Díaz y Díaz (1970) e Martín Hernández (1970) esses já justificam que era fundamental as sete artes liberais no currículo do ensino visigótico.

Assim, essas instituições de ensino ofertavam, aos seus alunos, os conteúdos que eram capazes de ministrarem. Isso se dava, conforme o capital intelectual dos mestres disponíveis.

No campo linguístico, a Gramática foi a disciplina mais importante dentro da educação no reino. Dessa forma, o estudo da gramática abarcava toda a morfologia, o léxico e a métrica. Dedicaram-se com afinco às técnicas da retórica, estudando o léxico e a construção, de uma maneira mais específica e extensa toda classe de figuras de pensamento e dicção. Isso demonstra a importância que o latim tinha para a educação, principalmente para os interesses da Igreja.

A retórica, da mesma forma que a gramática era muito valorizada, mas com um alto grau de complexidade e longo tempo de dedicação nesse estudo. Os modelos dos distintos gêneros retóricos tinham um papel fundamental nesse processo, além da leitura dos autores antigos que propiciaram informações, recursos oratórios, desenvolvimentos científicos e ilustrações literárias, singularmente poéticas que ajudavam realçar a exposição oral (Díaz y Díaz, 1970).

Díaz y Díaz (1970) salienta que os autores clássicos, que muitas vezes aparecem em referências, nesse contexto de produção literária na Hispânia visigoda, não eram lidos por completo, eram apenas consultados. Isso se deveria ao fato dos homens cultos não terem contato com esses materiais, mas apenas pequenas citações, antologias ou resumos desses escritos. Outra dificuldade encontrada era em relação à língua em que essas composições estavam, o que restringia a leitura somente àqueles que sabiam, por exemplo, o grego.

Assim, uma das limitações para o desenvolvimento das ciências eclesiásticas no reino visigodo foi, apesar da presença bizantina na Península e da existência de comunidades hebraicas, o desconhecimento quase que total do grego e do hebreu. Poucos foram os clérigos que conheciam o grego. O mesmo ocorreu com o hebraico que recebeu pouco interesse dos cristãos, nesse período (Lozano Sebastian, 1982). O apedeutismo dessas línguas acarretou em perdas culturais, como o não conhecimento aprofundado das Escrituras que tanto foram valorizadas e defendidas, bem como, o distanciamento das ciências clássicas a serviço da Bíblia (Dominguez del Val, 1970).

Isso não ocorreu com os autores cristãos, pois eram lidos de forma integral e seus trabalhos objeto de muitas reflexões. No ensino visigodo se tornou um habitus dar destaque as obras de maior relevância desses escritores. Vale lembrar que outra característica do campo educacional desse período, e que não podemos nos esquecer, é a memorização dos conteúdos estudados, principalmente os conteúdos bíblicos, como os Salmos. Outro elemento que também não podemos descartar da nossa discussão sobre a educação no reino visigodo foi o papel dos livros, especialmente, em virtude da escassez de exemplares. Isso se deve, como mencionamos anteriormente, pela dificuldade de acesso aos mesmos. Essa característica fica clara a partir da discussão realizada por Velazquez Soriano, no qual analisando as cartas que eram trocadas entre membros da Igreja, destaca a procura de determinados materiais ou a solicitação aos próprios autores de exemplares de obras acabadas. Em outras palavras, tal autor, conseguiu por meio das epístolas rastrear a progressão e enriquecimento das bibliotecas (Velazquez Soriano, 1994).

Os livros eram bastante conservados, salvo exceções de roubo ou incêndios que eram os mais comuns. Assim, duravam muitos anos e eram estimados por seus donos ou por aqueles que estivessem responsáveis pela sua preservação. As obras viajaram por todo o território hispânico e era frequente que as pessoas da época levassem consigo seus os exemplares favoritos.

Ao observarmos as bibliotecas e os livros que a compunham, compartilhamos da mesmo de pensamento de Sánchez Prieto, ou seja, não estamos falando das Bíblias, dos livros litúrgicos ou de algumas pequenas coleções destinadas às escolas. Mas as caracterizamos como tais quando reúnem também obras de autores cristãos ou clássicos, leituras fundamentais para se adquirir capital intelectual. Essa autora ressalta, como já destacado acima, o fato das bibliotecas terem um certo caráter itinerante. Da mesma forma, que ocorria o intercâmbio de códices, ou a dedicação de obras novas em códices que eram enviados pelos autores à a seus destinatários (Sánchez Prieto, 2009).

No campo educacional, a Igreja priorizava àqueles que eram pretendentes ao sacerdócio, o conhecimento a respeito de decretos pontifícios e atas conciliares. Os homens da Igreja, acreditavam que a partir do estudo desses materiais, esse grupo de alunos poderia apreender a reta administração dos Sacramentos e das ordens sagradas (Martín Hernández, 1970).

Escolas Monásticas

Os mosteiros foram de grande relevância para o ensino na Península. Muito do habitus educacional adotado pelos mosteiros veio das decisões conciliares. Ademais, as informações sobre as escolas monásticas são mais numerosas do que as episcopais. As fontes do período visigodo evidenciam que o florescimento dos monastérios ocorreu de forma mais forte a partir do século VI. Podemos apontar alguns fatores que contribuíram para esse acontecimento. O primeiro deles está ligado ao campo religioso, mais precisamente atrelado ao desenvolvimento do cristianismo e o poder adquirido pela Igreja, inclusive das boas relações estabelecidas entre a monarquia ariana e a Igreja niceísta. Isso fica evidente nos Concílios de Agde (506) e o de Orleans (511), cuja legislação a respeito dos monastérios foram determinadas também pelos Concílios de Tarragona (516), I Concílio de Barcelona (540) e o Concílio de Lérida (546). Os monastérios foram fundamentais para a cristalização do ambiente cultural desse período histórico no reino visigodo (Velasquez Soriano, 1994).

Em diferentes regiões da Hispânia houve a fundação de mosteiros promovida por bispos. Mas essa relação entre os mosteiros e o episcopado não são muito claras na história visigoda, pois de um lado os mosteiros tenderam a funcionar fora da jurisdição episcopal, por outro os bispos os favoreceram como canteiros de futuros clérigos. Não foram apenas os bispos os fundadores de monastérios, mas os próprios monarcas, como foi o mais famoso deles Recaredo. Essa atitude real tinha dupla finalidade: neutralizar o poder dos bispos e dispor de grupos com elevado capital intelectual que poderiam servir para o rei em suas designações episcopais (Díaz y Díaz, 1970).

Assim, os monastérios exerceram um papel importante pós-conversão. Afinal, desde o final do século V, muitos se colocaram como baluartes da ortodoxia e auxiliaram na defesa da nova atividade das dioceses, principalmente naquelas em que não havia a tradição das sedes episcopais de se tornarem patrimônio de uma família. Vale lembrar que isso foi muito comum em algumas delas, porém em outras a escolha do prelado se dava por outras circunstâncias.

Desse modo, desde o século VII, vários monastérios toledanos nas proximidades ou cercanias da sede visigoda colaboraram na formação de bispos. O cenóbio de maior destaque foi o Agaliense, o mais versado e antigo. Essa abadia também instruiu, quase que de forma exclusiva, os bispos de Toledo. Segundo Díaz y Díaz (1970, p. 47), isso não foi uma particularidade desse monastério, outros desempenharam papel similar, como o de Cauliana a metrópole de Mérida; e, o de Dumio, a sede de Braga. Dessa forma, o mosteiro de Agali teve para a capital do reino uma importância fundamental, principalmente em relação a formação educacional dos prelados que assumiram altos postos dentro da Igreja.

Por extensão, os monastérios se transformaram em ambientes culturais importantes, pois foram notáveis focos de disseminação cultural, nos quais surgiram figuras de destaque tanto no campo da literatura, no século VI-VII, como no da hierarquia eclesiástica. Isso se deu em virtude do surgimento das escolas monásticas que prepararam os jovens e os educavam para seguirem a vida religiosa. Salienta-se que essas instituições de ensino também aceitavam os laicos. Estendendo e completando a existência e o alcance das escolas episcopais. Desse modo, a escolarização chegou a âmbitos diferentes dessas últimas, mesmo considerando que boa parte dos monastérios tiveram um caráter urbano e semiurbano e foram de fundação episcopal. Não podemos esquecer que os cenóbios eram os guardiões de muitos códices e que seus membros tinham contato com regiões além da fronteira hispânica (Velasquez Soriano, 1994).

Os monastérios, da mesma forma que as instituições de ensino episcopais, controlavam, as escolas onde os jovens, laicos ou não, se formavam e se educavam. Elas adotaram um sistema de ensino baseado em diferentes níveis, no qual a primeira instrução recebida era ensiná-los a ler, escrever, aprender os salmos, etc. Uma educação cristã que, na medida em que os jovens acumulavam capital simbólico suficiente para adquirir um posto importante na hierarquia eclesiástica ou na vida administrativa, devia ser constantemente continuada. Essa preocupação já estava presente no cânone 1 do II Concílio de Toledo (527), no qual ordena-se que os jovens fossem educados na residência do bispo, onde seria nomeada uma pessoa que seria encarregada de cuidar da educação deles.

O modelo de formação recebida nas escolas eclesiásticas episcopais, possivelmente, diferenciava-se das monásticas. A primeira tinha objetivos mais amplos uma vez que também tinham a preocupação com a formação de laicos. Eles buscavam acomodar não só o conhecimento religioso, mas também o clássico e o ‘científico’. As monásticas, por sua vez, estavam mais voltadas à exegese bíblica e a formação doutrinal (Velasquez Soriano, 1994).

Nessas escolas uma das primeiras coisas a serem feitas no que se refere ao habitus eclesiástico era a tonsura. Quando completavam dezoito anos faziam o escrutínio perante o clero e o povo. Nessa idade, portanto, o sujeito declarava se queria seguir ou não a carreira religiosa, afirmando guardar sua castidade. Grau a grau iam recebendo as diferentes ordens e, concomitantemente, iam se instruindo tanto nas ciências eclesiásticas como se preparando para uma vida virtuosa no exercício do ministério pascal (Martín Hernández, 1970).

Quando os alunos conseguiam as ordens menores, dava-se de fato o aprofundamento formativo no campo religioso e intelectual, baseado, sobretudo, no estudo bíblico e nos cânones. Nesse momento entravam as obras clássicas dos autores cristãos como: Agostinho de Hipona, o papa Gregório I, Isidoro de Sevilha, entre outros (Udaondo Puerto, 2003).

O ensino ocorria em vários níveis, tendo início com a prática da leitura, escrita e memorização dos Salmos. A lectio divina fazia parte das funções cotidianas dos monges, o que os forçavam a terem o hábito da leitura. Outras características educativas nos monastérios foram a instrução das primeiras letras, as artes liberais, o Trivium, o Quadrivium. A aprendizagem teológica, direcionava a compreensão das Sagradas Escrituras em seu triplo sentido: histórico, moral e artístico (Martín Hernández, 1970).

O âmbito dos monastérios e das escolas, tanto episcopais como monásticas, favoreceu a formação de uma parcela da população, gerando assim pessoas elevado capital intelectual, religioso e simbólico. Velazquez Soriano (1994) quando trata dessa questão não está se referindo a uma população que fosse culta ou mesmo que fosse alfabetizada por esses ambientes culturais, entretanto, não podemos descartar que houve um crescimento cultural em finais do século VI e início do VII.

Do monastério Agaliense, em Toledo, saíram bispos de destaque no reino, entre eles estão Eladio, Justo, Eugenio I, Eugenio II e Ildefonso. Em Mérida, teve o monastério de Santa Eulália; na região de Cauliana veio Renovato de Mérida e do monastério de Saragoça saiu Bráulio e Tajón, entre outros (Lozano Sebastian, 1982).

Desta forma, podemos observar que os bispos letrados dentro do reino tiveram sua formação nas escolas monásticas e não nas escolas episcopais, que eram mais voltadas para o ensino profissional.

No campo educacional, a atividade cultural monástica se desenvolvia mais em torno de um mestre, cujo capital simbólico e intelectual atraia muitos candidatos de diferentes regiões, do que propriamente de um projeto educacional. As disciplinas estudadas nos monastérios fazem menção as biografias existentes de alguns monges e, especialmente, as Regras. Nessas Regras se instruía o estudo da Bíblia, as horas que deveriam dedicar à leitura, a utilização dos livros clássicos entre outras orientações.

Podemos assim concluir que das escolas monásticas saíram à elite do clero regular. Não podemos esquecer que as instituições de ensino voltadas unicamente para a formação de clérigos apareceram em um período um pouco posterior. A inspiração para essas escolas veio de Agostinho, que podemos considerar como o criador dos primeiros seminários clericais e cuja preponderância chegou até a Hispânia. Mas, cabe-nos fazer uma ressalva. Afinal, nem todos aqueles que adentravam esses ambientes e passavam pelo processo de ensino estavam dedicados a eles, pois havia o interesse daqueles que procuravam as vantagens de alcançar altos postos dentro da Igreja. Para Díaz y Díaz (1970), isso acarretou em uma baixa nivelação do ensino, o que fez com que formassem clérigos ‘medianamente cultos’, mas que acabavam obtendo os cargos almejados, pelos interesses políticos.

Esse conjunto de informações corroboram as perspectivas de que o mosteiro ganhou significativa relevância a partir da primeira metade do século VII hispânico, pois participou fortemente no processo de reorganização, consolidação e fortalecimento da Igreja.

Escolas Paroquiais

O último dos espaços de formação educacional no reino visigodo, são as escolas paroquiais. Peça importante na organização eclesiástica eram confiadas como parcela pastoral a um sacerdote. A atividade pastoral, no campo religioso, recaia integralmente sobre o pároco, este também recebia a ajuda correntemente de outros clérigos.

Mas, no que respeita ao campo educacional, devemos salientar que as informações a respeito desses espaços de ensino são as mais escassas. Os jovens, majoritariamente, procediam das zonas rurais. Os alunos tinham que acumular um capital intelectual e religioso mínimo para realizar com excelência a função sacerdotal, os sacramentos e os livros rituais, e além disso, ler, escrever, recitar o saltério, o canto litúrgico e um pouco da história sagrada. Esse ensino dava-se em uma dependência anexa a Igreja e as vezes no próprio interior da mesma, sob a supervisão do pároco. Entretanto, nem sempre era o pároco o responsável pelo ensino, poderia ser realizada a instrução por outro clero, que podia exercer também outras funções. Os bispos tinham certo controle desse ensino, pois realizavam visitas nesses lugares (Udaonda Puerto, 2003). Para termos uma ideia da formação nessas igrejas rurais, citamos o IV concílio de Toledo, cânone 26, que afima:

Quando os sacerdotes são ordenados para as igrejas rurais, eles receberão do bispo o livro ritual para que possam ser instruídos às igrejas que lhes foram confiadas, para que, não por ignorância, profanem os divinos sacramentos, de modo que quando eles vierem às litanias, ou para o conselho, dê ao seu bispo motivos para exercer o ofício confiado, ou como batizam (Vives, 1963, p. 202, tradução nossa)11.

O Concílio de Mérida, ocorrido em 666, deixa-nos também informações sobre esses ambientes de ensino. O cânone 18, expôs a questão da instrução de párocos para que entre os servos da igreja admitam algum ao estado clerical e o eduquem para tal ofício. Mas cabe expor novamente:

O que se ordena digno e unanimemente na santa Igreja de Deus, é necessário que se guarde pelos presbíteros das paroquias. Há alguns que retém totalmente suas igrejas e não se preocupam em ter clérigos com os quais possam celebrar os devidos ofícios de louvor a Deus onipotente; portanto, ordena este santo sínodo que todos os presbíteros das paroquias, segundo as possibilidades que creem ter dos bens que foram confiados por Deus, elejam para si alguns clérigos entre os servos de sua igreja, aos quais com boa vontade os eduquem de tal modo que possam celebrar dignamente o ofício santo e sejam, além disso, aptos para seu serviço. Também estes recebam alimento e vestes por conta do presbítero, e deverão ser fiéis ao seu senhor e presbítero e aos interesses da igreja. Mas se aparecerem incapazes, e se rapidamente comprovarem sua culpa, sejam castigados com sanções punitivas. Se algum dos presbíteros não quiser guardar esta norma e não a cumprir, seja corrigido pelo seu bispo, para que guarde exatamente a dignamente que se ordena (Vives, 1963, p. 337-338, tradução nossa)12.

Assim, nessas paroquias foram se desenvolvendo, portanto, diversos centros simples, nos quais se ofertava uma formação clerical, sob a direção dos mesmos párocos. Os presbíteros, encarregados das paróquias, eram autorizados a selecionar a quem considerassem preparados para tornarem-se clérigos menores em suas paróquias (Martín Hernández, 1970).

Podemos perceber que o ensino nesses espaços era bastante simples, dando uma instrução técnica que satisfazia necessidades imediatas. Segundo Martín Hernández (1970) essa prática adotada nas paróquias teve início na Itália, sob domínio dos ostrogodos. Como o clero citadino não dava conta de atender todas as demandas, que se intensificaram com o processo de evangelização das comunidades rurais no sexto século, sendo assim foi necessário procurar, como estratégia, subsídios nesses povos do campo. Também temos que considerar a questão do deslocamento, uma vez que, o acesso às cidades nem sempre era viável. Assim, era necessário que os párocos formassem clérigos de maneira rápida e localmente para o exercício de outras ordens.

As informações a respeito das escolas paroquias são muito escassas, não nos dando muitas noções de como era o processo de ensino nesses ambientes, assim ficando comprometida uma análise pormenorizada desses espaços de formação educacional.

Conclusão

As escolas episcopais juntamente com as monásticas, propiciaram a maior parte do ensino do reino. O maior público como percebemos foram os de clérigos, além de uma parcela de leigos. Os núcleos de cultura, ou seja, aqueles locais de maior concentração de monastérios, escolas episcopais, bibliotecas, entrepostos comerciais, centros de importância política, formaram algumas das principais lideranças religiosas e políticas da Hispânia visigoda.

No período visigodo, pela primeira vez na Hispânia, o status social e as funções dos clérigos foram determinados. O clérigo constituiu-se, sob a direção do bispo, na figura central da Igreja e do eixo da vida cultural. Para obter uma boa formação do clero, o II Concílio de Toledo (531) decretou a criação de escolas episcopais com caráter de seminário. Contudo, mais de cem anos depois, no VIII Concílio de Toledo (653) foi estabelecido que ninguém no futuro ocuparia o grau de qualquer dignidade eclesiástica sem conhecer plenamente o Saltério e, além disso, os cânones, hinos e as formas mais utilizadas de realizar o batismo. Estabeleceu ainda que os ordenados que não os conhecessem deveriam se formar e aprender o que fosse necessário. Isso pressupôs que, na esfera episcopal, deveriam existir escolas para aprender a ler e escrever, como um nível anterior de acesso a uma cultura teológica superior.

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1Segundo Iglesias (2011) a produção literária do período foi bastante ampla contando com obras em prosa da história política (crónica universal, a história nacional, monografia histórica, Regias listas), biográficos, autobiográficas, hagiográficas (vidas e paixões de santos, visões de coleções passadas de ditos e anedotas de conteúdo espiritual) foram escritas, ascética-moral, teológico e doutrinal, pastoral, controvérsia religiosa, letras exegéticas (onde você pode experimentar muitos dos materiais acima e outros, como assuntos políticos e interesses literários), regras e pactos monásticas, tratados de natureza técnica (obras gramaticais, história natural), composições litúrgicas (sermões, missas, orações) e documentos legais (testamentos, doações, atos conciliares, leis). No verso, tanto quantitativa como metros rítmicos, a produção é menos conservada. Pode-se mencionar numerosas inscrições (especialmente monumentais e funerais), hinos, orações litúrgicas, poemas feitos como um prefácio ou a conclusão de outras obras ou compilações de textos, epigramas, epitáfios, poemas didáticos, moralizante, lamentações tom espiritual e até mesmo epístolas em verso.

2No reinado do rei visigodo Recaredo ocorreu a conversão oficial do reino ao catolicismo niceísta, em contraponto a religião ariana, por meio da convocação do III Concílio de Toledo que ocorreu em 589 e contou com a participação do monarca e das principais lideranças das Igrejas Ariana e católica bem como da aristocracia visigoda e hispano-romana.

3Mais sobre o acervo da biblioteca toledana, ver em: Díaz y Díaz (1970).

4Iremos analisar as escolas Monásticas mais à frente.

5De his quos volumtas parentum a primis infantiae annis clericatos officio manciparit hoc statuimus observandum: ut mox detonsi vel ministério electorum contraditi fuerint in domo ecclesiae sub episcopali praesentia a praeposito sibi debeant erudiri; at ubi octavum decimum aetatis suae compleverint annum, coram totius cleri plebisque conspectu volumtas eorum de expectendo coniugio ab epíscopo prescrutetur. Quibus si gratia castitatis Deo inspirante placuerit et professionem castimoniae suae absque coniugali necessitate sponderint servaturos, hii tamquam adpetitores artissimae vitae lenissimo Domini iugo subdantur, ac primum subdiaconatos ministerium habita probatione professionis suae a vecesimo anno suscipiant; quod si inculpabiliter ac inoffense vicesimum et quintum annum aetatis suae peregerint, ad diaconatos officium, si scienter implere posse ab epíscopo conprobantur, promoveri. Cavendum tamen est his, ne quando suae sponsionis inmemores ad terrenas nubtias aut ad fortivos concubitos ultra recurrant; quod si forte fecerint, ut sacrilégio rei ab ecclesia habeantur extranei. His autem quibus volumtas propia interrogationis tempore desiderium nubendi persuaserit, concessão ab apostolis sententiam auferre non possumus, ita ut quum profectae aetatis in positi renuntiaturos se pari consensu operibus carnis sponderint, ad sacratos gradus aspirent.

6Similiter placuit custodiri, ne qui de his qui tali educatione inbuuntur, qualibet ocasione cogente, propriam relinquentes ecclesiam ad aliam transire praesummant. Episcopus vero qui eum suscipere absque conscientia proprii sacerdotis fortasse praesumserit, totius fraternitatis reum esse se noverit, quia durum est ut eum quem alius rurali sensu ac squalore infantiae exuit, alius suscipere aut vindicare praesumat.

7Ignorantia mater cunctorum errorum máxime in sacerdotibus Dei vitanda est, qui docendi officium in populis susceperunt: sacerdotes enim legere sancta scribtura admonet, Paulo apostolo dicente ad Timotheum: “Intende lectioni, exhortationi, doctrinae, semper permane in his”. Sciant igitur sacerdotes scripturas sanctas et cânones, ut omneopus eorum in praedicatione et doctrina consistat, atque aedificent cunctos tam fidei scientia quam operum disciplina.

8Item placuit, ut ex laico ad gradum sacerdotii ante non veniat, nisi prius anno integro in officio lectorati vel subdiaconati disciplinam ecclesiasticam discat, et sic per singulos gradus eruditus ad sacerdotium veniat; nam satis prehensibile est ut qui necdum didicit iam docere praesumat, dum et antiquis hoc patrum instituonibus interdictum sit.

9Amodo nulli liceat episcoporum ordinare diaconum aut presbyterum literas ignorantem; set si qui ordinati fuerint, cogantur discese. Qui vero diaconus aut presbyter fuerit litteris ineruditus et desidiose legere vel implere officium distulerit et in ecclesia paratus ad omnia non fuerit, ab stipendio reiciendum et inclinandum quoadusque curvatus impleat er defendat quod esse cognoscitur aut quid erit in ecclesia Dei: si non fuerit ad legendum exercitatus et si perseveraverit desidiose et non vult proficere, mittatur in monastério, quia non potest nisi legendo aedificare populum.

10Creditis sentiunt habere virtutem, de ecclesiae suae família clericos sibi faciant, quos per bonam volumtatem ita nutriant ut officium sanctum digni peragant, et ad servitium suum aptos eos habeant.

11Quando presbyteres in parrochiis ordinantur, libellum officiale a sacerdote suo accipiant, ut ad acclesias sibi deputatas instructi succedant, ne per ignorantium etiam in ipsis divinis sacramentis offendant, ita ut quando ad letanias vel ad concilium venerint, rationem epíscopo suo reddant qualiter susceptum officium celebrant, vel babtizant.

12Quicquid unanimiter digne disponitur in sancta Dei ecclesia, necessariumnest ut a parrochitanis presbyteris custoditum maneat. Sunt enim nonnulli qui ecclesiarum suarum res ad plenitudinem habent, et sollicitudo illis nulla est habendi clericos cum quibus omnipotente Deo laudum debita persolvant officia. Proinde instituit hoc sanctum synodum, ut omnes parrochitani presbyteres iuxta ut in rebus sibi a Deo creditis sentiunt habere virtutem, de ecclesiae suae familia clericos sibi faciant, quos per bonam volumtatem ita nutriant ut officium sanctum digni peragant, et ad servitium suum et vestitum dispensatione presbyteri merebuntur, et domino et presbytero suo atque utilitati ecclesiae fideles esse debent. Quod si inutiles apparuerint, ut culpa patuerit, correptione disciplinae feriantur. Si quis presbyterorum hanc sententiam minime custodierit et non adimpleverit, ab epíscopo suo corrigatur ut plenissime custodiat quod digne iubetur.

15NOTA: Os autor(es) Dr. João Paulo Charrone e Dra. Pâmela Torres Michelette foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 03 de Junho de 2019; Aceito: 05 de Setembro de 2019

*Autor para correspondência. E-mail: pamelamichelette@yahoo.com.br

João Paulo CHarrone: Doutor em História Social (2017) pela Universidade Federal Fluminense (conceito CAPES 7). É mestre em História Medieval (2009) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP/ campus de Assis/SP (conceito CAPES 5), defendendo dissertação intitulada A imagem da autoridade episcopal no período merovíngio através da Vita Sancti Marcelli e demais Vitae de Venâncio Fortunato; licenciado em História pela mesma Universidade (2005). Iniciou a carreira docente como professor da rede pública de Educação Básica do Estado de São Paulo (2006-2007). Neste setor, também trabalhou em escolas e colégios privados (2008-2013). Iniciou sua carreira no magistério superior, em IES privada (2008-2013). Foi coordenador do curso de História na UNIESP/São Mateus (2012-2013). Atualmente é Professor Assistente (DE) do curso de Licenciatura em Educação do Campo, ocupando as cadeiras relacionadas à área de História, na Universidade Federal do Piauí/Campus de Bom Jesus. Pesquisador associado à ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e ao NEAM (Núcleo de Estudos Medievais). Tem experiência na área de História, tanto em pesquisa quanto em docência (Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior), com ênfase em História Antiga e Medieval, História Política e Relações de Poder, atuando principalmente nos seguintes temas: As relações de poder na Primeira Idade Média ou Antiguidade Tardia; História do Papado e do Episcopado na Alta Idade Média; A Igreja e os Reinos Germânicos no Ocidente europeu; e, por fim, historiografia brasileira. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3152-1020 E-mail: jcharrone@yahoo.com.br

Pâmela Torres Michelette: Doutora em História Medieval pela Júlio de Mesquita Filho - UNESP/ campus de Assis/SP (2018). É mestre em História Medieval (2012) pela supracitada Universidade, defendendo dissertação intitulada A Concepção de Realeza Católica Visigoda na História dos Godos de Isidoro de Sevilha; licenciada em História também pela Unesp/Assis (2008). Iniciou a carreira docente como professora da rede privada (2010-2013). Iniciou sua carreira no magistério superior, em IES privada (2012-2013). Atualmente é Professora Assistente (DE) do curso de Licenciatura em Educação do Campo, ocupando as cadeiras relacionadas à área de História, na Universidade Federal do Piauí/Campus de Bom Jesus. Pesquisadora associada ao NEAM (Núcleo de Estudos Medievais). Tem experiência na área de História, tanto em pesquisa quanto em docência (Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior), com ênfase em História Antiga e Medieval, História Política e História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: As realezas germânicas Alta Idade Média; História da Educação Medieval, A Igreja e, por fim, os Reinos Germânicos no Ocidente europeu. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8137-3017 E-mail: pamelamichelette@yahoo.com.br

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