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Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.42  Maringá  2020  Epub 01-Dic-2019

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v42i1.40917 

Formação de Professores e Políticas Públicas

Como a criança lê o livro literário infantil?1

¿Cómo el niño lee el libro literario infantil?

Melina Sauer Giacomin1 
http://orcid.org/0000-0003-1232-868X

Flávia Brocchetto Ramos2  * 
http://orcid.org/0000-0002-1488-0534

1Colégio São José de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

2Universidade de Caxias do Sul, Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130, 95070-560, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.


RESUMO.

Com o objetivo de compreender como a criança lê o livro literário infantil, foram entrevistados alunos do 4º ano do Ensino Fundamental (Caxias do Sul-RS). A entrevista pautou-se em 3 livros, categorias imagem, prosa e verso, previstas no Edital do Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE (2014). O roteiro da conversa foi construído a partir de Bauer e Gaskell (2002) e a interação com os estudantes ocorreu em dois momentos, um destinado a responder perguntas gerais sobre leitura e outro, específico, focalizando a leitura de cada um dos títulos lidos. A análise dos dados foi realizada com parâmetros construídos a partir de Ramos e Panozzo (2004) e Ramos (2010). Este estudo qualitativo é, predominantemente, descritivo-analítico e aponta que o leitor infantil constrói sentidos por meio de suas vivências, interagindo com diferentes modalidades discursivas. Sinaliza ainda que os vazios inerentes à estrutura textual limitam a concretização da poesia, sugerindo que o Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE, além de fornecer livros literários, deveria contemplar ações mediadoras para que a leitura literária se efetive.

Palavras-chave: literatura infantil; leitura; cultura infantil; repertório

RESUMEN.

Con el objetivo de comprender cómo el niño lee el libro literario infantil, fueron entrevistados alumnos del 4º año de la Enseñanza Primaria (Caxias do Sul-RS-Brasil). La entrevista se basó en 3 libros, categorías imagen, prosa y verso, previstas en el Edicto del Programa Nacional Biblioteca de la Escuela - PNBE (2014). El guión de la conversa fue construido a partir de Bauer y Gaskell (2002) y la interacción con los estudiantes ocurrió en dos momentos, uno dirigido a responder preguntas generales sobre lectura y otro, específico, enfocando la lectura de cada uno de los títulos leídos. El análisis de los datos fue realizado con parámetros construidos a partir de Ramos y Panozzo (2004) y Ramos (2010). Este estudio cualitativo es, predominantemente, descriptivo-analítico y señala que el lector infantil construye sentidos por medio de sus experiencias, interaccionando con diferentes modalidades discursivas. Indica aun que los vacios inherentes a la estructura textual limitan la materialización de la poesía, sugiriendo que el Programa Nacional Biblioteca de la Escuela - PNBE, además de proporcionar libros literarios, debería contemplar acciones mediadoras para que la lectura literaria sea llevada a cabo.

Palabras-clave: literatura infantil; lectura; cultura infantil; repertorio

ABSTRACT.

Aiming to understand how the child reads the children's literary book, we interviewed students from the 4th grade of Elementary School (Caxias do Sul-RS). The interview was conducted based on 3 books - the picture, the prose and the verse categories -, as recommended by the School Library National Program -PNBE (2014). Interviews, built taking Bauer and Gaskell (2002) into consideration, took place in two moments, one designed to answer general questions about the reading and a more specific one which focused on the reading of each title. The data analysis was performed following parameters that were constructed basen on Ramos and Panozzo (2004) and Ramos (2010). This qualitative study is predominantly descriptive and analytical and points out that children build senses through their experiences and knowledge while interacting with different discursive modalities. It also shows that the emptiness inherent to the textual structure limit the realization of poetry, suggesting that the School Library National Program - PNBE, besides providing literary books, should also consider mediating actions so that literary reading can be performed.

Keywords: children's literature; reading; children's culture; repertoire

Introdução

Investigar a recepção de obras selecionadas pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola para os anos iniciais do Ensino Fundamental foi uma das metas de projeto de pesquisa que abriga este artigo2. Aqui são discutidos aspectos relativos ao leitor real a partir de estudos, primeiro, de obras literárias da modalidade livro de imagem, prosa e livro em verso e, na sequência, da leitura que estudantes efetivam das obras. Tendo por base a descrição e análise de dados construídos na investigação, apontam-se procedimentos recorrentes nessa prática e, ao mesmo tempo, indicam-se lacunas que precisariam ser priorizadas nas práticas de leitura literária. A metodologia utilizada foi predominantemente qualitativa, priorizando a descrição e análise, a fim de construir dados, registrar e interpretá-los, contribuindo para o avanço dos estudos na área da educação literária.

Para efetivar a investigação, foram selecionados três livros de literatura infantil, um de cada uma das categorias previstas pelo Edital do Programa Nacional Biblioteca da Escola (2014): Chapeuzinho redondo, de Geoffroy de Pennart (livro em prosa) (2012), A visita, de Lúcia Hiratsuka (livro de imagem) (2013) e, por fim, Jardim de menino poeta, de Maria Valéria Rezende (livro em verso) (2012). O Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE (2014) 3, criado em 1997, foi vinculado e executado pelo Ministério da Educação e visava a incentivar práticas leitoras, procurando aproximar tanto alunos quanto professores da cultura e da informação (Programa Nacional Biblioteca da Escola, 2014). Desse modo, o Programa pretendia qualificar acervos de bibliotecas de escolas públicas, a fim de contribuir para a formação de leitores competentes.

Para responder à questão que norteia esse artigo (anunciada no título), em meados de novembro de 2014, foram realizadas 38 entrevistas com estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública4 (um sujeito não participou de um dos encontros). O educandário, que contempla o Ensino Fundamental do 1 ao 9º ano, situa-se em bairro próximo à região central da cidade de Caxias do Sul/RS. Os alunos selecionados para participar do projeto estudavam numa das duas turmas do 4º ano existentes na escola. Segundo informações do Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual de Ensino Fundamental Matteo Gianella (2014) do colégio, os estudantes eram provenientes do bairro onde se localiza a escola ou de comunidades próximas e até mesmo de localidades rurais próximas. Em geral, filhos de comerciantes, industriais, profissionais liberais, operários e agricultores. A raça predominante dos participantes era branca.

A professora titular de uma das turmas acolheu a pesquisa e indicou 13 crianças com idades entre 9 e 10 anos, que aceitaram ser entrevistadas. As famílias desses estudantes autorizaram a participação das crianças na investigação, atitude expressa pela assinatura de ‘Termo de consentimento livre e esclarecido’. Os encontros tiveram o intuito de investigar como as crianças leem o livro literário infantil. Durante três dias, as conversas ocorreram de forma individual no espaço escolar, contudo não na sala de aula convencional, sendo que cada dia contemplou um dos títulos indicados. No primeiro dia, além da conversa específica sobre o livro em questão, realizaram-se perguntas sobre a relação do estudante com a leitura.

As entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas e analisadas. As respostas foram dispostas em quadros para facilitar a análise dos dados, discutidos neste artigo, o qual está dividido em três partes: a primeira, discorre sobre a interlocução geral realizada com os participantes e traz aspectos sobre a relação das crianças com a leitura; a segunda, discute resultados das entrevistas em relação a cada um dos livros selecionados; e, por fim, a terceira parte aponta resultados gerais depreendidos das sessões de leitura.

Relação dos estudantes com leitura em geral

No encontro inicial realizado com cada aluno, o tema foi a leitura e todos afirmaram que gostam de ler. Sobre o que cada um prefere, a maioria dos participantes revelou apreço por narrativas de aventura e de ficção. A exemplo disso, foi citado o livro Diário de um banana e, também, a autora Paula Pimenta. Essa escolha é justificada pelos entrevistados por serem títulos que geram curiosidade e são divertidos. Um participante defendeu que Diário de um banana é interessante, porque tem uma sequência. Já outro sujeito indicou o autor John Green e a autora Paula Pimenta: “ Porque sabem escrever frases bem completas e os livros deles são interessantes. Eles têm frases bem legais histórias bem criativa (Entrevistado A3). Sobre a preferência por narrativa ficcional, um estudante completou: “Porque são interessantes! Os de ficção me dizem coisas que eu não sabia, que são interessantes, que eu gusto” (Entrevistado A4).

E sobre o gosto geral pela leitura outro sujeito pondera: “[…] histórias que tem um monte de coisas, assim, tipo, que dá pra entrar no livro” (Entrevistado A6). Houve apenas um entrevistado que citou o gibi como leitura preferida: “Gibi! Porque eu acho que tem menos coisa pra ler e é mais divertido” (Entrevistado A5).

Indagadas sobre como escolhem um livro, seis das 13 crianças responderam que, primeiramente, olham a capa. Uma argumentou: “Eu vejo a capa, se for interessante eu leio atrás sobre o livro” (Entrevistado A7). Três relataram que procuram olhar e ler algumas páginas, como este que comentou: “Dou uma olhada. Eu não vou pela capa, eu vou olhando as páginas, lendo um pouquinho. Eu não sou só de pegar pela capa o livro” (Entrevistado A8). Duas destacam que buscam livros que nunca leram. A sistematização dos dados é expressa pela Figura 1,

Figura 1 Como se escolhe um livro? 

Fonte: Gráfico elaborado pelas autoras.

Os entrevistados também foram indagados sobre o que fazem quando não compreendem uma palavra no texto. Onze, geralmente, procuram pelo significado do vocábulo no dicionário, totalizando 84% para esta postura, conforme mostra o Figura 2. Desses, 8% responderam que perguntam para os pais ou buscam auxílio na internet. Um respondeu: “Eu tento entender a palavra. Eu tento reler ela pra tentar fazer sentido […]” (Entrevistado A7), revelando certa autonomia ao aplicar a estratégia de tentar construir o sentido do termo desconhecido por meio de outros elementos textuais.

Figura 2 Procedimento empregado quando não entende uma palavra no livro 

Fonte: Gráfico elaborado pelas autoras.

A respeito da importância de saber quem é o autor e/ou o ilustrador do livro (Figura 3), a resposta das crianças sinaliza que: 62% deles argumentaram que é importante saber quem é o autor e/ou o ilustrador, 23% que não é importante e 15% relatou que depende do caso. Sobre esse ponto, os entrevistados afirmam:

A1 - Sim, para pegar outros do mesmo. Porque fez bem feito.

A2 - Sim, porque daí a gente conhece quem fez e daí, se a gente gostar deste livro, pode escolher mais outros que a pessoa escreveu.

A3 - Não tão importante, só um pouco. Pra dar curiosidade de saber mais, mas não é tão importante.

A4 - Sim, porque posso me interessar pelos livros do mesmo autor. E porque compro livros pela internet pelo nome do autor e descobre outros títulos escritos por ele. Já o ilustrador pode ser diferente.

A5 - Não, só vejo se ele é bem legal (Referindo-se ao livro).

Figura 3 Acha importante saber quem é o autor/ilustrador? 

Fonte: Gráfico elaborado pelas autoras.

Pelos dados oriundos das entrevistas, entende-se que as crianças não têm o hábito e ler paratextos, buscando informações acerca do autor e/ou ilustrador, do livro (ficha catalográfica), nem mesmo acerca da sinopse do título. Os leitores iniciantes, ao elegerem um título para ler, ignoram elementos paratextuais e ingressam diretamente no miolo do exemplar. Tal constatação sinaliza a importância de investir na orientação das crianças para que esses recursos contribuam para qualificar a concretização da obra.

Percepção dos estudantes sobre os livros selecionados

Antes de iniciar a entrevista, cada livro foi colocado sobre uma mesa e foi solicitado que o participante o lesse da maneira como achasse mais conveniente. Nesse período de exploração do exemplar, anterior à entrevista específica sobre o livro, foram observadas e anotadas algumas reações dos participantes.

Em geral, todos os entrevistados leram a obra de forma silenciosa e séria. Poucos demonstraram emoção durante a sessão, sendo que alguns o fizeram através de sorriso em alguns momentos. Parte dos sujeitos fizeram movimento labial durante a leitura de Chapeuzinho Redondo (Pennart, 2012) e Jardim de menino poeta (Rezende, 2012), contudo não emitiram sons. A maioria das crianças apoiou o livro na mesa, tocando-o levemente, e alguns tocavam-no apenas ao virar a página. No livro em verso e no em prosa, procuravam ler primeiramente o texto escrito e depois olhavam a ilustração em cada página.

Revisitando um certo chapeuzinho

Chapeuzinho redondo, de Geoffroy de Pennart (2012), foi publicado originalmente na França, em 2004, e traduzido para o português por Gilda de Aquino. O exemplar utilizado na investigação tem 36 páginas, 25x18 cm de dimensões e é impresso em papel couché.

Após a leitura, todos os participantes relataram oralmente a história lida, em alguns casos, com pequenas alterações. Um entrevistado citou que a Chapeuzinho tinha matado o lobo. Já outro, que a Chapeuzinho tinha virado enfermeira ao invés de veterinária. Também houve um sujeito que se confundiu, chamando a Chapeuzinho Redondo de Chapeuzinho Vermelho. Ao serem questionados se já tinham ouvido ou lido história semelhante, das 13 crianças, 10 lembraram do conto Chapeuzinho vermelho e apenas um, além da Chapeuzinho Vermelho, citou Chapeuzinho amarelo.

Ao serem questionados sobre algo que tenha chamado atenção na leitura, as respostas variaram. Um estudante indicou que Chapeuzinho e vovó pensavam que o lobo era um cachorro. Também foi comentado pelos participantes que a protagonista não era a Chapeuzinho vermelho e sim Chapeuzinho Redondo. As crianças apontaram ainda que a avó atropelou o lobo. E, por fim, o dado mais destacado: o lobo da história não era mau, era bom.

Posteriormente, cada entrevistado foi questionado se o livro suscitou algum sentimento em especial. Alguns disseram que não despertou nenhum sentimento, já outros relataram uma série de sensações tais como amizade, tristeza, alegria, pena. Um sujeito sintetizou:

[…] que mesmo as pessoas más podem virar uma pessoa boa. Já outro completou: De tristeza por causa que eu também achei que o lobo estava morto, antes de virar a página. E alegria depois de saber que ele estava vivo e ficou bom e não fez mais nada, assim (Entrevistado A1).

Também foram questionados quanto à capa do exemplar, mas as percepções foram restritas, evidenciando não perceber elementos constitutivos dessa parte do exemplar. Das 13 crianças, 5 disseram que a capa é legal; 2, interessante; 3, bonita; 1, criativa e 2 não comentaram, conforme mostra o Figura 4.

Figura 4 Opinião acerca da capa de Chapeuzinho redondo. 

Fonte: Gráfico elaborado pelas autoras.

Ao explicar mais sobre suas percepções, concluíram:

A1 - Legal, porque aparece todos os personagens menos o veterinário.

A2 - Achei bem legal, bem colorida e bem desenhadinha.

A3 - Legal porque dá pra perceber sobre o que o livro vai contar.

A4 - Interessante porque tem a Chapeuzinho vermelho, a vovó e o lobo e daí dá mistério antes de ler, porque fico bem curiosa porque geralmente é a Chapeuzinho vermelho e agora é Chapeuzinho redondo.

A5 - Legal! Porque mostra os personagens daí já dá pra trazer como vai ser o livro.

A maioria das crianças aprovou as ilustrações, mas dois comentários foram mais específicos. Um entrevistado relatou que as imagens eram legais, porém não gostou muito das cores, porque, na capa, o vestido e o chapéu da Chapeuzinho Redondo eram vermelhos e, nas páginas posteriores, principalmente, as iniciais, eram de cor laranja. Já outro aluno argumentou: “Mais ou menos legal. Tem umas horas, assim, que ele mostra muita coisa na imagem, que não fazem sentido, como os ratinhos, por exemplo. Eles são engraçados, tem uns dançando, outros fazendo alguma coisa [...]” (Entrevistado A2). Transparece, nas observações infantis, que as ilustrações repetem aquilo que está no texto verbal, como se constata a seguir:

A1- Eu achei que explicava bem o que tava escrito, e bem bonitas também.

A2 - Porque cada parte assim, que tem nas páginas, tem mostrando o desenho do que ela tava fazendo.

A3 - ...foi ilustrado bem pelas palavras que eles botaram embaixo, mostra como se fosse a Chapeuzinho falando, morrendo de susto, mostra a vó dele que, que aqui escreve hã “exclamou a vovó, ao chegar com o veterinário” e ela chega com o veterinário pra ver o lobo e nas outras histórias que eu leio, são mais ou menos parecidas com este tipo de histórias. Antes de botar a imagem certa, eles botam de outra, de outra coisa que eu li, tipo eles botaram aqui e a imagem veio aqui, não vai fazer muito sentido.

As crianças sugerem que as ilustrações deveriam repetir a palavra, alegando que isso estaria realmente acontecendo e, nesse caso, auxiliando no entendimento da escrita. Os leitores são atentos às cores empregadas, e a tonalidade deve se manter em todas as páginas, apontando alterações cromáticas como um dado negativo - como o caso do vestido da Chapeuzinho, que na capa era vermelho e nas primeiras páginas aparecia na cor laranja, voltando a ser vermelho no final do exemplar. A respeito da relação entre palavra e ilustração, Ramos (2010) orienta que num livro literário as linguagens (a verbal e a visual) deveriam se complementar, de modo que a ilustração não se restrinja a repetir aquilo que está escrito e, sim, amplie a proposta de sentido posta pelo texto verbal.

Dos 13 entrevistados, 12 classificaram o livro como fácil de ler, por ter palavras fáceis, ter poucas páginas e as ilustrações ajudarem a compreender o que está escrito. Ainda, 8 participantes constataram que uma leitura é suficiente para entendê-lo, enquanto que 5 leriam novamente para compreendê-lo melhor. Um sujeito apontou que foi difícil compreender a palavra ‘candelabro’ (Pennart, 2012, p. 27). Outro indicou que não entendeu no início da narrativa quando a mãe disse para Chapeuzinho ir pelo campo, mas também tinha a opção de ir pela floresta (achou confuso, denotando não relacionar com a história original de Perrault). Aponta-se, a partir das observações das crianças, que elas ainda não entenderam que o texto literário tem propósito lúdico que pressupõe a dubiedade de sentidos.

Sobre a parte que mais gostaram, várias respostas apareceram, tais como:

A1 - Eu gostei que daí a Chapeuzinho Redondo já ouviu esta história daí, então, ela não ficou com medo do lobo.

A2- Gostei que ela cuidou do lobo e que ela chamou o veterinário pra cuidar do lobo (Referindo-se à vó da Chapeuzinho Redondo).

A3 - Que a vovó tentou ajudar mesmo sabendo que era um lobo.

A4 - Quando a Chapeuzinho acha que ele é um cachorro.

A5 - Mais gostei da cesta da Chapeuzinho porque tinha um monte de bolo dentro.

A6 - Eu gostei do final...ela virou enfermeira.

No caso da resposta do A6, ele confundiu veterinária com enfermeira.

Muitos nada apontaram acerca do que menos gostaram no livro, mas destaca-se a posição de um estudante que se coloca, explicitamente, frente ao enredo:

E o que eu menos gostei na história foi, e não foi uma coisa boa, foi que a Chapeuzinho redondo assustou o lobo, como se fosse uma pegadinha e a maioria das pessoas não gostam e têm algumas crianças, como eu, que tem facilidade e impulsividade e déficit de atenção, que elas ficam impossíveis, elas falam mesmo que a pessoa tenha dito pra parar (Entrevistado A4).

Os participantes foram capazes de narrar de forma satisfatória a história lida, salvo algumas pequenas alterações ocasionadas pela intertextualidade, sua história de leitura ou, simplesmente, por desatenção. As crianças constataram que o lobo da história não era mau, rompendo com estereótipo veiculado por narrativas clássicas. O dado gera surpresa, em virtude do conhecimento prévio de narrativas similares. Em síntese, o estranhamento do leitor frente ao enredo sinaliza que o livro alcançou seu intuito literário - possibilitar ao leitor aproximar-se da obra e interpretá-la conforme sua vivência.

Visitando e lendo imagens

A visita, de Lúcia Hiratsuka (2013), editado em 2011, é um livro de imagem, impresso em papel couché, com 31 páginas e mede 20,5x21 cm. A leitura do título foi realizada pelos participantes de forma séria e silenciosa. Uma criança parou logo no início e perguntou à entrevistadora se o livro era só ilustrado. Sanada a questão, voltou a ler o livro. Nenhum estudante demostrou emoção durante a leitura e, na sequência, cada um contou sobre o que leu no título, revelando seu entendimento acerca da narrativa. Quando questionados sobre o que mais chamou a atenção no título, algumas respostas foram bastante pontuais:

A1 - Que ele tinha medo. O guri tinha medo, do homem e daí ficava espionando ele.

A2- Que no final ele [menino] descobriu que ele era um pintor mas aí, quando ele[menino] foi mostrar pra ele que ele [menino] se encorajou, ele [pintor] já tinha ido embora.

A3- Tem umas partes brancas [preto e branco] e outras coloridas.

A4 - Eu acho que o gurizinho ficou com medo e foi tentando descobrir o que o homem gostava ou o que ele fazia e daí depois, no final das contas, ele descobriu que ele dois gostavam de fazer a mesma coisa, que era pintar, a árvore.

A5- Que o menininho... ele ficou com medo do pintor.

Cada entrevistado interpretou a obra à sua maneira, com base na sua experiência, visto que o exemplar é formado por elementos verbais que a identificam - título, autoria, como também pela materialidade e, por fim, pela visualidade. O medo parece ser o aspecto mais depreendido pelas crianças a partir da interação com o livro.

Quando questionados se tinham lido ou ouvido uma história similar, apenas um participante citou um livro que tratava de uma mãe e seu filho, e que o filho tinha medo, porque a mãe era brava. Alertou também que o livro era escrito com palavras, diferentemente desse e que, no final, o menino/personagem passou a gostar da mãe. A criança não recorda o nome do título. A associação, nesse caso, foi inicialmente pela temática e, na sequência, pelo modo como as histórias se constituem - verbal e visualmente.

Ao serem questionados sobre sentimentos sugeridos pelo título, quatro entrevistados negaram ter sentido algo em especial. Os demais apontaram:

A1 - Que as aparências podem enganar.

A2 - Sim, primeiro saber o que as pessoas vão fazer, antes de agir.

A3 - De dúvida, porque eu achei que o homem era um tio ou o pai dele que ele não conhecia.

A4 -Eu acho que, mesmo o gurizinho, ele não gostava muito do homem, porque o homem era alto, brabo, uma barba assim, e depois ele começou, acho, que gostar mais porque viu que ele tinha mesmo talento de pintar. Eu acho que a gente não pode julgar os outros do que pela pele, pelo rosto assim, a gente tem que julgar por que tem dentro, o coração, o sentimento.

A5 - Sim, Medo. Ele tinha medo né, e depois ele viu que tava tudo bem!

Para dar continuidade à mesma temática da pergunta anterior, questionou-se se o livro sugeria alguma lembrança. Dos 13 entrevistados, 9 disseram que não se recordavam de nada. Entretanto, alguns ponderaram:

A1 - Às vezes sim, quando chega um parente meu e eu nem sei quem ele é e eu fico meio estranhando ele. Faz me lembrar dos livros da primeira série quando não tinha palavras.

A2 - Eu, uma vez eu, veio um tio não é meu tio mas é que eu chamo ele de tio, mas não é nada meu, ele foi lá em casa e eu fiquei meio assustada com ele porque ele era bem alto e, daí fiquei assustada. Mas depois, eu comecei a gostar bastante dele.

A3 - Acho que não, eu só fiquei com um pouco de medo de uma pessoa que ficou lá em casa um dia, mas não tão parecida com esta.

Sentimentos relatados por cada um dos participantes, bem como relatos sobre algo lembrado a partir da interação com o livro, apontam a influência da história de vida na significação de uma obra, propiciando reflexão acerca de situações reais como no caso da resposta de A4 sobre a questão do sentimento despertado pela leitura.

Posteriormente, os entrevistados ativeram-se à capa do livro. Destes, 11 concordaram que a capa, o conjunto de título e ilustração, anuncia a história posta no exemplar. Um dos sujeitos argumentou: “Olha é um título que tu quer saber o que está escrito dentro do livro, daí chama atenção” (Entrevistado A6). Outro sintetizou: “O título tem tudo a ver com o livro porque o homem foi lá visitar e o título do livro é ‘A visita’ e a capa é bonita, não tem o que explicar, é só o menino olhando atrás da árvore, tem a ver também com a história” (Entrevistado A7).

Os participantes relataram ter gostado das ilustrações e, sobre o fato de o livro mesclar cenas coloridas e outras em preto e branco, pontuaram:

A1 - As cores são bem vivas, onde tem, que não é branco né! E as ilustrações tão desenhadas bem. A parte colorida assim, pra destacar mais eu acho, alguma coisa assim.

A2 - Boa e as cores assim, bem pintadas. Eles não pintaram umas partes pra deixar um detalhe no livro.

A3 - Boa, porque parece realista. As cores mais ou menos porque não tinha tudo pintado. Mas gosto assim mesmo. Dá até pra imaginar as cores.

A4 - Gostei, porque tem umas partes que estão coloridas e umas em preto e branco. E as que estão em preto e branco significa que não é pra prestar muita atenção assim, porque as coloridas realçam mais o que é mais importante.

A5 - As cores eu achei alegres e as ilustrações eu achei assim, bem bonitas, parece que tem lápis de, lápis tipo giz, parece que é feito com giz. Não tinha percebido partes com e sem cor. Acho que foi feito assim pra mostrar o que o menino tava pensando no que os outros estavam fazendo.

As crianças levantam hipóteses sobre o uso ou não da cor. Entendem que a cor realça, destaca, de modo que se deve prestar mais atenção às cenas coloridas. Outro dado a ser pontuado refere-se ao fato de os estudantes considerarem a ilustração ‘boa’ por ser realista, sinalizando a importância de recuperar pelo traçado o ser representado. Apenas um, observa o modo como a ilustração é feita - “[…] parece que tem lápis de, lápis tipo giz, parece que é feito com giz […]” (Entrevistado A8), atentando para o material empregado na ilustração.

Algumas crianças não perceberam nada de peculiar nas ilustrações, não notaram e nem questionaram acerca de seres representados, cenário ou mesmo a presença de cores ou a falta delas. Quanto à materialidade do papel usado nas folhas do exemplar, qualificaram-na como de boa qualidade, evidenciando gramatura adequada ao manuseio:

A1 - Boa também porque ela é mais fácil de vira (sic.)

A2 - Bom também, é bem lisinho e bom de passar a mão.

A3 - Boa porque é difícil de rasgar.

A4 - Acho que é boa, nem fina nem grossa.

Dos 13 entrevistados, 9 consideraram o livro difícil de ler pelo fato de não conter palavras (Figura 5). Apontaram que a obra sem palavras necessita que se imagine, que precisa pensar mais, demandando visualizar mais vezes a figura para entender, e a escrita, geralmente, orienta mais o entendimento. Quando questionados se o livro tinha sido fácil ou difícil de ler, um partícipe ponderou: “Não é bem ler né, entender as imagens” (Entrevistado A7). E outro sujeito continuou: “De ler não tem nada, só ali atrás. Só tem coisa pra ler aqui atrás […]” (Entrevistado A9), referindo-se à contracapa do livro. Apenas dois estudantes classificaram o título como fácil. No entanto, em torno da metade dos leitores alertou que leria o livro novamente, denotando que a imprecisão da narrativa implicaria olhar mais apurado do leitor na concretização do título. Outra metade afirmou que leria a obra apenas uma vez. Destaca-se o equívoco na postura da criança que alega que o livro de imagem não seria um livro para ler, porque não possui palavra. Nesse caso, leitura está associada, meramente, à palavra.

Figura 5 Livro A visita: fácil ou difícil? 

Fonte: Gráfico elaborado pelas autoras.

Em relação às dificuldades na leitura de alguma imagem, referiram-se a dados presentes nas páginas 24 e 25: ‘Eu não sei o que ele tá olhando’ (Figura 6); na página 4-5, algumas crianças não perceberam que o protagonista estava abrindo uma cancela para receber o visitante (Figura 7); na página 11, titubearam frente a duas imagens soltas do personagem em meio a um fundo branco (Figura 8); e, nas páginas 14 e 15, quando o protagonista evidencia postura de medo do visitante e esconde-se do desconhecido (Figura 9).

Figura 6 Espando do protagonista 

Fonte: Hiratsuka (2013, p. 24-25).

Figura 7 Chegada de visita.  

Fonte: Hiratsuka (2013, p. 3-4).

Figura 8 Recolhimento do menino. 

Fonte: Hiratsuka (2013, p. 11).

Figura 9 Expressão de medo. 

Fonte: Hiratsuka (2013, p. 14-15).

Sobre o que mais gostaram na leitura de A visita (Hiratsuka, 2013) 2 sujeitos apontaram as ilustrações, outros 2 referiram tudo, sem especificar, 7 nada comentaram e 1 sujeito, apenas, sintetizou: “Que ele [referindo-se ao menino protagonista] criou coragem pra falar com ele [o visitante], e outro: Aquela parte que ele tá acho que no quarto do irmão dele, acho que é o irmão dele, é o que eu mais gostei” (Entrevistado A2). A fala da última criança revela imprecisão no entendimento, no entanto, o entrevistado não voltou à obra para precisar sua observação.

Em síntese, os entrevistados não revelaram intimidade com o livro de imagens e até questionam acerca da possibilidade de ler a visualidade, denotando necessidade de ações mediadoras que contribuam para que se tornem leitores autônomos na significação das imagens.

Conhecendo Um jardim e poesia

Jardim de menino poeta (2012), escrito por Maria Valéria Rezende e ilustrado por Maurício Veneza, é um livro com 32 páginas e 28x21 cm de dimensões. Sobre a interação com o exemplar, os entrevistados fizeram a leitura de forma séria e silenciosa, apenas um sujeito sorriu em alguns versos. Logo após a leitura individual, eles foram questionados sobre a categoria a que pertence o título, e um participante referiu que era um livro de rimas. A maioria das crianças falou um pouco sobre o que leu e apenas um silenciou acerca do exemplar. Todos classificaram o título como um livro de poemas ou poesia e que já tinham lido livro de poemas, mas não semelhante a esse.

Sobre o que mais chamou atenção no título, as crianças indicaram as cores das ilustrações:

A1 - Aquela parte lá, tipo, é lá que daí ela tá olhando pra água daí um peixe come o algo, uma coisa assim.

A2 - É que tem só algumas realidades e algumas não. Tipo, tem às vezes que eles falam que se encostar o dedo na água da borboleta sonolenta azul, fica com teoria da azul, isso daí não acontece. E daí diz que quando a estrela do céu cai na areia, a estrela do mar sobe pro céu, também não é realidade.

A3 - As gravuras. Parecem que foram coladas assim.

A4 - Que às vezes ele falava que era mentira a poesia, só que às vezes era verdade. Ele mesmo assim conseguia rimar.

Pela voz das crianças, a leitura não lhes proporcionou sentimentos ou sensações pontuais. Apenas uma criança indicou que o livro tinha lhe suscitado felicidade e outra alegria. Em relação à composição da capa, a maioria relatou que ela condiz com a temática dos poemas:

A1 - O título chama bastante atenção porque jardim de menino poeta, dá pra ver que ele já é um jardim e tu quer saber o que está escrito e tal. E a capa é muito bonita, tem vários detalhes. Chama atenção também.

A2 - Gostei! Que é assim, de um menino poeta, então ele conta assim, de um jardim dele em forma de poema. É bem legal! E os desenhos assim, também! Gostei!

A3 - Antes de eu começar a ler não fez muito sentido, mas depois que eu comecei a ler o livro eu percebi que é livro de poesia. Eu achei que era só o título mesmo. Eu esperava que o menino estivesse num jardim, mas tava na praia. Não fez tanto sentido. Parece desenho de criança na capa.

A4 - Interessante o título. Eu pensei que ia ser um menino que tinha muito talento de poeta, mas quando li era diferente. Não dava pra saber que era livro de poema.

Os entrevistados, em sua maioria, gostaram das ilustrações e citam que as imagens ajudam a entender o texto escrito. Um sujeito observou que as ilustrações parecem coladas, outro que têm bastantes detalhes. Uma criança percebeu que os desenhos têm ‘risquinhos’: “Eu achei um pouco diferente porque o desenho tem os traços, tracinho no meio, sombreados’ (Entrevistado A5). A possível presença de folha reciclada nos desenhos e a semelhança com tecido recortado foram identificadas pelas crianças.

Quanto ao tipo de papel usado no livro, 8 crianças classificaram que era bom, diferentemente das folhas dos outros exemplares manuseados durante a pesquisa. Um partícipe proferiu que não tinha nada a reclamar; já outro sujeito expôs que a página era macia, enquanto outro a descreveu como áspera e fácil de rasgar.

Dos entrevistados, 6 comentaram que leriam o livro novamente para entendê-lo melhor, talvez não o todo, mas algumas partes. Os demais relataram que uma vez era suficiente para compreender, ignorando a natureza polissêmica dos poemas. Uma criança precisou: “Dependendo da poesia. Tem umas que tem umas palavras meio difícil de ler, daí ler tantas vezes até entender” (Entrevistado A3). Já outro expôs: “Se eu fosse fazer tipo um resumo, eu leria mais vezes ele pra prestar mais atenção. Mas acho que uma vez dá” (Entrevistado A7)). Depreende-se da voz das crianças que não estabelecem relação lúdica com a obra. Talvez o fato possa estar associado a dificuldade que o estudante tem de se colocar como coautor no processo de significação da poesia infantil. Nesse sentido, Ramos e Panozzo (2004) alertam que a presença da poesia nas práticas pedagógicas vividas na escola tende a ser bastante tímida.

Os participantes, no entanto, afirmam que o livro é fácil de ler, alegando que possui palavras fáceis e ‘pouca leitura’, referindo-se à extensão dos poemas. Um sujeito sentenciou: “Fácil, porque ele tem todas as palavras e assim é mais fácil de entender o poema assim” (Entrevistado A3). Uma criança sugeriu que o livro era um pouco difícil, porque há palavras que não entendeu. O vocábulo ‘seixo’, da página 16 (Rezende, 2012), foi o termo mais apontado como difícil de ser compreendido. Mas também apareceu ‘carambola’ (Rezende, 2012, p. 21), ‘náufrago’ (Rezende, 2012, p. 20), ‘borborema’ (Rezende, 2012, p. 27), ‘merendo’ (Rezende, 2012, p. 21). Um sujeito sentenciou (Entrevistado A8) que o poema da página 23 “Uma coisa que eu invejo / é o bico da cegonha... / chega primeiro o seu beijo” (Rezende, 2012, p. 23) não fazia sentido, não era possível compreender o fato de o beijo da cegonha chegar primeiro, já os demais participantes conseguiram entender, atentando-se pelo comprimento do bico da ave.

Sobre o que mais gostaram no título, 5 sujeitos citaram algum verso, outros apenas falaram que gostaram das rimas e dos desenhos. Os poemas indicados pelas crianças foram os da página 11, 17, 23 (citado anteriormente) e 25: “Voar cansa / o pato tirou férias / agora dança […]” (Rezende, 2012, p. 11); “A ventania de agosto / desvia meu chute do gol. / que desgosto!” (Rezende, 2012, p. 17) e “Aquele cisne nem sabe / que a gente o acha / bem mais bonito que o ganso” (Rezende, 2012, p. 25).

Pela interlocução vivida, deduz-se que as crianças, em geral, reconhecem o poema, alegando a presença de rimas como um fator característico. Nenhum participante, entretanto, citou a imprecisão, o simbólico ou a sonoridade como característica do gênero. Possivelmente, os sujeitos ainda não foram autorizados pela escola a agir sobre o texto poético, uma vez que “[...] na poesia, está em jogo o imaginário, não a racionalidade, e no terreno do imaginário os limites são amplos” (Ramos, 2010, p. 48).

Conforme os entrevistados, por se tratar de um livro em verso, com pouco texto verbal e com ilustrações para cada um dos poemas, torna-se fácil de ler. Alguns vocábulos foram trazidos, porque os sujeitos não compreendiam seu significado, mostrando que o repertório das crianças era restrito, mas que um texto com palavras desconhecidas pode ampliá-lo, se os termos ignorados forem explorados.

Por fim, a dificuldade na compreensão de alguns dos poemas deve-se, possivelmente, à dificuldade de as crianças se colocarem como coautoras dos textos. Os entrevistados não conseguiram atuar sobre as imagens poéticas, sobre silêncios dos poemas e não foi apontada nenhuma associação à obra O menino poeta, de Henriqueta Lisboa (2008). O professor ou um leitor mais experiente, em síntese, precisa intervir na formação desse leitor, visando à educação literária.

Considerações finais

As primeiras falas dos entrevistados sobre a leitura e o tipo de livros que apreciam, sinalizam que as crianças leem algum tipo de livro ou gênero textual, contudo, nem sempre os gêneros escolhidos estão de acordo com aquilo que a escola classifica como leitura ideal e podem não estar de acordo com a práxis de sala de aula, que preconiza ação didatizante das práticas leitoras. Ou seja, a leitura de livros, torna-se pretexto, algumas vezes, para outras atividades, gerando no aluno rejeição pela leitura literária.

O leitor literário infantil é capaz de ler e compreender livros de diferentes gêneros, como prosa e livro de imagem, e reconta a história, parafraseando-a e indicando pontos fundamentais. Também identifica aspectos intertextuais do texto, em virtude de leituras prévias. Contudo, falar sobre o livro em verso se mostrou mais difícil aos entrevistados. O sentido que o leitor constrói pauta-se no seu repertório e provavelmente esses estudantes não têm proximidade com esse gênero nas práticas educativas. O texto poético lido nesta investigação é mais esquemático que os outros títulos, os quais evidenciam fio narrativo explícito, favorecendo a concretização da proposta discursiva apresentada. Na poesia, o caráter esquemático do texto e a amplitude que lhe são inerentes torna a proposta discursiva, em geral, mais exigente ao leitor infantil. A voz das crianças aponta na interação com o livro de poesia tende a exigir mais do leitor, o que evidencia a necessidade de mediação intencional do gênero, sobretudo no meio escolar.

Os paratextos das obras não foram considerados pelas crianças, apesar de verbalizarem ser importante conhecer o autor e o ilustrador das obras. Esse dado assinala, mais uma vez, que os alunos em fase escolar deveriam ser instruídos acerca da estrutura do livro e, consequentemente, da importância de informações que integram um livro.

As entrevistas sinalizam que o leitor, mesmo sendo criança, é atento e exigente e que nota, por exemplo, diferenças de cores nas páginas do livro em relação ao que estava posto na capa do mesmo, como em Chapeuzinho Redondo (Pennart, 2012). Também percebem a qualidade da gramatura das folhas usadas nos exemplares, apontando, a partir da densidade, se são boas ou não de manusear e se podem ou não rasgar com facilidade.

Sobre o livro de imagem, um participante indicou que a obra não era para ser lida, sugerindo, novamente, a necessidade de mediação e formação acerca da leitura literária no contexto da narrativa de imagem. Livros de imagem contêm texto, que é visual, e a visualidade carece ser significada. Esse entrevistado classifica a leitura apenas como entendimento do código verbal. Ainda, houve participantes que propuseram que o livro que não tem palavras é difícil de ler, porque é necessário pensar para compreender as ilustrações e ainda relacioná-las, enfatizando, mais uma vez, a necessidade da mediação da leitura.

O estudo aponta em diversos momentos a necessidade da mediação docente. Além de não perceberem elementos paratextuais, alguns não compreendem a visualidade como código a ser lido. Muitas vezes, os alunos não compreendem certas palavras contidas no texto e, embora enfatizem que procuram o significado em dicionário, perguntando a leitores mais maduros ou buscando na internet, poucos o fazem, ignorando sentidos construídos para a apreensão da obra lida.

No geral, os livros selecionados no estudo agradaram aos entrevistados mostrando que o Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE (2014) alcançaria seu objetivo na promoção de práticas leitoras, pois favorece a inclusão do aluno na cultura letrada, amplia seu repertório no mundo letrado e permite a apropriação da leitura literária. Desse modo, o Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE (2014) começava a alcançar seu propósito como política pública de leitura, embora carecesse da parceria direta ou indireta de educadores (professor, bibliotecário, orientador pedagógico, equipe diretiva e ainda gestores de secretarias de educação).

O estudo revela ainda que o leitor infantil lê livros literários de diferentes gêneros e constrói sentidos por meio de suas vivências. Entretanto, os dados discutidos apontam que é importante a existência de políticas públicas e de programas, tais como o Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE (2014). Os livros selecionados pelo Programa contribuíam para ampliar o repertório dos estudantes e também para a que a leitura seja efetivada como ação autônoma do estudante, respeitando a natureza dessa linguagem simbólica.

Referências

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Escola Estadual de Ensino Fundamental Matteo Gianella. (2014). Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual de Ensino Fundamental Matteo Gianella (mimeo). Caxias do Sul, RS. [ Links ]

Hiratsuka, L. (2013). A visita. São Paulo, SP: Difusão Cultura do Livro. [ Links ]

Lisboa, H. (2008). O menino poeta (Il. Nelson Cruz). São Paulo, SP: Peirópolis,. [ Links ]

Pennart, G. (2012). Chapeuzinho redondo (G. Aquino, Trad.). São Paulo, SP: Brinque-Book. [ Links ]

Programa Nacional Biblioteca da Escola. (2014). Recuperado de http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12368&Itemid=575Links ]

Ramos, F. B. (2010). Literatura infantil: de ponto a ponto. Curitiba, PR: CRV. [ Links ]

Ramos, F. B., & Panozzo, N. S. P. (2004). O processo de construção de sentido na narrativa infantil. In Anais do 5º Congresso de Educação (p. 23-35). João Pessoa, PB. [ Links ]

Rezende, M. V. (2012). Jardim de menino poeta. São Paulo, SP: Planeta do Brasil. [ Links ]

1Artigo produzido no âmbito do projeto aprovado pelo processo 305191/2016-0, Chamada CNPq N º 12/2016 - Bolsas de Produtividade em Pesquisa - PQ e do termo de outorga 17/2551-0001 115-5, Edital FAPERGS: 02/2017 - PqG.

2Estudo realizado na Universidade de Caxias do Sul com apoio dos projetos aprovados pelo processo 305191/2016-0, Chamada CNPq N º 12/2016 - Bolsas de Produtividade em Pesquisa - PQ e do termo de outorga 17/2551-0001 115-5, Edital FAPERGS: 02/2017 - PqG.

3O PNBE foi vigente até o ano de 2014 e, desde então, o Governo Federal tem silenciado sobre esta política.

4A pesquisa foi aprovada pelo Comité de Ética conforme parecer consubstanciado nº 926.480.

12NOTA: Declaramos para os devidos fins que os autores Flávia Brocchetto Ramos e Mellna Sauer Giacomin foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados, bem como pela redação e revisão crítica do conteúdo do manuscristo e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

5Article produced under the project approved by the 305191/2016-0 process, CNPq (National Council for Scientific and Technological Development) Call for Proposals no. 12/2016 - Productive and Research Grant - Pq and under the 17/2551-0001 115-5 grant term, FAPERGS Notice (Rio Grande do Sul state Foundation for Research Support): 02/2017 - PqG (Gaucho Researcher Program).

6Study carried out at Universidade de Caxias do Sul with the support of CNPq - National Council for Scientific and Technological Development (No 311541/2013-5 Process and No 43/2013 MCTI/CNPq/MEC/CAPES Notice).

7In Portuguese, PNBE stands for Programa Nacional Biblioteca da Escola.

8PNBE was in effect until 2014 and, since then, the Federal Government has been silent about this policy.

9“Candelabro” could be translated into English using two words (candle holder), not just one.

Recebido: 12 de Dezembro de 2017; Aceito: 03 de Abril de 2018

*Autor para correspondência. E-mail:ramos.fb@gmail.com

Flávia Brocchetto Ramos: Professora no PPGEdu e PPGLet na Universidade de Caxias do Sul. Pesquisadora do CNPq. Líder do Grupo Linguagem e Educação, cadastrado no CNPq. Membro da Comissão Técnica para o Programa Nacional Biblioteca na Escola - PNBE 2015 e da Comissão Técnica da SEB/MEC do PNLD 2018 ORCID: http://orcid.org/0000-0002-1488-0534 E-mail: ramos.fb@gmail.com

Melina Sauer Giacomin: Graduada em Pedagogia pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Especialista em Educação Infantil pelo Centro Universitário Internacional (Uninter). Atua como professora de Educação Infantil no Colégio São José de Caxias do Sul. Também atuou como bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) de 2012-2015. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1232-868X E-mail: melsgiacomin@gmail.com

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