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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.41  Maringá jan. 2019  Epub 01-Maio-2019

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v41i1.43853 

Formação de Professores

Práticas de resistência de alunos em uma escola pública: uma outra possiblidade de ver a indisciplina e a ‘defasagem’ de aprendizagem

Prácticas de resistencia de alumnos en una escuela pública: otra posibilidad de ver la indisciplina y la ‘brecha’ de aprendizaje

1Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Rua José Luís Sampaio Ferraz, 3353, 79990-000, Amambai, Mato Grosso do Sul, Brasil.


RESUMO.

Este artigo tem como objetivo analisar práticas de resistência que alunos/as desenvolvem contra os efeitos das relações de poder vigentes em uma escola pública. A análise toma como referência o campo teórico pós-estruturalista, entendendo-se com Foucault que, onde há relações de poder, há práticas de resistência e que estas nunca se encontram em relação de exterioridade ao poder; ao contrário, as práticas de resistência ocorrem ali mesmo onde há relações de poder. Nesta perspectiva, tanto as relações de poder quanto as práticas de resistência são produtivas e têm um potencial de criação e transformação. Por meio da análise de entrevistas com professores/as e da observação dos/as alunos/as, mostramos que aquilo que a escola entende como comportamento indisciplinado e como defasagem de aprendizagem dos conteúdos das propostas curriculares pode também ser visto como práticas de resistência de alunos/as à homogeneidade exigida na escola. Esses movimentos de resistência possibilitam criar espaços de tensão, de fissuras, de desestabilização e transformação nas relações de poder instituídas. Desse modo, entendemos o contexto escolar além dos dispositivos de controle e normalização, ou seja, a escola constitui-se como um espaço privilegiado de práticas de liberdade.

Palavras-chave: indisciplina; relações de poder; práticas de liberdade

RESUMEN.

Este artículo tiene como objetivo analizar prácticas de resistencia que los alumnos/as desarrollan contra los efectos de las relaciones de poder hegemónicas vigentes en una escuela pública. El análisis toma como referencia el campo teórico pos-estructuralista y entiende como Foucault que, dónde hay relaciones de poder, hay prácticas de resistencia y que éstas nunca se encuentran en relación de exterioridad al poder; al contrario, las prácticas de resistencia ocurren allí mismo donde hay relaciones de poder. En esta perspectiva, tanto las relaciones de poder como las prácticas de resistencia son productivas y tienen un potencial de creación y transformación. A través del análisis de entrevistas con profesores/as y de la observación de los/as alumnos/as, mostramos que aquello que la escuela entiende como comportamiento indisciplinado y como ‘brecha’ de aprendizaje de los contenidos de las propuestas curriculares puede también ser visto como prácticas de resistencia de alumnos/as a la homogeneidad exigida en la escuela. Estos movimientos de resistencia posibilitan crear espacios de tensión, de fisuras, de desestabilización y transformación en las relaciones de poder instituidas. De esta manera, entendemos el contexto escolar más allá de los dispositivos de control y normalización, o sea, la escuela se constituye como un espacio privilegiado de prácticas de libertad.

Palabras-clave: relaciones de poder; prácticas de libertad

ABSTRACT

ABSTRACT. This paper aims to analyze practices of resistance of students against the effects of hegemonic power relations present in a public school. The analysis has taken the post-structuralist theoretical field as a reference, by understanding, in accordance with Foucault, that wherever there are power relations, there are also resistance practices, which are never exterior to power; on the contrary, the resistance practices occur in the very place where there are power relations. From this perspective, both power relations and resistance practices are productive and have potency for creation and transformation. Through the analysis of interviews with teachers and observation of students, we show that what the school regards as unruly behavior and a gap in learning the contents of the curricular proposals may also be seen as students’ practices of resistance to the homogeneity required by the school. Such resistance movements enable the creation of spots of tension, fissures, destabilization and transformation in the instituted power relations. Hence, we regard the school context beyond the control and normalization devices, i.e. the school becomes a privileged place for freedom practices.

Keywords: indiscipline; power relations; freedom practices

Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar práticas de resistência que alunos/as desenvolvem contra os efeitos das relações de poder vigentes em uma escola pública. Tomamos como referência para a análise o campo teórico pós-estruturalista e entendemos com Foucault que, onde há relações de poder, há práticas de resistência, as quais nunca se encontram em relação de exterioridade ao poder; ao contrário, as práticas de resistência ocorrem ali mesmo onde há relações de poder. Nesta perspectiva, tanto as relações de poder quanto as práticas de resistência são produtivas e têm um potencial de criação e transformação.

Por meio da análise de entrevistas com professores/as e de observações dos/as alunos/as, mostramos que aquilo que a escola entende como comportamento ‘indisciplinado’ e como ‘defasagem de aprendizagem’ dos conteúdos das propostas curriculares pode indicar práticas de resistência de alunos/as à homogeneidade exigida na escola. Pensar essas ações dos/as alunos/as como práticas de resistência, como relações de forças que se formam em torno das relações de poder - poder que sujeita os corpos e as condutas -, possibilita criar espaços de tensão, de fissuras, de desestabilização e de transformação nas relações de poder instituídas. Desse modo, entendemos o contexto escolar além dos dispositivos de controle e normalização, ou seja, a escola constitui-se em um espaço de lutas cotidianas, de jogos de forças frequentes - forças de sujeição, mas também forças de resistência e de práticas de liberdade.

Apresentamos, em um primeiro momento, os conceitos foucaultianos de poder e resistência, a fim de mostrar que esse jogo de forças marca as instituições escolares e a constituição dos sujeitos. Em um segundo momento, problematizamos aquilo que a escola entende como ‘comportamento indisciplinado’ e como ‘defasagem de aprendizagem’, com o intuito de mostrar que esses movimentos/comportamentos dos/as alunos/as podem ser entendidos como práticas de resistência contra os efeitos das relações de poder instituídas. Essas práticas de resistência potencializam outros modos de pensar os processos educacionais.

A escola onde ocorreu a pesquisa é uma instituição pública estadual localizada na Região Centro-Oeste do país e oferece o Ensino Fundamental, que engloba do 1º ao 9º ano da Educação Básica. Realizamos entrevistas semiestruturadas com nove professores/as durante os anos de 2014 e 2015. Os/as nove professores/as concederam suas entrevistas na sala dos professores e aceitaram que fossem gravadas. De posse das gravações das entrevistas, estas foram transcritas para posterior análise. Para garantir o anonimato dos sujeitos da pesquisa, utilizamos nomes fictícios sempre que nos referimos a eles.

Os/as professores/as que concederam entrevista1 atuam do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e contemplam todas as áreas de conhecimento - Ciências, Língua Inglesa, Língua Portuguesa, Matemática, Artes, História, Educação Física, Ensino Religioso e Geografia. Dos/Das professores/as entrevistados/as, seis são professoras, e três são professores. Do total, sete são efetivos, e dois são convocados. Todos/as os/as professores/as têm Ensino Superior, e sua idade varia de 26 a 45 anos. Quanto ao tempo de magistério, cinco professores/as tinham mais de 10 anos, três professores/as tinham entre cinco e 10 anos, e um/a professor/a tinha um ano de experiência no magistério.

Também realizamos observações dos/as alunos/as do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental nos espaços/tempos fora da sala de aula - na chegada dos/as alunos/as à escola, na hora do intervalo, na saída da escola, na quadra de esportes, nos momentos em que conversavam com professores/as nos corredores. As observações dos/as alunos/as nesses espaços da escola foram facilitadas pelo fato de a escola atender somente alunos do 6º ao 9º ano no período vespertino. Todas as observações foram registradas no caderno de campo para posterior análise.

Tanto as entrevistas dos/as professores/as quanto as observações dos/as alunos/as que utilizamos para produção de informações são, de acordo com nosso campo teórico, instrumentos vistos como permeados de subjetividade, afastando-se a possibilidade de objetividade e neutralidade do conhecimento produzido. Sabemos da impossibilidade de apreender o real da forma como pretendia a modernidade - buscamos possibilidades de contextualizar, analisar, problematizar, modificar verdades singulares e contextuais. “Contestar um discurso, desqualificar enunciados, pode ajudar a derrubar o dispositivo que os apoia” (Veyne, 2009, p.104). Nesse sentido, o conhecimento que produzimos no processo desta pesquisa é, desde sempre, conhecimento interessado, tanto epistemologicamente quanto politicamente, visto que “[...] o que vale como verdade é objeto de disputa, vai ser determinado na luta” (Meyer, 2012, p. 54). Nossa pesquisa está inserida nesse processo de disputa por produção de verdades.

Sobre poder e resistência em Foucault: situando a análise

Ao propormo-nos a refletir sobre práticas de resistência de alunos/as contra os efeitos das relações de poder em ação no contexto escolar, recorremos aos conceitos de poder e resistência, como apresentados por Foucault (1996; 2000a; 2003). Ele é um dos teóricos que se aproximam do pós-estruturalismo, campo que pode ser caracterizado como “[...] um modo de pensamento, um estilo de filosofar e uma forma de escrita, embora o termo não deva ser utilizado para dar qualquer ideia de homogeneidade, singularidade ou unidade” (Peters, 2000, p. 28). Essa perspectiva teórica representa uma crítica ao humanismo, ao sujeito racional e autônomo, às pretensões universais da razão, ao cientificismo das ciências humanas; por isso, também, assume uma epistemologia antifundacionalista e perspectivista. O pós-estruturalismo afasta-se dos pressupostos modernos - de universalidade, unidade e identidade - e assume a diferença como categoria importante em seu pensamento.

Uma das críticas de Foucault (2000b) aos pressupostos modernos da epistemologia ocidental refere-se ao sujeito racional e autônomo. Ao anunciar, em As palavras e as coisas, a morte do sujeito moderno, o autor provoca um desconforto na sociedade da época por, pelo menos, dois motivos. O primeiro motivo, diz Bruni (2006), relaciona-se ao fato de Foucault ter afirmado que o sujeito moderno não é uma “[...] realidade plena, o ser concreto que vive, luta, trabalha, fala, e o qual conquistou a natureza, subjugou suas forças e sobre ela estabeleceu um império” (Bruni, 2006, p. 34). Para Foucault (2000b), esse sujeito é apenas efeito do saber, da ‘episteme’ surgida no final do século XVIII, e pensa o Homem como sujeito da linguagem, fundamento e essência de todas as coisas. Ao declarar a morte do sujeito, Foucault (2000b) pretende liberar o saber e o pensamento de um modelo epistemológico identitário que historicamente subjuga a alteridade.

Por isso, Foucault (2000a) interroga a ciência e o sujeito cognoscente, produtos da ‘episteme’ moderna.

As questões a colocar são: que tipo de saber vocês querem desqualificar no momento em que vocês dizem ‘é uma ciência’? Que sujeito falante, que sujeito de experiência ou de saber vocês querem ‘menorizar’ quando dizem: ‘Eu que formulo este discurso, enuncio um discurso científico e sou um cientista’? Qual vanguarda teórico-política vocês querem entronizar para separá-la de todas as numerosas, circulantes e descontínuas formas de saber? (Foucault, 2000a, p. 172, grifo do autor).

Por meio desses questionamentos, o autor analisa os mecanismos de poder que envolvem a concepção de ciência com pretensão de universalidade e a de um sujeito racional, uno, idêntico e fundamento do conhecimento. Disso decorre o segundo motivo do desconforto provocado por Foucault na sociedade da época por ele ter colocado em questão a ideia de que o sujeito moderno é um ser ativo, autor de si mesmo, destinado à revolução, à liberdade, à conquista da natureza - isto é, por ter posto em questão os ideais da modernidade. De acordo com Bruni (2006), o saber moderno constrói a ideia de que o sujeito se realiza sempre no interior de um projeto, que é onde “[...] os obstáculos à realização do sujeito deverão ser analisados, como outras tantas figuras de sua finitude: a alienação, a morte, o inconsciente” (Bruni, 2006, p. 34). Em vez de aceitar essa ideia de sujeito, de empenhar-se no desenvolvimento de suas potencialidades e de buscar libertá-lo pelo saber da ciência ou pelo desenvolvimento da consciência - ou seja, em vez de iniciar pelo sujeito dado -, Foucault propõe-se a analisar os processos de sujeição, o conjunto de relações de saber/poder que antecedem a constituição dos sujeitos. Essa análise faz emergir não o sujeito moderno - racional e autônomo -, mas uma multiplicidade de sujeitos - efeito de poderes, saberes, instituições.

Quando as ciências e a filosofia na modernidade constroem e assumem como verdade um ideal de sujeito - sujeito da razão -, tornam-se competentes em construir mecanismos de poder para adestrar a diferença, para forçá-la a assemelhar-se à identidade, ou então, silenciá-la, negá-la, excluí-la. O poder, neste caso, é um jogo de forças que assimila ou exclui, ou, como diz Foucault (2000a), “[...] o poder seria o confronto belicoso das forças” (Foucault, 2000a, p. 176), o que o autor denomina de ‘hipótese de Nietzsche’.

Nesse contexto, entra em cena uma série de instituições - fábricas, hospitais, prisões, escolas - e de práticas disciplinares com o objetivo de controlar uma multiplicidade de sujeitos e produzir condutas e comportamentos de determinado tipo. Estamos nos referindo ao poder disciplinar, que se desenvolve nos séculos XVII e XVIII na Europa e que foi aplicado primeiramente em instituições específicas - como conventos e exércitos -, então se espalhando na sociedade como um todo com o propósito de disciplinar os sujeitos.

Uma das características do poder disciplinar consiste em distribuir os indivíduos em espaços fechados e hierárquicos, a fim de fazer com que cada um ocupe um lugar específico e desempenhe uma função útil. Também caracteriza as práticas disciplinares controlar as atividades dos indivíduos, os horários, os movimentos/comportamentos e, inclusive, os objetos manipulados. Controlando os espaços e os tempos, as práticas disciplinares almejam um ajustamento dos indivíduos para obter, por meio da composição de forças individuais, um funcionamento eficiente, ou seja, almejam extrair dos indivíduos o máximo de efeitos possíveis.

A vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e a técnica do exame estão entre os mecanismos por meio dos quais o poder disciplinar age nas diversas instituições e nos indivíduos. A vigilância hierárquica possibilita ao poder disciplinar um olhar amplo sobre todos os que estão no seu domínio. As hierarquias inferiores são observadas pelos seus superiores diretos e assim sucessivamente, culminando na hierarquia máxima, cujo interesse é conhecer e controlar tudo e todos. O panóptico2, projeto arquitetônico descrito por Jeremy Bentham no século XVIII, representa bem esse mecanismo de vigilância - faz com que “[...] a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação” (Foucault, 1996, p. 178). O indivíduo, alvo de controle e normalização, deve sentir-se permanentemente vigiado.

A sanção normalizadora, outro mecanismo do poder disciplinar, implica uma forma específica de punição de comportamentos e atitudes. Todos os comportamentos e atitudes que não são controlados e punidos pelos grandes sistemas de punição, cabe à sanção normalizadora vigiar, de forma a conhecer e controlar as ações, as condutas e os comportamentos de maneira sutil e detalhada. As atitudes e comportamentos a que nos referimos são todos os gestos, condutas e valores que não estão de acordo com a instância que vigia.

O exame também é um instrumento do poder disciplinar; por meio dele, cada indivíduo torna-se um caso. As constantes inspeções realizadas nas instituições disciplinares - provas, interrogatórios - transformam o corpo em objeto a ser descrito em prontuários, anotações e relatórios. Os indivíduos são identificados e diferenciados a partir das anotações que constam nos registros sobre suas singularidades, capacidades, aptidões e desenvolvimento individual.

Em outras palavras, o poder disciplinar caracteriza-se por um determinado número de técnicas de coerção extremamente eficientes em esquadrinhar sistematicamente o movimento dos indivíduos por meio do controle do tempo e do espaço. O intuito é atingir, especialmente, as atitudes, os gestos e os corpos dos indivíduos. Com base em Foucault, Revel (2005) diz que as técnicas utilizadas pelo poder disciplinar são técnicas de individualização do poder - “[...] como vigiar alguém, como controlar sua conduta, seu comportamento, suas atitudes, como intensificar sua performance, multiplicar suas capacidades, como colocá-lo no lugar onde ele será mais útil” (Revel, 2005, p. 35).

Por isso, para Foucault (2000a), o poder é produtivo, e não apenas repressivo - age por meio de uma série de dispositivos que formam “[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas” (Foucault, 2000a, p. 244). Em suma, o dispositivo engloba o dito e o não dito e funciona como uma rede que estabelece relações entre esses elementos. A ação dos dispositivos na fabricação de sujeitos é contínua e muito sutil, às vezes, quase imperceptível (mas presente) nas diversas instituições, inclusive nas instituições educacionais - tanto nos documentos e nas leis que regulamentam essas instituições, quanto nas práticas pedagógicas.

Contudo, sabemos com Foucault (1988) que, sempre que há relações de poder, em contrapartida, há movimentos de resistência. Para o autor, as relações de poder não podem existir senão em função de uma multiplicidade de pontos de resistência, “[...] resistências, no plural, que são casos únicos: possíveis, necessárias, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas ou fadadas ao sacrifício” (Foucault, 1988, p. 91). As resistências, diz Foucault (1988), “[...] são o outro termo nas relações de poder; inscrevem-se nestas relações como o interlocutor irredutível” (Foucault, 1988, p. 92).

Então, mesmo que Foucault (2015) tenha dito que o poder está sempre ‘ali’, que nunca estamos ‘fora’ do poder, que não há margens para que tal aconteça, isso não significa dizer que se deva admitir uma forma absoluta de domínio. Para ele, dizer que nunca se está fora do poder não significa que se está completamente capturado por suas armadilhas. No texto Poderes e Estratégias - entrevista com Jacques Rancière -, que compõe a obra Ditos e Escritos IV, Foucault (2015) refere-se às relações de poder e às práticas de resistência da seguinte forma:

Que não há relações de poder sem resistências; que estas são tão mais reais e eficazes quanto mais se formem ali mesmo onde se exercem as relações de poder; a resistência ao poder não tem que vir de fora para ser real, mas ela não é pega na armadilha porque ela é a compatriota do poder. Ela existe tanto mais quanto ela esteja ali onde está o poder; ela é, portanto, como ele, múltipla e integrável a estratégias globais (Foucault, 2015, p. 244).

Dessa perspectiva, as práticas de resistência não representam uma libertação em relação ao poder a partir de um lugar de exterioridade deste; ao contrário, as práticas de resistência ocorrem ali mesmo onde há relações de poder - relações de poder e práticas de resistência são como as duas faces da mesma moeda. Entendemos que não só as resistências podem fundar novas relações de poder, como também novas relações de poder podem dar origem a novas formas de resistência. É nesse sentido que analisamos, a seguir, a ‘indisciplina’ como prática de resistência de alunos/as às relações de poder instituídas em uma escola pública localizada na região Centro-Oeste do país.

Sobre ‘indisciplinas’ - ou sobre práticas de resistência de alunos/as à homogeneidade pretendida na escola

De modo geral, a escola não questiona aquelas atitudes e comportamentos tidos como disciplinados, pois, conforme Ratto (2007), de alguma maneira, o comportamento disciplinado envolve uma passividade. A ação dá-se em torno “[...] daqueles comportamentos e atitudes que fogem do que é esperado nesse espaço e que são classificados, de forma geral, como indisciplinas” (Dinali & Ferrari, 2011, p. 243). É sobre indisciplinas que vamos falar, entendendo o ‘comportamento indisciplinado’ como prática de resistência. Na perspectiva foucaultiana, a indisciplina como prática de resistência significa positividade, ação criativa, novidade, acontecimento - e acontecimento é o que não cessa de acontecer, é a manifestação das forças do devir.

Pensamos a relação disciplina e indisciplina na escola onde desenvolvemos a pesquisa como um jogo de forças, pois, como já dissemos com Foucault (1988), onde há relações de poder, em contrapartida, há movimentos de resistência. Portanto, por mais que nos empenhemos em criar um ambiente ‘disciplinado’, conforme a ‘norma’, sempre acontecerão reações conflitantes e de resistência. Estas manifestações de resistência trazem significativas potencialidades, pois “[...] podem nos colocar diante da experiência da alteridade, no sentido do radicalmente outro, ou seja, daquele que não expressa nossas expectativas, não confirma nossas intenções ou não reafirma nossa identidade” (Ratto, 2007, p. 178). Podem, ainda, fazer refletir sobre o sentido de práticas pedagógicas que negam o conflito, a diferença, o comportamento que foge à norma, tendo em vista estados de plenitude e harmonia.

O que dizem a professora Verônica e o professor Pedro sobre a indisciplina expressa bem esse jogo de forças entre relações de poder e práticas de resistência. Em tom de preocupação, a professora Verônica diz como é difícil manter os/as alunos/as disciplinados/as: “[...] a indisciplina dificulta muito, às vezes, a gente perde de 10 a 15 minutos só para chamar a atenção deles, para eles pararem as brincadeiras, se concentrarem para a gente poder trabalhar - então, indisciplina é o que mais tem incomodado” (professora Verônica). O professor Pedro diz: “[...] hoje a gente tem muitos problemas de indisciplina [...] os alunos precisam de limites [...], é um exercício difícil para todos nós, porque não é fácil, mas a gente tenta” (professor Pedro).

As manifestações desses/as professores/as em relação à indisciplina dos/as alunos/as fazem-nos refletir, por um lado, sobre como as relações de poder, que perpassam desde a formação destes/as professores/as até suas concepções de educação, os/as constituem, de tal forma a dificultar ver, a partir de outra perspectiva, as ações e reações dos/as alunos/as. Ver as ações ‘indisciplinadas’ dos/as alunos/as como práticas de resistência implica romper com o binarismo disciplina/indisciplina, em que o primeiro termo é a norma, restando ao segundo termo a ela se assujeitar. Ou seja, implica entender que os sujeitos, no contexto escolar, estão sempre, de uma forma ou de outra, resistindo aos processos de sujeição ali postos em funcionamento. Com a mesma intensidade com que a escola exerce o poder, Gallo (2005) diz que ela sofre exercícios de poder; “[...] na mesma medida em que gera poderes que são sua afirmação, gera também poderes que são potenciais de negação” (Gallo, 2005, p.218).

Por outro lado, o que esses/as professores/as dizem em relação à indisciplina dos/as alunos/as também nos faz ver as práticas de resistência em funcionamento na escola, mostra as estratégias que esses/as alunos/as colocam em ação para reagir às formas de exercício de sujeição. Uma forma de comportamento de alunos/as que é vista como um problema disciplinar para a escola - mas que para nós representa práticas de resistência - refere-se aos atrasos, às saídas mais cedo e às ausências na aula. Dizemos isso com base em nossas observações, das quais destacamos a observação de um aluno que chegou atrasado; para entrar, precisa passar em frente à secretaria da escola, onde uma das funcionárias é encarregada do controle de entrada e saída de alunos/as. Sabendo que seria visto pela funcionária e que teria que se explicar, vai logo contando o motivo do atraso: ‘foi o ônibus que atrasou, não fui eu’. Ao ser liberado, sai saltitando e sorrindo, como se estivesse aliviado por ter conseguido justificar-se. Dizemos isso, também, com base no que disse o professor Paulo sobre um aluno: “nunca vem na aula, chega muito tarde, sai mais cedo, os pais são coniventes” (professor Paulo).

Podemos pensar que os atrasos frequentes e suas justificativas, assim como as faltas e saídas mais cedo da escola, são, entre outras possibilidades, formas de resistência desses/as alunos/as ao controle rigoroso do tempo, dos horários estabelecidos, do uso homogeneizado e sincronizado do tempo a que são submetidos/as. No tempo escolar, “[...] há que ser pontual, há que aprender a noção que existe o tempo certo para tudo, há que se sujeitar aos usos padronizados do tempo, válidos para cada um e ao mesmo tempo para todos” (Ratto, 2007, p. 153). Internalizar o tempo escolar e usá-lo da forma mais homogênea possível parece ser uma das condições para haver aprendizagem; por isso, condenam-se os atrasos, as saídas mais cedo, as idas ao banheiro, ou seja, tudo que ameaça as normas do tempo escolar.

Em uma tentativa de manter o tempo regulado, o professor Paulo estabelece algumas regras na sala de aula:

[...] para controlar saída de ida e vinda de banheiro, eu dou passes para eles. Cada bimestre, eu dou três passes para eles. Se eles querem sair da minha sala, seja qual motivo for, eles gastam um passe deles. Tem três, só que, para cada um deles que não gastar, eu dou meio ponto no final do bimestre (professor Paulo).

Cabe aqui destacar como uma mera ‘ida ao banheiro’ se converte em foco de tensão dentro da escola. Aquilo que fora da escola “[...] é vivido como um básico ato de ‘fazer pipi’ - em que as pessoas simplesmente se levantam e caminham em direção a um banheiro para satisfazer sua necessidade -, dentro da escola pode converter-se em momento potencial de confusão” (Ratto, 2007, p. 156, grifo do autor).

Isso acontece devido à necessidade que a escola tem de fazer do tempo escolar um tempo útil, produtivo, homogeneizado, e isso tem relação, em certa medida, com o dispositivo de avaliação. Diante das avaliações em larga escala em que esta escola está envolvida, os/as professores/as sentem-se pressionados/as pelas extensas listas de conteúdos ‘obrigatórios’ a serem ensinados e aprendidos pelos/as alunos/as para obterem bons índices nessas avaliações, fortalecendo uma concepção curricular restrita aos conteúdos das disciplinas. Além do mais, a ideia de que a qualidade do ensino é medida por esses índices faz com que seja reforçada a “[...] vinculação do tempo escolar a um ‘tempo útil’, a um ‘tempo de produção’, a um tempo a ser controlado, esquadrinhado e homogeneizado, o mais possível, a fim de que o programa curricular possa ser vencido” (Ratto, 2007, p. 163, grifo do autor) e os índices, alcançados.

O uso homogeneizado, uniforme e sincronizado do tempo, tendo em vista maior produtividade - neste caso, maior aprendizagem -, já havia sido destacado por Foucault (1996) como um dos dispositivos do poder disciplinar. Segundo o autor, o que é definido como horário na metade do século XVIII “[...] é mais que um ritmo coletivo e obrigatório, imposto do exterior; é um programa; ele realiza a elaboração do próprio ato; controla do interior seu desenrolar e suas fases” (Foucault, 1996, p. 137), objetivando a maximização do tempo e sua transformação em tempo de trabalho. Foucault (1996) destaca que o tempo medido, regrado, sincronizado, deve ser um tempo puro, livre de impurezas, sem defeitos, um tempo de boa qualidade, e “[...] durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado ao seu exercício. A exatidão e a aplicação são, com a regularidade, as virtudes fundamentais do tempo disciplinar” (Foucault, 1996, p. 137).

É em relação a esse ‘espaço estriado’ da escola, caracterizado por Deleuze e Guattari (1997) como um espaço da cogitatio universalis, o qual “[...] traça um caminho que deve ser seguido de um ponto a outro [...]” (Deleuze & Guattari, 1997, p. 39), que muitos/as aluno/as desenvolvem práticas de resistência. Por isso, como já dissemos acima, o professor Paulo mostra-se insatisfeito com o aluno que chega mais tarde na escola e sai mais cedo - mesmo tendo estabelecido regras na sala de aula -, atribuindo isso ao fato de ele ser mais ‘delicado’ e de os pais serem coniventes. Essas ações dos/as alunos/as - entendidas pela escola, muitas vezes, como indisciplina - podem indicar, nas palavras de Deleuze e Parnet (1998, p. 158), “[...] linhas de fuga [...]”, exercício de poder, criação de devires e desterritorializações que esses/as alunos/as desenvolvem contra os processos de subjetivação vigentes na escola. A respeito desses processos de subjetivação, podemos dizer com Foucault (2000a) que “[...] não são apenas os prisioneiros que são tratados como crianças, mas as crianças como prisioneiras [...]” (Foucault, 2000a, p. 73), e é contra isso que elas resistem. Afinal, para o autor, “[...] as escolas se parecem um pouco com as prisões [...]” (Foucault, 2000a, p. 73), ideia reforçada pelo professor João quando diz: “[...] esta escola é valorizada porque é uma escola fechada, no centro, onde o aluno não tem condições nem de pular o muro, nem de sair” (professor João).

Isso explica a necessidade, na escola onde desenvolvemos a pesquisa, de uma funcionária que controla a entrada e saída dos/as alunos/as para que estes/as permaneçam todo o tempo estabelecido em sala de aula. Com essa vigilância, tem-se em vista um controle sobre as práticas de resistência que os/as alunos/as desenvolvem no contexto escolar. Então, os atrasos frequentes, as saídas mais cedo, as justificativas, as faltas à aula, podem ser indícios de resistências desses/as alunos/as àquilo que Deleuze e Guattari (1997) denominam de ‘espaço estriado’ da escola, onde os movimentos devem atender sempre a uma série de regras. E mais: essas ações e reações dos/as alunos/as aos dispositivos de controle e normalização, ao mesmo tempo em que representam formas de resistência ao espaço estriado, desencadeiam outras configurações de força, transformando o espaço estriado em espaço liso - espaço que, segundo Deleuze e Guattari (1997), “[...] esposa um tipo muito particular de multiplicidades: as multiplicidades não métricas, acentradas, rizomáticas, que ocupam o espaço sem medi-lo, e que só se pode explorar avançando progressivamente” (Deleuze & Guattari, 1997, p. 31).

Existe uma positividade ou produtividade nas indisciplinas, pois, se existe esse jogo de forças, “[...] é porque existem relações de poder e, dessa mesma forma, estão em circulação possibilidades de singularizar diferentes espaços, diferentes forças, entre alunos, professores, técnicos, coordenadores, pais” (Dinali & Ferrari, 2011, p. 237). Logo, as resistências possibilitam criar espaços de tensão, de fissuras, de desestabilização e de transformação nas relações de poder instituídas - as resistências produzem efeitos, rompem com o espaço contínuo e o tempo linear e criam espaços outros dentro do próprio espaço controlado e normalizado da escola.

Não apenas os atrasos, as justificativas, as faltas e as saídas mais cedo podem ser vistas como comportamento indisciplinado na escola onde desenvolvemos a pesquisa, mas também a forma de vestir-se, de comportar-se, de lidar com a sexualidade, ou seja, o uso que se faz do corpo e da sexualidade. Louro (2000) diz que, na história da educação, a preocupação com o corpo sempre foi central no planejamento das práticas pedagógicas. Segundo a autora, “[...] todos os processos de escolarização sempre estiveram - e ainda estão - preocupados em vigiar, controlar, modelar corrigir, construir os corpos de meninos e meninas, de jovens homens e mulheres” (Louro, 2000, p. 60). Foucault (1996) já anunciava, em Vigiar e Punir, as mais variadas técnicas inventadas para disciplinar os corpos. O autor diz que “[...] um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente” (Foucault, 1996, p. 139).

Contudo, as inúmeras técnicas inventadas para “[...] esquadrinhar os corpos, para conhecê-los e escolarizá-los; para produzir gestos, posturas e movimentos educados, cristãos, civilizados, urbanizados, dóceis, para construir hábitos saudáveis, higiênicos, adequados e dignos [...]” (Louro, 2000, p.60), não garantem o controle pleno sobre os corpos no contexto da escola onde conduzimos nossa pesquisa. Aqui destacamos o que o professor Paulo disse a respeito do menino que, segundo ele, é mais ‘delicado’: “[...] falta muito à aula, sai mais cedo, chega mais tarde, todos gostam de fazer piada, piada é começar a pegar no pé dele, deu até problema aqui de vir pai e mãe [...]” (professor Paulo); o que contou a professora Verônica, dizendo ter chamado um de seus alunos para conversar e pedido que mudasse o comportamento: “[...] eu falei para ele, ‘você tem que mudar o comportamento, [...] porque você fica rebolando’” (professora Verônica); quando o professor Paulo afirma que, mesmo a escola tendo uma coordenação pedagógica com ‘pulso bastante firme’, não é possível o controle sobre o corpo e a sexualidade dos/as alunos/as - pois comportamentos ‘inadequados’ surgem a todo momento -, e isso é um indicativo de como a diferença mostra sua singularidade no espaço dessa escola. Os ‘comportamentos inadequados’ - ‘ser delicado’, ‘vulgar’, ‘rebolar’ -, com base na perspectiva teórica que assumimos nesta pesquisa, podem também ser tidos como práticas de resistência aos processos de normalização do corpo e da sexualidade.

Lembramos com Foucault (1988) que, nos últimos três séculos, houve uma ‘explosão discursiva’ sobre o sexo. Ao contrário dos que pensavam que o século XVII seria o início de uma época de repressão à sexualidade, Foucault (1988) afirma uma ‘incitação discursiva’ sobre ela. Segundo o autor, a partir do século XVIII, “[...] sobre o sexo, os discursos [...] não cessaram de proliferar” (Foucault, 1988, p. 22). Desde então, a sexualidade vem sendo “[...] descrita, compreendida, explicada, regulada, saneada, educada, normatizada a partir de várias perspectivas e campos disciplinares, constituindo-se em meio a propósitos e interesses igualmente variados” (Louro, 2000, p. 64). A sexualidade tornou-se um campo de disputa em que concorrem diversas instituições, como o Estado, a igreja, a ciência - para citar as mais ‘tradicionais’ - e, mais recentemente, movimentos sociais, como os movimentos feministas e de ‘minorias’ sexuais, com discursos que, segundo Louro (2000), são outros, com outras concepções e outra ética.

Contudo, por mais que haja uma multiplicidade de discursos sobre a sexualidade, pensamos com Louro (2000) que ainda há uma hegemonia dos discursos que carregam a força da ‘tradição’ e que, por isso, dificilmente são questionados. O apelo a uma matriz biologicista é a marca desses discursos. Embora outras abordagens sobre a sexualidade já tenham sido produzidas e tenham mostrado a possibilidade de pensar as questões relativas à sexualidade como parte dos processos culturais e sociais, percebemos que, quando o professor Paulo fala que o aluno mais ‘delicado’ é motivo de piada no contexto da escola, ou quando a professora Verônica recorre ao discurso religioso cristão para falar da sexualidade de homens e mulheres, dizendo que “Deus criou o homem para ser homem e a mulher para ser mulher [...]” (professora Verônica), isso nos remete a uma concepção religiosa articulada com uma concepção biologicista, binária, sexista, moralista, heteronormativa, da sexualidade - concepção esta que ainda circula no espaço escolar e na sociedade em geral.

Porém, as práticas de resistência que esses/as alunos/as desenvolvem no contexto escolar contra o controle e a normalização do corpo e da sexualidade - no caso, burlar o tempo escolar, vestir-se e comportar-se fora das normas estabelecidas - têm construído outras configurações de forças, outras relações de poder. O professor Paulo, ao mesmo tempo em que afirma não estar acostumado com este ‘tipo’ de comportamento, reconhece que precisa ‘adaptar-se’, ou seja, precisa pensar outras formas de lidar com os alunos/as.

Da perspectiva que estamos analisando, não só as ‘indisciplinas’ de alunos/as podem ser entendidas como práticas de resistência no contexto da escola onde desenvolvemos a pesquisa, mas também a não-aprendizagem dos conteúdos inscritos nas propostas curriculares. Em vez de pensar que os/as alunos/as têm “[...] defasagem de aprendizagem [...] pessoas que não têm muita perspectiva de vida [...]” (professor José), tendemos a pensar que a ação desses/as alunos/as é uma forma de resistência à aprendizagem de conteúdos universalizados e validados como os mais importantes para constarem no currículo. É essa a análise que vamos desenvolver no que segue.

A aprendizagem escapa ao controle: práticas de resistência de alunos/as à padronização dos conteúdos curriculares

A educação moderna, conforme Gallo (2014), propõe-se como tarefa ‘ensinar tudo a todos’ - pretensão colocada no século XVII pelo educador e pedagogo João Amós Comênio. No contexto do século XVII e ainda hoje, acredita-se que, se há métodos para chegar ao conhecimento seguro, então, também deverá haver métodos para ensinar de forma mais rápida e segura. Gallo (2014) diz que a aposta em um método é extremamente importante, pois é o método que garante a mesmidade e a uniformidade, que reduz as diferenças ao mesmo, que faz com que todos precisem aprender as mesmas coisas ao mesmo tempo. É o método que permite saber o que fazer, como fazer, quando fazer e, desse modo, controlar os processos de subjetivação, controlar e normalizar todo e qualquer desvio.

Contudo, se uma das metas da escola moderna e, de certo modo, na contemporaneidade é ‘ensinar tudo a todos’, da mesma forma e ao mesmo tempo, visando à homogeneização dos processos de subjetivação por meio de um ensino universalizado, isso nem sempre ocorre conforme planejado. Mesmo diante das avaliações externas que produzem os rankings de educação e que demandam dos/as professores/as práticas pedagógicas com o intuito de fazer com que todos/as os/as alunos/as tenham os mesmos níveis de conhecimento e sobre as mesmas coisas, muitos/as alunos/as não aprendem o que deveriam aprender, mas aprendem outras coisas.

Então, o que dizer desses/as /as alunos/as que não aprendem o que deveriam aprender, como, por exemplo, os/as alunos/as do professor Paulo? Diz o professor Paulo: “[...] eu tento sistematizar, deixar o mais fácil possível, cada ano fica mais complicado fazer com que as crianças absorvam o conhecimento” (professor Paulo). Ele continua:

[...] isso me frustra muito, porque tem hora que você está vindo aqui, por mais que você trabalhe, planeje aula, traz conteúdo, corrige, aplica prova, trabalha corretamente da melhor forma possível, mesmo assim, parece que você está cumprindo horário, porque não funciona, não rende, é muito frustrante (professor Paulo).

Lembramos com Gallo (2012) que a Psicologia da Educação tem construído um sentido para os processos educativos atrelados à ideia de ensino e aprendizagem como noções indissociáveis, como se o ato de ensinar resultasse naturalmente no ato de aprender. De acordo com essas teorias, só é possível aprender aquilo que é ensinado, e não se pode aprender sem que alguém ensine, de maneira que é possível ter um controle sobre o que alguém aprende, como e quando aprende. Esses sentidos produzidos pela Psicologia da Educação ainda influenciam os processos educativos na contemporaneidade. O processo educativo é entendido a partir de uma perspectiva científica3 e dá segurança ao/à professor/a sobre como ensinar e como avaliar o aprendizado de cada aluno/a.

Essa forma de proceder tem em vista um controle sobre o que cada um aprende e uma homogeneização das subjetividades, visto que o objetivo é que todos/as aprendam as mesmas coisas e da mesma forma. Mas a pergunta persiste: por que os/as alunos/as não aprendem o que deveriam aprender?

Deleuze (1988), em Diferença e repetição, auxilia-nos a pensar sobre essa questão ao afirmar que “[...] nunca se sabe de antemão como alguém vai aprender - que amores tornam alguém bom em Latim, por meio de que encontros se é filósofo, em que dicionários se aprende a pensar [...]” (Deleuze, 1988, p. 159); isso nos mostra a imprevisibilidade do ato de aprender. Da mesma forma que não se sabe como alguém vai aprender, Deleuze (1988) também afirma que “[...] não há método para encontrar tesouros nem para aprender [...]” (Deleuze, 1988, p. 159), pois a aprendizagem “[...] segue a via dos encontros e dos amores e não dos métodos de uma pedagogia sempre impotente, ultrapassada das paixões” (Schèrer, 2005, p. 1191).

Nessa perspectiva, o ato de aprender já não é recognição4 - como na filosofia platônica -, mas é acontecimento, criação de algo novo e singular no pensamento. Enquanto acontecimento, o ato de aprender está envolto na imprevisibilidade, e essa imprevisibilidade do aprender “[...] joga por terra toda a pretensão da pedagogia moderna em ser uma ciência, a possibilidade de planejar, controlar, medir os processos de aprendizagem” (Gallo, 2012, p. 4). Daí a dificuldade do professor em fazer com que seus/suas alunos/as aprendam os conteúdos ensinados da forma como deseja - por mais que planeje, desenvolva atividades, aplique provas, ele nunca tem o controle sobre aquilo que seus/suas alunos/as vão aprender, nem sobre a forma como vão aprender.

Ainda a esse respeito, Deleuze (1972) diz que o ato de aprender foge a qualquer controle porque este acontecimento se dá a partir de um ‘encontro com signos’. Na obra Proust y los signos, a ênfase de Deleuze (1972) não recai sobre o ato de aprender como uma emissão de signos, mas sim sobre o ato de aprender como um encontro com os signos.

Aprender, essencialmente, diz respeito aos signos. Os signos são objeto de um aprendizado temporal e não de um conhecimento abstrato. Aprender é, em primeiro lugar, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se estivessem emitindo signos a serem decifrados, a serem interpretados. Não há aprendiz que não seja ‘egiptólogo’ de alguma coisa. Você não chega a ser carpinteiro, exceto por ficar sensível aos signos da floresta, você não chega a ser médico a menos que se torne sensível aos signos da doença. A vocação é sempre predestinação em relação aos signos. Tudo o que nos ensina algo emite signos, todo ato de aprender é uma interpretação de signos ou hieróglifos (Deleuze, 1972, p.12, grifo do autor, tradução nossa)5.

Aprender, na perspectiva deleuziana, significa estar em relação com os signos, entender os signos como problemas a serem pensados cuja resposta nunca é única, nunca é a mesma; pelo contrário, é sempre singular, inovadora, inesperada. Cada aprendiz estabelece uma relação específica com os signos, reage a eles de forma singular e produz nesta relação algo sempre diferente. Isso significa dizer que cada um aprende de uma determinada maneira, e por isso o aprender tem a ver com singularidades. Gallo (2012) diz que, “[...] numa mesma aula, com um mesmo professor, múltiplas aprendizagens acontecem, na medida em que são múltiplos os alunos e que cada um aprende a seu próprio modo” (Gallo, 2012, p. 8). Isso quer dizer que aprender já não é ‘mimetizar’ harmonicamente e ordenadamente, mas apropriar-se de signos de coisas que nos interessam/atravessam e que nos mobilizam para a ação.

A partir disso, podemos dizer que a educação das grandes políticas, dos documentos instituídos, nos diz o que ensinar, como ensinar, para que ensinar e para quem ensinar, por meio dos parâmetros e referenciais curriculares; sobre estes, o professor Paulo afirma: “[...] diz[em] que é referencial, mas é obrigação, você tem que fazer o que está escrito lá” (professor Paulo). O objetivo, segundo Gallo (2008), é constituir-se como uma imensa máquina de controle, máquina de subjetivação dos/as alunos/as, decidindo quais conteúdos devem ser ensinados e aprendidos na escola. Por outro lado, quanto mais acirradas forem as relações de poder que visam à homogeneização neste contexto, mais resistências serão geradas. As relações de poder, diz Foucault (1988), geram resistências, e as tentativas de controle podem, sempre, fugir a qualquer controle.

Por isso, pensamos com Deleuze (1988) que, se a aprendizagem é algo que escapa ao controle, pois é da ordem da imprevisibilidade e do acontecimento; se a aprendizagem coloca-se além daquilo que fazemos nas salas de aula de nossas escolas; se a aprendizagem impõe sua heterogeneidade e a criação de diferenças; então, no ato de aprender, a resistência é sempre possível. É possível resistir - não aprender ou aprender de outra forma os conteúdos padronizados, universalizados, formatados para atender a interesses hegemônicos. É possível pensar que os/as alunos/as do professor Paulo, do professor João e também da professora Laura resistem à aprendizagem de conteúdos que, em certa medida, impedem a expressão de conhecimentos que contemplam outros interesses, outras vozes, outras culturas. Dizemos isso porque, conforme o professor Paulo, o professor João e a professora Laura, mesmo se dedicando e se preparando para ensinar, não obtêm êxito em suas ações.

Ainda em relação à não aprendizagem de conteúdos que constam nas propostas curriculares, destacamos, a partir das observações dos/as alunos/as realizadas no contexto escolar da pesquisa, os mecanismos de resistência encontrados por um aluno em momento de imposição de normas por parte de uma professora e da coordenação pedagógica para que ele melhorasse o desempenho nas diversas disciplinas. Ao ser encaminhado pela professora à sala da coordenação pedagógica - e na presença da mãe - por não ter entregado atividades nas datas marcadas e por não ter tido bom desempenho nas avaliações, o aluno senta diante da coordenadora pedagógica, fixa o olhar na parede ao lado e concorda com tudo. Em um primeiro momento, poderíamos concluir que o aluno estava concordando com todas as imposições da coordenadora pedagógica, mas então a mãe faz o seguinte comentário: “[...] ele sempre concorda com tudo, em casa também é assim, mas continua fazendo as coisas do mesmo jeito, do jeito dele”.

O comentário da mãe leva-nos a pensar que, mesmo sob o poder de controle e normalização dos dispositivos em ação na escola, os movimentos de resistência acontecem das mais diversas formas. No caso desse aluno, é possível entender seu ‘mau desempenho’ nas disciplinas como uma forma de resistência a aprendizagens de conteúdos que desconsideram, em certa medida, os contextos em que as escolas estão inseridas e onde os/as alunos/as se constituem.

Em vez de atribuirmos a não aprendizagem dos conteúdos que constam nas propostas curriculares por parte dos/as alunos/as a ‘déficit de aprendizagem’ (professor José), ‘desinteresse’ (professora Laura), ‘falta de disciplina’ (professora Verônica), ‘falta de concentração’ (professor Pedro), ‘família desestruturada’ (professora Isabel), ‘aparato tecnológico’ (professor João) - ideias muito comuns ainda nas concepções desses/as professores/as -, podemos também pensar esses movimentos como resistências às “[...] narrativas muito particulares sobre o que constitui conhecimento legítimo, o que constitui formas válidas e legítimas de raciocínio, sobre o que é razão e o que não é, sobre quais grupos estão legitimamente capacitados para raciocinar ou não” (Silva, 2012, p. 190). Ainda, podemos pensar esses movimentos como modos de resistência ao conhecimento inscrito no currículo e à sua forma de transmissão, assim como às relações de poder que regulam, controlam e governam as subjetividades.

Para dizer de outra maneira, as resistências desses/as alunos/as também podem ser vistas como uma forma de questionamento aos atuais regimes de regulação inscritos no currículo e como “[...] possibilidade de contestar e modificar aquelas relações de poder que tendem a excluir certos saberes e grupos sociais, que tendem a estigmatizá-los e inferiorizá-los” (Silva, 2012, p. 196).

Isso nos leva a pensar que, por mais que a epistemologia moderna ocidental e sua lógica identitária se constituam como um dispositivo pedagógico presente no contexto escolar que pensa a alteridade a partir da mesmidade, fazendo com que cada um, independentemente de seu credo, condição social ou contexto cultural, deva aprender as mesmas coisas e os mesmos comportamentos e cultue os mesmos valores, a diferença se faz presente. Segundo o professor João, os/as alunos/as ‘questionam’, ‘debatem’, ‘complicam a sua rotina’, ou seja, produzem espaços alternativos dentro do próprio espaço normalizado e estriado da escola.

A esse respeito, trazemos a fala do professor Paulo, que mostra a necessidade de criar espaços de negociação entre professores/as e alunos/as. Referindo-se às avaliações externas que os/as alunos/as precisam realizar, diz que é preciso negociar com os/as alunos/as para que se empenhem nos estudos e tenham bom desempenho.

[...] o pessoal trabalha, incentiva os alunos, as matérias que trabalham, existe um incentivo, incentivo de pontuação também, porque, como não vale nada a prova, se não vale nota, eles não fazem, se não vale nota, não adianta. Eles não participam de nada que não vale nota, se não valeu alguma coisinha, eles não querem fazer. Então, os professores acabam incentivando: “Olha! O que vocês conseguirem de pontuação, a gente transforma em pontinho para a matéria de vocês e tal”. É errado, mas a gente faz para poder incentivar (professor Paulo).

As resistências dão-se no nível das micropolíticas e questionam as macropolíticas - como é o caso dos/as alunos/as do professor Paulo, que se negam a estudar os conteúdos padronizados com o objetivo de obter bom desempenho nas avaliações em larga escala, a não ser que recebam em troca ‘pontos extras’ nas diversas disciplinas. Isso abre espaços outros em que, inclusive, outras práticas pedagógicas podem ser pensadas. O fato de os/as professores/as terem que negociar ‘notas’ com os/as alunos/as mostra a ramificação política de uma educação no nível micro, criando “[...] trincheiras a partir das quais se promove uma política do cotidiano, das relações diretas entre os indivíduos, que por sua vez exercem efeitos sobre as macro-relações sociais” (Gallo, 2008, p. 68). Vemos nisso as coisas pequenas, as cotidianidades cavando seus buracos, contaminando os espaços, produzindo resistências.

Queremos dizer que a pretensão da educação das políticas instituídas de fazer com que todos/as aprendam as mesmas coisas e do mesmo jeito expressa uma vontade de homogeneização das subjetividades dos/as alunos/as. Se, como dissemos com Deleuze (1972), ensinar significa emitir signos sem termos o controle sobre o que os/as alunos/as farão quando se encontrarem com eles, melhor seria abrir mão desta vontade de controle sobre o que os/as alunos/as aprendem - apesar dos dispositivos pedagógicos que nos incitam a este controle - e nos dispormos a ensinar como quem “[...] lança sementes ao vento, com a esperança dos encontros que possam produzir, das diferenças que possam fazer vingar, nos encantando com as múltiplas criações que podem ser produzidas a partir delas” (Gallo, 2012, p. 9), deixando de lado a vontade de que todos/as sejam da mesma maneira e façam as mesmas coisas. Dessa maneira, ‘qualquer um’, e de ‘qualquer modo’, pode aprender em nossas escolas.

Afinal, pensa Deleuze (1988), aprender não é adquirir ou apossar-se de um conhecimento - como na perspectiva da recognição platônica; ao contrário, afirma que “[...] aprender vem a ser tão-somente o intermediário entre o não-saber e saber, a passagem viva de um ao outro” (Deleuze, 1988, p. 160). No caso, a aprendizagem está menos do lado do filósofo fora da caverna, que coloca sua ênfase no aprender, e não no processo, e mais do lado do rato no labirinto, que, mesmo não achando uma saída, aprende com suas andanças. E se o que importa é o processo, diz Gallo (2012, p. 5), “[...] vale mais viver o acontecimento do que efetivamente aquilo que se adquire com essa passagem”.

O que a escola vê como ‘defasagem de aprendizagem’ pode ser também considerado como prática de resistência em não aprender devidamente os conteúdos inscritos no currículo. Isso porque os/as alunos/as se encontram com outros signos e produzem, por meio desses encontros, outras aprendizagens - aprendizagens significadas nas ‘andanças’ pelos labirintos de seu bairro, de sua crença, de sua condição social, de sua cultura, de seu contexto; aprendizagens, muitas vezes, silenciadas, invisibilizadas, inferiorizadas no contexto dessa escola.

Considerações finais

Ao pensarmos/problematizarmos aquilo que a escola entende por comportamento indisciplinado e como ‘defasagem de aprendizagem’ de alunos/as, vimos a possibilidade de pensar esses movimentos/comportamentos como práticas de resistências contra os efeitos das relações de poder instituídas no contexto escolar, o qual, de certa forma, desconsidera os contextos específicos e as singularidades de cada aluno/a. Foucault (1988) diz que são as próprias relações de poder que possibilitam espaços para que as resistências aconteçam; então, não é contra o poder que essas resistências são travadas, e sim contra os seus efeitos, e nisso consiste sua potencialidade de criação e transformação.

Por isso, as práticas de resistência em ação na escola onde ocorreu a pesquisa têm esse alcance, essa força de se (des)encontrar com as relações de poder instituídas e criar “fissuras no presente”, e “[...] no local da fissura a linha forma uma fivela, centro do ciclone, lá onde é possível viver, ou, mesmo, onde está, por excelência a Vida” (Deleuze, 2005, p. 130). Essas resistências, ao fraturarem o presente, modificam as relações de poder e o transcurso das coisas; elas introduzem um vazio ou uma indeterminação no curso mesmo das coisas e das ações. Por isso, para Deleuze (2005), quando as relações de poder tomam como objeto a vida, a vida torna-se resistência às relações de poder. O ponto mais intenso da vida está, para Deleuze (2005), assim como para Foucault (2003), no encontro entre relações de poder e práticas de resistência.

Nesse sentido, entendemos o contexto escolar como um espaço de tensão entre forças, como um jogo de forças entre relações de poder e práticas de resistência. O que caracteriza este espaço, de acordo com nossa análise, é a riqueza, a criatividade e as possibilidades de mudança que ele proporciona. Então, por mais que essa escola esteja enredada na epistemologia identitária da modernidade, que ainda se coloca como hegemônica nesta instituição educacional e, de modo geral, na sociedade, estes/as alunos/as encontram espaços para práticas de resistência.

No entanto, essas práticas de resistência não têm a intenção de construir uma ‘nova’ e ‘melhor’ epistemologia, um ‘novo’ e ‘melhor’ sistema baseado na razão, na verdade ou humanidade, pois qualquer epistemologia ou sistema como esse, que se queira hegemônico, terá efeitos de exclusão e subalternização. O que essas práticas de resistência possibilitam, no contexto da escola onde realizamos a pesquisa, é contaminar, perturbar, enfraquecer os limites impostos pelas relações de poder instituídas e atenuar as mais diversas formas de violência; provocar rupturas, descontinuidades ali onde desenvolvimentos contínuos foram encontrados; desestabilizar o atual regime de verdade para que o pensamento se insira nessas linhas de fratura e faça a diferença. Por isso, a afirmação da diferença nesta escola constitui-se, de acordo com Foucault (2014), em uma instância agonística6 permanente, pois, de acordo com o autor, as práticas de resistência podem enfraquecer os limites estabelecidos pelas relações de poder em vigor, mas novos limites sempre surgirão.

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1A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade Católica Dom Bosco e aprovada conforme parecer nº 267.951 de maio de 2013.

2 Foucault (1996), em Vigiar e punir: história da violência nas prisões, refere-se ao panóptico como uma máquina que fabrica efeitos homogêneos de poder, “[...] de modo que não é necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comportamento, o louco à calma, o operário ao trabalho, o escolar à aplicação, o doente à observância das receitas. Bentham se maravilha de que as instituições panópticas pudessem ser tão leves: fim das grades, fim das correntes, fim das fechaduras pesadas; basta que as separações sejam nítidas e as aberturas bem distribuídas. [...] Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe disso, retoma por sua conta as limitações do poder; fá-las funcionar espontaneamente sobre si mesmo” (Foucault, 1996, p. 179).

3 Gallo (2005) diz que, ao longo do século XX, houve todo um esforço das pedagogias para se constituírem como ciência. “Por que uma ciência pedagógica? Porque apenas ela nos garantiria uma certeza da verdade, um método único, um controle absoluto. A cientificização da pedagogia nada mais é do que uma entrada no movimento que Nietzsche chamou de ‘vontade de verdade’ que animou o pensamento moderno” (Gallo, 2005, p. 219, grifo do autor).

4Na tradição ocidental, diz Gallo (2012), a educação tem sido pensada com base na filosofia platônica, que afirma o aprender como recognição. “O aprender constitui-se, pois, numa recognição, em voltar a saber algo que já se sabia. Esse processo pode ser ‘acelerado’ e aprimorado com treino - o processo educativo - e culmina com o exercício da Filosofia, o conhecimento das puras Ideias” (Gallo, 2012, p. 1, grifo do autor).

5Aprender concierne esencialmente a los signos. Los signos son el objeto de un aprendizaje temporal y no de un saber abstracto. Aprender es, en primer lugar, considerar una materia, un objeto, un ser, como si emitieran signos por descifrar, por interpretar. No hay aprendiz que no sea ‘egiptólogo’ de algo. No se llega a carpintero más que haciéndose sensible a los signos del bosque, no se llega a médico más que haciéndose sensible a los signos de la enfermedad. La vocación es siempre predestinación con relación a signos. Todo aquello que nos enseña algo emite signos, todo acto de aprender es una interpretación de signos o de jeroglíficos.

6No texto O sujeito e o poder, que compõe a obra Ditos e escritos IX, Foucault (2014), ao falar sobre as relações de poder e a insubmissão da liberdade, diz que não se trata de um “antagonismo” essencial e que valeria mais a pena falar de um ‘agonismo’ - “[...] de uma relação que é, ao mesmo tempo, de incitação recíproca e de luta: menos de uma oposição termo a termo que os bloqueia um diante do outro do que de uma provocação permanente” (Foucault, 2014, p. 134).

7Gallo (2005) says that throughout the 20th century there was an effort in the sense of recognizing the studies in pedagogy as scientific. “Why a science of pedagogy? Because only it would grant us a certainty about the truth, a single method, an absolute control. This scientifization of pedagogy is an example of what Nietzsche called ‘will of truth’, which enlivened modern thought” (Gallo, 2005, p. 219).

8In our Western tradition, according to Gallo (2012), education has been considered based on the Platonic philosophy, which says that learning is a recognition. “Learning is, therefore, a recognition, to know again something we already knew. Such a process can be ‘accelerated’ and improved with exercises - the educational processes - and it culminates in philosophy, the knowledge of pure Ideas” (Gallo, 2012, p. 1).

9Aprender concierne esencialmente a los signos. Los signos son el objeto de un aprendizaje temporal y no de un saber abstracto. Aprender es, en primer lugar, considerar una materia, un objeto, un ser, como si emitieran signos por descifrar, por interpretar. No hay aprendiz que no sea ‘egiptólogo’ de algo. No se llega a carpintero más que haciéndose sensible a los signos del bosque, no se llega a médico más que haciéndose sensible a los signos de la enfermedad. La vocación es siempre predestinación con relación a signos. Todo aquello que nos enseña algo emite signos, todo acto de aprender es una interpretación de signos o de jeroglíficos.

Recebido: 24 de Julho de 2018; Aceito: 22 de Abril de 2019

*Autor para correspondência. E-mail: tedeschi@uems.br; tedeschils@gmail.com

Sirley Lizott Tedeschi: Doutora em Educação pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB/MS, Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, graduada em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo - UPF. Docente efetiva da Graduação e do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul - UEMS. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4557-8282 E-mail: tedeschi@uems.br; tedeschils@gmail.com

Ruth Pavan: Formada em Pedagogia, Mestre e Doutora em Educação. Pós-Doutora em Educação - UMINHO. Professora do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco. Bolsista Produtividade CNPq. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8979-1125 E-mail: ruth@ucdb.br

NOTA: Sirley Lizott Tedeschi e Ruth Pavan foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Sirley Lizott Tedeschi: Doctor in Education, Dom Bosco Catholic University, Mato Grosso do Sul state; master in Philosophy, Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul; majored in Philosophy at the University of Passo Fundo. Permanent professor of the State University of Mato Grosso do Sul. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4557-8282 E-mail: tedeschi@uems.br; tedeschils@gmail.com

Ruth Pavan: Majored in Pedagogy, master, and doctor in Education. Post-doctor in Education. Permanent professor at Dom Bosco Catholic University. CNPq Research Productivity Scholarship. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8979-1125 E-mail: ruth@ucdb.br

NOTE: Sirley Lizott Tedeschi and Ruth Pavan are the responsible for collecting, analyzing and interpreting the data; for writing and the critical review of the content of this manuscript, and also for the approval of the last version to be published.

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