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Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.42  Maringá  2020  Epub 01-Mar-2020

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v42i1.43470 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

Interculturalidade e a temática indígena na educação infantil

Interculturality and the indigenous theme in early childhood education

La interculturalidad y el tema indígena em la educación infantil

1Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Estadual do Centro-Oeste, R. Salvatore Renna, 1606-1730, 85015-430, Guarapuava, Paraná, Brasil.


RESUMO.

Neste estudo temos por objetivo problematizar o trabalho pedagógico com as datas comemorativas dentro das instituições de educação infantil. Dentre as datas comemorativas tomamos o ‘Dia do índio’, dada a relevância e a frequência com que essa data é trabalhada nas escolas e em vista da Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008, que trata da obrigatoriedade do ensino de História e Cultura dos povos indígenas. Trata-se de estudo teórico, com base em autores do grupo modernidade/colonialidade, dentre outros, que nos ajudam a pensar acerca da temática. Primeiramente trazemos uma reflexão sobre as datas comemorativas no trabalho pedagógico. Na sequência tratamos do ‘Dia do índio’, um sujeito que ainda é apresentado às crianças com estereótipos e preconceitos. Posteriormente, salientamos, como resultado dessas problematizações, a relevância de novos direcionamentos no trabalho escolar realizado com as crianças por meio da interculturalidade crítica e criação de novas alternativas de pensamento e sociedade. Como conclusão, o trabalho com a temática indígena na educação deve estar pautado na consideração em igualdade das diferentes formas de conhecimento, de ser e pensar o mundo. Considerando ainda que todos os sujeitos são construtores de conhecimento, inclusive as crianças, atividades mecanizadas e sem significado não têm sentido.

Palavras-chave: povos indígenas; educação infantil; organização do trabalho docente; educação e cultura; currículo

ABSTRACT.

In this study, we aim to problematize the pedagogical work with commemorative dates within institutions of Early Childhood Education. Among the commemorative dates, we took the ‘Indian Day’, given the relevance and frequency with which this date is worked in schools and in view of Law nº. 11.645, March 10 of 2008, which deals with the obligatory teaching of History and Culture of indigenous peoples. It is a theoretical study, based on authors of the modernity/coloniality group, among others, that help us think about the theme. First, we bring a reflection on the commemorative dates in the pedagogical work. In the sequence, we are dealing with ‘Indian day’, a subject that is still presented to children with stereotypes and prejudices. Subsequently, as a result of such problematizations, we emphasize the relevance of new directions in school work with children through critical interculturality and the creation of new alternatives of thought and society. As a conclusion, the work with the indigenous theme in education should be based on the equal consideration of the different forms of knowledge, of being and thinking the world. Considering that all subjects are knowledge builders, including children, mechanized and meaningless activities are meaningless.

Keywords: indian people; child education; organization of teaching work; education and culture; curriculum

RESUMEN.

En este estudio, tenemos como objetivo problematizar el trabajo pedagógico con las fechas conmemorativas dentro de las instituciones de educación infantil. Entre las fechas comemorativas, tomamos el ‘Día del indio’, dada la importancia y la frecuencia con la que esa fecha es trabajada en las escuelas y a la vista de la Ley n. 11.645, de 10 de marzo de 2008, que se ocupa de la enseñanza obligatoria de la historia y cultura de los pueblos indígenas. Es este un estudio teórico, apoyándose en autores del grupo modernidade/colonialidad, entre otros, que nos ayudan a reflexionar sobre el tema. Primeramente, traemos una reflexión acerca de las fechas conmemorativas en el trabajo pedagógico. A continuidad, analisamos el ‘Día del indio’, un tema que aún se presenta a los niños con estereotipos y prejuicios. Posteriormente, como resultado de tales problemas, hacemos hincapié en la importancia de nuevas direcciones en el trabajo escolar con los niños por medio de la interculturalidad crítica y la creación de nuevas alternativas de pensamiento y de sociedad. Como conclusión, el trabajo con la temática indígena en la educación debe estar pautado en la consideración en igualdad de las diferentes formas de conocimiento, de ser y pensar el mundo. Considerando que todos los sujetos son constructores de conocimiento, incluso los niños, actividades mecanizadas y sin significado no tienen sentido.

Palabras-clave: pueblos indígenas; educación infantil; organización del trabajo docente; educación y cultura; plan de estúdios

Introdução

O trabalho com as datas comemorativas está presente, ano após ano, na educação, principalmente com os pequenos. Discussões vêm sendo tecidas sobre o sentido que essas datas tomam no currículo da Educação Infantil e, principalmente, nas vivências e aprendizagens que as crianças têm tido, devido à frequente descontextualização e fragmentação em que o trabalho com as mesmas resulta. Além disso, outra problemática é a folclorização, preconceitos e estereótipos (re)produzidos na Educação Infantil quando as datas envolvem outros grupos sociais e culturais.

A educação das crianças, do ponto de vista histórico, apresenta importantes marcos legais que garantem uma educação de qualidade: a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 2008), em que garante a educação como um dever do Estado e um direito de todas as crianças brasileiras, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), a LDBEN n. 9394 de 1996 (Brasil, 1996) que reafirma esse direito garantindo a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica1 e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009), que objetivam dar suporte e aprimorar o trabalho pedagógico com as crianças na Educação Infantil. No que se refere aos avanços teóricos e legais, Sarmento e Pinto (1997), estudiosos da infância consideram, que esses foram significativos para que as crianças passassem a serem reconhecidas como atores sociais, sujeitos de direitos e, portanto, produtores de cultura e participantes ativos nas relações sociais. Todo esse amparo legal prevê dentro de uma perspectiva humanizadoras um trabalho que valorize a diversidade cultural. E é nesse sentido, que se desenvolvem várias ações na rotina da Educação Infantil envolvendo dentro outros elementos o trabalho com as datas comemorativas, foco desse texto.

Partimos da experiência que tivemos enquanto educadores e pesquisadores para problematizar as datas comemorativas, elegendo como elemento representativo dessa forma de trabalho o Dia do Índio, devido à sua grande recorrência no currículo infantil. Em nossas práticas2 observamos que ainda é muito usual que esse dia seja ‘comemorado’ com pinturas faciais, confecção de cocares e saias de papel, entre outros, que desvalorizam a cultura indígena e partem de uma imagem de índio genérica, desenvolvida durante o nacionalismo da Era Vargas.

Essas representação do indígena como elemento homogêneo e folclorizado está intimamente relacionada com a hierarquização mundial da população em critérios de raça, gênero e trabalho que tem início com a conquista da América em 1492. O sistema do mundo moderno-colonial é construído sobre os alicerces de um conhecimento elaborado nas universidades europeias ocidentais, que justifica a dominação e exploração daqueles e daquelas que não fazem parte do mesmo modo de ser e de pensar dos colonizadores. Os conhecimentos, a cultura, modos de ser, atuar e pensar no mundo dos povos originários, foram inferiorizados e ocultados, processo que continua vivo no imaginário e pensamento ocidental, cristalizado na necessidade urgente de civilizar e modernizar os povos e sociedades. O trabalho genérico sobre os indígenas na educação fortalece e reproduz esse processo. No entanto, os movimentos sociais latino-americanos, especificamente os indígenas, têm lutado historicamente para reivindicar transformações radicais no mundo moderno-colonial.

Partindo desse princípio, apontamos a interculturalidade crítica que surge na década de 1980 a partir das lutas do movimento indígena equatoriano, como uma forma de construir relações sociais e epistêmicas outras com base na igualdade de diálogo entre os diversos povos e suas culturas. A interculturalidade significa uma transformação radical da sociedade em todos os âmbitos, partindo da participação de todos os grupos sociais e culturais excluídos pelo processo moderno-colonial. Nesse sentido, o papel da escola e da Educação Infantil é não apenas trabalhar com a temática indígena de forma esporádica e estereotipada, mas, sim, proporcionar a reflexão e conhecimento das diferentes culturas indígenas, suas lutas no presente e passado, sua história e ricas contribuições para a sociedade, assim como o processo de marginalização de que têm sido alvo. É preciso que as escolas e Centros de Educação Infantil, especificamente, trabalhem em sintonia com os movimentos sociais e com a comunidade, atuando na construção de alternativas de pensamento e sociedade. Esse texto é de cunho teórico e tem como objetivo apresentar a discussão, utilizando o pensamento decolonial latino-americano3 para afirmar a urgência de transformar as relações com as sociodiversidades construídas na escola.

As datas comemorativas dentro do trabalho pedagógico

Carnaval, Páscoa, Dia internacional da mulher, Dia do índio, Dia das mães, Festa junina, Dia dos pais, Dia do folclore, Dia das crianças e Natal, são algumas das datas enaltecidas por diferentes culturas, que são marcadas como um momento importante de relembrar/comemorar algo frequentemente relacionado com a cultura e com a religiosidade. Portanto, estão enraizadas culturalmente e objetivam retratar a memória dos povos. Nora (1993, p. 9) destaca que “[...] o que nós chamamos de memória é, de fato, a constituição gigantesca e vertiginosa do estoque material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de nos lembrar”. Assim, compreendemos que umas das finalidades das datas comemorativas é avivar a memória coletiva. Porém, mais do que avivar a memória coletiva, tem o potencial de atuar como representação e desprendimento.

Para Marín (2013), a memória atua como forma de resgatar o que foi suprimido, como desprendimento, uma experiência de caráter decolonial4 que visa reconhecer e transformar as marcas profundas da colonialidade. A autora salienta que a memória social como representação não é uma entidade essencial dos grupos sociais, mas sim uma construção de larga duração vinculada aos sistemas de dominação e suas dinâmicas de reprodução, como também aos mecanismos de resistência que existem desde o período colonial. A partir dessa memória, emerge a reflexão sobre a colonialidade do poder, pois a memória social cumpriu um papel determinante na fundação das estruturas e lógicas de poder. Ela foi reorganizada da maneira mais conveniente. A libertação da memória também aponta para o papel que professores podem ter: “[...] na rede pedagógica de solidariedade destinada a manter vivo o fato histórico e existencial do sofrimento através da revelação e da análise das formas de conhecimento histórico e popular que foram suprimidas ou ignoradas” (Giroux, 1997, p. 30). A memória nos alerta para as formas de resistência e, portanto, nos dá esperança.

Essas datas comemorativas, que avivam as memórias e trazem sua resistência, também ocupam um lugar de destaque no currículo das instituições educativas. Analisando a questão sob outro prisma, Maia (2017, p. 14), apresenta um contraponto existente ao comentar que:

A religião, o civismo e o consumo aparecem como fatores que deram origem e mantém essa prática. Esse formato de currículo é apresentado tanto como um currículo colado na realidade cotidiana da criança quanto como um currículo que não tem escuta para essa mesma criança. Esse cotidiano na verdade é o que é demandado pela mídia e é norteado por questões morais, religiosas e de consumo.

Para essa autora, a origem do trabalho com as datas comemorativas está pautada principalmente em princípios relacionados com a constituição de uma conduta do sujeito, nos seus aspectos morais, econômicos e religiosos.

No atual momento de reflexão sobre a Educação Infantil, observa-se que elas são focos de discussões no planejamento das instituições. Contudo, a parca literatura que abarca essa temática nos instigou a percorrer um caminho metodológico analítico-reflexivo no qual realiza apontamentos que são essenciais para o estabelecimento de proposta pedagógica que concomitantemente valorize efetivamente as diferenças culturais, bem como considere a criança como protagonista de sua aprendizagem. Ostetto (2012) sinaliza que, dentre as possibilidades de planejar, são tomadas como base as datas comemorativas expressas no calendário letivo. Portanto, o trabalho com essas datas expressa uma forma de organização do planejamento pedagógico da educação infantil.

Nas experiências que vivenciamos constatamos que as datas estão ancoradas em repetições, ano após ano, sendo trabalhadas quase sempre da mesma forma, fato que suscita o seguinte questionamento: Será que está claro o seu papel dentro do currículo? Elas contribuem com a efetivação do currículo ou são abordadas apenas como festividades? Contribuem para a reprodução de preconceitos e estereótipos sobre as diferentes culturas e identidades? Promovem a reflexão e produção crítica sobre as sociodiversidades?

Barroso (2018, p. 23) alerta que “[...] celebradas na escola, as datas comemorativas podem ser uma das estratégias para nutrir memórias e, outrossim, cumprem o papel de tecer ou reiterar identidades”. O posicionamento da autora chama à responsabilidade de como estão sendo trabalhadas essas datas dentro do currículo escolar, fazendo memória à cultura ou reforçando preconceitos e estereótipos?

Dentro dos Centros de educação infantil, o currículo geralmente é trabalhado orientando a constituição e a realização de projetos, os quais valorizam as datas comemorativas. Esses projetos são alterados de tempo em tempo, trocando-se a temática em função do calendário. Essa mudança repentina de temáticas faz com que os conteúdos trabalhados sejam abordados de forma fragmentada. Por conta disso, verifica-se que não há uma sistematização dos conhecimentos. Ao se discutir o currículo dentro das instituições, percebe-se que, enquanto uma parte do grupo propõe discussões a respeito da efetivação de um currículo que atente para as especificidades das crianças, ainda há aqueles que manifestam uma certa resistência, motivados por frases como: ‘as famílias gostam das apresentações e aguardam ansiosas os momentos’, ‘as mães esperam os cartões, mesmo sendo feitos pelas mãos dos professores’ ou ‘a escola sempre fez assim’.

Observa-se que o trabalho realizado com as crianças ocorre de forma desvirtuada de uma educação que priorize as vivências significativas, já que é comum no trabalho pedagógico com os pequenos utilizar a pergunta ‘Hoje é dia do?’. Desse modo, esses dias comemorativos são trabalhados, muitas vezes, desconectados de outros conhecimentos e atividades, pois abandona-se o projeto que estava sendo concretizado em função da comemoração do dia.

Assim, observamos que o trabalho com as datas comemorativas dentro dos Centros de educação infantil é destituído de reflexões por parte dos professores e equipe gestora, pois as atividades geralmente seguem com propostas como lembrancinhas, apresentações, pinturas no rosto, confecções de máscaras, pinturas de atividades fotocopiadas que retiram da criança o poder de imaginar, criar, descobrir, socializar sua cultura e aprender com as demais. Esse fato aponta para uma ruptura entre currículo e conhecimento, desconsiderando a cultural infantil.

Sobre isso, Oliveira (2011, p. 184) menciona:

O planejamento curricular para creches e pré-escolas busca, hoje, romper com a histórica tradição de promover o isolamento e o confinamento das perspectivas infantis dentro de um campo controlado pelo adulto e com a descontextualização das atividades que muitas vezes são propostas às crianças. Tarefas ritualizadas de colorir desenhos mimeografados, de colar bolinhas de papel em folhas e outras são, com isso, substituídas por atividades de pesquisas, de troca de opiniões, de expressão pessoal.

Contudo, o trabalho com as datas comemorativas, em muitos momentos, vai na contramão da proposta da autora em construir um currículo que seja fundamentado em ‘pesquisas, troca de opiniões, de expressão pessoal’. O trabalho com as datas é baseado em atividades repetitivas, com ausência de significados para as crianças e sem a participação efetiva das mesmas.

Os encaminhamentos, desde as lembrancinhas até as apresentações artísticas, são pensados e construídos pelo adulto. Assim, no Dia das mães, Dia do circo, Festa junina, Dia do folclore, por exemplo, a criança não participa da escolha da roupa, da música, da coreografia. É o docente quem escolhe e decide pela criança, a qual, inclusive, não tem autonomia para escolher se quer ou não fazer parte da apresentação artística.

Sousa (2000, p. 100), ressalta que “[...] o mais importante de todo o envolvimento das crianças nessas festas e comemorações escolares deve ser buscado nelas, não em nós ou nos outros”. A autora enfatiza a importância de respeitar o protagonismo infantil, construindo um currículo que seja pensado com as crianças e para as crianças.

Micarello (2006) faz uma crítica salientando que muito mais que a criança, é o professor quem se solta nessas ocasiões, pois se dedica intensamente na preparação das festas, cujo único objetivo é apresentar um produto interessante aos pais. Portanto, a preocupação está, muitas vezes, pautada nos interesses dos adultos, destituídos de reflexões sobre o significado desses de tais encaminhamentos. Nesse sentido, é preciso que o currículo contemple as especificidades das crianças apresentando uma proposta pedagógica que respeite a cultura e a diversidade de cada um.

As diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil tecem esse compromisso com a educação, afirmando como um dos princípios fundamentais na educação infantil a solidariedade e respeito às diferentes culturas, identidades e singularidades:

Desde muito pequenas, as crianças devem ser mediadas na construção de uma visão de mundo e de conhecimento como elementos plurais, formar atitudes de solidariedade e aprender a identificar e combater preconceitos que incidem sobre as diferentes formas dos seres humanos se constituírem enquanto pessoas. [...] é necessário criar condições para o estabelecimento de uma relação positiva e uma apropriação das contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América, reconhecendo, valorizando, respeitando e possibilitando o contato das crianças com as histórias e as culturas desses povos (Brasil, 2009, p. 89).

No entanto, no que diz respeito ao trabalho com o Dia dos índios, essa data ainda é abordada dentro das instituições educativas reforçando preconceitos e estereótipos ancorados na realização de atividades enfadonhas como pinturas no rosto, recortes de penas construídas em E.V.A ou cartolina, confecção de cocares com canudinhos, apresentações das músicas da Xuxa, dentre outras, que empobrecem o poder crítico e criativo das crianças, omitindo as belezas, riquezas e a história dos povos indígenas.

Dia do índio....

A ambiguidade relacionada ao trabalho com a temática indígena na educação brasileira pode ser entendida a partir da relação que o próprio Estado desenvolveu com esse grupo social/cultural. A relação construída/forjada com os povos indígenas durante o Estado Novo revela essa ambiguidade por ter contribuído na elaboração de uma visão e identidade romântica e idílica do índio brasileiro. O projeto nacionalista de Vargas durante os anos de 1937 a 1945 tinha o objetivo de integrar o povo brasileiro, incluindo os povos indígenas, defendidos como as verdadeiras raízes da brasilidade. Vargas prometeu distribuir terras para os índios e caboclos, a fim de fixá-los na terra, tornando-os produtivos, pois acreditava-se que o nomadismo era apenas um estágio evolutivo. Em 1934, Vargas decretou 19 de abril como o ‘Dia do índio’, consagrando um ícone cultural, símbolo de paciência, força inata, fidalguia. Esse processo fazia parte da intenção de integrar o índio para consolidar o Estado, mas, por outro lado, enquanto alguns grupos indígenas engajaram-se nesse projeto, outros rejeitaram-no totalmente ou propuseram outras alternativas (Garfield, 2000).

O Estado reduziu aproximadamente duzentos grupos indígenas que viviam com diversas culturas e línguas a ‘índios’. Isso acabou por sufocá-los, viviam sob um sistema de tutela, considerados relativamente incapazes desde o Código Civil de 1916 (Brasil, 1916). Diante disso, os índios tiveram que lutar para expressar seus próprios interesses, somando-se a isso os séculos de opressão do mundo moderno/colonial que remetem à colonização. Organizaram-se e passaram a endossar os movimentos sociais, cuja importância radica na transformação e reivindicação de uma sociedade capaz de responder às necessidades e características dos diversos grupos sociais e culturais.

Nos currículos escolares, os movimentos sociais começam a exercer considerável influência no Brasil, a partir de 1940, com o movimento negro contrapondo-se ao mito da democracia racial. Nos anos 1980, esse movimento se intensificou com a discussão por parte de homossexuais, igrejas e povos indígenas, tendo esses últimos buscado a retomada pelas suas terras, o direito à educação diferenciada e saúde. Conquistaram, na Constituição Federal de 1988 (Brasil, 2008), por meio dos artigos 210, 215 e 231, o direito de uso da língua indígena e processos próprios de aprendizagem no ensino fundamental; a proteção de suas manifestações culturais; o reconhecimento de sua “[...] organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam [...]” (Brasil, 1988, p. 146).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394 de 1996 (Brasil, 1996) também incorpora essa discussão, especificamente no artigo 26, onde o ensino de História do Brasil deve contemplar as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia. As questões étnicas recebem mais destaque e força com a promulgação da Lei n. 10.639 em 2003, que implementa a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira. Em 2008 essa lei sofreu alterações com a inclusão da obrigatoriedade do ensino de História e Cultura dos povos indígenas, por meio da Lei n. 11.645. Mas, como afirma Silva (2010, p. 41), a inserção desses valores culturais não pode ser pensada apenas como uma conquista dos movimentos sociais e grupos étnicos, afinal, “[...] a educação está sempre atrelada ao desenvolvimento político e econômico”.

Apesar dessas conquistas importantes dos movimentos indígenas, a inserção da temática nos currículos escolares encontra diversos desafios e impasses, como o racismo institucional que ocorre desde o desconhecimento da referida Lei, ao descrédito com as ações que venham atender às suas exigências. Silva (2014, p. 29) indica que a normatização da Lei não ocorreu, sendo que as práticas pedagógicas ainda recorrem a um índio genérico, aquele idealizado na era Vargas, nesse sentido, “[...] negar as identidades dos povos indígenas é a condição para omitir seus direitos, principalmente aos seus territórios”. Uma grande problemática é a formação de professores, dos que já atuam e daqueles em formação.

Concordamos com Silva (2014), quando o autor afirma que a formação continuada tem sido realizada de forma improvisada, sendo recorrente que o índio ainda seja visto como ignorante, incivilizado, selvagem. A formação inicial, como afirmam Collet, Paladino, e Russo (2013), raramente contempla essa temática, e quando isso ocorre é devido a algumas iniciativas de grupos de pesquisa ou laboratórios que contam com poucos recursos e são descontínuas. As autoras também afirmam que as iniciativas governamentais para formação continuada de professores sobre as temáticas indígenas e afro-brasileiras são insuficientes. Os livros didáticos dedicam pouca atenção a esses assuntos e é recorrente que reproduzam estereótipos e preconceitos. Os recursos didáticos para o ensino das histórias e culturas indígenas são ainda menores do que para outras temáticas.

Como exemplo, tomamos a formação de professores que aconteceu no interior do meio-oeste catarinense no ano de 2018, o qual fazia parte do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC, envolvendo professoras do pré-escolar, com o objetivo de discutir sobre a importância do sistema escrito de linguagem e características de sua aquisição pelas crianças. Foi utilizado um texto, espécie de conto, onde um índio não conseguia entender a importância e uso do sistema escrito de linguagem, sendo o homem branco o responsável por tirá-lo da sua ignorância. Trazemos um pequeno trecho do texto que nos permite analisar a inferiorização dos povos indígenas:

Um fazendeiro incumbiu a um índio, ainda não de todo civilizado que

fosse levar dez belas frutas a um amigo. Sobre elas colocou uma carta.

No caminho o índio teve vontade de comer uma das frutas. E não se

conteve: comeu-a! Ao receber o presente o amigo do fazendeiro disse ao índio:

Você comeu uma das frutas?

Índio: Eu?

Amigo: Sim. Está faltando uma.

Índio: Como é que o senhor sabe?

Amigo: Ora essa! Pela carta.

[...] Narrador: O homem sorriu daquela simplicidade, e o índio pôs-se a

pensar no caso. Embora não compreendendo tudo perfeitamente

começou a perceber que os sinais escritos deviam servir para transmitir

um recado - autor desconhecido (Paraná, 2012, p. 67)5.

Ao falar que o índio não era de todo civilizado, o texto o coloca enquanto incivilizado, faz jus ao projeto modernizador/colonizador, processo denominado por mito da modernidade por Dussel (2000, p. 48-49, tradução nossa, grifo do autor):

1) A civilização moderna se autocompreende como mais desenvolvida, superior [...].

2) A superioridade obriga a desenvolver aos mais primitivos, rudes, bárbaros, como exigência moral.

3) O caminho de tal processo educativo de desenvolvimento deve ser o seguido pelo Europa [...].

4) Como o bárbaro se opõe ao processo civilizador, a práxis moderna deve exercer em último caso a violência se for necessário, para destruir os obstáculos da modernização [...].

5) Essa dominação produz vítimas [...] [e] se interpretam como inevitáveis os sofrimentos ou sacrifícios.

6) Para o moderno, o ‘bárbaro’ tem uma culpa (opor-se ao processo civilizador), que permite à ‘Modernidade’ apresentar-se não apenas como inocente, mas também como ‘emancipadora’ dessa ‘culpa’ de suas próprias vítimas6.

É por isso que Dussel (2000) afirma a antecipação do ego cogito cartesiano pelo ego conquiro sobre a América Latina, um ato de irracionalidade violenta que antecipa a racionalidade moderna, invisibiliza o outro e depois o ‘salva’ da sua selvageria e barbárie. Complementa Maldonado-Torres (2007) que o ego cogito possui ao menos duas dimensões ocultas. Sob a alegação de ‘penso, logo sou’ podemos ler ‘outros não pensam’, e no interior de ‘sou’ podemos encontrar a justificação para a ideia de que ‘outros não são’7. Assim, “Eu penso (outros não pensam ou não pensam adequadamente), logo sou (outros não são, estão privados de ser, não devem existir ou são dispensáveis)” (Maldonado-Torres, 2007, p. 144, tradução nossa)8. Já que os outros não pensam e não são, as ações dos conquistadores foram regidas pela não ética de guerra, não pelo código ético que regulava seu comportamento em seus reinos. Assim, com o apelo salvacionista da modernidade, ancorado na violência, grupos cristãos se impuseram a fim de converter os selvagens e bárbaros, no século XVI, seguido do ‘fardo do homem branco’ e da sua ‘missão civilizadora’, nos séculos XVIII e XIX, e, recentemente, do projeto imperial de intervenções militares apoiado no discurso da democracia e dos direitos humanos, no século XXI (Grosfoguel, 2009).

Práticas como essa partem da hierarquização da população, mantendo os indígenas como inferiores, e também desvalorizando sua cultura e conhecimento. Reproduzem na educação a ideia de que somente a sociedade ocidental é capaz de produzir conhecimento, que deve ser universal a todos os povos, sem ao menos dar-se o trabalho de saber quais outras formas de comunicação, por exemplo, existem. Inferiorizar o indígena por não entender o sistema escrito de linguagem ocidental é um ato etnocêntrico e racista, pois parte do princípio da superioridade ocidental e inferioridade de todo o resto, e que também não representa a realidade das populações indígenas, as quais na sua maioria dominam formas próprias de comunicação além da ocidental. Textos como esse fortalecem práticas em sala de aula que desrespeitam a cultura e história indígena, ajudam a manter a hierarquização mundial da população como algo aceitável e normalizado. Tais representações “Tiram dos povos indígenas sua agência histórica, o reconhecimento de sua complexidade e a visibilidade da importância que têm ao longo da história do Brasil e na contemporaneidade” (Collet et al., 2013, p. 6).

Outro fato preocupante foi a proposta da escola em realizar um passeio no Dia do Índio com as crianças caracterizadas. O encaminhamento foi para que os pequenos viessem prontos de suas casas e pudessem desfilar pelas ruas da cidade com suas ‘fantasias’. O intuito era gerar um resultado observável pela comunidade, que já está adaptada a presenciar atividades como essa. Entretanto, nos questionamos: Qual sentido dessa atividade para as crianças? O que aprenderam? Quais conhecimentos construíram? Apoiadas nos estudos da cultura indígena, reconhecemos que, ao contrário de contribuir no desenvolvimento das crianças, elas são desrespeitadas durante momentos como esse, devido à padronização dos movimentos e omissão da liberdade da expressão corporal infantil e do trabalho com a cultura. Além disso, uma imagem genérica de índio foi reproduzida, sem considerar o indígena na atualidade e sua diversidade.

Imagem que também foi percebida nas pesquisas realizadas por Collet et al. (2013) em escolas públicas, a fim de apreender como as culturas e histórias indígenas são abordadas em salas de aula. As autoras constataram que a mesma imagem genérica do índio que a escola transmitia há 60 e 80 anos atrás, continua em vigor nas práticas escolares. As crianças de hoje continuam aprendendo que o índio é um ser vinculado ao passado, sem entender seu papel atual, suas perspectivas e lutas; o índio como ser genérico, sem atentar para a grande diversidade cultural das mais de 300 etnias presentes no Brasil; o índio como alguém que vive na floresta, o índio como ser preguiçoso que ocupa muitas terras sem torná-las produtivas, causando atraso para o país. Tudo isso está ligado com a visão construída pelo colonizador europeu.

No mesmo dia em que foi realizado esse passeio e caracterização das crianças, uma indígena Kaigang foi visitar a escola e conversar com as crianças. No entanto, assim como observado por Russo e Paladino (2016) com uma turma de educação infantil na cidade do Rio de Janeiro, o que poderia possibilitar uma aproximação que vai muito além de livros, filmes ou imagens, sem o devido cuidado, pode reforçar estereótipos. Havia uma grande curiosidade das crianças, mas a convidada apresentou uma fala que não contribuiu para desconstruir esse índio genérico e estático. Ela realizou demonstrações, como cantos e palavras que as crianças queriam saber como eram faladas na sua língua, e exibição de instrumentos como a zarabatana. Fato curioso é que a indígena se vestiu com uma saia de tecido improvisada, com cocar na cabeça e pintura no rosto, exatamente como as crianças estavam preparadas para reconhecê-la a partir da imagem de índio genérico. Além disso, as crianças foram estimuladas a fazerem perguntas à Kaigang, no entanto, essas eram sempre sobre o que os índios faziam na aldeia, para saber se era diferente da sociedade ocidental. As professores e professores poderiam ter estimulado um diálogo que incluísse questões do indígena atual, como suas reivindicações.

Em nossas práticas na educação infantil, presenciamos o ‘Dia do índio’, ano após ano, sendo ‘comemorado’ da mesma forma: crianças enfeitadas com rostos pintados, usando cocares feitos com canudinhos, vestindo saiotes de papel, e não faltam os gritos e cenários com ocas, flechas e florestas. Afinal, de qual índio estamos falando? Quem está se beneficiando com essas práticas? “Como essas imagens ficarão gravadas nas memórias das crianças desde tão cedo? [...] quais as consequências da reprodução dessas desinformações sobre as diversidades étnicas existentes no nosso país?” (Silva, 2014, p. 28).

Nas décadas de 80 e 90, a maioria dos países da América Latina assumiu políticas sociais, educacionais e constitucionais orientadas pelos desígnios neoliberais, sob o intento de ‘incluir’ a todos, inclusive os setores excluídos historicamente, dentro do mercado, para, com isso, apaziguar os conflitos. As reformas educativas tiveram como viés o multiculturalismo de via neoliberal e, mesmo que seu impulso viesse das reivindicações sociais, essas reformas, em sua prática e conceitualização, se esforçaram para adequar a educação às exigências da modernização e do desenvolvimento. Nessas reformas, a interculturalidade aparece como meio para acomodar o discurso da diversidade e da interculturalidade como convivência, tolerância, respeito e reconhecimento da diferença cultural, sem profundas mudanças (Walsh, 2009).

No bojo dessas políticas, que no Brasil foram representadas na educação pelos Parâmetros Curriculares Nacionais9, a interculturalidade aparece como ‘funcional’ ao sistema moderno/colonial. Não se questionam as regras do jogo, as causas da desigualdade social e cultural, tornando a interculturalidade compatível com a lógica do sistema neoliberal. Este problema pode ser observado na produção de textos escolares, na formação de professores e nos currículos usados nas escolas, que, sob a alegação intercultural, reproduzem estereótipos e processos coloniais de racialização de indígenas e negros. Na formação docente, essa discussão geralmente se limita ao tratamento antropológico de tradição folclórica. Nas salas de aula, a aplicação é marginal ao máximo. O objetivo é manter as relações sociais e culturais como estão, reproduzindo a hierarquização da população, mantendo os povos indígenas como exóticos e alheios ao mundo moderno, invisibilizando-os enquanto sujeitos históricos e políticos. Nesse sentido, apontamos que o trabalho com a temática indígena e com as diversidades deve ocorrer no sentido de uma transformação radical, apontada e já realizada pelos movimentos sociais latino-americanos.

Tecendo memórias

O trabalho com as questões étnicas, e especificamente com a temática indígena, deve ser pautado na interculturalidade crítica, que parte não apenas da educação escolar, mas de diferentes âmbitos da sociedade: jurídico, da saúde, do meio ambiente, da economia, da produção cultural e da política. É entendida como projeto político, social, epistêmico e ético direcionado para a transformação estrutural e sócio-histórica para a construção de uma sociedade radicalmente distinta. É algo ainda por construir, que surge da demanda da subalternidade, desde abajo. Essa transformação radical vai acompanhada pelo questionamento, reconhecimento e crítica da configuração de poder colonial que subjuga os povos e suas formas de ser, viver e pensar; pelo desprendimento a partir dessa memória, que também possui as bases para o reposicionamento dos saberes e dos modos de ser que foram subjugados; a partir daí, a transformação é seguida pela abertura do diálogo em posição de igualdade, para então ser possível a construção de modos outros de ser, viver, sentir, conhecer, etc.

Para que isso seja possível, apostamos na radicalidade dos movimentos sociais latino-americanos, que, como afirma Sousa Santos (2010), nos últimos trinta anos, protagonizaram as lutas mais avançadas, que se originaram de forma muito distinta das privilegiadas pela teoria crítica: o sindicato e o partido. Não habitam centros urbanos industriais, mas sim lugares remotos desde a selva amazônica ou de Chiapas, aos Andes sul-americanos. Os termos que emergem de suas lutas não são socialismo, direitos humanos, democracia ou desenvolvimento, mas sim dignidade, respeito, território, autogoverno, o bem viver, a Mãe Terra10. Os movimentos sociais latino-americanos partem de conhecimentos ancestrais, populares e espirituais que sempre foram alheios à cientificidade da teoria crítica eurocêntrica, por isso, trazem o repensar sobre o desperdício da experiência.

Por sua vez, a razão moderna-ocidental é indolente, se reivindica como a única forma de racionalidade válida, não se dedica a descobrir outras racionalidades a não ser para transformá-las em matéria-prima. Não pensa o futuro porque julga saber tudo sobre ele, considerando-o como uma superação linear, automática e infinita do presente (Sousa Santos, 2010). Por isso, tomar distância desse conhecimento e de sua razão indolente é necessário, sem desconsiderar suas ricas contribuições, mas assumindo que temos problemas modernos para os quais não existem soluções modernas. Essa distância leva a uma aproximação com versões subalternas, silenciadas e marginalizadas de modernidade e racionalidade, tanto ocidentais como não ocidentais (Sousa Santos, 2010). Esse distanciamento implica decolonizar a visão que foi construída sobre os povos indígenas, assim como de outros grupos subalternizados.

Desde a colonização da América, iniciada em 1492, a população mundial foi hierarquizada em critérios de raça, trabalho e gênero. Novas identidades sociais foram produzidas (índios, negros, mestiços, brancos e mais tarde, amarelos), e também as geoculturas do colonialismo (América, África, Ocidente, Europa, Oriente e Oceania, mais tarde). Essas identidades foram associadas a hierarquias, lugares e papéis sociais configurados em relações de dominação. Foram associados com uma distribuição racista do trabalho, uma divisão internacional do trabalho, que se expressou na quase exclusiva associação do trabalho assalariado e da administração colonial com a branquitude.

Não apenas foram hierarquizadas as novas identidades, como também todas as formas de subjetividade, cultura e conhecimento passaram a ser controladas sob a hegemonia europeia. Todas as experiências, histórias, recursos e produtos culturais foram articulados por uma única ordem cultural, global e ocidental. Toda essa falácia construída em torno do modelo europeu como ideal de civilização, cultura, conhecimento e, ainda, sob a hierarquização racial da população mundial, contribuiu para uma inferiorização da população que não se enquadra nesses quesitos. As novas identidades criadas com a colonização da América remetem a relações que são verticais e não horizontais, ou seja, algumas identidades denotam superioridade sobre outras. E esse grau de superioridade se justifica com relação aos graus de humanidade atribuídos às diferentes identidades. Em geral, quanto mais clara for a pele de alguém, mais próximo estará de representar o ideal de humanidade. Para Maldonado-Torres (2007), assim como existe uma diferença epistêmica colonial que permite observar o funcionamento de uma colonialidade do conhecimento, existe uma diferença ontológica colonial que revela a colonialidad del ser.

Enquanto a diferença epistêmica colonial, ou simplesmente diferença colonial para Mignolo (2000), é um mecanismo hegemônico de subalternização do conhecimento não ocidental, que impõe a inferioridade e a diferença a quem se classifica para justificar a colonização, a diferença ontológica colonial, colocada entre o ser e o que existe abaixo dele, como um sub-outro, marcado como utilizável ou dispensável, permite uma diferenciação clara entre a subjetividade humana e a condição de sujeitos sem resistência ontológica. “A invisibilidade e a desumanização são as expressões primárias da colonialidade do ser” (Maldonado-Torres, 2007, p. 150, tradução nossa)11. Então, a dominação e a subalternização dos colonizados acontecem em três esferas interligadas: racialmente com a colonialidade do poder, epistemologicamente com a diferença colonial e ontologicamente com a colonialidade do ser.

A visão eurocêntrica da modernidade e da centralidade europeia nesse processo levou à construção do imaginário da civilização ocidental, uma imagem ‘interior’ construída por “[...] instruídos e instruídas, viajantes, estadistas de todo tipo, funcionários eclesiásticos e pensadores cristãos, [que também] esteve sempre acompanhada de um ‘exterior interno’, quer dizer, de uma ‘exterioridade’ sem estar ‘fora’” (Mignolo, 2000, p. 56, tradução nossa, grifo do autor)12. Fazem parte desse exterior os mouros, judeus, ameríndios e escravos africanos, que passaram a figurar como a diferença (exterioridade) no interior do imaginário moderno/colonial. A construção deste imaginário também envolve as resistências a partir da diferença colonial, mas que foram apagadas da história13. Esse imaginário surgiu de uma articulação de forças, de vozes ouvidas e silenciadas, de memórias compactas ou fraturadas, de uma história que é contada a partir de apenas um lado, que suprime outras memórias e fatos.

Nesse sentido, o resgate da memória é uma ferramenta que traz à superfície conhecimentos, modos de ser e pensar, resistências e lutas tornadas inexistentes pelo conhecimento moderno-ocidental. A memória coletiva traz a resistência indígena para afirmar que o indígena não constitui um grupo homogêneo, que atuou somente a favor da conquista e ocidentalização, mas sim um sujeito histórico e político que por sua heterogeneidade teve diferentes papéis nesse processo. O índio torna-se plural, torna-se povos indígenas, numa riqueza cultural e epistêmica que a colonização tentou apagar e que o Estado Novo, em sua tentativa de homogeneização, tentou efetivar. Somente a construção de novas alternativas epistemológicas e sociais, baseadas no que os movimentos sociais têm a contribuir, já que sua lógica parte de uma racionalidade libertadora para a construção de uma democracia horizontal que vai além de uma democracia formal, pode tornar possível que um diálogo em forma de igualdade seja realizado entre as diferentes epistemologias que emergem desse processo, no sentido de interculturalizar a sociedade como um todo.

O papel da escola nesse processo é crucial no sentido de que somente uma transformação cognitiva pode tornar possível um mundo melhor. Os diferentes conhecimentos e modos de ser precisam ser considerados em complementaridade, desconstruindo a hierarquização mundial da população. Nessa direção, o ‘Dia do índio’ não deve ser uma data para folclorização, homenagear ou comemorar esse dia não tem nada a ver com pintar rostos e fazer cocares. Tem a ver com refletir sobre o lugar que habita o indígena hoje, da exclusão, e também das resistências e pluralidades. Uma estratégia interessante é convidar os próprios indígenas para falar da sua história e cultura, e não apenas em um único dia, mas envolvendo escolas e comunidades indígenas em vários momentos, fazendo visitas, trocas, etc. É interessante utilizar vídeos, imagens e textos que tragam a diversidade dos povos indígenas e que suscitem reflexões sobre sua opressão e exploração, assim como de suas lutas.

Considerações finais

A Educação Infantil como primeira etapa da educação básica, cujo objetivo é formar integralmente a criança, considerando os princípios das sociodiversidades, e ainda diante da Lei n. 11.645, constitui-se em importante momento para inserir os sujeitos em representações que contribuem para a formação de identidades positivas, não apenas de si mesmos, mas principalmente dos outros. Mais do que isso, quando se fala a partir da perspectiva subalterna, das vozes do Sul do mundo, como dos povos indígenas, a transformação da sociedade atual com sua hierarquização da população, saberes e culturas, só será possível com uma mudança epistêmica. Na direção oposta, as atividades observadas pelas autoras e pelo autor deste artigo, e que são comuns na escola, mecanicamente retiram do índio sua identidade própria, dando a ele uma identidade homogênea e exterior, mecanicamente retiram das crianças sua potencialidade criadora e crítica.

Sob uma perspectiva decolonial, a temática indígena na Educação Infantil, assim como nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino, deve partir de princípios interculturais e éticos. O distanciamento da racionalidade moderna-ocidental é o ponto de partida para construir epistemologias e sociedades outras baseadas na racionalidade libertadora dos movimentos sociais, como o movimento indígena. É preciso que a imagem idílica, romantizada e folclorizada do índio seja desconstruída, pois é fruto da ambiguidade que o próprio Estado construiu com relação a esse grupo. Lembrando ainda que a desconsideração da história e cultura indígena está relacionada com interesses políticos e econômicos, como a invasão das terras e exploração dos recursos indígenas.

O trabalho com a temática indígena na educação deve estar pautado na consideração em igualdade das diferentes formas de conhecimento, de ser e pensar o mundo. Considerando ainda que todos os sujeitos são construtores de conhecimento, inclusive as crianças, atividades mecanizadas e sem significado não têm sentido. Decolonizar a educação implica que os atores do processo educativo sejam construtores ativos desse processo. Implica ainda que os diferentes grupos sociais e culturais sejam considerados em um diálogo de igualdades, rumo à construção de uma sociedade melhor e mais justa. Materialmente, implica investir na formação de professores, inicial e continuada, em recursos didáticos que aprofundem a temática indígena, que formem o olhar do professor para a alteridade. Implica, assim como fazem os povos indígenas, em tomar o espaço escolar como está e transformá-lo em algo melhor, de acordo com princípios orientados pela igualdade de diálogo entre as diferentes culturas e povos.

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1De acordo com a referida lei dividida em duas etapas: I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade (Brasil, 1996, art.30).

2Este texto origina-se de problematizações que partem de nossas vivências profissionais enquanto educadoras infantis, além de possuir relações com as pesquisas desenvolvidas no âmbito do Mestrado em Educação, realizado na Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, Unicentro.

3O pensamento decolonial latino-americano tem origem com o grupo de investigação da Modernidade/Colonialidade, formado por vários intelectuais da América Latina, alguns residentes nos Estados Unidos. Algumas figuras centrais para o trabalho do grupo são o sociológo peruano Aníbal Quijano, o semiólogo e teórico cultural argentino/estadunidense Walter Mignolo e o filósofo agertino/mexicano Enrique Dussel.

4Não há que se confundir ‘decolonialidade’ com ‘descolonialidade’, enquanto o primeiro termo se refere ao processo histórico de transcender a colonialidade e o padrão de poder colonial, o segundo termo se refere à superação do colonialismo, tem relação com as lutas por independência coloniais. Decolonialidade significa um processo de superação mais profundo e complexo, que envolve a superação da hierarquização mundial sob os critérios de raça, trabalho e gênero. Tem relação ainda com a superação da subalternização de conhecimentos, subjetividades, experiências e formas de vida (Rastrepo & Rojas, 2010).

5Esta pequena história pode ser encontrada em vários sítios eletrônicos na internet, como, por exemplo, no material disponibilizado pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná - SEED, intitulado ‘O professor PDE e os desafios da escola pública paranaense: produção didático-pedagógica’ (Paraná, 2012).

61) La civilización moderna se autocomprende como más desarrollada, superior [...]. 2) La superioridad obliga a desarrollar a los más primitivos, rudos, bárbaros, como exigencia moral. 3) El camino de dicho proceso educativo de desarrollo debe ser el seguido por Europa [...]. 4) Como el bárbaro se opone al proceso civilizador, la praxis moderna debe ejercer en último caso la violencia si fuera necesario, para destruir los obstáculos de la modernización [...]. 5) Esta dominación produce víctimas [...] [y] se interpretan como inevitables los sufrimientos o sacrifícios. 6) Para el moderno, el ‘bárbaro’ tiene una culpa (el oponerse al proceso civilizador) que permite a la ‘Modernidad’ presentarse no sólo como inocente sino como ‘emancipadora’ de esa ‘culpa’ de sus propias víctimas.

7Para o autor mencionado, o ego conquiro é também ego fálico, porque a guerra inclui a violação da sexualidade feminina além de matar e escravizar o inimigo. Até mesmo os homens de cor são vistos sob esta lente, são feminizados e se convertem para o ego conquiro em sujeitos fundamentalmente penetráveis.

8Yo pienso (otros no piensan o no piensan adecuadamente), luego soy (otros no son, están desprovistos de ser, no deben existir o son dispensables).

9Os PCNs foram lançados em 1997 pelo MEC e pela Secretaria de educação fundamental com o intuito de servir como currículo nacional para a educação básica (apesar de não ser obrigatório), nesse sentido, propõe objetivos, conteúdos essenciais, critérios de avaliação e orientações didáticas. Como afirma Moreira (1996) , a implantação dos PCNs seguiu o modelo do que vinha ocorrendo em outros países, como Espanha, Estados Unidos, Inglaterra e Argentina, sob o viés neoliberal. O autor afirma que as discussões que antecederam a implantação dos parâmetros não foram amplas e que uma perspectiva neoliberal orientou sua elaboração. Com relação ao multiculturalismo, Moreira (1996, p. 11) prossegue dizendo que “[...] a preocupação dominante é a de colocar o currículo a serviço da homogeneização cultural”.

10Sucintamente, pode-se dizer que Suma Kawsay (do quéchua, suma: bem; kawsay: viver), é uma expressão indígena que representa outro modelo de pensar e fazer a vida em sociedade, não como pauta o viver melhor capitalista (onde viver melhor significa possuir mais riquezas e bens materiais, e que implica no ‘viver mal’ da maioria). Como afirma Boff (2013, grifo do autor), “O ‘bem viver’ supõe uma visão holística e integradora do ser humano inserido na grande comunidade terrenal que inclui além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os animais; é estar em profunda comunhão com a Pacha Mama (Terra), com as energias do universo e com Deus”. Implica que a preocupação não é acumular, mas produzir o suficiente para todos em harmonia com a natureza, o convite é também pensar uma nova democracia, uma sociedade plurinacional que respeita a natureza, a diversidade e os povos originários. Nesse sentido, a Mãe Terra/Pacha Mama é pensada como algo muito diferente do que a noção cartesiana que separa a humanidade da natureza, é pensada como algo intrinsicamente constituinte da vida e que também é considerada como ser vivo a ser respeitado e não algo a ser incansavelmente explorado.

11La invisibilidad y la deshumanización son las expresiones primarias de la colonialidad del ser.

12letrados y letradas, viajeros y viajeras, estadistas de todo tipo, funcionarios eclesiasticos y pensadores cristianos, [que tambien] estuvo siempre acompanãda de um ‘exterior interno’, es decir, de una ‘exterioridad’ pero no de un ‘afuera’.

13Como aconteceu com a Revolução Haitiana. Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França reconhecia que todos os homens eram iguais e livres, no entanto, essa igualdade não se estendia à população da então colônia francesa de Saint-Domingue (Buck-Morss, 2011). Por isso, pode-se dizer que a Revolução Haitiana foi muito mais radical e de fato promoveu a igualdade entre todos, pois levou à eliminação da escravidão e à independência do Haiti. A Revolução Francesa é tão proclamada por seu universalismo, mas na verdade excluiu negros, mulheres e pobres da condição de igualdade. Por sua vez, a Revolução Haitiana é esquecida pela história oficial.

17NOTA: Os autores foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão críticas do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada

Recebido: 26 de Junho de 2018; Aceito: 10 de Setembro de 2018

*Autor para correspondência. E-mail: alessandrodemelo2006@hotmail.com

Alessandro de Melo: Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, Mestre em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Professor do Departamento de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Centro-Oeste. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6119-5081 E-mail: alessandrodemelo2006@hotmail.com

Débora Ribeiro: Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste. Doutoranda em Educação na Universidade Federal. Atuou vários anos como educadora infantil, atualmente é professora de pós-graduação latu senso e integrante do Grupo de Estudos em Trabalho, Educação e História, GETEH, da Unicentro. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9856-555X E-mail: deboraribeiromsncom@msn.com

Eliane Dominico: Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO. Doutoranda em Educação na Universidade Estadual de Maringá- UEM. Tem experiência na área de educação, com ênfase em Educação Infantil. Integrante do GEPEDIN/CNPq- Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil da Unicentro. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2320-4036. E-mail: nane_dominico@hotmail.com

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