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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.42  Maringá  2020  Epub 01-Mar-2020

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v42i1.44768 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Organicidade, institucionalidade e dimensão simbólica do Instituto Federal do Paraná: uma perspectiva sob o olhar de Pierre Bourdieu

Organicity, institutionality and symbolic dimension of the Federal Institute of Paraná State: an analysis from Pierre Bourdieu's perspective

Organicidad, institucionalidad y dimensión simbólica del Instituto Federal do Paraná: um análisis desde las categorías de Pierre Bourdieu

Jackeline Tiemy Guinoza Siraichi1 
http://orcid.org/0000-0003-1923-6737

Rosa Amélia Barbosa1 
http://orcid.org/0000-0003-3393-1090

Amir Limana1 
http://orcid.org/0000-0001-9317-5229

Mário Luiz Neves de Azevedo2 
http://orcid.org/0000-0003-0563-5817

1Instituto Federal do Paraná, Astorga, Paraná, Brasil.

2Universidade Estadual de Maringá. Avenida Colombo, 5790, 87020-900, Maringá, Paraná, Brasil.


RESUMO.

Este artigo tem por objetivo analisar a criação de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que inaugurou uma nova fase na oferta de educação por instituições de Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, a partir do estabelecido na lei de criação 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, e cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Metodologicamente, o artigo fundamenta-se na teoria dos campos sociais de Pierre Bourdieu, especialmente a partir dos conceitos de campo social, habitus, capital social, capital cultural e capital científico. Desta forma, com base em documentos, legislação e apoio na literatura sobre o assunto, nota-se que existe uma lacuna entre o previsto no projeto de criação e na legislação sobre os Institutos Federais, de inclusão social e democratização do ensino público, e a concreta atuação docente balizada pela superestimação e sobrevalorização do perfil acadêmico comum nas universidades tradicionais.

Palavras-chave: educação profissional; política educacional; identidade institucional

ABSTRACT.

This article aims to analyze the creation of Federal Institutes of Education, Science and Technology, which inaugurated a new phase in the provision of education by institutions of Professional and Technological Education in Brazil, as established in law n. 11,892, of December 29, 2008, which creates the Federal Network of Professional, Scientific and Technological Education. Methodologically, the article is based on the theory of social fields of Pierre Bourdieu, especially from the concepts of social field, habitus, social capital, cultural capital and scientific capital. Thus, based on documents, legislation and support in the literature on the subject, it is noted that there is a gap between the predicted in the creation project and in the legislation on the Federal Institutes, of social inclusion and democratization of public education, and the concrete teaching performance marked by the overestimation and overvaluation of the academic profile something common in the traditional university careers, but that installs like an ‘academicism’ in the Federal Institutes of Education, Science and Technology.

Keywords: professional education; educational politics; institutional identity

RÉSUMEN.

El objetivo de este artículo es analizar la creación de los Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que ha inaugurado un nuevo momento en la oferta de educación por instituciones de formación profesional y tecnológica en Brasil, a partir del establecido en la ley de creación 11.892, de 29 de diciembre de 2008, que instituye la Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica y crea los Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. A modo epistemológico, el artículo se basa en la teoría de los campos sociales de Pierre Bourdieu, con hincapié en los conceptos de campo social, habitus, capital social, capital cultural y capital científico. De esta forma, apoyándose en documentos, leyes, y soporte en la literatura acerca del argumento, se percibe que existe un hueco entre el previsto en el proyecto de creación, la legislación de los Institutos Federales, de inclusión social y democratización de la enseñanza pública, y la concreta actuación docente, la que está basada en la sobrestimación y sobrevaloración del perfil académico común en las universidades tradicionales.

Palabras-clave: educación profesional; política educacional; identidad institucional

Introdução

Os incultos consideram trabalho difícil tudo o que não seja inteiramente inculto. Os intelectuais eruditos rejeitam tudo o que não seja uma profissão de arcaísmos. Alguns gostam apenas dos clássicos, outros só de suas próprias obras [...] Assemelham-se a convidados grosseiros que, depois de um esplêndido jantar de gala, voltam empanturrados [...], sem dizer uma palavra de agradecimento ao anfitrião. Chega da sabedoria de preparar um banquete de raciocínio a nossa própria custa para um público com gostos tão fastidiosos e imprevisíveis e com tão profundo senso de gratidão! (More, 2013, p. 18).

Thomas More (2013) apresenta suas angústias quanto a publicidade do seu livro Utopia1 na carta à Peter Gilles e, como num jogo de espelhos, a analogia representa o Educador e Secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (MEC), Eliezer Pacheco, no momento em que escreve o livro Os Institutos Federais - uma revolução na educação profissional e tecnológica (Pacheco et al., 2011). Pacheco et al. (2011) apresenta um projeto que visa a construção de uma sociedade fundada na igualdade política, econômica e social, mediante uma escola vinculada ao mundo social do trabalho numa perspectiva democrática e de justiça social, rompendo o discurso pedagógico hegemônico dominante, que submete a educação à lógica do capital, que forma consumidores ao invés de cidadãos e faz uso do currículo como ferramenta para o treinamento de habilidades e técnicas a serviço do capitalismo.

Nosso objetivo central não é formar um profissional para o mercado, mas sim um cidadão para o mundo do trabalho, o qual poderia ser tanto um técnico, como um filósofo, um escritor ou tudo isto. Significa superar o preconceito de classe de que um trabalhador não pode ser um intelectual, um artista (Pacheco et al., 2011, p. 11).

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (doravante IFET) visa a formação de cidadãos para a vida, aquela em que a cidadania, segundo Freire (2014), não é algo que aparece mediante mágica, como presente que políticos ou educadores pudessem dar aos estudantes, mas é uma produção, uma criação política. É necessário o despertar da consciência política para que possamos ter clareza para fazer a leitura do mundo, seja mediante a transformação e/ou re-transformação e não pela adaptação a ele. Neste sentido, o trabalhador pode ser um intelectual ou um artista, capaz de ultrapassar obstáculos, pensar e agir em favor das transformações políticas, econômicas e sociais.

A título de uma síntese inicial, vale notar que a criação dos IFETs inaugurou uma nova fase na oferta de educação por instituições de Educação Profissional e Tecnológica no Brasil. Considerando que, ao final de 2018, completar-se-á uma década de atividade, faz-se necessário a reflexão e a análise deste processo de ampliação de matrículas no Brasil, no que tange a organicidade, institucionalidade e dimensão simbólica a partir do estabelecido na lei de criação 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, e cria os IFETs atualmente denominados de Institutos Federais (doravante IFs).

Neste sentido, a presente discussão retoma o estabelecido pela lei numa perspectiva dialógica com a teoria de Pierre Bourdieu sobre o funcionamento social desta instituição na sociedade contemporânea, bem como, as relações que mantêm os diferentes grupos sociais com a escola e com o saber.

Assim, a partir dos conceitos de campo, habitus, capital social, capital cultural e capital científico, desenvolvidos por Bourdieu, e mediante levantamento bibliográfico sobre o tema e notando que existe uma lacuna entre o previsto na legislação e a institucionalização dos campi e tendo em vista que variados atores sociais do campo social acadêmico vão de encontro aos habitus institucional e docente, tradicionalmente consolidado no campo acadêmico, não compatível com a projetada função social dos IFs, especialmente do Instituto Federal do Paraná (doravante IFPR), fazendo surgir conflitos e mesmo contradições entre esta atuação projetada de maior inserção social e o desejo (por que não, a libido?) saliente de projeção produtivo-acadêmica, com perfil eminentemente universitário, menosprezando o papel inclusivo e socialmente referenciado acordes aos paradigmas institucionais concebidos na sua origem.

Em suma, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (RFEPT) caracteriza-se pela ousadia e pela inovação e propõe a consolidação de uma escola contemporânea comprometida com uma sociedade cidadã, democrática e socialmente justa em que um novo mundo e uma nova escola são possíveis. A proposta de criação dos IFs percebe que “[...] a educação não é apenas o resultado da segurança de nosso saber e da arrogância de nosso poder, mas ela implica, também, nossa incerteza, nossa inquietude” (Larrosa, 2017, p. 24). Para além ou para aquém de propostas curriculares, como colocar em prática o que consta nesses documentos? Como implementar algo novo e insuspeito, embora já previsto nos documentos? Seria esta escola possível, ou somente uma utopia?

Institutos Federais, uma escola possível ou utópica?

O que não é porém possível é sequer pensar em transformar o mundo sem sonho, sem utopia ou sem projeto [...] Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às vezes demoradas. Implica luta (Freire, 2016, p. 61-62).

Não podemos falar da utopia como algo que pode não dar certo, ou algo inatingível, e sim tê-la como necessidade do ser humano (Freire, 2016). Assim como a água está para o nosso organismo, os estudantes estão para a escola e, desse modo, cada um de nós em relação para os nossos sonhos e projetos pelos quais vivemos e lutamos. O IF é a escola com qual sonhamos. Uma utopia ou um sonho possível? Como Freire, acreditamos que "[...] não há manhã sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperança, sem o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidades que viabilizem a sua concretização" (Freire, 2014, p. 77-78).

É o próprio Paulo Freire (2016) quem diz que "[...] uma coisa só nunca é bastante para nada [...]", assim, pensamos a educação como possibilidade de libertação de certas verdades, de certas regras, de certos padrões, permitindo-nos deixar de ser o que somos para ser diferente, para melhorar, para sonhar, para transformar novas possibilidades e formas de fazer, diferentes do que fazemos. É esse mesmo autor que nos inspira a acreditar na educação como mudança, fazendo-nos ver, na proposta dos institutos, a perspectiva de uma educação transformadora, comprometida com princípios fundamentais e capaz de educar transformando o que sabemos.

Nos últimos anos, com o Governo Temer, o Estado implementou mudanças de caráter privatizador, como a PEC 55, que limitou o investimento educacional nas políticas sociais. Antes porém, as ações educacionais eram voltadas à abertura de oportunidades para milhões de jovens e adultos da classe trabalhadora, com investimentos financeiros como a ampliação da RFEPT, instituída juntamente com a criação dos IFs, mediante a Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (Brasil, 2008a), o que assegurou à educação profissional e integral2, um lugar privilegiado nas políticas do Governo Lula, a fim de que fosse uma inspiração, um modelo de educação profissional e tecnológico (EPT) a ser seguido por outros países com realidade e problemas de desenvolvimento semelhantes aos do Brasil.

A EPT vive um momento especial em nosso país, não apenas pela sua extraordinária expansão, mas também pela sua ressignificação enquanto modalidade de ensino importante para a construção e resgate da cidadania. A EPT vem tendo um reconhecimento e uma valorização sem precedentes na história do país, constituindo-se este fato em uma ruptura com nossa tradição bacharelesca (Pacheco, 2008, p. 14).

A institucionalidade do IF surge como o desafio de construir uma nova identidade escolar, com organicidade singular que proporciona espaço ímpar de construção de saberes, com abertura para o diálogo de modo articulado, da educação básica até a pós-graduação, ou seja, uma forma distinta ante as práticas tradicionais de ensino, com foco no aumento da escolaridade do trabalhador, bem como, sua interação com o mundo do trabalho e das ciências, formando o sujeito para o mundo social do trabalho (Brasil, 2007).

A proposta nos IFs tem o sentido de formação do cidadão como agente político objetivando "[...] as transformações políticas, econômicas e sociais imprescindíveis para a construção de outro mundo possível” (Pacheco, 2011, p. 29). Para isso é necessário uma formação holística a partir da prática interativa com a realidade e na perspectiva da emancipação. Parte-se de uma crítica ao reducionismo da mera formação para os postos de trabalho e propõe um percurso formativo voltado para “[...] a construção de uma sociedade mais democrática, inclusiva e equilibrada social e ambientalmente” (Pacheco, 2011, p. 29). Está explicitado nas políticas dos Institutos Federais, concepções e diretrizes, trabalho, ciência, tecnologia e cultura.

Esta organização curricular, por meio da verticalização, permite a flexibilidade para a construção dos itinerários formativos3, a integração dos diferentes níveis da educação básica e do ensino superior, além de criar possibilidades para a educação continuada, atendendo as demandas produtivas locais (Brasil, 2008b).

Esse lidar, pois, com o conhecimento de forma integrada e verticalizada exige uma postura que supere o modelo hegemônico disciplinar; significa pensar um profissional da educação capaz de desenvolver um trabalho reflexivo e criativo e promover transposições didáticas contextualizadas que permitam a construção da autonomia dos educandos [...] além de superar o conceito da escola dual e fragmentada, pode representar, em essência, a quebra da hierarquização de saberes e colaborar, de forma efetiva, para a educação brasileira como um todo, no desafio de construir uma ‘nova identidade’ para essa última etapa da educação básica (Pacheco, 2011, p. 26, grifo nosso).

A nova institucionalidade mostra intencionalidade em superar a dualidade histórica entre a ‘formação específica versus formação geral’, ‘educação profissional versus educação humanista’, bem como ‘modelo hegemônico disciplinar versus modelo autônomo reflexivo’, por meio da integração de conhecimentos específicos e desenvolvimento de ações de ensino, pesquisa e extensão, além de possibilitar o diálogo, de forma articulada, da educação básica até a pós-graduação.

A criação dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia (IFETs) se transformará em uma das ações mais significativas no campo da formação profissional e tecnológica. Os IFETs estabelecerão uma ‘nova organização’ para a Rede Federal, atuando como centros de ensino, pesquisa e extensão nos diferentes níveis de ensino profissional e tecnológico, profundamente vinculadas ao desenvolvimento econômico, social e cultural de suas respectivas regiões, e articulando-se com os demais sistemas públicos […] um processo de ‘reconfiguração identitária’ das atuais instituições de EPT […] (Pacheco, 2008, p. 10, grifo nosso).

A projeção de uma nova institucionalidade é percebida nos documentos oficiais mediante o constante uso dos termos nova identidade, nova organização e reconfiguração identitária. Segundo Pacheco (2011), os IFs são a síntese daquilo que de melhor a Rede Federal construiu ao longo de sua história e das políticas de educação profissional e tecnológica do governo federal, que propõem um Projeto Democrático, focado na emancipação dos setores explorados da nossa sociedade.

A lei de criação dos IFs, apresenta 38 institutos que nascem diferenciados das universidades. Segundo Pacheco et al. (2010), estes institutos assumem uma forma híbrida entre a Universidade e o Centro Federal de Educação Tecnológica (doravante CEFET), representando uma “desafiadora novidade para a educação brasileira”. É nesse ensejo que a Escola Técnica (doravante ET) da Universidade Federal do Paraná transforma-se em Instituto Federal do Paraná (IFPR), já o CEFET do Paraná, por sua vez, em Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Brasil, 2008a).

Segundo Ciavatta (2010), estas mudanças seriam ‘uma diferenciação para cima’, aumentando duplamente a responsabilidade desta nova instituição, que contempla a manutenção da tradição e qualidade já oferecida pelos cursos de ensino médio e técnico, bem como, a oferta do ensino, pesquisa e extensão como universidade, mediante os cursos superiores e de pós-graduação. A mesma autora afirma que "[...] o ensino médio obrigatório, gratuito é a grande dívida nacional para com os jovens que ainda não são objetos de políticas compensatórias, bem intencionadas, mas insuficientes para elevar todo o nível da população" (Ciavatta, 2010, p. 171).

Destacamos ainda que esta nova instituição deverá ofertar os cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) e Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), modalidades de educação destituídas de prestígio social e educacional. Mediante este contexto, será que a nova institucionalidade do IF, acrescida do status de universidade, ameaçaria a continuidade da oferta do ensino médio com a inserção de modalidades de educação ‘subalternizadas’, as quais atenderiam a sua função social?

Considerando a apresentação da inovadora institucionalidade dos IFs, que considera a educação não somente com elemento para o desenvolvimento econômico e tecnológico, mas como ferramenta para a inserção cidadã de milhões de brasileiros, capaz de modificar suas vidas sociais atribuindo maior sentido e alcance nas suas experiências humanas, incompatível com a visão conservadora da sociedade, apresentaremos uma perspectiva do olhar de Pierre Bourdieu sobre o funcionamento social do IF na sociedade contemporânea e sobre as relações que mantêm os diferentes grupos sociais com a escola e com o saber, a partir dos conceitos de campo, habitus, capital social, capital cultural e capital científico.

‘Campo’ institucional e suas disputas mediante uma perspectiva do olhar de Bourdieu

Segundo Bourdieu (2003), sempre que se estuda um novo campo, acontecem novas descobertas, pois dentro de cada campo, existe uma luta específica, que deve ser vista de modo ímpar, caso a caso. O IF, a partir deste contexto, será considerado um campo, pois se trata de uma instituição hegemônica na educação profissional, mediante história e tradição percorridas nas antigas escolas técnicas. É, porém, uma escola ímpar, com novas atribuições, nova roupagem, nova identidade, nova assinatura. Vale lembrar que "[...] a assinatura é uma marca que muda não a natureza material, mas a natureza social do objeto" (Bourdieu, 2003, p. 213).

Este campo institucional, segundo Ciavatta (2010), nasce com uma ‘diferenciação para cima’, fruto da herança da tradição da oferta dos cursos técnicos e de ensino médio já ofertados pelas ETs e CEFETs, que os colocam como um campo da educação profissional, onde o novo mantém a tradição do velho. Os IFs, a partir do momento que são ‘vestidos pela tradição do velho’, seriam considerados institutos públicos com ensino de qualidade que vêm determinando as regras e a forma do jogo na educação profissional (Amorim, 2016), porém a Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (Brasil, 2008a), que amplia a RFEPT e que cria os IFs, propõe efetivamente o ‘novo’, que além dos cursos técnicos de tradição, deverão ofertar os FICs, PROEJA, licenciaturas, cursos superiores e a pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado).

Cria-se um campo, um espaço de jogo, um campo de relações objetivas entre indivíduos ou instituições em competição (Bourdieu, 2003). Neste campo em atividade, todos os indivíduos estão dispostos a jogar o jogo, conhecem suas regras, detêm o habitus, que, neste caso, supõe que os agentes de campo devem ser respeitados pelo prestígio dos cursos técnicos que incorporaram.

O habitus, sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores, é gerador de estratégias que podem estar objectivamente em conformidade com os interesses objectivos dos seus actores sem terem sido expressamente concebidos para esse fim (Bourdieu, 2003, p. 125).

A nova instituição que carrega o prestígio da educação técnica quer alçar voos mais altos, ‘diferenciando-se ainda mais para cima’, mediante a possibilidade de oferta de cursos de ensino superior e, segundo Ciavatta (2010), atendendo a hipótese de que todo ou quase todo o sistema federal de educação tecnológica aspira a ser universidade, com todo o seu glamour e pompa. Por outro lado, não quer ‘se diferenciar para baixo’, com a oferta de modalidades desprestigiadas como FIC e PROEJA.

[...] o Acórdão n.º 480/2005 foi o elemento indutor da criação do Proeja, porque evidenciou o caráter elitista da Rede Federal de Educação Tecnológica e indicou a necessidade de ações de inclusão social da população menos favorecida. Surge, então, a Portaria MEC n. 2.080, de 13 de junho de 2005, instituindo as diretrizes para oferta de cursos de educação profissional de forma integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos, no âmbito das Ifets (Amorim, 2016, p. 87).

Historicamente, na RFEPT, tanto os cursos FIC quanto PROEJA carregam consigo grandes desafios. Esse último, criado na tentativa de “[...] instituir uma política estável de EJA com a elevação da escolaridade e da qualificação [...]”, busca integrar esses dois espaços distintos (EPT e EJA), porém essa integração não tem sido fácil e já evidenciou que não pode ser alcançada em curto espaço de tempo “[...] uma vez que se constituem em duas modalidades distintas de educação, com realidades e campos bem delimitados [...]”, como considera Otranto (2011, p. 2). Somados a isso, a dificuldade da sua aceitação como modalidade de educação repousa no fato de esses cursos FIC e PROEJA serem destinados à formação dos trabalhadores. Segundo relatórios advindos das experiências de diálogos realizados em quase todos os institutos que ofertavam o programa, no caso do IFG e Ifes, Oliveira e Machado (2011, p. 5-6, grifo do autor) relatam:

[professores e alunos] denunciaram a segregação presente no interior dos institutos, pelo estranhamento da presença dos alunos do Proeja, avaliados por alunos dos demais cursos técnicos e por professores das instituições, como não dignos de ocupar uma vaga nestas ‘escolas de excelência’.

A EJA foi introduzida com grande resistência do corpo docente em atender esta modalidade de ensino, somada às dificuldades de inserção sociocultural deste público (Amorim, 2016). A fim de atender à obrigatoriedade legal, os IFs oferecem cursos que “[...] na maioria dos casos, não atendem aos interesses dos jovens e adultos, e sim aos interesses dos docentes que se dispõem a enfrentar esse desafio. Essa é uma inversão que pode dificultar o alcance dos resultados esperados pelo Programa” (Otranto, 2011, p. 14).

[...] a EJA se vê marcada por ações arbitrárias. São rupturas e descontinuidades de políticas de governos que não reconhecem o direito público subjetivo da população de jovens e adultos brasileiros (Brasil, 2000; Machado, 2009). Na acepção de Marx (1998), é como se a modalidade EJA fosse um ‘fetiche’ que pode ser manuseado ao bel prazer daqueles que detêm o poder da tomada de decisões, ignorando a necessidade de escuta dos que de fato são os signatários desse direito - os sujeitos da EJA (Amorim, 2016, p. 91, grifo do autor).

Como antítese dessa postura, por outro lado, a lei de criação dos IFs estabelece a obrigatoriedade da EJA, sem definir os percentuais (em 2006 estabeleceu-se 10%), deixando-os a cargo de cada instituição, o que não vem sendo cumprido (Amorim, 2016). Nota-se que EJA e PROEJA para a RFEPT são um grande desafio, e estão diretamente relacionadas à função social da escola.

Segundo Pacheco (2011), os IFs dão início a uma nova fase da educação profissional, "[...] abandonando o hábito de reproduzir modelos externos e ousando inovar a partir de suas próprias características, experiências e necessidades [...]” (Pacheco, 2011, p. 15), ou seja, os IFs são Institutos de Educação Profissional Técnica e Tecnológica, e não universidades. Os IFs não foram instituídos para serem os ‘novos-ricos’ que, vislumbrando a notabilidade e incorporando os ‘velhos’ costumes pedagógicos, viessem a se tornar ostentatórios (o novo que veste o velho com a intenção de ser ‘mais’) ao invés de distintos (Azevedo, 2008). Assumir a sua ‘nova institucionalidade’ seria algo complexo e desafiador, caracterizando-os como instituições verdadeiramente inclusivas, com a oferta dos FICs, PROEJA e cursos técnicos. Entendemos que assumir a posição preconizada pela institucionalização foi para muitos IFs o mesmo que compreendê-los como ‘diferenciados para baixo’, já que essa ‘nova identidade’ de escola contemporânea e inclusiva, apresentada por Pacheco (2011), abrange aspectos muito diferentes daqueles já existentes nas universidades.

Azevedo (2008) ainda nos alerta que um campo social existe quando seus atores, dotados do habitus do jogo, conhecendo e aceitando as regras, passam a lutar pela posse de determinados objetos, pela ocupação espacial neste campo em atividade que, neste momento, apresenta-se dividido em: diferenciados para cima ou para baixo, universidades ou institutos, elite ou trabalhadores, inclusão ou meritocracia.

Estes posicionamentos divergentes impõem modificações no campo, na sua organização, na sua estrutura e no seu funcionamento, que são fortemente influenciados pelo habitus dos seus atores.

O ato legislativo não muda o habitus de uma instituição construída ao longo da história. A instituição e a gestão, como vemos nos editais, insistem no ‘novo vestindo o velho’, no que tange aos processos seletivos para entrada de estudantes, processos de ensino, bem como a forma como ocorrem os concursos para seleção de servidores públicos.

O processo seletivo para entrada dos estudantes nos IFs, na maior parte das vezes, submete os educandos às provas escritas, com questões objetivas, na maioria das vezes altamente concorridas, priorizando os aspectos intelectuais e lógicos, limitando a seleção aos conhecimentos cognitivos em detrimento dos saberes sociais. Assim como o concurso para seleção de servidores públicos, que valoriza o saber científico e elitizado dos mestres, doutores e pós-doutores. O processo de ensino caminha da mesma forma, tendo ‘os melhores’ em sala de aula, pois estes ‘passaram pelas portas’, cada vez mais estreitas destes certames, ficando o mesmo reservado aos pequenos herdeiros da cultura intelectiva.

Seria, pois, ingênuo esperar que, do funcionamento de um sistema que define ele próprio seu recrutamento (impondo exigências tanto mais eficazes talvez quanto mais implícitas), surgissem as contradições capazes de determinar uma transformação profunda na lógica segundo a qual funciona esse sistema [...], e operando uma seleção que - sob as aparências da equidade formal - sanciona e consagra as desigualdades reais, a escola contribui para perpetuar as desigualdades, ao mesmo tempo em que as legitima (Bourdieu, 2015, p. 65).

Azevedo (2013) afirma que na sociedade em que existem as diversidades, pressupõe-se que os indivíduos são desiguais, logo, não poderiam ser tratados igualmente, pois desta forma a desigualdade permanece. Neste sentido, o habitus institucional contribui para perpetuar as desigualdades, pois recebe de modo igual os que deveriam ser recebidos de modo diferente, não recebendo todos que deveriam estar na escola, especialmente o contingente proveniente de grupos e classes sociais subordinados, os quais deveriam ter acesso à herança cultural universal e para os quais o IF foi pensado.

Estes ‘deserdados’ não chegam a passar próximo ao portão desta escola, local que deveria ser a ponte para o compartilhamento da cultura universal, para o alcance de sua cidadania e para a construção da ‘gramática de direitos’ (Azevedo, 2013).

O comportamento dos docentes caminha pela mesma ponte, poderíamos dizer, uma ‘ponte interditada’, pois não permite mais o transitar de todos os estudantes para a escola e para o mundo da cidadania. Depois de percorrerem toda a trajetória escolar e chegarem ao topo do capital científico, mediante seus diplomas de mestres, doutores e pós-doutores, querem, a partir de agora, com o status acadêmico que possuem, fazer valer a meritocracia e atender somente a elite intelectual? Huntington (1975) apresenta a resposta:

À medida que o indivíduo se torna cada vez mais comprometido com o desempenho de funções específicas, aumenta a dificuldade em alterar estas funções e abandonar as respostas adquiridas para fazer face às mudanças do meio. Sua personalidade está formada, seus hábitos profundamente arraigados (Huntington,1975, p. 27).

O habitus docente é influenciado pelo campo científico correspondente à área de formação do professor. O campo científico é um espaço de jogo concorrencial em que os atores sociais estão comprometidos (cada vez mais) com atividades que resultam na aquisição de autoridade científica, prestígio e reconhecimento. Segundo Bourdieu (1983, p. 10), “[...] a autoridade científica é, pois, uma espécie particular de capital que pode ser acumulado, transmitido e até mesmo, em certas condições, reconvertido em outras espécies [...]”, por exemplo, o capital científico favorece a aquisição do capital suplementar, no sentido de que a carreira científica ‘bem-sucedida’ possa tornar-se um processo contínuo de acumulação de títulos, que (e)leva as aspirações e ambições científicas cada vez mais altas e que são socialmente desejadas e aceitas por este mesmo grupo (Bourdieu, 1983).

Quando os docentes adentram os IFs mediante um concurso público que valoriza a trajetória de formação, independente da sua prática pedagógica antes do ingresso na vida acadêmica de prestígio, é compreensível que o peso da tradição do meio científico seja preponderante. Como exigir que estes mestres, doutores, pós- doutores, com todas as suas publicações científicas, possam de uma hora para outra atenuar em suas práticas o peso do habitus supostamente produtivo e fazer escolhas ‘menos ambiciosas’, atendendo demandas da educação básica, dos cursos técnicos, FICs e PROEJA? O habitus científico incorporado ao docente induz o movimento do campo para ‘cima’, para as universidades, para a elite, e não para os institutos e trabalhadores.

O que está em jogo especificamente nesta luta é o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social [...] O pesquisador depende também de sua reputação junto aos colegas para obter fundos para pesquisa, para atrair estudantes de qualidade, para conseguir subvenções e bolsas, convites, consultas, distinções (Bourdieu, 1983, p. 122; 131).

Bourdieu (2003) é assertivo quando diz que uma nova institucionalidade muda a natureza social do objeto, porém, mediante a lei, não é possível fazer esta mudança de imediato. O IF mantém seu habitus institucional com a tradição da educação bacharelesca, moderna, capitalista, mediante a reprodução histórica dos processos, influenciando demasiadamente o habitus da gestão, que apresenta discursos de grandeza, crescimento e aspiração à universidade clássica e de elite.

Eis aí um dos mecanismos que, acrescentando-se à lógica da transmissão do capital cultural, fazem com que as mais altas instituições escolares e, em particular, aquelas que conduzem às posições de poder econômico e político, continuem sendo exclusivas como foram no passado. E fazem com que o sistema de ensino, amplamente aberto à todos e, no entanto, estritamente reservado a alguns, consiga a façanha de reunir as aparências da democratização com a realidade da reprodução que se realiza em um grau superior de dissimulação, portanto, com um efeito acentuado de legitimação social (Bourdieu, 2015, p. 250).

Percebemos que os habitus institucional, docente e da gestão caminham juntos, são marcados de proximidades e elementos que reforçam que o ‘velho continua habitando no novo’ nos IFs. A proposta de mudança da roupagem mediante a legislação ainda não conseguiu transformar a estrutura, o processo educativo e a tradição do velho embora estabeleça que todos sejam recebidos na RFEPT, inclusive os socialmente diferentes. O desafio é deixar de fechar as portas da escola para determinados grupos e consolidar o direito à igualdade.

Azevedo (2013) conclui que é necessário a adoção de políticas de igualdade e equidade para fazer prevalecer os valores mais caros da humanidade, e também para melhorar os reais problemas da sociedade como violência, dependência química, doenças mentais, gravidez na adolescência, etc., apontando que a desigualdade seria a real solapadora da vida em sociedade. É assertivo quando propõe:

Enfim, não basta descobrir o ‘nível’ da desigualdade, é necessário que os atores sociais, principalmente o Estado como um meta-ator, promovam em todos os campos sociais os mais caros valores e sentimentos construídos historicamente pela humanidade, em especial, a igualdade substantiva (Azevedo, 2013, p. 147).

Os IFs são, portanto, um campo de disputa que precisa consolidar sua identidade institucional, de modo a promover a equidade e a igualdade nos processos educativos, trazendo para o âmbito educacional, os filhos dos trabalhadores e promovendo uma educação unitária, menos excludente e mais profícua, no sentido da promoção da cidadania, porém, para isso, os atores sociais devem se fazer partícipes deste processo de construção educacional e política.

A luta permanente no interior do campo é o motor do campo [...] Os que lutam pela dominação fazem com que o campo se transforme, com que ele se reestruture constantemente. A oposição entre direita e esquerda, a retaguarda e vanguarda, o consagrado e o herético, a ortodoxia e heterodoxia, muda constantemente de conteúdo substancial, mas permanece estruturalmente idêntica [...] Uma classe possui uma propriedade determinada, a outra alcança e tudo recomeça (Bourdieu, 2003, p. 209-210).

É nesse sentido que, ao se configurarem, as unidades dos IFs se constituem como campo de disputa e, quando a implementação busca se diferenciar do ‘novo que veste o velho’,

[...] a instalação de uma nova situação concreta, de uma nova realidade inaugurada pelos oprimidos que se libertam, é que os opressores de ontem não se reconheçam em libertação. Pelo contrário, vão sentir-se como se realmente estivessem sendo oprimidos. É que, para eles, ‘formados’ na experiência de opressores, tudo o que não seja o seu direito antigo de oprimir significa opressão a eles (Freire, 2017b, p. 61, grifo do autor).

Significa dizer que a ação política junto aos IFs tem de ser "[...] ação cultural para a liberdade [...]", como afirma Freire (Freire, 2017b, p. 73). Deve-se, então, pensar o jogo considerando que “[...] para que o campo funcione, é necessário que haja paradas em jogo [desafios, apostas ou disputas] e pessoas prontas a jogar esse jogo, dotadas do habitus que implica o conhecimento e o reconhecimento das leis imanentes do jogo, das paradas do jogo" (Bourdieu, 2003, p. 120).

Considerações finais

A presente discussão retoma o estabelecido pela lei de criação dos IFs numa perspectiva dialógica com a teoria de Pierre Bourdieu acerca dos conceitos de campo, habitus, capital social, capital cultural e capital científico. A análise considera a lacuna existente entre o previsto na legislação e a institucionalização dos IFs, visto que a proposta da nova institucionalidade para o campo social vai de encontro com o desejo de docentes atuarem com perfil universitário e não como professores efetivamente lotados em um instituto de educação profissional, técnica e tecnológica - que apresentam publicamente uma proposta pedagógica que valoriza a organicidade e a formação integral.

Pensar o distanciamento existente nessa transposição aponta a necessidade de considerar as propostas curriculares implementadas na RFEPT e abrange o desafio de construir uma escola efetivamente inclusiva, que não seja subsidiária da exclusão social, isto desde os processos de seleção dos estudantes. Huntington (1975) diz que todo esse movimento está diretamente associado à cultura, pois o sujeito é o resultado do meio cultural em que foi socializado. "Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos" (Laraia, 1986, p. 45). Sabemos que essa acumulação carrega consigo as marcas da educação hegemônica e excludente, mas a proposta dos IFs abrange a inserção de modalidades de educação subalternizadas, como o PROEJA, que garante o direito à educação básica, além de uma flexibilidade e maior ênfase no ensino médio.

A educação como prática da dominação, objeto desta crítica, mantém a ingenuidade dos educandos, o que pretende, em seu marco ideológico (nem sempre percebido por muitos que a realiza), doutriná-los no sentido de sua acomodação ao mundo da opressão. Ao denunciá-la, não esperamos que as elites dominadoras renunciem a sua prática, seria demasiado ingênuo esperá-lo (Freire, 2017b).

Este é o momento de reflexão coletiva, de busca de diálogos e de colocar as ideias em ordem, assumindo-se como ator social ativo e responsável por este processo, que segundo Bourdieu (2003), com o capital específico acumulado de lutas anteriores, tem-se o direcionamento para as próximas estratégias com o ‘saber filosófico’, que garante o conhecimento necessário para esta luta, com domínio da história da ‘filosofia’ para se ter o comportamento de ‘filósofo’ no interior do campo ‘filosófico’, a fim de subvertê-lo. Só assim, neste campo de luta e disputas, nos posicionaremos para a defesa contra o monopólio da violência legítima que a todo custo quer manter a conservação da estrutura do campo, ‘o velho sobre o novo’, impedindo que o novo assuma a sua real institucionalidade.

Afinal, mediante este contexto, como esses docentes vão possibilitar que "[...] o educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que, aguçando sua curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa forma o ‘imuniza’ contra o poder apassivador do ‘bancarismo’?" (Freire, 2017a, p. 27, grifo do autor). Essa é a perspectiva da escola inclusiva apresentada por Pacheco (2011).

Face a estes obstáculos, não podemos reduzir a educação à pura técnica e proclamar a morte dos sonhos, da utopia. "O meu o discurso a favor do sonho, da utopia, da liberdade, da democracia, é o discurso de quem recusa a acomodação e não deixa morrer em si o gosto de ‘ser gente’, que o fatalismo deteriora" (Freire, 2014, p. 78, grifo do autor).

Nossa luta pela construção dessa escola efetivamente democrática continua e nos permite sonhar, jogar o jogo de maneira consciente das grandes dificuldades que ainda temos por enfrentar. Parafraseando Paulo Freire (2016), dizemos que, se alguém, ao ler este texto, nos perguntar, com irônico sorriso, se achamos que, para mudar o Brasil, basta que nos entreguemos ao cansaço de constantemente afirmar que mudar é possível e que os seres humanos não são puros espectadores, mas atores também da história, diremos que não. Mas diremos também que mudar implica saber que fazê-lo é possível.

Referências

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1No livro Utopia, Thomas More (2013) descreve uma ilha fictícia permeada de justiça, liberdade e igualdade, opondo-se ao mundo em que vivia, século XVI, dominado pelo rei Henrique VIII.

2O termo ‘integral’ utilizado no texto visa caracterizar a indissociabilidade entre a formação geral e profissional, na perspectiva de formação profissional e do trabalho que ultrapasse o sentido de subordinação às restritas necessidades do mercado, fortalecendo a cidadania dos trabalhadores e democratização do conhecimento em todos os campos e formas (Pacheco et al, 2010)..

3Itinerário formativo representa o conjunto das etapas que compõem a organização da oferta da educação profissional pela instituição de Educação Profissional e Tecnológica, no âmbito de um determinado eixo tecnológico, possibilitando contínuo e articulado aproveitamento de estudos e de experiências profissionais devidamente certificadas por instituições educacionais legalizadas. É apresentado no sentido de ampliar e qualificar a oferta de cursos, de modo a complementar a formação do sujeito, promovendo a permanência e o êxito na formação integral do estudante (Instituto Federal do Paraná [IFPR], 2014, p. 29; 85).

8NOTA: Todos os autores foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 26 de Setembro de 2018; Aceito: 04 de Setembro de 2019

* Autor para correspondência. E-mail: mlnazevedo@uem.br

Jackeline Tiemy Guinoza Siraichi: Professora do Instituto Federal do Paraná (IFPR)- Campus Avançado Astorga no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT). Pós- Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Foi Coordenadora Adjunta do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e Diretora do Instituto Federal do Paraná- Campus Avançado Astorga. Avaliadora do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (INEP). É membro do Grupo de Pesquisa GEDUC- Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Básica e Superior da UEM. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1923-6737 E-mail: jackeline.guinoza@ifpr.edu.br; jackelineguinoza@hotmail.com

Rosa Amélia Barbosa: Professora do Instituto Federal do Paraná (IFPR)- Campus Avançado Astorga no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT). Mestra em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Doutoranda em Tecnologia e Sociedade, Linha de Pesquisa Medicações e Cultura na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Diretora de Articulação Política da Federação de Arte Educadores do Brasil (FAEB). Atuou na Educação para Jovens e Adultos nas redes pública e privada em Minas Gerais. Foi Chefe da Seção de Ensino no Instituto Federal do Paraná- Campus Avançado Astorga. Avaliadora do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (INEP). É membro do Grupo de Pesquisa GEDUC- Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Básica e Superior da UEM e do Grupo de Pesquisa Design e Cultura da UTFPR. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3393-1090 E-mail: rosa.barbosa@ifpr.edu.br; prof_rosa@icloud.com

Amir Limana: Professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR)- Campus Avançado Astorga no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT). Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em Sociologia da Administração Pública pela Università degli Studi di Roma- La Sapienza. Foi Coordenador Geral do ENADE junto ao INEP-MEC. Consultor ad hoc do PNUD/UNESCO pelo Programa Brasil Profissionalizado da SETEC/MEC. Foi Coordenador do Ensino Superior na Pró-Reitoria de Ensino do IFPR e atuou como Diretor do IFPR- Campus Londrina. É membro do Grupo de Pesquisa GEDUC- Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Básica e Superior da UEM. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9317-5229 E-mail: amir.limana@ifpr.edu.br; alimana@uol.com.br

Mário Luiz Neves de Azevedo: Professor Titular da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da USP, com estágio de pesquisa apoiado pela CAPES no Institut National de Recherche Pèdagogique (INRP- França). Pós- doutorado na Universidade de Bristol (UoB- Inglaterra). Foi Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM. Fez parte da diretoria da ANPED (2015-2019). Pesquisador visitante na Universidade de Cambridge-Inglaterra (Wolfson College - 2018-2019) com apoio da CAPES (Edital nº 45/2017). Pesquisador do CNPq e Líder do Grupo de Pesquisa GEDUC- Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Básica e Superior da UEM. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0563-5817 E-mail: mlnazevedo@uem.br

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