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Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.42  Maringá  2020  Epub 01-Abr-2020

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v42i1.48511 

História e Filosofia da Educação

A metodologia de Pestalozzi e o ideário da Escola Nova

Pestalozzi’s methodology and the ideas of the NewSchool

La metodología de Pestalozzi y lasideas de la Nueva Escuela

Thais Lira França Adorno1 
http://orcid.org/0000-0003-2818-7412

Maria Elisabeth Blanck Miguel1  * 
http://orcid.org/0000-0003-2307-7791

1Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Rua Imaculada Conceição, 1155, 80215-901, Curitiba, Paraná, Brasil.


RESUMO.

Este artigo é produto de um relatório parcial de pesquisa em andamento sobre a recepção das ideias de Johann Heinrich Pestalozzi no Brasil, e a presença do seu pensamento no ideário da Pedagogia da Escola Nova. A pesquisa é de caráter bibliográfico e pretende demonstrar que a pedagogia de Pestalozzi impactou o pensamento pedagógico da Escola Nova por meio de uma proposta de pedagogia ativa. Indiretamente é possível perceber a influência do pensamento pestalozziano na obra de Rui Barbosa; no entanto - diretamente - ele chega ao Brasil graças à pedagoga russa Helena Antipoff que, depois de estudar em Genebra, veio para o nosso país trazendo na bagagem as ideias do pedagogo social suíço. Pestalozzi (1889a) expõe sua teoria de aprendizagem e o método intuitivo. Os autores Soëtard (2010), Arce (2002) e Incontri (1996) discorrem sobre o estudioso e a sua concepção de aprendizagem. Este artigo pretende traçar paralelos entre os preceitos pestalozzianos e as práticas da Escola Nova manifestadas no Brasil.

Palavras-chave: Pestalozzi; Método Intuitivo;Escola Nova no Brasil

ABSTRACT.

This article is the product of an ongoing research report on the reception of Johann Heinrich Pestalozzi’s thought in Brazil and its presence in the Escola Novas (New School) ideology. This article uses a bibliographic method and intends to show that the pedagogy of Pestalozzi impacted the Escola Nova pedagogical thought through a proposal of active pedagogy. Indirectly it is possible to perceive the influence of the Pestalozzian thought on the works of Rui Barbosa; however, it effectively arrived in Brazil thanks to the Russian pedagogue Helena Antipoff, who after studying in Geneva, came to the country bringing the pedagogical ideas of the Swiss pedagogue. The cited authors Soëtard (2010), Arce (2002), Incontri (1996) discuss Pestalozzi and his conception of learning. Furthermore, Pestalozzi (1889) elaborates on the intuitive method. This article intends to draw parallels between Pestalozzian precepts and the ideas of the Escola Nova.

Keywords: Pestalozzi; Intuitive Method; Escola Nova in Brazil

RESUMEN.

Este artículo es elproducto de un informe parcial de una investigaciónen curso sobre larecepción de lasideas de Johann Heinrich Pestalozzi en Brasil, y la presencia de supensamientoenlasideas de laPedagogía de la Escuela Nova. La investigación es bibliográfica y tiene como objetivo demostrar que lapedagogía de Pestalozzi impactó el pensamiento pedagógico de Escola Nova através de una propuesta de pedagogía activa. Es indirectamente posible percibir la influencia del pensamiento Pestalozziano en el trabajo de Rui Barbosa; Sin embargo, directamente, llega a Brasil gracias a la pedagoga rusa Helena Antipoff que, después de estudiar en Ginebra, vino a nuestro país aportando las ideas del pedagogo social suizo. Pestalozzi (1889) expone su teoría del aprendizaje y el método intuitivo. Los autores Soëtard (2010), Arce (2002) e Incontri (1996) discuten sobre el erudito y su concepción del aprendizaje. Este artículo intenta establecer paralelismos entre los preceptos Pestalozzianos y las prácticas de Escola Nova manifestadas en Brasil.

Palabras- clave: Pestalozzi; Método Intuitivo; Escuela Nova en Brasil.

Introdução

A pedagogia e o método de Pestalozzi são pouco conhecidos no Brasil; por isso, pouquíssimas de suas obras foram traduzidas para o português. A obra de Michel Soëtard que compõe a coleção Os educadores, realizada pelo MEC, é uma das poucas traduções do pensamento pestalozziano no Brasil (Soëtard, 2010).

Na Europa, suas teorias foram amplamente difundidas e seu método aplicado na prática. Suas teorias chegam ao Brasil por meios indiretos, como a influência de outros autores que embasaram o movimento da Pedagogia da Escola Nova na década de 30 do século XX.

Traçar paralelos entre a teoria pestalozziana e o ideário da Educação Nova é o objetivo deste trabalho. Também se faz necessário compreender como as ideias de Pestalozzi chegaram ao Brasil e como influenciaram o movimento da Escola Nova.

Pestalozzi: vida e teoria

Johann Heinrich Pestalozzi nasceu em 1746, em Zurique, na Suíça. Pestalozzi viveu na era de revoluções: Revolução Industrial e Revolução Francesa. Segundo Soboul (1974, p. 9): A Revolução Francesa constitui, com as revoluções inglesas do século XVII, o coroamento de uma longa evolução econômica e social que fez da burguesia a senhora do mundo”. Após essas revoluções, “[...] a burguesia passava definitivamente da posição de classe que vinha revolucionando a sociedade para a posição de classe conservadora.” (Arce, 2002, p. 37)

As mudanças sociais e políticas da época, com certeza, influenciaram a mentalidade e as obras de Pestalozzi. De acordo com Arce (2002), o movimento extremante conversador da contra-revolução trouxe mudanças significativas na vida das pessoas, como a mudança nas relações de trabalho e a mudança da classe dominante.

Analisando o contexto social no qual Pestalozzi estava inserido, faz-se necessário salientar a sua religião, o protestantismo. Arce (2002) aponta que a moral protestante contribuiu para que o povo alemão fosse preparado para as exigências da sociedade burguesa. A religião acabou por mediar a adaptação do povo a esse novo tipo de sociedade.

Pestalozzi era pietista, cujos seguidores, segundo Weber (1997), também eram chamados de puritanos e dominavam a Alemanha congregando ideias do luteranismo e do calvinismo. Arce (2002, p. 45) salienta que “Essa filiação religiosa não se tornaria algo externo às ideias educacionais de Pestalozzi, ao contrário, as ideias religiosas desse educador constituíram uma importante mediação entre a pedagogia e a sociedade burguesa.”

Além de seu lado religioso, Pestalozzi esteve envolvido com crianças advindas de classes com baixos recursos financeiros. Dedicou muitos anos dos seus estudos às crianças mais pobres e a maioria de suas práticas pedagógicas foi voltada a esse público. Com essa experiência, Pestalozzi desenvolveu concepções de educação, aprendizagem e do papel do educador nesse processo. Ele foi um dos pioneiros em perceber a criança em sua individualidade, a respeitar as nuances da infância e pensar na maneira como a criança aprende.

Compreendia que a aprendizagem era tarefa complexa que dependia de fatores internos - psicológicos - da criança. Segundo Soëtard (2010, p. 73), Pestalozzi afirmava que: “Trato de psicologizar a instrução humana; procuro pô-la de acordo com a natureza de meu espírito e com a de minha situação e minhas circunstâncias.”

O olhar para o individualismo da criança provém das influências filosóficas que nortearam o trabalho de Pestalozzi. Cambi (1999, p. 414, grifo do autor) chama atenção para o período das revoluções (final do século XVIII e século XIX) com foco na revolução cultural “[...] que se contrapõe nitidamente à cultura setencentista pela sua referência ao indivíduo e ao sentimento, à história, à nação, à tradição, e ao irracional, contra o predomínio da ‘crítica’ e da ‘razão.’”

Segundo ele, o Romantismo “[...] foi considerado um movimento realmente europeu e influenciou em profundidade cada âmbito da cultura: até mesmo a pedagogia.” (Cambi 1999, p. 414) Também foi considerado um grande movimento artístico e - de acordo com Lima (2010) - bastante difundido na Alemanha do século XVIII. Esse movimento pregava a valorização dos sentimentos, da intuição, a inspiração e a mística, em contrapartida à racionalidade do Iluminismo.

Influenciado por ambos - Romantismo e Iluminismo - Pestalozzi fundamentou seus estudos pedagógicos nessa vertente. A exemplo disso, o autor suíço valorizou a intuição, exemplificada por meio da criação e aplicação do método intuitivo. Sob influência do Romantismo, também vieram à luz a importância da afetividade e das relações de afeto.

Zanatta, em seu trabalho O método intuitivo e a percepção sensorial como legado de Pestalozzi para a geografia escolar (2005), compara as influências Iluministas e Românticas presentes na obra de Pestalozzi. Por um lado, ele foi um grande seguidor de Rousseau; por outro, valorizou a importância do sentimento e da experiência.

Embora Pestalozzi seja considerado seguidor de Rousseau, parece importante atentar para uma diferença fundamental entre suas propostas de ensino. Rousseau valorizou os interesses imediatos do aluno em relação ao mundo que o cerca. Para ele o verdadeiro ensino deveria proceder diretamente da vida, da experiência, do sentimento. Já Pestalozzi atribuiu importância ao ensino como condição para a ativação das capacidades humanas. (Zanatta, 2005, p. 171).

Os objetos de estudo em sua pedagogia eram bem claros:

No centro do pensamento pedagógico de Pestalozzi colocam-se três teorias: 1- a educação como processo que deve seguir a natureza, retomada de Rousseau, segundo a qual o homem é bom e deve ser apenas assistido em seu desenvolvimento, de modo a liberar todas as suas capacidades morais e intelectuais. [...] 2- a formação espiritual do homem como unidade de ‘coração’, ‘mente’ e ‘mão’[...] 3- da instrução, à qual Pestalozzi dedicou mais ampla atenção [...]. (Cambi, 1999, p. 418, grifo do autor)

Um dos pontos centrais abordados pelo estudioso suíço foi a educação moral e religiosa. Afirmou Pestalozzi (1946, p. 16) que "[...] a educação moral mais que ensinada tem de ser vivida. A vida educa. [...] E o fim da educação moral não é outro que o aperfeiçoamento, o enobrecimento interior, a autonomia moral."

Um dos maiores interesses de Pestalozzi recaiu sobre a compreensão do espírito infantil e como ele se desenvolve. Portanto, como a criança aprende? De acordo com ele, por meio da intuição. Soëtard (2010) cita Pestalozzi:

O ponto de vista mais essencial do qual parto é este: a intuição da natureza é o fundamento próprio e verdadeiro da instrução humana, porque é o único fundamento do conhecimento humano. Tudo o mais é meramente resultado e abstração desta intuição. (Soëtard, 2010, p. 74)

Em outras palavras, intuição está relacionada à indução. São os elementos sensíveis, aquilo que se pode relacionar com os sentidos, que formam o conhecimento. O contato com a natureza, por meio dos elementos concretos que ela proporciona, é que construirá o conhecimento nos estudantes, pois é pela observação da natureza, que se pode compreender o mundo. Nesse sentido, as coisas - os objetos - têm papel fundamental no método de Pestalozzi. A observação desses objetos e sua interação com os mesmos é que geram conhecimento.

De acordo com Soëtard (2010), o conceito de intuição é uma das principais descobertas pestalozzianas, não como uma conotação passiva, mas sim como a visão sensível, a compreensão dos objetos; principalmente, como ativo: “[...] a criação originária do objeto, segundo seu número, sua medida, seus pontos e linhas, sua forma etc”. (Soëtard, 2010, p. 74)

A intuição é a responsável pela base sensível do conhecimento e é neste ponto que fica clara a importância dos sentidos, da experiência sensorial, como fundamento do conhecimento. Em outras palavras, o conhecimento se constrói através da relação sensorial com os objetos.

Nesse aspecto, cada tipo de conhecimento é resultado de intuições, por exemplo, uma letra, um número. Pestalozzi discorreu sobre a sucessão de conhecimentos que surgem das intuições. Ele postula que toda arte produzida pelos homens é uma consequência de leis fisicomecânicas:

1-traga ao seu espírito todas as coisas essencialmente relacionadas na precisa conexão em que se encontram realmente na natureza; 2-subordine as coisas não essenciais às essenciais, […]; 3-não dê a nenhuma coisa mais importância em sua representação que a que tem relativamente para sua espécie na própria natureza; 4-ordene também, segundo sua semelhança, todos os objetos do mundo; 5-fortifique a impressão dos objetos importantes em si mesmo, fazendo-lhes agir sobre si por distintos sentidos; 6-trate de ordenar uma seriação em toda arte do conhecimento, na qual cada novo conceito seja só uma adição pequena apenas perceptível a conhecimentos anteriores profundamente impressos e feitos para si quase indeléveis; 7-aprenda a completar o simples até a maior perfeição antes de avançar ao complexo; 8-reconheça em cada amadurecimento físico o resultado da plenitude completa do fruto em todas suas partes e advirta que cada juízo exato há de ser um resultado de uma intuição realizada em todas as partes do objeto a julgar; […] 9-todas as ações físicas são absolutamente necessárias e esta necessidade é um resultado da arte da natureza, a proporção com a qual reúne entre si os elementos aparentemente homogêneos de sua matéria para a consecução de um fim […]; 10 - produza riqueza e pluralidade em estímulos e jogos, de modo que os resultados da necessidade física levem em si mesmos a marca da liberdade e da independência.; 11-reconheça em primeiro lugar a grande lei do mecanismo físico, a saber: o encadeamento geral e firme de suas ações, as relações da proximidade ou das longas distâncias físicas de seu objeto a seus sentidos. (Pestalozzi, 1891 apud Soëtard, 2010, p. 76)

No texto Método intuitivo e lições de coisas por Ferdinand Buisson, Bastos (2013) comenta a tradução da Conférencesurl’enseignementintuitif, faiteauxinstituteursdélégués à L’ExpositionUniverselle1, em 1878. Esse documento de extrema importância contribuiu para os estudos sobre o método intuitivo e lições de coisas, possibilitando sua apropriação e adoção pelos educadores brasileiros.

Bastos (2013) afirma sobre a conferência de Buisson:

[...] o método intuitivo seria a doutrina pedagógica da escola laica e, portanto, faz parte da história das concepções educativas e das práticas escolares que dominaram, e porque não dizer, que ainda fazem parte do cotidiano escolar, como método de aplicação aos conhecimentos de ordem sensível e como método de uma escola ativa. Nessa conferência, aborda a compreensão do método intuitivo nas três dimensões: intuição sensível, intuição intelectual, intuição moral. (Bastos, 2013, p. 250)

A lição de coisas parte do método intuitivo, baseia-se em preconizar o conhecimento dos objetos antes do conhecimento das palavras, “[...] as coisas antes das palavras, a educação pelas coisas e não a educação pelas palavras” (Pestalozzi, 1946, p. 170). É necessário ter um profundo conhecimento de um objeto, é necessário experimentá-lo para depois criar um conceito a respeito dele. Segundo Zanatta (2005, p. 170, grifo do autor),

A base do método intuitivo é a ‘lição das coisas’, acompanhada de exercícios de linguagem para se chegar às ideias claras. O método da ‘lição das coisas’ se caracteriza por oferecer dados sensíveis à observação, indo do particular ao geral, do concreto experienciado ao racional, chegando por esse caminho aos conceitos abstratos.

Portanto, a ‘lição de coisas’ está relacionada à experiência que construirá futuramente um conceito, um conhecimento; não à simples abstração. Pestalozzi dedicou seus estudos para investigar o desenvolvimento e o aprendizado infantis; desse modo, a ‘lição das coisas’ é um dos seus conceitos mais relevantes, pois afirma que é por meio da experiência e da observação de objetos que um conhecimento poderá ser construído.

A finalidade última do método e da lição de coisas era o de ensinar a verdade, que ele apontava como a exatidão. De acordo com Mesquida (2016, p. 35), “Pestalozzi atribui ao seu Método de ensino/aprendizagem a finalidade de conduzir a criança, o homem, à verdade, afirmando que todas as ações didático-pedagógicas do Método conduzem a um único objetivo possível, a saber: a verdade.”

O mestre suíço acreditava que a relação com a natureza - com as coisas (objetos) - deveria ser organizada, seriada. O conhecimento deveria ser adquirido de forma gradativa, do mais simples ao mais complexo, e essa gradação só poderia ser feita se os elementos mais simples fossem extensamente exercitados. Ele também tratou da importância da ação física não só como passo importante do desenvolvimento, mas como forma de trabalhar a liberdade e a independência.

Além da importância da natureza, Pestalozzi destacou a vontade humana como um ponto primordial, capaz de colocar o homem como ser ativo, priorizando a sua vida psíquica, por assim dizer. Ele valorizou o interesse humano e os fatores internos.

Segundo Soëtard (2010),

Mas esta lei de sua natureza gira assim mesmo em toda sua extensão ao redor de uma segunda; gira ao redor do ponto médio de sua existência inteira, e este ponto central é você mesmo. Não o esqueça, homem: tudo o que você é, tudo o que você quer, tudo o que você deve, parte de você mesmo. Tudo há de ter um ponto central em sua intuição física e este é você mesmo. (Pestalozzi, 1891 apud Soëtard, 2010, p. 77)

Em relação ao método pestalozziano, este postulava que se deveria partir sempre do essencial; após partir do essencial - do simples - o importante era manter a aquisição de conhecimentos de forma gradativa; somente depois, agregá-los em uma unidade.

De acordo com Pestalozzi (apud Soëtard, 2010, p. 79),

[...] o mecanismo da natureza humana sensível está, em seu ser submetido às mesmas leis, pelas quais desenvolve suas forças a natureza física. Conforme estas leis, toda instrução deve gravar profunda e imutavelmente no íntimo do ser humano o essencial de sua matéria de conhecimento; depois unir lentamente, mas com uma força ininterrupta, o menos essencial ao essencial, e manter cada uma dessas matérias até o último limite de sua matéria em uma relação vivente, mas proporcionada com o todo. (Pestalozzi, 1891 apud Soëtard, 2010, p. 78)

Outra preocupação em relação ao método era colocar os conhecimentos construídos em harmonia, em articulação, pois não bastava apenas acumulá-los, mas os mesmos deveriam servir a um propósito: o desenvolvimento humano.

A linguagem também tem papel fundamental na obra de Pestalozzi. A intuição precede a palavra; assim, é o conhecimento das coisas que gera a palavra. De acordo com Pestalozzi (1891 apud Soëtard, 2010), havia dois caminhos possíveis ao aprendizado, ou se levaria a criança pelo conhecimento através dos nomes ou das coisas. Esse era o caminho de Pestalozzi: inicialmente o ensino da intuição das coisas e - posteriormente - o ensino do nome delas.

No livro Leonardo e Gertrudes, Pestalozzi (1889b) descreve Gertrudes como uma mãe amorosa, mas que possui um método para ensinar os seus filhos.

Embora Gertrudes tenha se esforçado para desenvolver muito cedo a destreza manual de seus filhos, não tinha pressa para que eles aprendessem a ler e a escrever. Mas ela se esforçou para ensiná-los cedo como falar: pois, como ela disse, ‘de que serve para uma pessoa poder ler e escrever, se ele não pode falar? - sendo que ler e escrever são apenas tipos artificiais de discurso’. (Pestalozzi, 1889b, p. 130, tradução livre)2

Novamente Pestalozzi está falando sobre a importância do desenvolvimento da linguagem:

O fio que deve servir de guia nessa investigação psicológica deve ser buscado na natureza do desenvolvimento da própria linguagem. O selvagem domina primeiro o objeto, depois o qualifica e finalmente o incorpora aos outros, mas da maneira mais simples; e só depois pode determinar-se mais exatamente, por meio de terminações e combinações das palavras, as condições variáveis do objeto, de acordo com o tempo e as circunstâncias. (Pestalozzi, 1889a, p. 37, tradução livre)3

Pestalozzi se preocupa com explicações simples, que as crianças possam entender e memorizar e que isso faça sentido a elas e cita o autoconhecimento como uma das fontes fundamentais para a educação. Dá importância à autorreflexão sobre suas próprias vontades e aspirações. De acordo com Pestalozzi (1891 apud Soëtard, 2010), esse autoconhecimento passaria por dois estágios: primeiro o conhecimento da própria natureza física; segundo, o conhecimento da própria personalidade, vontade.

Para ele, era importante o homem ter consciência de si mesmo, pois uma das finalidades da educação é levá-loa desenvolver sua autonomia. Soëtard (2010) afirma que Pestalozzi faz uma aplicação da moral ao social, de modo que, a partir da moral, o homem possa ser independente e livre. A educação é o que deve levar o homem a adotar esta atitude.

Para atingir essa finalidade - a autonomia e a liberdade do sujeito - se fazia necessário um método. Soëtard (2010) aponta que o método de educação intelectual, segundo Pestalozzi, se resume em sua doutrina da ‘intuição’ dos objetos, aprofundada com base nos três elementos: número, forma e linguagem. Com isto, Pestalozzi reduzia o processo de aprendizagem intelectual da criança pequena a seus elementos mais simples, e isso traria resultados satisfatórios.

Segundo Pestalozzi, esse método seria tão eficaz que ao dele se valer, qualquer mãe se converteria em professora eficiente de seus filhos. Soëtard (2010) afirma que seu esquematismo e práxis infalíveis seduziram alguns outros pedagogos, especialmente Fröbel, e, mais recentemente, Maria Montessori.

Pestalozzi também apontou a importância de uma educação integral que “[...] forme por sua vez o coração, a cabeça e a mão, com o qual a educação escolar é um complemento da educação doméstica e uma preparação à educação que irá dando a vida.” (Soëtard, 2010, p. 91) Logo, a educação escolar é apenas uma das partes da formação do homem, coexistente com a educação doméstica e moral.

Dentro dessa concepção, Pestalozzi enaltecia a figura materna, discorrendo sobre seu papel fundamental no desenvolvimento e, principalmente, educação dos seus filhos. Na obra Leonardo e Gertrudes, a heroína era um modelo de mãe, defensora da moral.

A máxima protestante de fazer o indivíduo olhar para seu interior e avaliar as suas atitudes para com os outros, é por Gertrudes usada como uma espécie de metodologia para desenvolver em suas crianças, o carácter moral e reverenciar o Criador. (Arce, 2002, p. 107)

Ainda, quanto à importância da mãe na formação dos filhos, Soëtard (2010) afirma que - para Pestalozzi - todo o desenvolvimento espiritual da pessoa se baseava no vínculo natural (ou ‘animal’) entre filho e mãe. Ele insistiu na influência da família como fator para a educação e dizia que a arte do educador é como a do jardineiro, no sentido de cultivar os alunos, propiciando o que é necessário para seu desenvolvimento. Segundo Soëtard (2010), o método desenvolvido por Pestalozzi

[...] baseava-se em observar a natureza infantil, para extrair as leis próprias de seu desenvolvimento, para criar meios favoráveis para esse desenvolvimento, levar em conta explicitamente a dimensão social da relação educativa, dar eficácia à capacidade da ação da criança… aspectos todos que Makarenko, Montessori, Freinet, Piaget, continuaram elaborando e aperfeiçoando tecnicamente. (Soëtard, 2010, p. 23)

De acordo com Mesquida (2016), o método de Pestalozzi não se constituiu de meras metodologias.

O Método pestalozziano é um conjunto das ações educativas levadas a efeito nas escolas e nos institutos por ele criados. Estas ações educativas envolvem não somente as técnicas de ensino como também recursos didáticos pedagógicos, mas ainda os conteúdos programáticos e, em especial, a relação professor e aluno, baseada no respeito, no diálogo, na liberdade e no que ele chama de Moral. (Mesquida, 2016, p. 24)

Na base do método de Pestalozzi encontram-se três elementos: “[...] o coração, a cabeça e a mão (Herz, Kopf, Hand). Não se trata de três ‘partes’ do homem, nem sequer de três ‘faculdades’, mas de três pontos de vista sobre uma mesma e única humanidade em ação de autonomia” (Soëtard, 2010, p. 24, grifo do autor). Todos esses princípios tinham um só foco: o desenvolvimento de todas as potencialidades da criança. Para Pestalozzi (1946, p. 35), “[...] a educação verdadeira e natural conduz à perfeição, à plenitude das capacidades humanas.”

Como já citado, além da função social da educação, a instrução e a formação seriam abordadas por Pestalozzi como um direito do cidadão, além de tratar a instrução como uma melhoria, um aperfeiçoamento humano. Nas palavras de Cambi (1999, p. 419), “Nesse horizonte fortemente rousseauniano insere-se como fator chave a educação: todo homem deve ser eticamente aperfeiçoado para agir como cidadão e tal aperfeiçoamento é obra, sobretudo, da educação e não apenas da natureza.”

De acordo com Cambi (1999), a relevância de Pestalozzi está na maneira como ele concebeu a educação, em suas diferentes nuances:

A grandeza de Pestalozzi reside na experimentação educativa constantemente retomada e aprofundada, e tambémna precisa finalidade antropológica e política que reconhece para a atividade educativa e a reflexão pedagógica. Podemos dizer que Pestalozzi, melhor que Rousseau, colhe a pedagogia e a educação em toda sua problematicidade, e também na sua centralidade e densidades históricas. (Cambi, 1999, p. 420)

De fato, a complexidade do ato educativo e pedagógico presente na obra de Pestalozzi justifica que seus trabalhos - direta ou indiretamente - influenciem outros educadores até hoje.

Pestalozzi no Brasil

Como a influência de Pestalozzi chega ao país?

De acordo com Incontri (1996), qualquer influência de Pestalozzi no Brasil, que possamos rastrear nos séculos XIX e XX, ocorreu sempre de maneira indireta. A autora afirma que isso ocorreu “[...] pois nenhum de seus textos foi traduzido integralmente para o português, nenhum de seus discípulos diretos veio ao Brasil, nenhuma escola ou instituição se inspirou em suas ideias com o profundo conhecimento de sua causa.” (Incontri, 1996, p. 126)

Segundo Zanatta (2012), no Brasil, as ideias de Pestalozzi foram introduzidas pela tradução do manual de Calkins, Primaryobject for a graduatedcourseofdevelopment. A tradução e adaptação às condições brasileiras foram feitas por Rui Barbosa, em 1880. Esse manual, intitulado Primeiras lições de coisas foi aprovado pelo governo imperial como livro texto na formação de professores e publicado em 1886.

Rui Barbosa aborda o método de ensino intuitivo nas Obras completas: lições de coisas. Para ele, o método de ensino intuitivo:

[...] Foge de tudo quanto é arbitrariamente convencional e formalístico. Repudia as noções a priori. Não tem por fito surtir a mente da criança de uma provisão, mais ou menos copiosa, de informações a respeito das coisas reais, mas educar-lhe as faculdades no hábito de desentranharem, com segurança, do seio da realidade a expressão de sua natureza e das suas leis. [...] Não permite que o professor veja, ouça, compare, classifique, conclua pelo discípulo. Cinge-se, quanto ser possa, a facilitar ao estudantinho primário as condições da observação e da experiência, solicitando-o constantemente a exercer todas essas aptidões, sensitivas e mentais, que põem a inteligência em comunicação viva com o mundo exterior. (Barbosa, 1947, p. 13)

Silva (2018), em O pensamento educacional de Rui Barbosa e Lourenço Filho para o método de ensino intuitivo (1890 - 1930), afirma que, para Rui Barbosa (1947), a obra Lições de coisas marcava a renovação da escola primária no Brasil e se alastraria no tempo. No entanto, tal novidade só foi reconhecida pelos ideais da Escola Nova, orientados para uma ‘nova’ formação eficaz da infância.

Com a obra de Rui Barbosa, as ideias de Pestalozzi chegam ao Brasil introduzindo a pedagogia intuitiva. Ainda, outros teóricos, como Montessori, contribuíram para o desejo de mudança do sistema educacional no Brasil no início do século XX.

Em 1929, a psicóloga e educadora russa Helena Antipoff, que trabalhava em Genebra, chegou ao Brasil e aqui trabalhou com crianças, hoje chamadas de crianças com necessidades especiais. Com o objetivo de melhor atendê-las, fundou a Sociedade Pestalozzi, em Minas Gerais. A sociedade leva o nome de Pestalozzi, apesar de ele não haver trabalhado com crianças com tais necessidades.

De acordo com Incontri (1996, p. 133), “[...] é difícil precisar qual a influência de Pestalozzi na obra de Helena Antipoff no Brasil. Indiretamente, via escola ativa, Pestalozzipermanece como fonte de orientação e inspiração.” No entanto, os paralelos entre as obras de Pestalozzi e as práticas de Antipoff ficam evidentes. Esta acreditava que os internatos eram os melhores ambientes para a educação de jovens e adultos, assim como as experiências do próprio Pestalozzi.

Em nenhum lugar, melhor do que nos internatos e sobretudo nos asilos para crianças, absolutamente desprovidas de lar, os princípios e a prática da escola ativa devem ser implantados e melhor cultivados. Para os educadores de orfanatos e asilos que descobrem a quantidade infinita de defeitos e de vícios nos seus alunos, transcrevemos as palavras de Maria Montessori: ‘Quem ama acha nos outros tudo que é de bom, não só as suas qualidades visíveis, mas suas virtudes ocultas. Quem ama tem, poderia dizer-se, um dom da segunda visão, que o faz perceber qualidades que outros não distinguem’. (Incontri, 1996, p. 134)

Antipoff também preconizava a importância do amor no processo de ensino-aprendizagem. Outro ponto em comum é a formação integral do indivíduo, que precisa ser capacitado para viver e atuar no mundo em que vive. Antipoff afirma - em relação à Fazenda do Rosário - instituição criada por ela em 1940 para receber, em regime de internato, meninos ‘excepcionais’ de Belo Horizonte, que:

Sua evolução tende no sentido de uma cidadezinha rural, em que escolas, granjas, empresas agrícolas, oficinas e fábricas de indústrias rurais, casa de repouso, posto de puericultura e saúde, cooperativa, clube esportivo, biblioteca, museu e capela, edificados paulatinamente com o objetivo de melhor servir o homem do campo, visam realmente a um ideal: a formação de uma sociedade mais culta, mais próspera, mais harmoniosa e feliz. (Antipoff, 1934 apud Incontri, 1996, p. 134)

Também há pontos em comum em relação ao que os dois autores pensavam sobre a educação. Antipoff afirmou em relação à Fazenda do Rosário:

Persistir na ideia de que o verdadeiro progresso social, econômico, político e espiritual não se opera senão através da educação, da educação esmerada das novas gerações, principalmente cabendo assim aos educadores a máxima responsabilidade tanto pelos males que afligem os povos quanto pelo bem-estar alcançado. (Antipoff, 2002, p. 278)

Sobre os objetivos da instrução humana, Pestalozzi, citado por Soëtard, afirmava:

O conhecimento de si mesmo é, portanto, o ponto central do qual deve partir o ser da instrução humana completa. Mas esta sua essência é dupla: 1ª, é conhecimento de minha natureza física; 2ª, é conhecimento de minha personalidade, interior, consciência de minha vontade de fomentar em meu próprio bem e ser fiel a meu dever e às minhas ideias. (Pestalozzi, 1891 apudSoëtard, 2010, p. 87)

Portanto, tanto Pestalozzi quanto Antipoff visavam ao desenvolvimento dos indivíduos em todas as suas capacidades.

O método intuitivo e a Escola Nova

O método intuitivo desenvolvido por Pestalozzi, que chegou ao Brasil pelas obras de Rui Barbosa, fundava-se na construção do conhecimento pelas experiências dos sentidos pelos quais os alunos experienciavam o queera proposto na escola.

O método e a Pedagogia de Pestalozzi podem ter influenciado a Pedagogia da Escola Nova. É importante tentar delimitar o caminho percorrido e pontuar quais as semelhanças entre o método que prezava a construção sensorial do conhecimento e a Pedagogia da Escola Nova, que elegeu o aluno como centro do processo educativo.

Um dos primeiros autores a defender a democratização do ensino e a escola pública foi o americano Horace Mann (1796-1859). Sua obra influenciou vários outros autores, e é possível perceber que, assim como Pestalozzi, Mann também pautou sua obra defendendo uma educação para todos. Postulou que o desenvolvimento de uma sociedade justa dependia da implantação de escolas públicas, e essas instituições seriam instrumento de formação da população.

Os fundamentos da pedagogia de Horace Mann eram: educação física, educação intelectual e educação moral. Segundo Riboulet, citado por Mann (1963), o objetivo da escola era de formar o homem honesto, um bom cidadão com virtudes como solidariedade, espírito de sacrifício e pontualidade.

A educação moral também foi um dos grandes princípios de Pestalozzi. Pode-se perceber aí a presença da influência do suíço na obra do educador americano.

Outro ponto que deixa clara a influência de Pestalozzi no trabalho de Mann é a valorização do método intuitivo. “Mann era adepto do método intuitivo ou lição das coisas, que passou a ser uma tendência pedagógica do século XIX e que postulava que o espírito seria constituído por faculdades que determinavam a personalidade.” (Clark & Clark, 2015, p. 6)

O método intuitivo de Pestalozzi, que prezava a intuição da natureza como única forma de aprendizagem, também foi defendido por Mann.

O método do ensino ideal para Mann era o intuitivo, no qual ele adota o princípio formulado por Pestalozzi, ou seja, partia do conhecido para o desconhecido; do concreto para o abstrato; do particular para o geral; da visão intuitiva para a compreensão geral, sendo a base desse método, a ideia de percepção sensorial. (Clark & Clark, 2015, p. 6.)

A Influência de Mann pode ser percebida no Brasil pela presença de seus princípios na Escola Americana (SP):

Utilizando uma pedagogia inovadora e progressista, com base nas lições das coisas e nos princípios morais de Horace Mann, a Escola Americana de São Paulo pratica uma educação diferente do que era até então conhecidopelos intelectuais e pelas elites brasileiras. (Clark & Clark, 2015, p. 9)

Ainda sobre o método intuitivo, segundo Vieira (2003, p. 38), “[...] foi o método pedagógico [...], que tinha como principal característica levar a criança ao desenvolvimento de suas faculdades mentais através da observação, tornando-se a grande atração dos colégios norte-americanos [...].” Nesse sentido, Pestalozzi faz-se presente como grande influência de Horace Mann a exemplo da adoção do método intuitivo pelas escolas norte-americanas. Mann, por sua vez, influencia Dewey em sua concepção da importância da democratização da escolarização.

Desse modo, o pensamento educacional de Pestalozzi influencia Horace Mann, e esse, por sua vez, inspira John Dewey no que se refere à reconstrução social: ideia de que a posição que o indivíduo ocupa na sociedade não é determinada pela sua origem, pela fortuna que ostenta, e sim pelas características descobertas no processo de educação, na qual a escola ocupa um papel fundamental, pois ela contribui para a mudança social do indivíduo. (Clark & Clark, 2015, p. 3)

O papel social da educação é um dos pontos importantes levantados por Dewey e por sua vez pela Pedagogia da Escola Nova. Em consequência, a influência de Dewey é incontestável na obra de Anísio Teixeira, um dos representantes mais significativos do movimento da Escola Nova, no Brasil.

O pensamento de John Dewey teve influência sobre Anísio Teixeira, o principal representante da concepção escolanovista no Brasil. Anísio Teixeira quando presente na Conferência Estadual de Educação realizada em Ribeirão Preto, em setembro de 1958, proferiu um discurso citando o Relatório de Horace Mann a respeito da educação popular. (Clark & Clark, 2015, p. 3)

É possível, então, verificar a relação da obra de Pestalozzi com a Escola Nova. Outras relações que podem ser estabelecidas entre a pedagogia dePestalozzi e a Pedagogia da Escola Nova são as obras de Claparède. Edouard-Jean Alfred Claparède (1873-1940), médico-psicólogo, liderou o desenvolvimento do funcionalismo, impactando diretamente o campo educativo. O autor suíço estudou o desenvolvimento humano e a importância do conceito de necessidade para que acontecesse o aprendizado.

De acordo com Chateau (1978), Clarapède dedicou-se a estudar os pedagogos mais influentes e concluiu que Pestalozzi foi um dos autores mais citadosentre os estudiosos, aparecendo na lista antes mesmo de Rousseau.

Assim como Pestalozzi entendeu a educação sob a perspectiva da psicologia do aluno, Clarapède também o fez. Estudando o desenvolvimento intelectual das crianças, percebeu que o mesmo se dava em fases, com diversas características e especificidades e trabalhou também a noção de progressão da aprendizagem. Referindo-se ao aluno, dizia que “Em cada idade, ele está ‘sensibilizado’ para objetos diferentes: é que suas necessidades, especialmente as mentais, vão mudando à proporção que ele vai progredindo.” (Claparède, 2010, p. 86, grifo do autor)

O educador suíço trouxe - então - a ideia de inteligência humana para a discussão, questionando como a criança aprende e quais são suas fases do desenvolvimento.

Trata-se de uma concepção biopsicológica de desenvolvimento, estabelecendo uma relação de causa e efeito entre crescimento orgânico e desenvolvimento mental. Os estágios são marcados pela evolução dos interesses, caracterizada pela trajetória em direção à complexificação, abstração, espontaneidade, especialização e objetividade da atividade. A atividade psíquica corresponde a uma necessidade. (Lemos, 2017, p. 6)

Assim como Pestalozzi, Claparède abordou o respeito à natureza da criança, ressaltando a importância da individualidade, do interesse e da escolha, colocando a escola como um lugar adaptável diante das necessidades da escola. Segundo Cambi (1999, p. 528, grifo do autor),

[...] a escola deve organizar-se ‘sob medida’, para a criança, deve respeitar a natureza e satisfazer suas necessidades, organizando também processos de aprendizagem capazes de serem individualizados, pela oferta de uma série de opções de atividades, entre as quais a criança pode escolher livremente.

A respeito da influência de Claparède no Brasil, é importante salientar que Helena Antipoff trabalhou com o teórico suíço e sua obra, certamente, influenciou a psicóloga russa erradicada no Brasil. Os conhecimentos da jovem russa a respeito do desenvolvimento humano foram marcantes em sua atuação no Brasil, inclusive na criação do Instituto Pestalozzi, como já citado anteriormente.

Uma das grandes características da Escola Nova foi a noção de escola laboratório por meio da valorização da observação dos alunos, ideias defendidas por Antipoff.

O uso da Psicologia como fundamento da Pedagogia é outra característica marcante do movimento da Escola Nova, fundamento esse defendido por Pestalozzi, mesmo antes da utilização do termo Psicologia da criança. De acordo com Chateau (1978, p. 218): “Assim um século antes do nascimento da psicologia da criança, Pestalozzi havia encontrado, intuitivamente, as posições características da educação nova.”

Onde estariam os pontos de contraste entre o método intuitivo e a Pedagogia da Escola Nova? A diferença radical entre essas duas vertentes é a atividade. Na Pedagogia da Escola Nova, a atividade, o fazer e a ação têm lugar de destaque; não há aprendizado sem experiência.

A esse respeito, Vidal (2000, p. 498, grifo do autor) afirma que:

O trabalho individual e eficiente tornava-se a base da construção do conhecimento infantil. Devia a escola, assim, oferecer situações em que o aluno, a partir da visão (observação), mas também da ação (experimentação) pudesse elaborar seu próprio saber. Aprofundava-se aqui a viragem iniciada pelo ensino intuitivo no fim do século XIX, na organização das práticas escolares. Deslocado do ‘ouvir’ para o ‘ver’, agora o ensino associava ‘ver’ a ‘fazer’.

A autora traz a ideia de viragem: uma mudança que dá maior destaque à atividade da criança como meio de construção do conhecimento e que representa uma mudança qualitativa, alterando a proposta pedagógica.

Considerações finais

É possível perceber a influência de Pestalozzi na Educação Nova, principalmente pela importância dada ao aluno e como ele aprende. Também é possível notar sua influência na estruturação de uma metodologia que viabilize o aprendizado da criança, estruturando uma maneira de possibilitar o aprendizado. Pestalozzi valorizava a experiência sensorial da criança como uma das formas de aquisição de conhecimento; dessa maneira, ele influenciou diversos autores como Montessori, Decroly entre outros. Apesar de pouquíssimas de suas obras terem sido traduzidas para o português, muitos de seus preceitos foram incorporados na educação brasileira, como a democratização do ensino, a valorização da dimensão psicológica das crianças, a valorização da liberdade e da autonomia dos alunos, a utilização do método intuitivo e da lição de coisas. Estes foram o legado de Pestalozzi nas ideias que permearam a educação no Brasil.

Esses preceitos chegaram ao Brasil indiretamente através de Rui Barbosa e posteriormente através de Helena Antipoff, que trabalhou e estudou o desenvolvimento da criança com necessidades especiais e com poucas condições financeiras. Com a ajuda dessa estudiosa, e por meio de outros teóricos que foram influenciados pela visão e estrutura de educação de Pestalozzi, se fez presente a influência de seus métodos e ideais no cenário da Pedagogia da Escola Nova no Brasil.

O método intuitivo e a Pedagogia da Escola Nova dialogam no sentido de dividir alguns conceitos básicos como o protagonismo da criança, o interesse pelo desenvolvimento infantil e a valorização de aspectos psicobiológicos. Deixam, dessa forma, clara a influência de teóricos que beberam nas fontes de Pestalozzi, quer no sentido da democratização da educação, quer em relação à construção de bases psicológicas para nortearem o trabalho pedagógico.

Referências

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1Conferência sobre o ensino intuitivo, feita aos professores delegados à Exposição Universal (tradução livre).

2Although Gertrude thus exerted herself to develop very early the manual dexterity of her children, she was in no haste for them to lear to read and write. But she took pains to teach them early how to speak: for, as she said, ‘of what use is it for a person to able to read and write, if he cannot speak? - since reading and writing are only artificial sort of speech’.

3l hilo que ha de servir de guía en esta investigación psicológica debe buscarse en la naturaleza del desarrollo mismo de la lengua. El salvaje domina primeramente el objeto, en seguida lo califica y por último lo incorpora a losotros, pero de la manera más sencilla; y sólo más tarde llega apoder determinar más exactamente, por medio de terminaciones y combinaciones de las palabras, las condiciones variables del objeto, según el tiempo y las circunstancias.

6NOTA: Os autores foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 27 de Junho de 2019; Aceito: 22 de Novembro de 2019

* Autor para correspondência. E- mail: maria.elisabeth@pucpr.br

Thais Lira França Adorno:Mestreem Educação pela PontifíciaUniversidadeCatólica do Paraná, nalinha de História da Educação, psicóloga, pedagoga. Graduada em Magistério, onde atua no ensino Fundamental I desde de 2003. Nalinha de História da Educação,estuda o período da implantação da Escola Nova no Brasil, investigando as contribuições dos fundamentos psicológicos naformação do ideárioescolanovista. Integrante de equipe do projeto Políticas Educacionais, Formação de Professores e Educação Escolar (1946-1961), da PUCPR. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2818-7412 E-mail: thaislira.adorno@gmail.com

Maria Elisabeth Black Miguel: Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná (1964), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (1982) e doutorado em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1992). Professora colaboradora da UniversitéCatholiquede I’Ouest(Angers/FR). Professora titular de História da Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Coordenadora do Grupo de Pesquisadora doHISTEDBR/Curitiba. Sócia da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Professora aposentada da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: história da educação brasileira, história da educação, educação paranaense, educação e formação de professores. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2307-7791 E-mail: maria.elisabeth@pucpr.br

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