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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.42  Maringá  2020  Epub 01-Set-2020

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v42i1.45842 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Thomas Morus e a Utopia como anúncio de uma comunidade virtuosamente educativa

Thomas Morus and Utopia as the announcement of a virtuously educative community

Thomas Morus y la Utopía como anuncio de una Comunidad Virtuosamente Educativa

1Instituto Federal do Paraná, Campus Irati, Rua Pedro Koppe, 100, 84500-000, Irati, Paraná, Brasil

2Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil

3Universidade Nove de Julho, São Paulo, São Paulo, Brasil


RESUMO.

Este artigo pretende apresentar uma discussão sobre a concepção de educação na obra Utopia de Thomas Morus. Com base nos pressupostos metodológicos da hermenêutica (Gadamer, 1997), cuja principal finalidade é a compreensão e a interpretação dos textos, objetiva-se explicitar a noção de educação expressa por Thomas Morus em sua obra Utopia. No primeiro momento, realizamos uma apresentação sobre a obra, principalmente sobre o neologismo Utopia, criado por Morus e de sua importância para o cenário filosófico e educacional renascentista e moderno (Mumford, 1922; Furter, 1977-1978; Colombo, 2006; Bloch, 2006; Quarta, 2006; Lima, 2008). No segundo momento, há uma discussão sobre a Utopia como denúncia à educação viciosa numa sociedade moralmente decadente, portanto, desumanizante, bem como sobre a noção de arete, virtude e honra (Mora, 1964; More, 1997; Pessanha, 1997; Comte-Sponville, 2000; Vazquez, 2001; Jaeger, 2010). E, na terceira e última parte, discute-se a Utopia como anúncio de uma educação baseada no cultivo do desenvolvimento moral e virtuoso dos seres humanos, bem como científico e literário. Conclui-se, que Morus concebe a Utopia como anúncio de uma comunidade educativa virtuosamente comprometida com o processo de humanização (More, 1997; Araújo & Araújo, 2006; Collins, 2010).

Palavras-chave: Utopia; virtude; educação; humanização

ABSTRACT.

This article proposes to discuss on the conception of education in the work Utopia of Thomas Morus. Based on the methodological assumptions of hermeneutics (Gadamer, 1997), whose main purpose is the understanding and interpretation of texts, in which the aim of making explicit the perspective of education expressed by Thomas Morus. In the first moment there is the presentation of the work, with emphasis on the neologismo Utopia created by Morus in his work Utopia, and its importance to the renaissance and modern philosophical and educational scene (Mumford, 1922; Furter, 1977-1978; Colombo, 2006; Bloch, 2006; Quarta, 2006; Lima, 2008). In the second part there is a discussion on Utopia as denouncing vicious education in a morally decadente, therefore, dehumanizing society, as well on the notion of arete, virtue and honor (Mora, 1964; More, 1997; Pessanha, 1997; Comte-Sponville, 2000; Vazquez, 2001; Jaeger, 2010). And in the third and last part there is the discussion of Utopia as na announcement of na education based on the cultivation of moral and virtuous development of human beings as well as a scientific and literary. It is concluded that Morus conceives Utopia as a announcement of on Community virtuously committed to the humanization process (More, 1997; Araújo & Araújo, 2006; Collins, 2010).

Keywords: Utopia; virtue; education; humanization

RESUMEN.

Este artículo pretende presentar una discusión sobre la concepción de educación en la obra Utopia de Thomas Morus. Com base en los presupuestos metodológicos de la hermenêutica (Gadamer, 1997), cuya principal finalidad es la comprensión y la interpretação de los textos, se objetiva explicitar la noción de educación expresa por Thomas Morus en su obra Utopia y su importancia para el escenário filosófico y educativo renascentista y moderno (Mumford, 1922; Furter, 1977-1978; Colombo, 2006; Bloch, 2006; Quarta, 2006; Lima, 2008). Al primier momento, realizamos una presentación sobre la obra, principalmente sobre el neologismo Utopia, criado por Morus. En el segundo momento, hay una discusión sobre la Utopia como denuncia a la educación viciosa en una sociedad moralmente decadente, por lo tanto, desumanizante, así como sobre la noción de arete, virtude y honor (Mora, 1964; More, 1997; Pessanha, 1997; Comte-Sponville, 2000; Vazquez, 2001; Jaeger, 2010). Y, en la tercera parte, se discute la Utopia como anuncio de una educación basada en el cultivo del desarrollo moral y virtuoso de los seres humanos, así como científico y literário. Se concluye, que Morus concibe la Utopia como anuncio de una comunidad educativa virtuosamente comprometida con el processo de humanización (More, 1997; Araújo & Araújo, 2006; Collins, 2010).

Palabras-clave: Utopia; virtud; educación; humanización

Introdução

Quando a humanidade consagra alguns produtos culturais da sua história para denominá-los de clássicos, é porque estes representam o reconhecimento daquilo que há de mais genuíno na experiência humana que deve ser preservado por ter um valor inestimável. Seja na arte, na música ou na literatura, por exemplo, todo clássico busca retratar a configuração histórica de uma experiência humana profunda, cuja pretensão é se universalizar, transbordar os condicionamentos de sua época. E toda vez que nos deparamos com um clássico, somos convidados a refazer esta experiência significativa em nosso próprio contexto, em confronto com a nossa experiência de vida. Sobre isso diz Italo Calvino (1993, p. 12-13, grifos do autor):

Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos. Naturalmente isso ocorre quando um clássico “funciona” como tal, isto é, estabelece uma relação pessoal com quem o lê. Se a centelha não se dá, nada feito: os clássicos não são lidos por dever ou por respeito, mas só por amor.

Mais do que uma compreensão estilística e cognitiva, um clássico nos convida a perfazer um caminho que se torna sempre novo. A leitura reflexiva de uma obra clássica é um despertar para a experiência de um encontro consigo mesmo, com sua época e com os seus problemas atuais, apesar da distância cronológica e da particularidade cultural em que esta foi escrita: “[...] o seu clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir você próprio em relação e talvez em contraste com ele” (Calvino 1993, p. 13).

É neste sentido que escolhemos para refletir, neste artigo, um clássico do pensamento ocidental: A Utopia1 de Thomas Morus. Desde que foi escrita, esta obra tem suscitado inúmeros debates, gerando várias controvérsias e fomentando a crítica em várias áreas de conhecimento, seja na Filosofia ou História, Teologia ou Antropologia, Artes ou Letras. Ou seja, este clássico tem cumprido sua função de provocar debates inéditos no âmbito das humanidades, pois sempre convida novos leitores a refazerem, como diz Italo Calvino, uma relação pessoal com sua leitura, não por obrigação ou dever, mas por um sentimento de ‘amor’ que ele desperta.

Instigados por esse sentimento de amor e de justiça que o pensamento utópico de Thomas Morus desperta, e diante dos dramas educacionais de nossa época, é que nos propomos a refletir sobre a educação n’A Utopia. Como jurista, filósofo, político e homem de fé (canonizado pela Igreja Católica em 1935 por ter sido mártir do despotismo de Henrique VIII, Morus é o patrono dos políticos e estadistas), o autor se tornou uma das principais referências do humanismo renascentista. Seu desejo de uma sociedade genuinamente humana não poderia deixar de lado uma profícua reflexão sobre a função da educação nesta sociedade imaginada.

A importância em resgatar o debate sobre este tema se justifica pelo fato de ouvirmos com recorrência, na atualidade, a proclamação do fim da história (Anderson, 1992), o fim das grandes narrativas (Lyotard, 2013) ou o fim das utopias (Jacoby, 2001). A contemporaneidade decretou o esvaziamento da capacidade humana de sonhar e conjeturar possibilidades históricas para modos de vida que sejam alternativos ao estado vigente. Todavia, este sintoma pode representar o aniquilamento histórico da própria sociedade, pois,

[...] um mundo sem utopias, quer dizer, sem metas, sem ideais, seria um mundo sem história, congelado no presente. Como também o seria um mundo cujos ideais e metas estivessem previstos ou garantidos por leis da história que caberia à ciência fixar, eliminando a própria incerteza da história e, em consequência, da utopia (Vázquez, 2001, p. 371).

Entendemos, contudo, que a utopia está umbilicalmente ligada à noção de liberdade e criatividade humanas. A imaginação utópica é uma das dimensões antropológicas que confere sentido à história e permite à humanidade questionar-se sobre a sua própria condição existencial. Por isso, nada mais elementar do que buscarmos inspiração neste grande humanista renascentista, para assim compreendermos a abrangência de sua intuição visionária, mas também, no cuidado que reservou para a educação na totalidade de sua reflexão utópica.

Portanto, este artigo, como dissemos acima, tem o propósito de apresentar uma reflexão sobre a concepção de educação n’A Utopia de Thomas Morus, e será dividido em três partes. Na primeira, buscaremos situar a obra no âmbito inaugural de um novo gênero literário (utópico) bem como sua influência na propagação do pensamento utópico que emergiu no decorrer da modernidade; na segunda parte será discutida a denúncia proferida por Morus à sociedade de sua época, à degeneração política e econômica que produz vícios, e configura uma educação desumanizante; também será discutida a noção de virtude e honra na obra de Morus, em relação com a noção de aretê na Grécia clássica; e, por último, na terceira parte, procuremos discutir a concepção de educação n’A Utopia, a qual compreende a cidade como uma ‘comunidade educativa’, preocupada com o cultivo da virtude e, portanto, voltada para o desenvolvimento integral de seres humanos moralmente autênticos, livres e responsáveis, condição indispensável para a manutenção das bases de uma sociedade justa e solidária.

Thomas Morus e A Utopia: uma obra para além do seu tempo

Publicada no ano de 1516, na cidade de Louvaina, região de Flandres, na Bélgica, A Utopia (1997) de Thomas Morus tem se tornado um dos maiores clássicos da literatura universal. O autor, por meio desta obra, vem provocando os seus leitores, há mais de quinhentos anos, a exercitar a capacidade de imaginar, de ousar sonhar, de conjecturar uma outra sociedade possível, para além da dureza incontornável dos fatos na contemporaneidade de cada época.

Amigo de Erasmo de Roterdã, autor da memorável obra Elogio à loucura (1985-1986), publicada no ano de 1509, Thomas Morus recebe a dedicatória desta obra. Sua primeira intenção, a princípio, seria retribuir a gentileza do amigo com outra obra a ser intitulada Elogio à sabedoria, com o objetivo de enaltecer a sabedoria com um caráter mais propositivo, em contraponto ao caráter sátiro da loucura. Todavia, ao findar seu manuscrito, Morus o nomeia provisoriamente com a expressão latina Nusquama (lugar nenhum), sendo substituído, posteriormente pelo longo título de Optimo rei publicae statu sive de nova insula Utopia - Sobre a ótima forma de estado e sobre a nova ilha de utopia (Colombo, 2006).

A Utopia, portanto, foi escrita entre os meses de maio de 1515 e novembro de 1516. Leitor ávido dos clássicos gregos e latinos, Morus sofreu a influência de vários autores e correntes de pensamento, entre os quais se destacam o epicurismo, por meio de seu amigo Erasmo; o platonismo d’A República; Homero, com Odisseia; Luciano de Samósata, do qual Morus traduziu juntamente com Erasmo, a História Verdadeira; Santo Agostinho, com sua Civitas Dei (Lima, 2008).

Considera amplamente as objeções expectantes presentes em toda a tradição do pensamento utópico ocidental, que vem desde Platão até a mensagem evangélica; dos profetas do Antigo Testamento aos Padres da Igreja. Essas acrescidas das novas possibilidades históricas constatadas pelas navegações, principalmente do memorando de Américo Vespúcio sobre a ‘vida de acordo com a natureza’ dos habitantes do Novo Mundo (Bloch, 2006).

Com isso, a obra conjuga o vínculo com o pensamento clássico e os novos ares propiciados pelas descobertas geográficas, técnicas e científicas. Tudo isso lhe serve de inspiração para forjar, por assim dizer, um novo gênero literário, a saber, das narrativas utópicas:

Fato singular é que o pequeno livro de Morus torna-se um modelo histórico que perpassa toda a modernidade, traduz-se em um gênero literário, ou político-literário [...]. O que se tem chamado de ‘romance utópico’, mesmo quando os encadeamentos próprios do romance nele são tênues (Colombo, 2006, p. 57-58, grifos do autor).

Na Ilha de Utopia, Morus propõe uma nova modalidade na história do pensamento utópico, cuja originalidade pode ser compreendida numa dupla acepção: primeiro, pelo fato de ter cunhado o termo ‘utopia’ até então inexistente. Segundo, serviu-se da literatura para ironizar e denunciar as contradições vigentes na realidade de sua época, ao mesmo tempo em que se utiliza da narrativa (de Rafael Hitlodeu - o contador de histórias) para anunciar a possibilidade de sua superação a partir de um contraponto imaginado - não meramente ‘ideal’ - em seus pormenores, com a erradicação da propriedade privada e o equilíbrio entre dois princípios válidos para a coletividade: o lazer e o trabalho. No que se refere ao termo Utopia, e a intencionalidade real de superar o idealismo platônico, Cosimo Quarta (2006, p. 48, grifos do autor) explica:

O passo adiante que Morus julga ter cumprido em relação a Platão, é o de apresentar o ‘estado ótimo’ como já realizado e operante. E é justamente por isso que ele mereceria ser chamado não mais Utopia (o ‘lugar inexistente’), mas Eutopia, o ‘bom lugar’, ou melhor, o ‘lugar do bem’. Gostaria de observar aqui, de passagem, que no epigrama já é anunciada, com extrema clareza, uma das características peculiares da utopia moderna: a tensão realizadora. Com Morus, a instância da passagem do ‘não lugar’ ao ‘bom lugar’, ou, o que é o mesmo, do ‘negativo’ ao ‘positivo’ - desde sempre presente, implícita ou explicitamente, no pensamento utópico - se faz urgente, imperiosa. Morus nos diz que a ou-topia, o pensamento crítico, o negativo, não tem fim em si mesmo, mas deve, necessariamente, se não quiser ser estéril, reconciliar-se com o ‘positivo’ e desembocar em um projeto de ‘sociedade boa’. Em suma, se o ponto de partida é a ‘ou-topia’, o ponto de chagada deve ser a ‘eu-topia’.

A categoria ou-topos - lugar que não existe - prevaleceu sobre sua variante eu-topos - lugar do bem - de modo que esta obra de Morus foi enquadrada historicamente como mais um gênero literário-filosófico abstrato, sem pretensões políticas e sociais. No entanto, o postulado de um ‘não-lugar’ enquanto negação das negatividades reais de um determinado ‘lugar’ contextualizado - diga-se a Inglaterra, Europa, etc. - sugere uma tensão entre o ainda-não do agora e o inédito futuro. As negatividades do lugar existente, que também são sinônimos do lugar que existe como não-bom, implicam, necessariamente, a afirmação da positividade, de um lugar do bem, superação de sua contradição.

A riqueza semântica da palavra utopia em Morus é portadora de um ductus obliquus (Abensour, 1990), de uma via de dois sentidos, estratégia astuciosa para tencionar o realismo da crítica denunciante e a lucidez da fantasia otimista que se permite devanear para anunciar uma realidade diferente. Desta maneira, sua Ilha se torna sinônimo das possibilidades humanas numa sociedade realmente emancipada. Morus se utiliza da literatura para depurar seu elevado senso crítico da realidade pervertida política e economicamente, no contexto do capitalismo nascente que, ao mesmo tempo, coabitava com o alvorecer surpreendente das descobertas técnico-científicas.

Por isso, a Ilha de Utopia tem um princípio de fundamento real. Nela, as novas formas de sociabilidade recentemente descobertas com as navegações, acrescidas com a efervescente criatividade que borbulhava em todos os âmbitos do pensamento científico emergente, serviriam de pressupostos de um novo cenário para a renovação moral da Europa e, consequentemente, a prospecção de uma solução perene para os problemas das mazelas sociais emergentes daquela época.

Mumford (1922) aponta que Morus se encontrava num período de violência e desordem e gestou sua obra como se fosse uma commonwealth imaginária, uma ponte cuja pretensão era superar o foço aberto entre a velha ordem da Idade Média e os novos interesses institucionais que emergiram após o Renascimento.

A Utopia, portanto, se tornou uma obra que transcendeu sua época e repercutiu o anúncio de um novo ordenamento social que ecoou no alvorecer da era moderna. Depois dela, emergiram novas formas imaginárias de prospectar a vida social ordenadas em torno do bem comum: a Nova Atlântida, de Francis Bacon; a Cidade do Sol, de Campanella, com sua utopia da ordem social; a formulação da noção de Direito Natural, a fim de salvaguardar a liberdade e a dignidade humanas; até chegar às utopias federativas no século XIX, com Owen e Fourier; as utopias centralistas, com Cabet e Saint-Simon; os utopistas individuais e os anarquistas, com Stirner, Proudhon e Bakunin (Bloch, 2006).

Além disso, convém destacar que o pensamento utópico também exerceu forte influência sobre inúmeros pensadores que se tornarem ícones do pensamento educacional moderno, pois de acordo com Furter (1977-1978, p. 4, tradução nossa) 2:

É por isso que de Thomas More à Babeuf, de Henri de Saint-Simon à Proudhon, de Jean-Jaques Rousseau à Pestalozzi, da Educação Nova à conscientização de Paulo Freire, há uma história paralela de reformas sociais e educativas que, através dos séculos, demonstram que o pensamento utópico quer de toda maneira aprimorar as sociedades e formar os homens para lhes tornar capazes de construir uma sociedade igual, justa e fraterna.

Para corroborar esta afirmação, Cambi (1999), supõe que no século XVI houve uma corrente pedagógica utopista que iluminou ideais reformadores, a qual buscara unir uma concepção de homem perfectível e harmônico, típica da pedagogia humanista, com os horizontes de uma sociedade em que imperasse a justiça. Deve-se buscar formar o ‘homem-cidadão’ através de uma educação coletiva sob a responsabilidade do Estado e aceita consensualmente pelos indivíduos: “[...] é, em suma, a comunidade que forma o homem, e não ao contrário” (Cambi, 1999, p. 273). Morus, desta maneira, teria sido um dos principais precursores desta corrente.

A Utopia galgou um patamar de singularidade tanto no cenário literário e filosófico, quanto no cenário educacional moderno e contemporâneo. Seu surgimento desencadeou aquilo que Ruth Levitas denominou de Reconstituição Imaginária da Sociedade (RIS): “[...] é o imaginar de uma sociedade reconstituída. Sociedade imaginada de outra maneira, mais do que meramente imaginada” (Levitas apud Teixeira, 2016, p. 263).

A Utopia como denúncia à educação viciosa numa sociedade moralmente decadente

Como foi dito, Morus inaugura na história das utopias, uma nova modalidade para articular a crítica à realidade presente e à imaginação de uma sociedade futura totalmente diferente. A obra, dividida em dois livros, expressa, basicamente, dois horizontes de interpretativos: no Livro I, se parte das entranhas do sistema capitalista constituído, desconstruindo-o em suas minúcias, para realizar uma dura crítica ao sistema vicioso que degenera os indivíduos em criminosos e sedimenta as bases de uma sociedade decadente. Já o Livro II, narra a o estilo de vida e os costumes dos utopianos, uma sociedade coesa, autônoma, feliz, solidamente pautada pela justiça e pelo sentimento de reciprocidade, e coletivamente organizada. Morus se utiliza da imaginação para construir literariamente um lugar, que ainda não existe, mas que pode inspirar a imaginação política a ser se assumido pela sociedade do seu tempo e em qualquer época.

Thomas Morus expressa n’A Utopia o “[...]desejo de reforma de toda a vida social, política e religiosa dos europeus do século XVI, época de profunda renovação” (Pessanha, 1997, p. 7-8). Já nas primeiras páginas da obra transparece seu caráter de denúncia de uma sociedade injusta, moralmente decadente e hipócrita que se satisfaz com a punição da delinquência social ao invés de buscar as raízes de suas causas. Se utiliza da crítica à uma prática educativa violenta dos mestres que batem nos alunos como metáfora de sua explanação:

Nisto a justiça da Inglaterra e de muitos países se assemelha aos mestres que espancam os alunos no lugar de instruí-os. Fazei sofrer os ladrões pavorosos tormentos; não seria melhor garantir a existência a todos os membros da sociedade a fim de que ninguém se visse na necessidade de roubar, primeiro, e de morrer, depois? (More, 1997, p. 27).

Percebe-se nesta passagem uma clara intenção de Morus em associar o caráter pedagógico que os juízes (ou o sistema judiciário) deveriam imprimir na dinâmica social. A ‘justiça’ numa sociedade corrompida pelo egoísmo e pelo individualismo não passaria de um paliativo ineficaz. Por isso, as sentenças judiciais refletem apenas a face punitiva da condenação e deixam de lado a dimensão educadora da pena, a qual deveria propiciar a regeneração do indivíduo e sua consequente reinserção social. Aqui fica clara uma antecipação de Morus ao que Rousseau diria, praticamente, dois séculos depois: o homem nasce bom, a sociedade o corrompe. De acordo com o filósofo genebrês “O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal modo acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser mais escravo que eles” (Rousseau, 1973, p. 28).

Morus reconhece que o acúmulo demasiado de riquezas faz com que alguns homens se apropriem de modo desproporcional da força de trabalho dos demais e, assim, passem a viver somente da exploração de outrem:

A principal causa da miséria pública reside no número excessivo de nobres zangões ociosos, que se nutrem do suor e do trabalho de outrem e que, para aumentar seus rendimentos, mandam cultivar suas terras, escorchando os rendeiros até a carne viva [...]. Eis aí pessoas expostas a morrer de fome se não tem o ânimo de roubar. Terão eles na verdade outras possibilidades? Procurando emprego gastam a saúde e as roupas; e quando se tornam descorados pelas moléstias e cobertos de farrapos, os nobres lhes têm horror, desprezando seus serviços (More, 1997, p. 27).

A ociosidade, novamente aqui mencionada por Morus, é continuamente considerada a fonte de todos os males. Toda vez que alguém permanece na ociosidade, para sobreviver do trabalho alheio, configura-se uma situação viciosa. A ociosidade corrompe os seres humanos e produz vícios. Leva às últimas consequências a usurpação do trabalho alheio para subtrair-lhe tudo o que sua inoperância não é capaz de produzir: “[...] que não haja mais ociosos entre vós. Dai à agricultura um grande desenvolvimento” (More, 1977, p. 31). Morus percebe uma característica desumanizante do capitalismo nascente, o qual permite que gerações inteiras vivam às custas da especulação da mão de obra dos trabalhadores, sem nunca terem precisado realizar nenhuma atividade para seu sustento, ao mesmo tempo em que produz desemprego em massa, produzindo hordas de desocupados. Dessa análise procede também sua consequente crítica à propriedade privada, nesta afirmação precursora do socialismo moderno:

Agora, caro More, vou revelar-vos o fundo de mina alma, e dizer-vos os meus pensamentos mais íntimos. Em toda parte, onde a propriedade for um direito individual, onde todas as coisas se medirem pelo dinheiro, não se poderá jamais organizar nem a justiça, nem a prosperidade social [...]. Cada um se apoia em diversos títulos e direitos para atrair para si tudo quanto possa, e a riqueza nacional, por maior que seja, acaba por cair na posse de um reduzido número de indivíduos que deixam aos outros apenas indigência e miséria (More, 1997, p. 49).

Numa combinação de ironia e sarcasmo, argúcia intelectual e conhecimento das entranhas do poder de sua época, Morus afirma a radicalidade de seu humanismo cristão frente à decadência moral da sociedade inglesa. Essa radicalidade, em seu entender, seria fruto do egoísmo desenfreado dos mais ricos, também chamados de “[...] pestes públicas e germens do crime e da miséria” (More, 1997, p. 31). Estes estariam se beneficiando desse contexto de mudanças devido à emergência de um novo modo de produção para acumular ainda mais suas riquezas em detrimento do aumento da população miserável, a quem restava a ociosidade como única opção para a perpetuação dos vícios e a perversão moral.

Desse modo, será clara a denúncia deste intelectual aos mecanismos que atrofiam, desde a tenra infância, as possibilidades de que os indivíduos se humanizem e se desenvolvam virtuosamente para o convívio numa sociedade justa e solidária. A esse respeito, Morus reforça com ar incisivo, a contundência de sua crítica à atmosfera que envolve a educação de sua época:

Abandonai milhões de crianças aos estragos de uma educação viciosa e imoral. A corrupção emurchece, à vossa vista, essas jovens plantas que poderiam florescer para a virtude, e vós as matais quando, tornadas homens, cometem crimes que germinam desde o berço, em suas almas. E, no entanto, que é que fabricais? Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los (More, 1997, p. 31).

A educação viciosa e imoral, aqui referida, diz respeito à análise da configuração sociocultural corrompida de sua época. Morus não entende a educação como um adendo ou apêndice do todo social, mas postula a sociedade como uma comunidade educativa. Nesta compreensão, os indivíduos sofreriam a influência direta dos condicionamentos sociais, econômicos, políticos e culturais de seu tempo, mas também, teriam nesse horizonte societário os parâmetros para a configuração do seu ser, ou seja, espelham-se mimeticamente nas ‘águas’ do seu tempo. Por isso, se as relações humanas são permeadas pelo vício e pela imoralidade, a comunidade ‘deseducadora’ incidirá sobre o comportamento vicioso e imoral dos indivíduos. Porém, se na sociedade houverem instituições que zelem pelos costumes pautados no cultivo da virtude, se propiciará um terreno para que as ‘jovens plantas’ possam brotar e se desenvolver virtuosamente.

Aqui se evidencia a profundidade da reflexão socioantropológica de Morus. Para ele, o critério de compreensão da degeneração ou aprimoramento moral do indivíduo deve-se ao conjunto das relações sociais em que este se insere. Se as crianças se desenvolvem num determinado meio corrompido, pela imoralidade de condutas viciosas, cristalizadas nas condições materiais de existência corrompidas, as probabilidades de que estas venham a se tornar adultos criminosos é algo facilmente previsível.

Todavia, no final do Livro I, Morus deixa a entender que essa miserabilidade e a decadência moral podem ser superadas se forem tomados como referência alguns dos princípios que regem o estilo de vida dos utopianos (apresentados no Livro II). Não se trata de ser algo totalmente inatingível, mas uma questão de tempo:

Mas para nós, quantos séculos nos será preciso para aprender deles o que há de perfeito nas suas instituições? Eis o que lhes dá a superioridade do bem-estar e social, embora os igualemos em inteligência e riqueza: essa atividade do espírito dirigida incessantemente para a pesquisa, o aperfeiçoamento e a aplicação das coisas úteis (More, 1997, p. 52).

Neste trecho pronunciado por Rafael Hitlodeu, personagem criado por Morus para narrar os costumes dos utopianos, pela primeira vez na obra percebemos a noção de temporalidade em relação à possibilidade de se chegar a existir um modo de vida como se vive na ilha de Utopia. A questão de ‘quanto tempo’ levaria o aprendizado dessa perfectibilidade implica, necessariamente, a noção de processualidade e educação. Aperfeiçoar-se é uma questão de empenho, de cultivo e determinação. E quando se trata do aperfeiçoamento de uma comunidade de pessoas, esse processo pode atravessar gerações. Em outras palavras, o ‘u-topos’ (não lugar), não implica, obrigatoriamente, um ‘u-cronos’ (não tempo).

Vázquez (2001), sobre essa questão, pondera que, pelo fato d’A Utopia não estar em ‘lugar nenhum’ não significa, necessariamente que não esteja em ‘nenhum tempo’, pois, como é inegável, o pensamento utópico moderno se inseriu no fluir do tempo, justamente em sua dimensão que é o futuro. Assim como o “[...] presente é o tempo do real, o futuro é o tempo da utopia” (Vázquez, 2001, p. 361). Dá-se a entender que os utopianos que habitam a Ilha imaginada por Morus não possuem uma superioridade ontológica em relação aos ingleses e europeus da sua época, mas se diferenciam, simplesmente, no ávido interesse pela pesquisa, aperfeiçoamento moral e realização de atividades úteis aos indivíduos, características que só podem ser adquiridas por meio de uma educação virtuosa.

Cabe aqui, portanto, destacar a etimologia da palavra virtude. Do grego arete e, que na língua latina foi traduzida por ‘virtus’, que significa, força, poder, capacidade de se impor. No que se refere à designação aristotélica do termo, a virtude é o que caracteriza o ser humano e, se é virtuoso, quando se atinge seu equilíbrio, sua moderação, ou seja, a prudência. Em suma, a virtude se trata do contínuo exercício da vontade para que a razão se torne suficientemente forte para controlar, moderar ou equilibrar a inconstância dos desejos, que se degeneram em vícios (Mora, 1964). Ou seja:

A virtude de um homem é o que o faz humano, ou antes, é poder específico que tem o homem de afirmar sua excelência própria, isto é, sua humanidade [...]. A virtude ocorre, assim, no cruzamento da hominização (como fato biológico) e da humanização (como exigência cultural); é nossa maneira de ser e de agir humanamente, isto é (já que a humanidade, neste sentido, é um valor), nossa capacidade de agir bem (Comte-Sponville, 2000, p. 8-9).

É importante lembrar que para os gregos, a areteê era sinônimo de busca da excelência. Para Homero e Hesíodo, significava a expressão do mais alto ideal cavalheiresco unida à conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro, portanto, sinal de força e destreza do homem nobre que, na tanto na vida privada como na guerra, rege-se por normas certas de conduta, alheias ao comum dos homens. Portanto, está intimamente ligada à noção de honra, sinal de aprovação e reconhecimento entre os semelhantes:

O reconhecimento da grandeza de alma como a mais elevada expressão da personalidade espiritual e ética fundamenta-se, tanto para Homero quanto para Aristóteles, na dignidade da arete. A honra é o troféu da aretê; é o tributo pago à destreza (Jaeger, 2010, p. 34).

Veremos que, n’A Utopia esta noção de aretê/virtude deixa de ser uma prerrogativa individual, particular, e passa a adquirir uma dimensão mais coletivizada. A busca da excelência dependerá de um esforço comunitário, partilhado socialmente, de modo que a honra, como troféu da virtude, é satisfação com o reconhecimento que o todo social está em harmonia.

A discussão sobre uma concepção de educação que promova o desabrochar das práticas virtuosas, e consequentemente, da busca da excelência comunitária, implica, necessariamente, em considerar quais são as disposições fundantes que devem ser cultivadas para que o espírito humano se fortaleça para promover e, ao mesmo tempo, preservar aquilo que há de mais elevado e valorizado na cultura humana. Morus, nesse sentido, se apresenta como um pensador de uma comunidade educativa que se funda na prática da virtude, de indivíduos que se fortalecem em conjunto, porquê se solidarizam em torno da valorização dos hábitos e costumes que edificam o ser humano, na mesma medita em que evitam e combatem os maus hábitos que degeneram em egoísmo e individualismo.

Feita essa exposição, buscaremos, a partir de agora, compreender a concepção de educação na ilha dos utopianos, uma educação voltada para o trabalho, as artes, as letras e as ciências, condição indispensável para o cultivo de uma vida virtuosa comunitária.

A Utopia e educação como anúncio da humanização

Dissemos anteriormente que para Morus, n’A Utopia, a educação não se reduz à educação escolar, formal ou não pode ser concebida como um subsistema social. Na Inglaterra do período em que o autor viveu, julgava estar a educação envolta numa atmosfera de vícios e degradação moral, situação que propiciaria a desumanização, a perda dos valores fundamentais para a existência de uma vida social harmônica, justa e solidária. Daí a sua contundente denúncia à organização política e econômica que configura uma educação desumanizadora.

Para superar esse impasse, Morus imagina uma cidade perfeita, justa, organizada coletivamente em torno de valores que permitissem a elevação e o desenvolvimento humano. Consequentemente, concebe uma educação que permeia todas as relações sociais que deveriam estar sustentadas por instituições sólidas e rigorosamente comprometidas com a promoção do trabalho útil, a erradicação da ociosidade, fonte de todos os vícios, e o cultivo das virtudes. A finalidade das instituições sociais n’A Utopia é:

Prover antes de tudo às necessidades do consumo público e individual; e deixar a cada um o maior tempo possível para libertar-se da servidão do corpo, cultivar livremente o espírito, desenvolvendo suas faculdades intelectuais pelo estudo das ciências e das letras. É neste desenvolvimento completo que eles põem a verdadeira felicidade (Jaeger, 2010, p. 71).

Aqui vemos uma percepção que Morus tem, em sua obra, para não sobrepor a coletividade, vida pública, sobre a individualidade, vida privada. O sentimento de pertença à coletividade é uma característica fundamental para o êxito da Utopia. Isso porque é coletivamente que um grupo social produz a sua existência: trabalha, se diverte, celebra, enfim, vive politicamente. Todavia, há que se permitir que haja um tempo livre para que o indivíduo cultive a sua subjetividade, a fim de que se exercite em atividades produtivas utilitárias e, ao mesmo tempo, reflexivas (desenvolvimento das faculdades intelectuais) de cunho científico e literário, condições para uma vida virtuosa, e para se libertar das paixões que inclinam aos vícios. Está presente, aqui, a ideia de uma formação integral do ser humano - desenvolvimento completo - pressuposto para o cultivo de uma vida feliz (individual e coletiva).

Com a preocupação de evitar não só a ociosidade, fonte de todos os vícios, mas a inclinação para não ser improdutivo nos eventuais momentos de ócio, na Utopia há, como princípio, dois deveres incondicionais a todos habitantes. Trata-se, primeiro, do aprendizado do trabalho agrícola e, segundo, de um ofício:

Há uma arte comum a todos os utopianos, homens e mulheres, e da qual ninguém tem o direito de isentar-se - é a agricultura. As crianças aprendem a teoria na escola e a prática nos campos vizinhos da cidade aonde são levadas em passeios recreativos. Aí assistem ao trabalho e trabalham também, e este exercício traz ainda a vantagem de desenvolver as suas forças físicas. Além da agricultura, que, repito, é um dever imposto a todos, ensina-se a cada um, um ofício especial. Uns tecem a lã, outros o linho; outros são pedreiros ou oleiros; outros trabalham a madeira ou os metais. São estes os principais ofícios (Jaeger, 2010, p. 67).

Além de percebermos uma a ênfase em algumas atividades e ofícios que todos deveriam aprender - agricultura para todos; tecelagem para as mulheres, e olaria, carpintaria, ferraria para os homens -, vemos um cuidado para que a educação exercite, desde a infância, a articulação entre teoria e prática, bem como do exercício físico, o cuidado e o zelo com o cultivo da resistência do corpo, indispensável à saúde dos indivíduos, assim como, útil no futuro, caso seja necessário guerrear3. Transparece, aqui, uma visão educacional que privilegia o desenvolvimento da totalidade do ser individual integrada à totalidade do ser social. O sentimento de pertença à coletividade se gesta quando o indivíduo percebe o reconhecimento social de sua contribuição para a utilidade pública, e que sua ação tem uma finalidade intersubjetiva, a edificação política de todos os seres humanos da cidade. Quando a sociedade elege certas atividades como necessárias e úteis, evita-se a busca de “[...] artes frívolas e vãs que se exercem unicamente a serviço do luxo e do desregramento” (Jaeger, 2010, p. 69).

Surtz (apud Collins, 2010) sustenta que os utopianos sentem-se honrados por zelarem daquilo que é coletivo, principalmente se tiverem que se privar de algo prazeroso para entregar a outrem. A satisfação da alma é maior do que o incômodo causado no corpo que foi privado. A honra se torna, ao mesmo tempo, recompensa e incentivo ao comportamento virtuoso. Deduz-se, portanto, que os prazeres da alma são mais sublimes e que, todavia, devem ser cultivados. Surtz, portanto, divide em três classes esses prazeres n’A Utopia:

A primeira classe origina-se do exercício autogratificante das virtudes; a segunda constitui as recompensas da virtude, a serena consciência da nossa própria excelência moral no presente, a doce memória da nossa conduta virtuosa no passado e a inabalável esperança de alegria no futuro, nestas estando inclusas as recompensas prazerosas de atos de sacrifício, a consciência de um ato bom, a lembrança da satisfação dos beneficiados e a compensação na forma de felicidade abundante na eternidade; e a terceira classe de prazeres da alma nasce da contemplação da verdade (Collins, 2010, p. 62).

Vê-se que, com esta exposição, a estreita relação do comunitarismo de Morus com o epicurismo de Erasmo. O autor d’A Utopia não deixa de enfatizar em sua obra a necessidade psicossocial do prazer, da satisfação despertada em torno de certas atitudes que podem ser valorizadas socialmente. A honradez em realizar determinadas atividades úteis à comunidade é o corolário para uma vida plena de sentido e existencialmente significativa.

Porém, há de se considerar que, para Morus, o sentimento moral e virtuoso deve ter primazia sobre o desenvolvimento cognitivo-científico. Uma educação para a existência de uma coletividade virtuosa, que zela pelo cuidado recíproco, é muito mais importante do que uma educação individualista, privatista, mesmo que essa possa potencializar o desenvolvimento da genialidade de alguns indivíduos. Pois, de nada adiantaria uma grande descoberta científica, se a sociedade não permitir que todos tenham acesso a esta descoberta. O desenvolvimento intelectual deve estar a serviço da sociedade. Por isso, desde a tenra infância, deve-se imprimir nas crianças o desejo pela valorização da moral e da virtude, os ‘bons princípios que serão a salvaguarda da república’, antes do aprendizado intelectual:

A educação da infância e da juventude é confiada ao sacerdote, para quem os primeiros cuidados são para o ensino da moral e da virtude de preferência ao ensino das ciências e das letras. O mestre, na utopia, emprega toda a sua experiência e talento em imprimir, na alma ainda tenra e impressionável da criança, os bons princípios que são a salvaguarda da república. A criança que recebeu o gérmen desses princípios guarda-os em sua carreira de homem, tornando-se mais tarde um elemento útil à conservação do Estado (More, 1997, p. 125).

A coletividade, para Morus, torna-se a grande comunidade educativa e responsável pela promoção e impressão das características morais nos indivíduos. O sacerdote se incumbe da tarefa de educar moralmente as crianças e os adolescentes, moldando-lhes o espírito para que se tornem homens e mulheres irredutíveis diante das intempéries sociais e vigilantes dos princípios da Utopia, elemento indispensável para a vigência da incorruptibilidade dos costumes entre os cidadãos. Assim, percebe-se que a educação deveria se organizar de forma preventiva, a fim de propiciar o ‘florescimento da virtude’ em meio à juventude, e gerar os anticorpos para combater a degradação moral.

A educação moral e virtuosa precederia a educação ‘científica’, pelo fato de que, para Morus, a manutenção dos costumes e hábitos fraternais entre os habitantes da Utopia seriam mais necessários ao bem-estar da ‘comunidade insular’, do que o desenvolvimento técnico e erudito dos indivíduos. Imprimir o ‘gérmen’ dos princípios morais na criança4 e cultivá-los de maneira socioeducativa em comunidade, seria a garantia da permanência de hábitos virtuosos na Utopia. Portanto, o eixo em torno do qual haveria um suposto equilíbrio entre relações sociais, na ilha de Utopia, seria a naturalização na moralidade e da virtuosidade, elementos que conservariam a defesa valorativa da primazia do ser humano ante as futilidades dos bens materiais que não tivessem nenhuma serventia utilitária.

Com uma formação moral sólida, associada à valorização do aprendizado do trabalho socialmente útil, haveria uma interiorização de certos valores e os indivíduos estariam aptos a discernir sobre qual seria a melhor atividade durante o tempo livre:

O tempo compreendido entre o trabalho, as refeições e o sono, cada qual é livre de empregar à sua vontade [...]. Todas as manhãs, antes do sol se levantar, os cursos públicos são abertos. Somente os indivíduos especialmente destinados às letras são obrigados a seguir seus cursos; mas todo mundo tem direito de assisti-los, as mulheres como os homens, quaisquer que sejam as suas profissões. O povo acorre em massa, e cada um se apega ao ramo de ensino que tem mais relação com a sua indústria e seus gostos (More, 1997, p. 68).

Percebe-se nesta reflexão o caráter universal que Morus confere ao direito da educação entre homens e mulheres. Furter (1995) sustenta que esta compreensão está fundamentada numa profunda convicção que Morus tinha sobre a educação em sua própria família:

[...] um burguês refinado que vive em meio à sua família e amigos; que educa com tato seus filhos e que será um dos primeiros a defender que as meninas merecem tanta educação quanto os meninos... e a praticar isso (Furter, 1995, p. 142, tradução nossa) 5.

Vê-se que, Morus concebe uma educação voltada para a liberdade dos indivíduos. A obrigatoriedade deveria ser destinada somente àqueles que optaram por dar ênfase à formação intelectual - ciências e letras. Porém, os outros cursos estão abertos à procura espontânea, livre, de acordo com o interesse individual. Como diplomata, erudito, amante da cultura clássica, e humanista renascentista, Morus não poderia deixar de abordar, com destaque, o cuidado que alguns utopianos dariam à educação formal, especializada, que se aprofunda na ‘cultura do espírito’. E, mesmo quem não quisesse estudar, seria valorizado socialmente pelo fato de se dedicar integralmente ao aperfeiçoamento no ofício de sua opção.

Aos que se dedicam especialmente às letras e às ciências, identificados dentre aqueles que se destacam desde a infância nas ‘aptidões raras, gênio penetrante, e vocação científica’, Morus reserva um lugar especial sem, contudo, deixar de permitir que todos tenham acesso à esta concepção liberal de educação: “[...] mas nem por isso se deixa de dar uma educação liberal a todas as crianças, e a grande massa dos cidadãos - homens e mulheres - consagra, cada dia, seus momentos de repouso e liberdade aos trabalhos intelectuais” (More, 1997, p. 85).

Estes ‘estudiosos’ serviriam como ‘sentinelas’ do conhecimento, demonstram aos demais o quanto também pode ser útil à comunidade a fundamentação reflexiva sobre os valores, assim como o necessário rigor científico para a possibilidade de novas descobertas. Tanto o aperfeiçoamento moral e virtuoso, quanto o desenvolvimento cognitivo, requerem muita paciência, esforço, e discernimento, elementos imprescindíveis ao cultivo do espírito. Todavia, como dissermos anteriormente, o desenvolvimento moral e virtuoso vem em primeiro lugar.

Por fim, há na Utopia um interesse enorme, também, pelos jogos educativos. A ludicidade, em meio aos momentos de recreação é uma atividade indispensável entre os utopianos, pois, mesmo a brincadeira passa a ser um instrumento para aperfeiçoar-se intelectualmente e, ao mesmo tempo, virtuosamente:

Desconhecem os dados, o baralho e todos os outros jogos de azar, tão estúpidos como perigosos. Praticam, entretanto, duas espécies de jogos, que têm muita semelhança com o nosso xadrez; um é a batalha aritmética, na qual o número pilha o número; outro é o combate dos vícios e virtudes. Este último mostra, com destaque, a desordem dos vícios entre si, o ódio que os divide e, contudo, seu perfeito acordo quando se trata de atacar as virtudes. Faz ver ainda quais são os vícios opostos a cada uma das virtudes, como aqueles atacam a estas pela violência e a descoberto, ou pela astúcia e meios sinuosos; como a virtude repele os assaltos do vício, derruba-o e aniquila seus esforços; e como, finalmente, a vitória se decide por um ou outro lado (More, 1997, p. 69).

Tudo é devidamente ordenado na Utopia para convergir na promoção socioeducacional dos indivíduos. Até os jogos procuram estimular o raciocínio e a reflexão sobre os valores, como se fossem exercícios táticos para se refletir sobre os limites e as possibilidades dos conflitos que regem a própria condição humana. Em suma, na Utopia os cidadãos seriam constantemente estimulados a iniciarem sua formação escolar e prolongarem-se no horizonte da formação permanente como forma de contínuo aperfeiçoamento:

Estando a ilha num processo de desenvolvimento civilizacional com vista ao aperfeiçoamento das instituições e dos seus habitantes, a educação torna-se um pilar na construção da cidade utópica, cujas instituições e costumes fazem dela uma Cidade Educadora (Araújo & Araújo, 2006, p. 99).

É este processo de desenvolvimento civilizacional que denominamos, aqui, de humanização. A Utopia é um anúncio de um processo de humanização que só tem sentido na perspectiva da compreensão da coletividade como uma comunidade educativa, cidade educadora. O anúncio do reino das possibilidades humanas afloradas por uma educação moral e virtuosa, a serviço da justiça e da solidariedade universal. Com o intuito de superar o idealismo platônico, Morus não concebe a educação apenas como forma de desenvolver em cada indivíduo as características que o adaptariam, naturalmente, às obrigações de sua condição de classe. Pelo contrário, sua concepção de educação pressupõe um contínuo exercício de liberdade e responsabilidade, para além de toda e qualquer forma de condicionamento ou determinismo.

Assim, na mesma medida em que o pensamento utópico se faz proposta educativa para a elevação cultural da humanidade, também a educação se faz proposta utópica no horizonte de problematização antecipatória das possibilidades do ‘devir’ humano.

Considerações finais

A Utopia e a educação se entrelaçam na obra de Thomas Morus em tom de denúncia, aos vícios que desumanizam, e de anúncio, de um contínuo processo socioeducativo de humanização. Morus faz da literatura um meio de problematizar a reflexão sobre como a sociedade é, e como pode ser - se forem dadas, ou criadas, determinadas condições objetivas para sua existência.

Por meio desta obra, podemos contemplar o quanto a literatura pode contribuir para repensarmos criticamente os problemas que nos desumanizam em nossa época, mas também, para prospectarmos cenários humanizadores que sirvam de anúncio para a efetivação das potencialidades humanas.

É óbvio que não se pode adotá-lo como um livro de receitas, ou um manual a ser a seguido. O pensamento utópico é um exercício crítico e criativo para a nossa imaginação tornar-se antecipadora, a fim de que a construção imaginária deste ‘não-lugar’ - u-topos - penetre nas brechas do ‘lugar’ existente, por mais árido que o terreno se encontre.

A Utopia como paradigma de uma cidade educadora, nos serve de inspiração, para percebermos o quanto a coletividade, virtuosamente organizada, pode ser educativamente edificadora do ser humano.

Por fim, resta-nos a interrogação sobre a epígrafe evangélica que Morus coloca no início do livro II d’A Utopia, a qual vem ao encontro de nossa hermenêutica sobre sua concepção de educação como anúncio de uma sociedade humanizada: “[...] o que se vos diz ao ouvido, proclamai-o dos eirados” (Mt. 10: 27). Teria Morus, por meio da literatura, anunciado um ‘sussurro’, em sua época, para que seus leitores o proclamassem abertamente, na posteridade? Quem sabe! Foi com essa curiosidade que buscamos compreender sua concepção utópica de educação que ecoa, contemporaneamente, onde haja qualquer forma de desumanização.

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1No decorrer do texto aparecerá uma dupla referência ao substantivo Utopia. Quanto aparecer ‘n’A Utopia’, nos referimos à obra de Thomas Morus. Quando estiver ‘na Utopia’, nos referimos à ilha, nome da cidade em que habitam os utopianos. Uma distinção necessária para fins de compreensão didática.

2“C’est aussi pourquoi de Thomas More à Babeuf, de Henri de Saint-Simon à Proudhon, de Jean-Jacques Rousseau à Pestalozzi, de l’Education Nouvelle à la conscientisation de Paulo Freire, c’est une histoire parallèle de reformes sociales et éducatives qui, à travers les siècles, montre que la pensée utopique veut tout à la foi améliorer les sociétes et former les hommes pour les rendre capables d’une société égale, juste et fraternelle”.

3“O que ainda aumenta a confiança é a habilidade extrema na tática militar; é enfim, acima de tudo, a excelente educação que recebem, desde a infância, nas escolas e instituições da república. Desde cedo aprendem a não desdenhar tanto da vida, para esbanjá-la estouvadamente; mas também a não amá-la tanto para guardá-la com vergonhosa avareza, quando a honra exige que seja arriscada” (More, 1997, p, 115).

4A esse respeito, Morus ilustra com singeleza a inocência das crianças mais crescidas que haviam deixado seus brinquedos de lado - joias preciosas - diante dos adultos adornados que visitavam a Ilha e não tinham seus costumes: “As crianças, que já tinham abandonado seus diamantes e as pérolas e que as viam nos chapéus dos embaixadores, puxavam suas mães gritando: vejam este grandalhão que ainda traz pedrarias como se fosse pequenino” (More, 1997, p. 83).

5“C’est um bourgeois raffiné qui vit au milieu de sa famille et de ses amis; qui élève avec tact ses enfants et qui sera un des premiers à soutenir que les filles méritent bien autant d’éducation que les mâles... et a le pratiquer”.

9NOTA: Declaramos, para os devidos fins, que fomos responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 13 de Dezembro de 2018; Aceito: 25 de Fevereiro de 2019

* Autor para correspondência: E-mail: juperoza@gmail.com

Juliano Peroza: Possui graduação em Filosofia pela Universidade São Francisco (2001), mestrado (2009) e doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2014). Atualmente é docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em filosofia da educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, Paulo Freire, pensamento utópico, neoliberalismo e formação de professores. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5191-5161 E-mail: juperoza@gmail.com

Peri Mesquida: Possui graduação em Filosofia pela Universidade de Mogi das Cruzes (1972) e doutorado em Ciências da Educação - University of Génève (1986). Atualmente é professor Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Filosofia e História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, pensamento educacional brasileiro, hegemonia, filosofia e história da educação. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4882-6808 E-mail: mesquida.peri@gmail.com

Wilson Agnaldo Horvath: Possui graduação em Filosofia pela Universidade São Francisco (2001), mestrado em Educação pela Universidade Nove de Julho (2012) e doutorado em Educação pela Universidade Nove de Julho (2017). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6560-5129 E-mail: professorhorvath@gmail.com

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